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Habilidades Médicas Acidentes por animais peçonhetos ACIDENTES OFÍDICOS No Brasil, quatro grupos de serpentes venenosas têm importância médica. Entre eles, o acidente mais comum é o botrópico (jararaca), que compõe 70% dos casos e em um distante segundo lugar o acidente crotálico (cascavel) com 8,4% dos casos. Os acidentes laquético (surucucu) e elapídico (coral) são ainda mais raros, perfazendo 1,1% e 0,9% dos casos, respectivamente. Quanto à letalidade, o pior é o acidente crotálico (0,93%), seguido dos acidentes laquético (0,9%), botrópico (0,49%) e elapídico (0,37%). Jararaca Cascavel Surucucu Coral O diagnóstico de certeza do acidente ofídico é feito pelo reconhecimento do animal causador. No entanto, isso não é prático ou seguro e também não é necessário. O diagnóstico presumível é feito pela história, pelo exame físico e pela avaliação dos efeitos do veneno no paciente e na maioria dos casos deve ser suficiente para determinação do soro antiofídico correto. Fotos tiradas a distância segura também podem ser úteis para identificação da cobra. As serpente de interesse em saúde pública têm hábito terrícola e noturno. Alimentam-se principalmente de roedores. As serpentes tem comportamento de permanecerem imóveis, camufladas, muitas vezes próximas a trilhas, em busca de roedores. Interações intencionais com cobras tendem a provocar picadas em membros superiores, enquanto interações não intencionais provocam picadas em membros inferiores. A quantidade de veneno injetado depende do tamanho da cobra, sua maturidade, cinética da mordida e época do ano. Eventualmente, a picada da cobra ocorre sem inoculação de veneno. Nesses casos, não há indicação de soroterapia. ABORDAGEM INICIAL Transporte Todos os pacientes picados ou com suspeita de acidente com serpentes devem ser encaminhados para avaliação médica e, conforme a avaliação, receber tratamento com soro específico para diminuir a absorção do veneno e prevenir complicações. Na abordagem inicial, o local da picada deve ser identificado, lavado com água e sabão e assegurado que não haja picadas adicionais. Acessórios e joias na extremidade acometida devem ser removidos. O membro afetado deve ser imobilizado, com elevação passiva e articulações estendidas se não houver contraindicações. Mantenha o paciente deitado e aquecido. Medidas locais, como incisões próximas à picada, ruptura de bolhas, sutura, sucção do veneno ou gelo local não devem ser realizadas. Além de não haver benefício comprovado, atrasam o transporte. Em estudos em modelo de envenenamento, com análise realizada através de radioisótopos, a imobilização compressiva atrasa a absorção do veneno. Atuaria reduzindo a disseminação linfática do veneno e o membro é colocado em um tala (não compressiva). Portanto, pode haver algum benefício, mas a qualidade da evidência é baixa. É realizada por bandagens no local da mordida com intensidade para comprimir vasos linfáticos, mas preservar a circulação. A seguir a bandagem é estendida proximalmente. De qualquer maneira, esse método só deve ser usado em acidentes crotálicos e elapídicos, pois não causam edema local. Considerar também que é tecnicamente difícil a instalação, a evidência não é a melhor e pode acabar provocando atraso de transporte. O torniquete não é recomendado. O seu uso levou a aumento de edema e de gravidade de lesão local comparado a pacientes que não receberam o torniquete. Além disso, não há redução na incidência de efeitos sistêmicos do veneno (insuficiência renal aguda, insuficiência respiratória, síndrome hemorrágica, disfunção de múltiplos órgãos ou morte) entre pacientes tratados com torniquete e aqueles não tratados. Um estudo, inclusive, demonstra aumento de dias internados em pacientes nos