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Nathália Muniz Medicina Veterinária UFRB Morfologia Macroscopia: O fígado é marrom-avermelhado, com superfície lisa, friável e recoberto por cápsula de tecido conjuntivo que se adere estreitamente a um folheto do peritônio visceral recoberto por células mesoteliais. Tem uma face convexa voltada para o diafragma (face diafragmática) e uma côncava em contato com as vísceras abdominais (face visceral). É dividido em lobos, por fissuras particularmente profundas em cães, gatos e suínos, pouco profundas em equinos e quase ausentes em bovinos. O fígado apresenta dupla circulação aferente: pela veia porta e pela artéria hepática, esses vasos penetram no fígado junto à fissura portal, em uma estrutura referida como porta hepática, e se distribuem pelos lobos hepáticos. A veia porta é responsável por 75% do sangue que chega ao fígado vindo dos pré-estômagos e estômago glandular, intestino, baço e pâncreas. A artéria hepática contribui com 25 a 30% do sangue do sangue, penetra o fígado e se distribui pelos lobos paralelamente à veia porta. O sangue da veia porta e da artéria hepática mistura-se nos sinusoides hepáticos. O fluxo eferente do fígado, ocorre pela veia hepática, um vaso curto tributário da veia cava caudal. Microscopia: No centro do lóbulo há uma veia centrolobular, onde convergem as placas de hepatócitos, no ângulo do hexágono localizam-se os espaços porta, onde se pode observar três (tríade portal) tipos de estruturas tubulares: ramo da veia porta, ramo da artéria hepática e ductos (ramo do ducto biliar) revestidos por epitélio cubico ou colunar simples. Quando considerado como uma glândula secretora de bile, o fígado é subdividido em ácinos. • Zona 1- centrolobular. • Zona 2- medizonal. • Zona 3- periportal. A zona 1 situa-se mais próxima do suprimento de sangue, e a zona 3 fica mais afastada desse suprimento, próxima à veia centrolobular. A zona 2 está entre as zonas 1 e 3. Diferente dos outros órgãos, 70% do oxigênio vem de uma veia hepática. Ao chegar na veia centro lobular o sangue está desoxigenado. Qualquer alteração hematólogica em qualquer mamífero resulta em necrose centrolobular. Qualquer causa de anemia vai resultar em necrose no centro do lóbulo, pois esses hepatócitos vivem no limiar da oxigenação. Obs: os termos centrolobular, periacinar e zona 3 indicam a mesma região; do mesmo modo que centroacinar, periportal e zona 1 são sinônimos e indicam a mesma região hepática; e, ainda, que a zona média do lóbulo pode ser referida tanto como mediozonal ou zona 2. Funções hepáticas • Metabolismo da bilirrubina • Metabolismo de ácidos biliares • Metabolismo de gorduras • Metabolismo de carboidratos (glicogenólise, gliconeogênese) • Metabolismo de substancias tóxicas (citocromo P-450 possui várias funções e possui sua maior concentração no centro do lóbulo, dessa forma, quando existe a ingestão de algum princípio toxico que deve ser metabolizado pelo fígado, essa é área que será atingida) • Metabolismo de proteínas (albumina, fibrinogênio) • Função imune (As células de kupffer são os macrófagos especializados residentes no fígado, responsável pela imunidade celular ou fagocítica). Na insuficiência hepática alguns desses pontos vão possuir falhas de função. O que decide o comprometimento da função é o padrão de lesão e o tipo de patógeno. O animal vai manifestar essa insuficiência em quatro grupos de sinais clínicos: distúrbios do fluxo biliar, manifestação cutânea, manifestação neurológica e alteração hemostática. Patologia do Fígado Não lesões ou lesões de pouco significado Telangectasia ou angiomatose: manchas vermelhas, arredondadas e deprimidas que representam a dilatação dos sinusóides. Manchas de leite: em suínos; migração de Ascaris suum. Franja fribrótica: em equinos; resultam de cura, cicatriz ou migração de larvas de Strongylus edentatus. Lipidose de tensão: identifica-se por áreas focais bem demarcadas, pálidas ou amareladas, de forma geométrica, localizadas próximo às bordas do fígado ou em qualquer local do órgão onde existam ligamentos de tecido conjuntivo ou aderências fibrosas. São comuns em equinos, aparecem com menor frequência em bovinos. Hiperplasia cística mucinosa da vesícula biliar: Hiperplasia cística mucinosa da vesícula biliar é um achado incidental de necropsia em cães velhos (idade média de 10 anos). Macroscopicamente, a mucosa encontra-se espessada por múltiplos cistos, e a bile está viscosa ou semissólida. Histologicamente, há hiperplasia cística da mucosa, com glândulas preenchidas por muco. Hiperplasia nodular do fígado: Hiperplasia nodular benigna do fígado consiste em nódulos de hepatócitos bem delimitados, de tamanhos variáveis, em geral múltiplos, distribuídos aleatoriamente pelo parênquima hepático e que não interferem na função do órgão. A lesão ocorre com alta frequência em cães e é rara em outras espécies, embora tenha sido relatada em suínos. A incidência da hiperplasia nodular está relacionada com a idade; aparece em cães adultos (6 a 8 anos de idade), e 70 a 100% dos cães com 14 anos apresentam essa lesão Alterações pós-mortem • Embebição biliar • Pseudomelanose • Impressão costal (áreas pálidas) • Bolhas de gás (putrefação) Anomalias do desenvolvimento • Cistos congênitos: Doença policística de origem hereditária, caracterizada por múltiplos cistos no fígado e no rim, ocorre em gatos (principalmente persas), cães (principalmente terriers Cairn e branco West Highland) e cabras. Animais afetados morrem em virtude de insuficiência hepática ou renal. Fibrose hepática congênita associada a múltiplos cistos biliares é descrita como uma alteração hereditária autossômica recessiva em equinos da raça Freiberger suíça. • Acentuação do padrão lobular: Um grau moderado de acentuação do padrão reticular é observado frequentemente no fígado de gatos e equinos, sem associação com lesões necróticas. O exame histológico do fígado, nesses casos, revela apenas congestão centrolobular e discreta vacuolização (lipidose) dos hepatócitos. Se tiver a presença de fibrina, se pensa em congestão passiva crônica, um problema hepático. • Anomalias da vesícula biliar: Vesículas bi ou trilobadas e vesículas extremamente tortuosas ou inseridas no parênquima, são achados de necropsia relativamente comuns em gatos e não associados a sinais clínicos. Insuficiência Hepática Distúrbios do fluxo biliar: Colestase e icterícia. Manifestações cutâneas: Fotossensibilização e fotodermatite. Manifestações neurológicas: Encefalopatia hepática e hipoglicemia. Alterações hemostáticas e hemodinâmicas: Hemorragias, hipoalbuminemia e edema. Distúrbios do Fluxo Biliar – Colestase e Icterícia Icterícia pré-hepática: Doenças que causem hemólise principalmente intravascular. Sobrepõe a capacidade do fígado de metabolizar a bilirrubina, ou seja, há bilirrubina não conjugada (livre) na circulação. O baço vai estar aumentado e causa hemoglobinúria. Icterícia hepática: Lesão hepática difusa grave, aguda ou crônica. Cirrose, necrose hepatocelular, Dálmata que não possui alantoína, ou seja, qualquer problema que impeça a conjugação da bilirrubina pelo fígado. Icterícia pós-hepática: Obstrução dos ductos biliares extra-hepáticos (parasitas, colélitos, tumores) ou intra-hepáticos (toxina de plantas). Qualquer alteração que impeça mecanicamente a bilirrubina conjugada de chegar até a luz intestinal. Fezes pálidas e tecidos amarelados. Manifestações cutâneas Existem duas delas: a fotossensibilização e a fotodermatite. Não são sinônimos. A fotossensibilização é a hipersensibilidade da pele decorrente da presença de pigmentos fotodinâmicos. Porém, sóhá lesões decorrentes de uma fotossensibilização, se o animal se expor ao sol, que ocasiona a fotodermatite. Fotossensibilização primária: não há o envolvimento do fígado no processo. Ocorre por ingestão de plantas com pigmentos fotossensibilizantes (Furocumarinas, Antraquinonas, Naftodiantronas). Esses pigmentos já são naturalmente fotoreativos e quando são absorvidos pelo TGI, eles ganham a circulação e se acumulam na pele, fotossensibilizando o animal. Quando este é exposto ao sol, há uma reação com a luz ultravioleta levando a fotodermatite. Derivados da fenotiazina em doses elevadas também pode levar a fotossensibilização e fotodermatite. As plantas tóxicas fotossensibilizantes são: - “Ervanço branco” (Froelichia humboldtiana), foi descoberta pelo professor Luciano Pimentel, município de Tucano. É fotossensibilizante por conter o pigmento Naftodiantrona. A intoxicação ocorre principalmente em equídeos, já que não possui boa palatabilidade, mas os cavalos consomem sem muitos problemas. - “Falsa dormideira”, “amendoinzinho” (Chamaecrista serpens), tem grande capacidade de se difundir nas pastagens (podendo muitas vezes serem a única fonte de alimento na pastagem). Bovinos consomem sem problemas. - “Quiabo bravo” (Malachra fasciata), além de provocar lesões fotossensibilizantes, também provoca dermatite de contato. Fotossensibilização secundária: é secundária a uma falha hepática. No herbívoro, a clorofila é absorvida no intestino e é metabolizada em filoeritrina. Essa molécula é de difícil excreção, por conta disso ela vai até o fígado para ser conjugada, retorna para o fígado onde vai ser excretada. Quando existe um problema hepático grave ou quando o animal ingere algum composto tóxico, essa conjugação não vai acontecer, fazendo com que a filoeritrina fique acumulada no corpo. Se deposita na pele e como é fotodinâmica, quando recebe luz libera calor fazendo com que o animal tenha uma queimadura. Necrose de coagulação por calor, faz com que a pele descame, em regiões mais expostas ao sol. Plantas fotossensibilizantes (secundária): - “Tamburil” ou “orelha de macaco” (Enterolobium contortisiliquum), onde na vargem está contido o seu principio ativo. As intoxicações só acontecem em épocas de frutificação e a indisponibilidade de forragem. - “Camará” ou “Chumbinho” (Lantana camara), se comporta nas pastagens como plantas invasoras. Acomete principalmente bovinos. A intoxicação ocorre por: fome e desconhecimento da planta. Possui uma série de princípios ativos, o principal deles é o Triterpeno chamado de Lantadeno A ou Lantadeno B. Provoca uma necrose hepática, áreas de hemorragia, fígado aumentado de tamanho, os bordos cortantes ou afilados do fígado estão abaulados por conta da hemorragia presente, as lesões podem ainda estar presentes na parede da vesícula biliar. Na superfície de corte é possível observar áreas de congestão no parênquima, intercalada por áreas de degeneração gordurosa. É caracterizada por uma lesão aguda. - Brachiaria decumbens, intoxicação mais importante. contém saponina litogênica, que são lipídios insolúveis parecidos com sabão. Essas saponinas por vezes se transformam em cristais, se acumulam no fígado e impedem o fluxo biliar, colangite, consequentemente impedido o fluxo da filoeritrina. Essas saponinas são fagocitadas pelos macrófagos e células kupffer fazendo com que aumentem de tamanho, dificultando o fluxo biliar. Os animais apresentam edema nas regiões mais expostas ao sol que sofrem queimadura (edema de barbela, edema de pálpebra, lesão ulcerativa nas orelhas). - “Capim de água” (Panicum dichotomiflorum), importante para o estado da bahia, onde já foram identificados surtos de intoxicação em ovinos no município de Juazeiro. Contém um princípio ativo muito semelhante ao da Brachiaria, que são as saponinas litogênicas. Sinais clínicos → Lesões na pele iniciam-se com eritema, seguido de edema, fotofobia e dor. São bastante graves em bovinos, atingindo a face, dorso, rodetes coronários, cavidade oral (glossite ulcerativa); ocorre espessamento das partes afetadas da pele, com presença de exsudato e formação de crostas. O resultado final é necrose e gangrena seca, que dá o aspecto de casca de árvore na pele afetada, que, finalmente, desprende-se. Em ovinos ocorre o edema de face (inchaço subcutâneo, inchaço ocular, em orelhas), evoluindo para descamação da pele, vermelhidão (eritema). Pode levar a perda quase que completa da pele até mesmo pelo prurido auto-induzido. Geralmente as áreas menos protegidas do sol são as mais afetadas. Em animais de pele branca, praticamente todo o corpo será afetado. Porém, animais que possuem pelagem branca intercalada com pelagem preta, as lesões são contidas em áreas mais despigmentadas (redução de melanina). Manifestações neurológicas Encefalopatia hepática e hipoglicemia → Se o fígado sofre uma agressão grave e tem uma necrose hepatocelular massiva, o animal vai desenvolver uma insuficiência hepática aguda faltando glicose para o cérebro. A hipoglicemia é então responsável pelos sinais que mimetizam uma convulsão. Encefalopatia hepática: Normalmente substâncias tóxicas são eliminadas quando de sua passagem pelo fígado, o que não ocorre quando há lesão hepática difusa e grave o suficiente para produzir insuficiência hepática. Por isso, a encefalopatia se dá pelo acúmulo na corrente sanguínea, no licor e no encéfalo, de substâncias como amônia, ácidos graxos de cadeias curtas e mercaptanos, além de alterações nas concentrações de neurotransmissores. Sinais clínicos → depressão, pressão da cabeça contra objetos, andar a esmo, mudanças comportamentais, como agressividade e outros distúrbios. A amônia é considerada a principal substância envolvida na patogênese da encefalopatia hepática. A disfunção