quais o torniquete foi usado. Além dessas medidas, reforçamos que o mais importante é transportar o paciente até local onde o soro antiveneno apropriado esteja disponível. Abordagem intra-hospitalar A abordagem inicial inclui o padrão do cuidado de emergência: por exemplo, prioridade da via aérea, ventilação e circulação. O paciente deve ser levado à sala de emergência, monitorizado, obter acesso calibroso, hidratado e receber analgesia e antieméticos conforme necessário, além das medidas mencionadas no parágrafo anterior, caso não tenham sido realizadas. Exames laboratoriais Os exames iniciais indicados são creatinina, eletrólitos, troponina, hemograma, TP, TTPA, fibrinogênio e urina de rotina. Dependendo do acidente ofídico, deve-se solicitar CK, LDH, TGO e TGP, como nos casos de acidente com crotálico devido à atividade miotóxica. Eletrocardiograma, em acidente laquético, pois pode haver bradicardia, alterações do segmento ST e onda T e bloqueio atrioventricular. Medicação adjuvante O paciente deve ser hidratado e receber analgesia e antieméticos conforme necessário. Como em qualquer outro ferimento de pele, atentar para a vacinação antitetânica. Medicação prévia Antes da aplicação do soro antiveneno deve-se considerar pré-medicações para evitar reações de hipersensibilidade ao soro agudas e tardias. A evidência para o uso de corticoide e bloqueador histamínico é fraca. Porém, é a rotina na maior parte dos locais que atendem acidente ofídicos. Um único estudo do Sri Lanka mostrou benefício da aplicação de adrenalina (250 µg) por via subcutânea imediatamente antes de aplicação do antiveneno. Nesse estudo a aplicação da adrenalina foi segura, inclusive em pacientes com coagulopatia. Independentemente da escolha da pré-medicação, recomenda-se deixar adrenalina e material de intubação próximo ao paciente devido ao risco de evoluir com insuficiência respiratória e choque anafilático. Medicações utilizadas antes do soro: Anti H1: difenidramina 1 mg/kg EV ou IM (máx. 50 mg) ou prometazina 0,5 mg/kg IM ou EV (máx. 25 mg). Anti H2: cimetidina 10 mg/kg EV (máx. 300 mg) ou ranitidina 3 mg/kg EV (máx. 50 mg). Corticoide: hidrocortisona 10 mg/kg EV (máx. 500 mg). Adrenalina: 250 µg SC logo antes da aplicação do soro. Soroterapia O soro pode ser infundido puro ou diluído. Pode ser diluído em solução fisiológica ou glicosado na razão de 1:2 ou 1:5 por permitir melhor controle da infusão e das reações adversas. Entretanto, pode ser administrado com infusão direta, sem diluição, como nos casos em que haja restrição de volume. A forma endovenosa é preferível e não há benefício de aplicá-lo de forma subcutânea, próximo à lesão. A administração do soro deve ser feita em 10 a 30 minutos sob monitorização contínua. O número de ampolas depende de cada serpente e da gravidade do quadro. A gravidade do quadro pode ser dinâmica e um quadro inicialmente diagnosticado como moderado e depois reinterpretado como grave tem indicação de receber o número de ampolas adicionais devidas. Faz-se uma ressalva ao soro antilatrodectus, que é aplicado de forma intramuscular. Antibiótico Antibiótico de rotina não é recomendado; no entanto, um estudo de 1989 detectou a progressão para abscesso bacteriano em 15% dos acidentes botrópicos. Nesse estudo, a flora bacteriana desse grupo de serpentes foi identificada, como descrito na Tabela 1. O perfil de resistência a antibiótico dessa flora bacteriana mostrou que o cloranfenicol era a droga contra a qual havia menor resistência. Infelizmente, esse antibiótico não está disponível facilmente. Na opinião dos editores, alternativas são ceftriaxona, ciprofloxacina e gentamicina. O uso rotineiro de cloranfenicol em 251 pacientes com acidente botrópico não impediu a formação de abscesso quando comparado ao placebo. Por