hepática impede a metabolização da amônia em ureia o que resulta em hiperamonemia e acúmulo de amônia no encéfalo. Estão amentados os níveis de amônia no sangue e de glutamina no líquido cefalorraquidiano. Morfologia → degeneração esponjosa (status sp ongiosus) no sistema nervoso central causada pela hiperamonemia. A degeneração esponjosa é caracterizada por edema intramielínico (microcavitações) mais pronunciado nos tratos mielinizados da substância branca cerebral (cápsula interna), do mesencéfalo, base do encéfalo, dos pedúnculos cerebelares e na interfase entre substância branca e cinzenta do córtex telencefálico. Alterações hemostáticas e hemodinâmicas Hemorragias: O fígado sintetiza a maioria dos fatores de coagulação, por conta disso, se o fígado falha, não existe produção desses fatores. Existe um delay entre a morte do fígado e o esgotamento dos fatores de coagulação. Em casos de insuficiência aguda, quando o hepatócito morre, o tecido necrótico entra em contato com o sangue instantaneamente, o que ativa a via extrínseca da cascata de coagulação que leva ao consumo mais rápido dos fatores. O sangue do animal entra em contato com uma grande proporção do tecido lesionado e endotélio vascular, o que faz disparar a cascata da coagulação, que, por sua vez, iniciará também o fenômeno de fibrinólise corretiva. Hipoalbuminemia e edema: ocorre com consequência de disfunção hepática por redução da síntese hepática de albumina. Como resultado há diminuição da pressão osmótica com acúmulo de líquido na cavidade abdominal (ascite) que ocorre mais frequentemente em cães, ocasionalmente em ovinos e raramente em equinos e bovinos. Alterações circulatórias Congestão Congestão aguda ou crônica do fígado está quase invariavelmente ligada à insuficiência cardíaca direita. Congestão aguda → ocorre em cães em casos de choque por diversas causas, principalmentepor falha cardíaca aguda. Na macroscopia, o fígado está tumefeito, escuro e deixa fluir grande quantidade de sangue na superfície de corte. Microscopicamente, os sinusoides aparecem ingurgitados de sangue e dilatados. Uma insuficiência cardíaca direita aguda corresponderá uma lesão congestiva aguda no fígado. O sangue acumula-se no centro do lóbulo, devido ao impedimento do efluxo venoso por estase do sangue na circulação geral. A estase centrolobular causa anoxia, lipidose e atrofia hepatocelulares e subsequente perda dos hepatócitos do centro do lóbulo. Eritrócitos ocupam os espaços deixados pela perda de hepatócitos, formando um lago de sangue. Essas alterações são observadas macroscopicamente como acentuação do padrão lobular por áreas vermelhas (estase sanguínea centrolobular). Congestão crônica → a quantidade de tecido conjuntivo fibroso aumenta, preenchendo os espaços deixados pelos hepatócitos perdidos. É determinada por uma falha cardíaca do coração direito, acumulando sangue na veia cava e no fígado (insuficiência cardíaca direita). Esse sangue é desoxigenado e faz necrose centrolobular. Microscopicamente, o fígado assume um padrão reticular bem marcado, devido ao contraste das zonas centrolobulares de congestão, com perda de hepatócitos e fibrose que se alternam com zonas de parênquima periportal. Esse padrão reticular hepático é comparado à superfície de corte de uma noz- moscada e conhecido como fígado de noz- moscada. Macroscopicamente, em ruminantes e equinos o fígado aparece aumentado de volume, azulado e com cápsula espessa. Já em cães, gatos e suínos, as bordas dos lobos centrais do fígado tornam-se arredondadas e placas fibrosas espessas na superfície capsular onde há filtração de líquido. Em geral os sinais clínicos são acompanhados de ascite em todas as espécies. Em cães, o líquido ascítico na insuficiência cardíaca crônica é vermelho diluído (transudato modificado), ao contrário do líquido claro que ocorre na ascite resultante de lesão hepática primária crônica. O aspecto do líquido ascítico é valioso para diferenciar lesões cardíacas primárias de lesões hepáticas primárias em casos de ascite em cães. Em bovinos, o líquido ascítico é claro, tanto na insuficiência cardíaca como na insuficiência hepática. Infarto Infartos do fígado são pouco frequentes, devido à dupla circulação (veia porta e artéria hepática) do sangue aferente. Macroscopia: Quando ocorrem, os infartos localizam-se na margem do órgão. Geralmente, são bem demarcados e hemorrágicos, quando agudos, e pálidos com o passar do tempo. Microscopia: Histologicamente, consistem em uma área de necrose de coagulação separada do parênquima normal por uma faixa de células inflamatórias e, ocasionalmente, hemorragia. Ocorre em situações de intoxicação por samambaia e se trata de um infarto septicêmico, área das bactérias se proliferando, e não propriamente de oclusão vascular. Derivações portossistêmicas Derivações (shunts) portossistêmicas adquiridas intra e extrahepáticas ocorrem devido à hipertensão portal secundária e a várias doenças hepáticas crônicas. São comunicações entre o sangue portal e a circulação sistêmica. Pode ser intra ou extra-hepático, congênito ou adquirido. O prejuízo funcional está no fato de o sangue portal ser desviado dos hepatócitos, comprometendo a neutralização de substâncias tóxicas pelo fígado. Congênitas: são únicas ou, ocasionalmente, duplas. Quando congênito, o animal nasce com esse desvio e desde sempre apresentará problemas, pois o sangue que deveria ir para o fígado para ser metabolizado e cumprir suas funções é desviado. O animal apresenta encefalopatia hepática, hipoglicemia, entre outras consequências de um insuficiente hepático. - Intra/Extra-hepático: Os desvios intra-hepáticos, como o ducto venoso patente, são mais frequentemente localizados no lado esquerdo do fígado e ocorrem mais comumente em cães de raças grandes. Os desvios congênitos extra- hepáticos, como as anastomoses da veia porta para a veia cava caudal e as anastomoses da veia porta para a veia ázigo, ocorrem mais frequentemente em cães de pequeno porte e gatos. - Macroscopicamente o fígado é pequeno e pode ter aparência histológica característica de atrofia lobular e reduplicação das arteríolas, além de veias portas pequenas ou ausentes nos tratos portais. A pressão na veia porta é normal nos desvios congênitos e, portanto, não ocorre ascite. Adquiridas: são múltiplas, tortuosas e de aspecto varicoso. Derivações adquiridas originam-se de comunicações portossistêmicas preexistentes e não funcionais que se dilatam e se tornam funcionais em resposta à hipertensão portal. Tendem a se desenvolver entre as veias mesentéricas e a veia cava caudal, veia renal direita ou as veias gonadais (ovariana, testicular) e ilíacas. Ocorre pelo fato de o fígado possuir fibrose, cirrose ou neoplasia, que modifica a arquitetura do fígado, deixando o sangue mais difícil de perfundir esse órgão. Quando o sangue não consegue passar por um vaso ele cria uma anastomose. Com isso, as substâncias que iriam para o fígado realizar metabolização são desviadas para a circulação. Inclusive a amônia, que deveria ser metabolizada pelo fígado, é lançada na circulação, levando a encefalopatia hepática. Pode ocorrer por intoxicação a seguintes plantas: - Tephrosiacinerea “Falso anil”, já foi diagnosticada em ovinos, na Paraíba, causa uma intoxicação crônica pela ingestão da vargem. Provoca um quadro de fibrose crônica no fígado, levando a uma hipertensão portal e consequentemente os shunts portossistêmicos. Alterações degenerativas Lipidose hepática Lipidose hepática, degeneração gordurosa ou esteatose são termos usados para descrever acúmulo visível de triglicerídios na forma de glóbulos redondos de tamanhos variáveis no citoplasma de hepatócitos que aparecem como vacúolos (espaços vazios). A Lipidose hepática pode ser induzida por: - Aporte excessivo de ácidos graxos livres provenientes do intestino ou tecido adiposo. - Diminuição da B-oxidação de ácidos graxos em corpos cetônicos devido a lesão mitocondrial (hipóxia ou anóxia). - Síntese prejudicada de apoproteína → relação com intoxicação por aflatoxina (toxina produzida pelo Aspergilus flavos, fungo que se desenvolve principalmente em grãos), que afeta, geralmente, suínos. Resulta na não transformação dos corpos cetônicos em lipídios, que se acumulam dentro do fígado. Macroscopia: Lipidose aguda com predominância de acúmulo microvesicular tende a resultar em um fígado discretamente aumentado de volume, sem muita alteração na textura. Em algumas lesões tóxicas mais crônicas, ocorre lipidose hepática macrovacuolar; messes casos, os fígados tendem a ser mais amarelos e mais volumosos e a ter textura mais friável. Microscopia: O aspecto microscópico dos glóbulos de triglicerídios nos hepatócitos varia desde pequenas e diminutas gotículas, que não deslocam o núcleo do hepatócito e formam a apresentação conhecida como lipidose hepática microvacuolar, até gotas de gordura maiores, que deslocam o núcleo para a periferia, formando a apresentação conhecida como lipidose hepática macrovacuolar. - Cetose bovina: O aumento da mobilização de triglicerídios durante as fases finais de gestação ou durante intensa lactação em ruminantes causa deposição de triglicerídios nos hepatócitos e é considerado um evento normal (lipidose hepática fisiológica). Porém, algumas vacas leiteiras altamente produtoras, quando privadas de alimento, podem desenvolver uma forma grave de cetose clínica, com acidose metabólica. Pode ocorrer também em vacas de corte gestantes e pode ser uma situação individual ou de rebanho. Causas/Patogênese→ superalimentação, que resulta em deposição de gordura nos estoques do organismo e uma privação súbita de energia. Condições que ocorrem na lactação ou no final da gestação (balanço energético negativo, hipoglicemia...) estimulam a mobilização de gordura dos depósitos orgânicos, o que resulta em aumento do aporte de ácidos graxos no fígado. Macroscopia → O fígado está difusamente amarelado devido à deposição de triglicerídios no citoplasma do hepatócito. Sinais clínicos → sinais neurológicos; os bovinos ficam nervosos, excitáveis, incoordenados e, ocasionalmente, cegos. Os sinais progridem para decúbito, coma e morte. Obs. Lesões de degeneração gordurosa no rim são frequentemente associadas a essa condição. - Toxemia da prenhez: é uma condição que acomete ovelhas com maior taxa de mortalidade. Os fatores de risco incluem fase final da gestação, obesidade ou gestação de fetos múltiplos. É um problema de rebanho. Causas → pode ser associada a quedas súbitas na alimentação e condições climáticas inclementes, quando os animais, estressados pela intempérie, não se alimentam. Um período de anorexia ou fome por 1 a 2 dias é o fator precipitante e pode ser precedido por uma queda gradual no plano de nutrição durante a prenhez. Sinais clínicos → distúrbios neurológicos semelhantes aos da cetose dos bovinos e provavelmente produzidos por encefalopatia hipoglicêmica. Há cegueira e alterações no comportamento. Os ovinos pressionam a cabeça contra objetos, andam em círculos ou permanecem parados com um “olhar perdido”. Outros sinais incluem constipação intestinal, bruxismo e hálito cetônico. Obs. A anorexia e a fome resultam em hipoglicemia pela perda elevada de glicose (devido as exigências de um feto muito grandes ou fetos múltiplos) e hiperacetonemia (como na cetose bovina). - Lipidose hepática felina: ocorre principalmente em fêmeas obesas, estressadas nutricionalmente. Também pode ocorrer em gatos como manifestação secundária a diabetes mellitus, pancreatite aguda e inflamações como colangioepatites, nefrite, enterites, neoplasia e hipertireodismo. Patogênese → É multifatorial e não esclarecida completamente; no entanto, provavelmente envolve o aumento da mobilização e da captação pelo fígado de ácidos graxos não esterificados, alterações na formação e liberação de VLDL e comprometimento da oxidação de ácidos graxos nos hepatócitos. Sinais clínicos → Os sinais clínicos incluem vômito, anorexia, fraqueza, perda de peso, icterícia e hepatomegalia. Ocorre encefalopatia hepática com sinais neurológicos caracterizados por alteração do comportamento, salivação e depressão. Há hiperbilirrubinemia e elevação na atividade sérica da fosfatase alcalina. A lipidose hepática se caracteriza na necropsia com um fígado cor de palha, ao passar a faca esta fica untosa, como se tivesse passado manteiga. No formol, o fígado boia. Amiloidose Manifestação de doenças crônicas. A substância amiloide é uma proteína insolúvel que não sai da célula e se acumula no citoplasma. Macroscopicamente, os fígados afetados estão aumentados de volume e pálidos. Histologicamente, o amiloide hepático aparece como um material eosinofílico amorfo, geralmente depositado no espaço de Disse ao longo dos sinusoides, mas também nas tríades portais e na parede dos vasos sanguíneos. Na amiloidose primária, as fibrilas de amiloide são referidas como amiloide de cadeia leve (AL – derivado das cadeias leves de imunoglobulinas produzidas por plasmócitos). Amiloidose secundária ou reativa ocorre como uma consequência de inflamação prolongada, como infecção ou destruição tecidual crônicas. A amiloidose secundária é a mais comum em animais; é associada a amiloide derivado da proteína SAA (proteína associada a amiloide sérico) produzida pelo fígado. Necrose hepatocelular Existem dois tipos de padrão de lesão hepática: zonal e aleatória (focal ou multifocal). Necrose