isso, o uso de antibiótico deve ser ponderado. Como em qualquer outro ferimento de pele, atentar para a vacinação antitetânica. Nos próximos itens vamos detalhar os tipos de acidentede acordo com o grupo de serpente. O diagnóstico de certeza depende do reconhecimento do animal causador. No entanto, o diagnóstico presumível, feito pelos sinais e sintomas, é suficiente para determinação do soro antiofídico correto. Nas próximas seções vamos detalhar os tipos de acidente de acordo com o grupo de serpente. TABELA 1 Flora bacteriana encontrada em acidentes botrópicos Morganella morganii: 44% Escherichia coli: 20% Providencia sp.:13% Klebsiella sp.: 10% ACIDENTE BOTRÓPICO Como já relatado, o acidente botrópico é o acidente ofídico mais comum e está presente em todo o território nacional. Estudos proteômicos do veneno botrópico mostram que é composto por um número limitado de famílias proteicas. As proteínas mais abundantes e correlacionadas à síndrome clínica do envenenamento são as metaloproteinases de veneno de serpente (MPVS), serina-proteinases de veneno de serpente (SPVS) e fosfolipases A2. As SPVS são enzimas semelhantes à trombina, que provocam distúrbios de coagulação. As fosfolipases estão envolvidas na reação local e miotoxicidade. As MPVS têm efeitos diversos incluindo hemorragia, inflamação, ativação de fatores da coagulação e inibição de agregação plaquetária. A proporção relativa entre essas três famílias proteicas pode variar de acordo com filogenia, idade, sexo, distribuição geográfica e dieta da serpente. As jararacas apresentam diferenciação considerável de habitat e traço ecológico, e sua filogenia não é completamente resolvida, havendo propostas de classificações de gênero que são incompatíveis. O veneno antibotrópico no Brasil é produzido por imunização de cavalos com veneno de cinco espécies de serpente: Bothropoides jararaca (50%), Bothropoides neuwiedi (12,5%), Rhinocerophis alternatus (12,5%), Bothrops moojeni (12,5%) e Bothrops jararacuçu (12,5%). A espécie mais importante na Amazônia, a Bothrops atrox, não é incluída. No entanto, o soro produzido por imunização com essas espécies de serpente é pan-específico para B. atrox. O veneno botrópico possui três ações principais: • Proteolítica. • Coagulante. • Hemorrágica. A ação proteolítica provoca atividade inflamatória intensa próximo ao local da picada. Dor, eritema, edema, flogose e enduração aparecem nas horas seguintes e podem se estender até a raiz do membro. As marcas da picada nem sempre são visíveis. Nos dias seguintes, a lesão evolui para equimoses, bolhas e necrose. As bolhas têm conteúdo seroso ou sero-hemorrágico e podem evoluir para necrose cutânea. A dor se inicia logo após a picada e possui intensidade variável. Atentar para síndrome compartimental e necessidade de fasciotomia. Os efeitos locais podem levar a déficit funcional do membro ou até amputação. O sequestro de líquido no terceiro espaço devido a reação inflamatória pode ser suficiente para provocar insuficiência renal pré-renal. A ação coagulante ativa fatores de coagulação com consumo de fibrinogênio, plaquetas e formação de fibrina intravascular. A ação hemorrágica compromete a integridade do endotélio vascular. Somando-se à ação coagulante, pode provocar hemorragias como gengivorragia, epistaxe, hemorragia digestiva e hematúria. Ao se deparar com o acidente botrópico, deve-se considerar a possibilidade de acidente laquético. Este também provoca intensa reação local. A distribuição geográfica da surucucu é na maior parte restrita à região Norte, mas pode estar presente na Mata Atlântica. Além disso, pacientes vítimas de acidente laquético não costumam apresentar sintomas vagais como hipotensão ou manifestações clínicas do trato gastrointestinal (ver a seguir). A intensidade dos sinais locais e a presença de acometimento sistêmico determinam o número de ampolas necessárias para o tratamento conforme a Tabela 2. O soro utilizado é o antibotrópico (SAB), e na falta desse pode ser utilizado antibotrópico-crotálico (SABC) ou antibotrópico-laquética (SABL). A insuficiência renal é incomum nos pacientes que recebem o soro em até seis horas do acidente. A eficácia da ação do antiveneno pode ser apreciada pela normalização da coagulometria em 12 a 36 horas após sua infusão. Se o coagulograma permanecer alterado após 24 horas da soroterapia pode-se realizar dose adicional de duas ampolas (Figura 2). Em alguns casos, mesmo com a melhora do coagulograma, o paciente pode apresentar piora do edema; nesses casos, dexametasona (adultos 4 mg/kg EV e crianças 0,6 mg/kg EV). A alta hospitalar é recomendada 24 horas após soroterapia com coagulograma e função renal normais, sem infecção secundária ou outras complicações. A Figura 3 mostra o atendimento e manejo hospitalar do acidente botrópico. ACIDENTE CROTÁLICO O acidente crotálico representa menos de 10% dos acidentes ofídicos no Brasil. No ano de 2016 as notificações nas regiões Nordeste e Sudeste representaram 74% desse total. Existem seis subespécies de Crotalus durissus presentes no Brasil – C. durissus terrificus (região Sul); C. durissus collilineatus (Centro- oeste e Sudeste); C. durissus cascavella (Nordeste); C. durissus ruruima (Norte); C. durissus marajoensis (Ilha de Marajó). O principal componente do veneno crotálico é a crotoxina, representando 65% do total da peçonha. A crotoxina possui duas subunidades, a fosfolipase A2 e a crotapotina e possui ação miotóxica e neurotóxica. Age na junção neuromuscular inibindo a liberação de neurotransmissores e em menor escala bloqueando os receptores da sinapse. A crotoxina também inibe a coagulação sanguínea (clivando fosfolipídeos do sistema hemostático), causando diretamente hemólise e plaquetólise. Além da crotoxina, também têm importância clínica a crotamina, a convulxina e a girotoxina. A crotamina é responsável por mionecrose e paralisia espasmódica na musculatura esquelética. A administração de convulxina em camundongos é associada a apneia, perda de equilíbrio e convulsões. Além disso, também induz a agregação e lise plaquetária. A girotoxina provoca síndrome labiríntica em camundongos – caracterizada por movimentos circulatórios do corpo ao longo do eixo longitudinal. Além disso, tem ação semelhante à da trombina e ação fibrinogenolítica. O efeito conjunto dessas toxinas do veneno crotálico se expressa de forma sistêmica com pouco efeito local (dor e edema são discretos ao redor da picada), sendo as principais ações: • Neurotóxica. • Miotóxica. • Coagulante. A ação neurotóxica é a mais evidente. Trata-se de efeito neuroparalítico com início na cabeça e progressão craniocaudal. Provoca a fácies miastênica com ptose palpebral (uni ou bilateral), turvação visual (visão turva e diplopia) e oftalmoplegia. São relatadas ainda paralisia do palato mole, diminuição do reflexo de vômito e disfagia. Raramente pode progredir para insuficiência respiratória. Distúrbios do olfato e paladar também são descritos. A atividade miotóxica provoca lesões de fibras musculares sistematicamente com elevação de mioglobina e excreção na urina. O paciente apresenta dores musculares generalizadas e mioglobinúria/hematúria (urina cor de “coca-cola”). Espera-se elevação de CK, LDH, TGO e TGP. A insuficiência renal aguda pode se instalar em decorrência da mioglobinúria e aumenta o risco de óbito. A ação coagulante provoca consumo de fibrinogênio e elevação de TP e TTPA. Pode haver gengivorragia e outros sangramentos discretos. Após o tratamento com soroterapia específica, as manifestações neurotóxicas regridem lenta, porém, totalmente. Deve-se