hepatocelular aleatória focal ou multifocal O termo “aleatória” indica que os focos de necrose não obedecem a nenhum padrão anatômico consistente, mas distribuem-se ao acaso, sem uma localização previsível dentro do lóbulo. Esse padrão é típico de muitos agentes infecciosos, incluindo protozoários, vírus e bactérias. Macroscopia → as lesões aparecem como áreas pálidas, de 1 mm até vários centímetros, e bem demarcadas do parênquima adjacente. Microscopia → há focos de necrose (geralmente lítica) associada a infiltrado inflamatório. Na necrose lítica, os hepatócitos estão desintegrados; observam-se apenas fragmentos e detritos celulares na área necrosada. Necrose hepatocelular zonal Frequentemente, a necrose hepática exibe uma distribuição zonal, isto é, afeta hepatócitos não aleatoriamente, mas aqueles em áreas anatômicas bem definidas do lóbulo hepático. A necrose pode localizar-se: - Necrose centrolobular: Ao redor da veia centrolobular. - Necrose mediozonal: Entre o centro e a periferia do lóbulo. Geralmente não acontece, pois é preciso se fechar o anel de necrose ao redor da região. - Necrose periportal: Próximo às tríades portais. - Necrose paracentral: é semelhante à centrolobular, mas afeta apenas uma cunha cujo ápice está colocado junto à veia centrolobular. - Necrose massiva: atinge completamente todo o lóbulo hepático, isto é, todos os hepatócitos de um lobo estão afetados. Precisa ser por lesão tóxica, Cestrum laevigatum, C. nocturnum, em cães ingestão de algas, reação idiossincrásica a sulfa, medicamentos hepatotóxicos. O mesmo tipo de insulto que produz necrose centrolobular pode, quando em dose maior, produzir necrose massiva. O aspecto macroscópico do fígado com necrose massiva varia. Se a maior parte do parênquima está afetada, o órgão pode estar discretamente aumentado de volume com superfície externa lisa e parênquima escuro devido à extensa congestão. Se o processo é localizado, o fígado, tipicamente, é pequeno, com cápsula enrugada, com áreas de necrose do parênquima deprimidas e com áreas de congestão espalhadas pelo órgão. Microscopicamente, as áreas afetadas consistem em espaços cheios de sangue dentro de um estroma de tecido conjuntivo desprovido de hepatócitos ou com hepatócitos com necrose de coagulação. - Necrose em ponte: é a manifestação morfológica da confluência de áreas de necrose centrolobulares. A necrose centrolobular é a mais comum de todos os tipos de necrose zonal, porque o centro do lóbulo é mais sensível aos insultos tóxicos e hipóxicos, pois está distante do suprimento de oxigênio e seus hepatócitos têm maior atividade de enzimas de função mista, capazes de transformar certas substâncias em compostos tóxicos. Causas → Necrose centrolobular pode resultar da hipoxia de anemia aguda ou crônica, da hipoxia induzida por congestão crônica ou por insultos tóxicos, como hepatotoxinas de ação aguda. Um exemplo é a biotransformação pelo P- 450 (ao ingerir um precursor de um produto tóxico, após a metabolização no fígado se torna tóxico → Tephrosia cinerea, Crotalarea) Macroscopia → A necrose, seja centrolobular ou periportal, produz uma acentuação do padrão lobular do órgão. Se a necrose for associada à hemorragia, a zona necrosada do lóbulo aparece macroscopicamente vermelha e deprimida, cercada por uma área mais clara, que corresponde a hepatócitos vacuolizados. Lesão hepática tóxica Dois grandes grupos: aquelas em que a manifestação clínica é aguda e aquelas em que a manifestação clínica é crônica. - Aguda: O tempo para que o agente cause manifestações é curto, logo é fácil de se identificar o agente causador. Geralmente ocorre quando o animal ingere uma toxina na dose suficiente para causar doença clínica, podendo apresentar hipoglicemia,apatia, dor (dorso arqueado, pelo arrepiado, membro aduzidos), sialorreia, tenesmo, as vezes diarreia e hemorragia. Tem evolução curta de 1 a 3 dias. Causas: - Crotalaria retusa “guizo de cascavel”: classicamente provoca doença crônica, principalmente em bovinos e cavalos. Nos ovinos, altas doses de ingestão da folha e sementes (acima de 5 g), pode levar o animal a óbito de forma aguda. - Xanthium cavanillesii “carrapicho-bravo”: seu princípio ativo está localizado nos frutos, com isso, a intoxicação ocorre apenas na fase de dicotiledônia. - Perreyia flavipes (larvas de moscas): se desenvolve em épocas frias do ano no meio do capim, onde os animais podem ingerir uma grande quantidade das larvas (principalmente bovinos). - Trema micrantha: para que ocorra a intoxicação, uma pessoa precisa cortar a planta e oferecer aos animais, por ser uma árvore. - Cestrum spp: a intoxicação ocorre pelo déficit de forragem, quando é cortada (tem uma maior palatabilidade depois de cortada) e no inicio da brotação. Macroscopia → o fígado se apresenta muito vermelho e com áreas deprimidas. Microscopia → vai ocorrer necrose grave, pode haver uma degeneração gordurosa e processo inflamatório associado. - Crônica: pode demorar muito tempo até aparecer os sinais clínicos. Intoxicação de aflotoxinas em cães, a depender da dose pode matar agudamente. Como alteração morfológica se tem fibrose. Pode se dar também por ingestão diária até chegar ao quadro clinico de insuficiência hepática crônica. Causas → as mesmas plantas tóxicas da lesão aguda, porém em doses menores em um largo período de tempo. As principais são: - Crotalaria retusa “guizo de cascavel”: causa principalmente encefalopatia hepática em equinos. - Senecio spp. “maria mole”: frequência alta, planta tóxica muito importante no Rio Grande do Sul. - Echium plantagineum: ocorre no Rio Grande do Sul, porém com menor frequência. Todas carreiam o mesmo princípio ativo, que são os alcaloides pirrolizidínicos e, por isso, a lesão é crônica. Interferem no metabolismo celular inibindo a mitose. O núcleo não se divide, a célula fica extremamente grande (megalocitose). Em pequenos animais uma causa associada é o tratamento prolongado com barbitúricos (anticonvulsivantes). Sinais clínicos → encefalopatia hepática (pressão da cabeça contra objetos, andar a esmo, agressividade, com evolução clínica longa), tenesmo, ascite, hidrotórax, hemorragia, alterações cutâneas... Macroscopia → o fígado se apresenta pálido e firme, com fibrose e retraído em tamanho pela perda de hepatócitos. Nódulos de regeneração são mais comuns em cães, mas bovinos também podem apresentar. Padrão macronodular → produção de novos hepatócitos, mas não produz novos vasos e ductos, sendo pouco funcional. Resposta do fígado à agressão Após necrose de hepatócitos pode ocorrer regeneração do parênquima ou substituição do parênquima perdido por fibrose ou hiperplasia biliar. Regeneração hepatocelular O fígado tem grande