considerar como diagnóstico diferencial o acidente elapídico, que apresenta os mesmos sintomas de neurotoxicidade, mas em geral com um quadro mais grave e sem os efeitos miotóxicos ou coagulantes. O tratamento específico é realizado com soro anticrotálico (SAC); na falta, pode ser utilizado o soroantibotrópico- crotálico (SABC). O número de ampolas também varia conforme a classificação quanto à gravidade, verificada na Tabela 3. ACIDENTE LAQUÉTICO Os acidentes laquéticos se restringem praticamente à região Norte, onde são notificados 90% desses acidentes. A surucucu também está presente nos remanescentes da Mata Atlântica. O veneno laquético é caracterizado por ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica. A composição se assemelha à do veneno botrópico com MPVS, serina protease e fosfolipases A2. Além disso, também apresenta o peptídeo potenciador de bradicinina. O veneno laquético tem propriedades que ativam o plasminogênio, coagulantes, hemorrágica, inflamatória, proteolítica, miotóxica, hemolítica, hipotensiva e neurotóxica. Possui a fosfolipase A2 LmTx-1 que induz in vitro bloqueio neuromuscular irreversível. Especificamente para o acidente laquético deve-se monitorizar o paciente e solicitar eletrocardiograma (ECG) seriado, pois pode haver bradicardia, alterações do segmento ST e onda T e bloqueio atrioventricular. O acidente laquético se apresenta em 15 a 30 minutos com dor local intensa, edema, sangramento profuso no local da picada, sudorese profusa, dor abdominal intensa e rebaixamento de nível de consciência. O veneno também tem efeitos vagomiméticos como diarreia, vômito, bradicardia, hipotensão e choque. O paciente se queixa de disfagia e/ou odinofagia. Em trinta minutos após o acidente, já são constatadas alterações na coagulometria (TS, TC e TP). Assim como no acidente botrópico, ocorre intensa reação local. O diagnóstico diferencial deve considerar a possibilidade de acidente botrópico. O acidente laquético apresenta o efeito neurotóxico vagal que se manifesta como estimulação colinérgica: vômitos, dor abdominal, diarreia, hipotensão e até choque, que não está presente no acidente botrópico. O tratamento inicial deve focar, além da administração do soro antiveneno, na estabilidade hemodinâmica do paciente com infusão de volume, uso de atropina e inotrópicos com o objetivo de evitar a instalação de choque. Todo acidente laquético deve ser considerado grave e são indicadas de 12 a 20 ampolas do soro antilaquético (SAL) ou soro bivalente antibotrópico e laquético (SABL).* O paciente deve ser monitorizado obrigatoriamente por 72 horas. O paciente pode apresentar hipotensão tardia (após a décima-sexta hora), hemorragia digestiva, trombose mesentérica ou acidente vascular cerebral. ACIDENTE ELAPÍDICO O acidente elapídico é o mais raro dos acidentes ofídicos no Brasil. A coral é a única das serpentes peçonhentas de importância no Brasil que não possui a fosseta loreal (orifício termossensível entre o olho e a narina). O veneno elapídico contém proteínas com estruturas de três dígitos, denominadas “three finger toxins” (3Ftx), que são as mais abundantes (40% da composição do veneno). Na sequência em ordem de composição estão as MPVS (12%), L-aminoácido oxidase (12%), fosfolipases A2 (10%) e lecitina do tipo C (10%). As 3Ftx são neurotoxinas pós-sinápticas que se ligam competitivamente aos receptores colinérgicos. As fosfolipases A2 são neurotoxinas pré-sinápticas, bloqueando a liberação de neurotransmissor. O veneno elapídico é caracterizado por ação neurotóxica. O paciente apresenta, em 45 a 75 minutos, náuseas, vômitos, sudorese, ptose palpebral (uni ou bilateral), fácies miastênica, oftalmoplegia, dificuldade de deglutição, paralisia muscular e respiratória. No local da picada pode haver dor e parestesia discreta, mas não há lesão evidente. Todo acidente elapídico é considerado grave e o paciente deve receber de 5 a 10 ampolas de soro antielapídico. O soro é produzido a partir da inoculação de uma mistura da dose de venenos das serpentes Micrurus frontalis e Micrurus corallinus. Especificamente para o acidente elapídico deve-se preparar para a insuficiência respiratória com oferecimento de oxigênio, ventilação não invasiva e invasiva. O aparecimento dos sintomas pode ser tardio, portanto o paciente deve ser mantido em observação por 24 horas. ▷ FIGURA 1 Fluxograma do manejo do acidente ofídico. ▷ FIGURA 2 Características que diferenciam os tipos de acidentes ofídicos. ▷ FIGURA 3 Atendimento e manejo hospitalar do acidente botrópico. Se não houver soro antielapídico imediatamente disponível e o paciente apresentar insuficiência respiratória, o paciente tem indicação de receber neostigmina. Aplicar neostigmina EV, 0,05 mg/kg em crianças ou até no máximo 2-5 mg no adulto. Cada ampola de neostigmina deve ser precedida de 0,01-0,02 mg/kg de atropina (0,25 mg de atropina para cada 0,5 mg de neostigmina). Deve-se observar um aumento de pelo menos 20 bpm na frequência cardíaca (FC). Depois continuar com neostigmina (repetir a mesma dose) a cada 4 horas até a infusão do soro antielapídico. A Tabela 4 mostra um comparativo das manifestações, complicações e soroterapia dos quatro tipos de acidentes ofídicos. SERPENTES NÃO PEÇONHENTAS As picadas de serpentes não peçonhentas resultam em traumatismo local. Podem ser responsáveis a cobra-verde (Phylodrias) e Clelia (muçurana). O trauma local pode levar a edema, dor e equimose. Não há necessidade de soro antiofídico. ACIDENTES ESCORPIÔNICOS No Brasil são espécies de importância médica: Tityus serrulatus (escorpião amarelo) distribuído da Bahia até o Paraná e adaptado ao meio urbano; T. bahiensis (escorpião marrom) presente em todo o país, exceto região Norte; e T. stigmurus, espécie mais comum do Nordeste. Na Amazônia ainda se encontra o T. cambridgei e o T. metuendus. A maioria dos casos graves decorre de picada do T. serrulatus. Escorpião amarelo Escorpião marrom Escorpião do Nordeste O veneno atua em canais de sódio, provocando despolarização e liberação importante de neurotransmissores (catecolaminas, acetilcolina e outros). A maioria dos acidentes é leve, e os quadros graves ocorrem em crianças e idosos. A principal manifestação local é a dor que se instala quase imediatamente. Pode estar acompanhada de parestesia, eritema e sudorese ao redor da picada. Pode durar 24 horas, mas é mais intensa nas primeiras horas. Acidentes moderados se apresentam com dor intensa local, sudorese, náusea, vômitos, taquicardia, taquipneia e hipertensão. Acidentes graves apresentam, além dos sintomas já descritos, manifestações neurológicas, miose ou midríase, priapismo, aumento de secreções (sudorese profusa, vômitos incoercíveis e rinorreia e lacrimejamento), agitação ou exaustão, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão, choque, convulsões e coma. Autópsias de óbitos por acidente escorpiônico revelam edema cerebral, edema pulmonar alveolar, edema intersticial miocárdico com infiltrado inflamatório. O veneno escorpiônico também pode induzir hiperglicemia, glicogenólise, leucocitose e hipocalemia. Além disso, pode provocar miocardite com alteração de segmento e elevação de troponina. Um estudo com 84 pacientes levanta a hipótese de que o valor inicial de troponina tem valor prognóstico, e os pacientes com maior troponina tiveram maior morbimortalidade. Deve-se solicitar hemograma, glicemia, potássio, sódio, amilase, creatinoquinase e eletrocardiograma. Em casos graves, solicita-se troponina e ecocardiograma. No eletrocardiograma, pode haver bradicardia, taquicardia, extrassistolia, inversão