capacidade regenerativa em resposta à perda de células por diferentes tipos de agressões. O sucesso da regeneração hepática depende de as áreas afetadas apresentarem: - Adequado suprimento sanguíneo - Drenagem livre de bile - Manutenção do arcabouço original de reticulina (colágeno tipo III). A necrose hepática extensa é seguida por regeneração do parênquima sem fibrose, desde que o arcabouço de reticulina da porção afetada permaneça intacto e que não ocorra colapso. No entanto, na necrose massiva ou quando a lesão for repetitiva, as áreas afetadas irão colapsar após a remoção dos hepatócitos necróticos, resultando em cicatriz (fibrose) pós-necrótica. Se a integridade estrutural do fígado for danificada durante a agressão celular, a regeneração poderá ser desordenada (perda da arquitetura hepática, regeneração nodular do parênquima...). Fibrose É dada pela formação de cicatriz decorrente de uma lesão crônica. O acúmulo progressivo de matriz extracelular no fígado ocorre em consequência de dano celular repetido, por ação de drogas ou substâncias tóxicas, agentes infecciosos ou causas metabólicas e autoimunes. Hiperplasia de ductos biliares A hiperplasia de ductos biliares é uma resposta inespecífica a vários tipos de lesão hepática. É geralmente observada em lesões hepáticas de longa duração, principalmente após doenças que causam obstrução física do fluxo normal de bile ou como resposta a determinadas toxinas. A proliferação de ductos biliares é encontrada em várias formas subagudas ou crônicas de lesão hepática, como na aflatoxicose em várias espécies, intoxicação por alcaloides pirrolizidínicos em herbívoros, na infecção pelo trematódeo Fasciola hepatica em ruminantes e ao redor de abscessos e cistos parasitários (principalmente cisto hidático) em várias espécies. Cirrose É um processo difuso caracterizado por fibrose e conversão da arquitetura normal do fígado em lóbulos estruturalmente anormais. A cirrose é uma lesão crônica e irreversível → “fígado de estágio terminal”. Na cirrose, a arquitetura do fígado é alterada por perda do parênquima hepático, condensação do tecido conjuntivo fibroso preexistente (fibrose passiva), proliferação de tecido conjuntivo fibroso (fibrose) e regeneração hepatocelular em nódulos entre os feixes fibroso. Esses nódulos de regeneração hepatocelular são característicos da cirrose e resultam de uma tentativa do organismo de reparar a função dos hepatócitos perdidos, o que é uma tentativa falha, visto que os nódulos não tem comunicação anatômica adequada com as vias excretoras e vasculatura hepática. Causas → São numerosas. - Insultos tóxicos crônicos resultam da ingestão continuada de hepatotoxinas (p. ex., herbívoros que ingerem plantas tóxicas que contêm alcaloides pirrolizidínicos e cães que recebem tratamento prolongado com drogas anticonvulsivantes). - Obstrução biliar extra-hepática e colestase provocam intensa fibrose, que primariamente afeta as tríades portais, estendendo-se mais tarde para o parênquima hepático. - Hepatites crônicas (ou crônico-ativas) que se seguem a doenças infecciosas, como leptospirose, podem resultar em cirrose. Um tipo de cirrose, referida como cirrose biliar, resulta de inflamações crônicas do trato biliar (colangites); um exemplo deste último tipo é a infecção por Fasciola hepatica em ruminantes. - Anomalias vasculares frequentemente estão associadas às lesões de cirrose. As principais são as derivações portossistêmicas adquiridas. Ocorre a proliferação de muitos ductos biliares pois são células epiteliais e estas se proliferam com maior facilidade e em maior velocidade (células lábeis). O fígado com cirrose não realiza suas funções normais, e os animais afetados invariavelmente demonstram sinais clínicos de insuficiência hepática. Alterações inflamatórias Agentes que causam inflamação no parênquima hepático ou nas vias biliares chegam ao fígado pela via hematogênica (p. ex., doenças infecciosas, como hepatite infecciosa canina), pela via ascendente pelo trato biliar (p. ex., colangite linfocítica crônica dos gatos) e pela penetração direta (p. ex., abscessos hepáticos em bovinos causados por corpo estranho metálico). A inflamação do parênquima hepático é denominada hepatite (agentes infecciosos). A inflamação dos ductos biliares intra ou extra- hepáticos é denominada colangite. Quando a inflamação afeta tanto os ductos biliares quanto o parênquima hepático, é denominada colangioepatite. Se a inflamação ocorre ao redor dos ductos biliares, sem, no entanto, afetá-los, é denominada pericolangite; se afeta o parênquima hepático das tríades portais, é denominada hepatite portal. Hepatite bacterianaHemoglobinúria bacilar Também é chamada de “doença negra”. Os animais morrem rapidamente, 24-48h de evolução até a morte. Acomete os bovinos, que ocasionalmente afeta ovinos e, raramente, suínos e equinos. Causas → Uma lectina necrosante e hemolítica (β-toxina) produzida por Clostridium hemolyticum (C. novyi tipo D), um anaeróbio do solo e também presente no trato gastrointestinal. Sinais clínicos → febre, hemólise intravascular, hemoglobinúria (urina cor de coca-cola) e necrose hepática. Ocorre de forma endêmica em bovinos bem nutridos acima de 2 anos de idade, nos meses de verão e outono, em regiões onde são comuns a infestação por Fasciola hepatica, pois a bactéria precisa de uma região de anaerobiose para se desenvolver. A Fasciola hepatica penetra ativamente o fígado pela cápsula de Glisson, deixando um trajeto de necrose, ou seja, uma área de anaerobiose. Uma vez que esta área de necrose criou o gradiente ambiental necessário para o C. hemolyticum, este começa a se proliferar e produzir uma série de toxinas, ampliando a área de necrose (podendo chegar a 50cm). Essas toxinas se espalham pelo corpo e causam necrose vascular. Leptospirose Leptospirose é classicamente associada à insuficiência renal aguda e à hepatopatia acompanhada de icterícia. Esse agente é detectado no soro de muitas espécies, incluindo cães. A infecção é transmitida em qualquer lugar do corpo. Macroscopia → o fígado é vermelho-escuro, e sua superfície capsular é levemente granular, com acentuação do padrão lobular e consistência firme. Microscopia → as alterações hepáticas consistem em inflamação portal e intralobular, predominantemente constituída por linfócitos e plasmócitos, com alguns neutrófilos e macrófagos. Necrose de hepatócitos, proliferação de ductos biliares e bilestase (fluxo da bile para o duodeno é interrompido) também ocorrem com frequência. Destruição dos hepatócitos da placa limitante e fibrose periportal e em ponte (porto portal) causam desorganização da arquitetura do parênquima hepático. As espiroquetas podem ser mais bem visualizadas pela coloração de Warthin Starry, mas esta também é uma técnica com resultados inconsistentes. Sinais clínicos → icterícia, hemólise, hemorragia, resultando em morte do animal. Com a dissociação dos hepatócitos, o fígado perde sua organização estrutural e função. Abcessos hepáticos Abscessos hepáticos são comuns, especialmente em bovinos. Os abscessos hepáticos em ruminantes originam-se por várias rotas: - Onfaloflebite em animais jovens - Secundários à rumenite por acidose láctica (animais adultos) - Complicação de reticulite e reticuloperitonite traumática - Disseminação hematogênica de êmbolos portais ou da circulação arterial - Pelas vias biliares Patogênese → A patogênese dos abscessos hepáticos de animais confinados e suas consequências estão associadas à dieta excessiva em carboidratos. Resumidamente, a lesão inicial nesses bovinos com sobrecarga de carboidratos é uma rumenite secundária à acidose láctica. Como resultado dessa lesão química ao epitélio do rúmen, bactérias, como Fusobacterium necrophorum, são capazes de penetrar a mucosa, que não está protegida por epitélio, e são transportadas ao sistema de drenagem portal do fígado, onde são filtradas e causam áreas de necrose de coagulação, as quais se liquefazem, originando abscessos hepáticos. EXCESSO DE CARBOIDRATO → ACIDOSE LÁTICA → RUMINITE ULCERATIVA → INFECÇÃO POR FUNGOS E BACTÉRIAS → NECROSE LIQUEFATIVA Fungos: Mucor spp., Rhizopusspp., Absidia spp. Bactéria: Fusobacterium necrophorum. Se um abscesso localiza-se adjacentemente à veia cava, pode resultar em desenvolvimento de êmbolos sépticos para o interior dessa veia. Essa condição provoca uma “chuva de êmbolos” nos pulmões, causando trombose arterial e abscedação pulmonar. Essa condição, que, no final das contas, iniciou-se com a acidose ruminal e passou por abscessos hepáticos, é denominada síndrome de veia cava ou pneumonia metastática. Bovinos afetados com a forma clássica dessa síndrome apresentam tosse, taquipneia, dispneia expiratória, epistaxe, hemoptise e membranas mucosas pálidas. Hepatite viral Hepatite Infecciosa Canina A hepatite infecciosa canina (HIC) é uma doença viral de cães e de outras espécies das famílias Canidae e Ursidae, causada por adenovírus canino 1 (CAV-1, canine adenovírus I). Esse vírus apresenta predileção por dois tipos de células, hepatócito e endotélio. De 15 a 30% dos cães podem apresentar sinais neurológicos. Transmissão → Os cães entram em contato com o vírus em fômites de fluidos corpóreos, como saliva, urina ou fezes. O vírus entra no organismo através de ingestão e provável inalação e é aprisionado na camada de muco das mucosas oral e faríngea, especialmente das tonsilas, onde se replica e aumenta a carga viral. Posteriormente, dissemina-se para linfonodos regionais, de onde ganha a circulação sanguínea pelos vasos linfáticos e ducto torácico. A viremia que ocorre em 4 a 8 dias após a infecção propicia a disseminação do vírus para outros tecidos e secreções orgânicas, incluindo saliva, urina e fezes, hepatócitos, células do sistema monocítico fagocitário (SMF) e células endoteliais de vários tecidos são os alvos primários do vírus. A eliminação do vírus acontece através da urina dos animais infectados. Sinais clínicos → febre, anorexia, latidos frequentes, dor abdominal (associada a hemorragias no intestino e fígado), tonsilite, mucosas pálidas e sinais clínicos de distúrbios neurológicos em cerca de 1/3 dos casos (hemorragia envolve o SNC). A morte pode ocorrer de forma superaguda ou aguda. A maior parte dos cães não apresenta sinais clínicos (ou passa desapercebido), tem uma doença branda e sobrevive, por conta disso, a taxa de soroconversão da população é tão alta. Principalmente cães filhotes vão adoecer (geralmente até 1 ano de idade). A lesão hepática é de necrose hepatocelular zonal ou aleatória. Cães que sobrevivem à fase de necrose hepatocelular apresentam regeneração hepática e títulos de anticorpos. Lesão ocular → Complicações clínicas oculares na HIC ocorrem em aproximadamente 20% dos cães naturalmente infectados e em menos de 1% dos cães após a vacinação com o vírus atenuado. O chamado “olho azul” tem desenvolvimento tardio em casos de cães afetados ocorre em animais covalescentes, em geral entre 14 a 21 dias após a infecção. Essa manifestação ocular, que torna o olho opaco e azulado, resulta de edema inflamatório na íris, no aparelho ciliar e na própria córnea e de abundantes infiltrado inflamatório no ângulo de filtração. Uveíte se dá pela deposição de imunocomplexos no olho, deixa o animal cego transitoriamente (começando com 3 a 5 dias, podendo durar até duas semanas). Lesões circulatórias → incluem trombocitopenia, trombocitopatia, tempo de protrombina prolongado, atividade diminuída do fator VIII e aumento dos produtos de degradação de fibrina. A tendência disseminada à hemorragia que ocorre nos casos de HIC deve-se também à lesão direta ao endotélio associada a incapacidade do fígado de sintetizar os fatores de coagulação. Acredita-se também que CID seja o evento patogênico central das hemorragias. O número reduzido de plaquetas reflete tanto o aumento do consumo (para reparar a lesão endotelial induzida pelo vírus) quanto o dano direto causado pelo vírus nas plaquetas. Achados de necropsia → os cães apresentam fígado aumentado de volume, túrgido, com áreas irregulares de hemorragia e áreas mais claras. Fígado vermelho vivo, com áreas escuras, flui sangue ao corte e dentro da cavidade peritoneal existem áreas de hemorragia múltiplas, víbices, sulfusões e petéquias ocorrem na serosa de várias víscerasda cavidade torácica e abdominal. Há hemorragia no encéfalo, áreas de necrose e infiltrado inflamatório. Microscopicamente → As principais alterações histológicas acontecem no fígado, que, em todos os casos, evidencia inclusões intranucleares (IN) anfofílicos e basofílicas, em hepatócitos, células de kupffer ou células endoteliais do revestimento dos sinusoides – sendo o maior corpúsculo de inclusão da medicina veterinária. Na quase totalidade dos casos, há necrose hepática associada à hemorragia e a infiltrado misto nos espaços porta. Em cerca de metade dos casos, há necrose em distribuição zonal centrolobular, mas pode ser aleatória. Doenças parasitárias do fígado Trematódeos Fasciola hepatica: o trematódeo parasita os ductos biliares do fígado de bovinos e ovinos. Um único verme adulto pode gerar um processo de infecção. A fasciola hepática ocorre principalmente em locais alagados, pois, ela precisa durante o ciclo, de um caramujo (Hospedeiro intermediário). Cada verme pode produzir em média 20.000 ovos, que depois de 11 dias, ao encontrar uma temperatura ideal há a eclosão dos ovos liberando os miracídios. Esses miracidios carreiam sobre a água até o caramujo e, depois de uns dias ocorre a liberação das cercarias. As cercarias saem da água, se inserem nas folhas e as incistam, produzindo as metacercarias. A infecção ocorre quando o bovino ingere a folha com essas metacercarias ou quando bebem água. Chegam no intestino, saem do cisto e passam pela parede intestinal. Inicia-se então processo de migração transcelomática, em que elas saem do intestino, são lançadas a cavidade abdominal e vão migrando ativamente até o fígado pela cápsula de Glisson e ductos biliares. O quadro clínico se apresenta de forma diferente a depender da quantidade de parasitos presentes: • Aguda: atinge principalmente ovinos, 2-6 semanas após a ingestão de mais de 2000 metacercárias. Observa-se grave dano hepático pela quantidade absurda de parasitas. Mortalidade de 10% no rebanho. Hepatomegalia, recoberto por fibrina (hepatite fibrinosa) e na superfície de corte extratos hemorrágicos por onde passaram o parasita. • Subaguda: quase restrita aos ovinos, 6- 10 semanas após a ingestão de 500-1500 metacercárias. • Crônica: forma mais comum que afeta bovinos e ovinos, 4-5 meses após a ingestão de 200-500 metacercárias. Nessa forma, o trematódeo se encontra principalmente em ductos biliares. O animal tende a perder todos os componentes do sangue, podendo possuir um quadro de hipoproteinemia. Com isso, apresenta edema, emagrecimento grave. Macroscopicamente há fibrose hepática. Os ductos biliares estão aumentados de tamanho, edemaciados, brancacentos, pela presença dos vermes. Microscopicamente há fibrose ao redor do parasito, áreas de necrose lineares, proliferação de tec. conjuntivo fibroso ao redor dos ductos biliares. Platynosomum fastosum: é um trematódeo especifico de ductos biliares e vesícula biliar de gatos. Tem um ciclo muito longo, de dois a três hospedeiros intermediários, que são: HI 1: podem ser moluscos terrestres, alguns isópedes como besouro, baratas ou tatuzinhos de jardins. HI 2: lagartixas ou sapos. O gato então se infecta ao ingerir o H2, mais frequentemente lagartixas (metacercárias do trematódeo). As fêmeas são mais afetadas por adquirem um maior hábito de caça em comparação aos machos. Quadro clínico → associado a insuficiência hepática. Necropsia → lesões restritas aos ductos biliares, visto que durante a migração, as metacercárias não passam pela cápsula de Glisson, mas atingem o fígado pelo ducto colédoco migrando para os ductos biliares. Consequências → colangite, colonagiopatites crônicas e uma neoplasia chamada de colangiocarcinoma (nódulos brancacentos no parênquima, aspecto umbilicado. A proliferação do tecido neoplásico ocorre ao mesmo tempo que o trematódeo já se encontra nos ductos biliares). Nematódeos Calodium hepaticum/Capillaria hepatica: É um nematódeo que parasita o cão e o gato. O ciclo envolve rato e o parasita se aloja no fígado do mesmo, matando-o. Na decomposição o rato libera os ovos no ambiente e o cão ou gato entra em contato com os restos mortais ingerindo o parasita e se contaminando. Os ovos sobrevivem em torno de 2 meses no fígado do animal (apenas no parênquima hepático). A doença clínica é silenciosa, pois não incita processo inflamatório evidente. Macroscopia → Na necropsia, o fígado do animal se apresentará esbranquiçado e a parte branca são os ovosbioperculados do parasita (ao corte parece areia). Onde estão localizados os ovos há formação de granulomas. Microscopia → fibrose periportal, com separação dos lóbulos. Pouca inflamação ao redor do verme. Cestódeos Hidatidose hepática (Echinococcus granulosus): é um cestódeo que na forma larval desenvolve o Cisto Hidático. No ciclo é preciso ter um cão (Hospedeiro Definitivo) ingerindo vísceras (barrigada) de animais abatidos – ovinos, bovinos e suínos (Hospedeiro Intermediário), ou seja, é comum nas propriedades onde existem cães e ovelhas no mesmo ambiente. No bovino, 90% dos cistos estão no fígado e 10% no pulmão, já no ovino é o inverso, mas na maioria dos casos o Cisto Hidático é um achado de necropsia, pois a animal normalmente não apresenta nenhum sinal clínico. Diferente do Cisticerco, no Cisto Hidático existe mais de um escólex (cabeça do parasito). O cisto hidático geralmente não causa insuficiência hepática por não penetrar o parênquima, mas em alguns casos pode ocorrer múltiplos cistos e dependendo da carga parasitária, desencadear a insuficiência. Há ciclo errático no pulmão e baço. Cysticercus tenuicollis (Taenia Hydatigena): A taenia (forma larval) decorrente do cysticercus tenuicollis tem predileção unicamente pelo fígado. Outros cysticercus atuam primariamente em outros órgãos. É um cestódeo específico de ovinos e caprinos e altamente adaptado ao hospedeiro. Este cisciterco apresenta um único escólex. Usualmente parasita fígado e mesentério. Não existe lesão associada ao cisticerco, porém a ocorrência de lesões mais graves, com maior encistamento, é chamada de hepatite cisticercosa, que acontece raramente e nestes casos a chance do animal desenvolver sinais clínicos é maior, ainda que baixa. Protozoários Eimeria Stiedae: é o único protozoário de importância para o fígado, e atinge coelhos, também ocorrendo lagomorfos selvagens. Parasita principalmente os ductos biliares desses animais, causando hiperplasia dos ductos biliares. O quadro clínico vai depender da quantidade de esporocistos ingeridos, ou seja, quanto mais esporocistos ingeridos pelo animal, mais grave será o processo de inflamação dos ductos biliares (colangite e colangiopatite). Os animais apresentam um retardo no crescimento, dificuldade para ganhar peso e eventualmente mortalidade. É considerado um fácil diagnóstico nessas espécies. Macroscopia → fígado de superfície irregular, espessamento nodular e granulomas dentro dos ductos biliares. Neoplasias do fígado As neoplasias hepáticas podem ser de qualquer estrutura do fígado: Hepatócitos: Adenoma Hepatocelular (Benigna) / Carcinoma Hepatocelular (Maligna) Ductos Colédocos/Biliares: Colangioadenoma (Benigna) / Colangiocarcinoma (Maligna) Vasos sanguíneos: Hemangioma (Benigna) / Hemangiossarcoma (Maligna) Neoplasias Metastáticas – Segundo órgão (24% em tumores de mama) de predileção das metástases (1º é o Pulmão) pelo alto fluxo sanguíneo e quantidade de vasos. Aflotoxinas (suínos e cães de campo) provocam neoplasias (Carcinoma hepatocelular) por contaminação da ração em doses baixas. Obs: Independente de ser maligno ou benigno, usualmente não apresentasinal clínico até atingir um tamanho muito grande, pois estes indivíduos só vão apresentar sinais de Insuficiência Hepática quando 75% do fígado estiver incapacitado.
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