de onda T, presença de onda U proeminente, onda Q, infra ou supradesnivelamento do segmento ST. O ecocardiograma mostra hipocinesia difusa, que em geral é transitória. Acidentes leves podem ser tratados com anestesia local com lidocaína e observados por 4 a 6 horas. Acidentes moderados têm indicação de 2 a 3 ampolas de soro antiveneno (especialmente em crianças) e acidentesgraves devem receber 4 a 6 ampolas. Ambos devem ser monitorizados por pelo menos 24-48 horas. ACIDENTE ARACNÍDICO As picadas de aranhas são um evento médico raro. A preocupação particular é principalmente com as lesões necróticas que podem ser causadas por essas picadas, mas, exceto pelas aranhas do gênero Loxosceles, esse tipo de lesão não ocorre. O diagnóstico de picada de aranha é usualmente clínico, baseado na história do paciente de ter recebido uma picada de inseto identificado como aranha. Essa identificação é mais bem realizada se a aranha for capturada. Na maioria dos casos, a identificação é realizada pelo próprio paciente. Raramente o diagnóstico laboratorial é disponível para estes casos. As reações locais são usualmente similares às de uma picada por abelha, com aparecimento de hiperemia e nodulação no local da picada após alguns minutos; em raros casos podemos ter dramáticas lesões necróticas. Existem cerca de 41.000 espécies de aranha e todas produzem uma espécie de veneno em suas quelíceras, na maior parte dos casos inofensivo para humanos. Assim, muito poucas espécies têm alguma relevância do ponto de vista médico. As aranhas caranguejeiras, por exemplo, são conhecidas por atingirem grandes dimensões, entretanto, na maioria das vezes possuem um tipo de veneno com pouca relevância para o ser humano. No Brasil são três gêneros de aranha com relevância médica: Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus. Acidentes por Phoneutria As aranhas do gênero Phoneutria são conhecidas como aranhas armadeiras, e seu veneno tem ação neurotóxica, com liberação de adrenalina e acetilcolina, causando manifestações de sistema nervoso central simpático e parassimpático. Picadas por esse tipo de aranha ocorrem principalmente na América do Sul e na Costa Rica, sendo descritos milhares de eventos no Brasil anualmente. São aranhas noturnas e solitárias e só ocasionalmente entram em domicílios; quando isso ocorre, assumem postura agressiva característica, o que lhes dá o nome popular. As picadas causam dor local imediata com diaforese localizada, piloereção e eritema. A dor apresenta irradiação proximal e, na maioria dos casos, os sintomas se limitam ao quadro doloroso. Entretanto, uma série de quase 500 casos descreveu taquicardia e sensação de inquietude. Os sintomas sistêmicos incluem náuseas, vômitos e tonturas, salivação, alterações visuais e priapismo. Na maioria dos casos, apenas tratamento sintomático é necessário com aplicação de compressas quentes, opioides e sedativos conforme necessidade e uso de anestésicos locais. O soro (Tabela 5) só é indicado em casos mais graves com manifestações autonômicas, sendo utilizado em cerca de 2% das picadas por esse tipo de aranha. O soro é usado por 3 horas e a recuperação é completa em usualmente 24 horas. Acidente por Loxosceles As aranhas deste gênero são também denominadas aranhas reclusas ou aranhas marrons e seu veneno tem atividade proteolítica e hemolítica. Existem mais de 100 espécies de distribuição mundial, mas a maioria delas se encontra na América do Sul. São aranhas de hábito predominantemente noturno, encontradas em lugares secos e escuros, sob pedras ou madeira; essas espécies podem se adaptar ao ambiente doméstico e se esconder em roupas, móveis e lençóis. São aranhas marrons, de características difíceis de diferenciar em relação a outras espécies de aranhas, mas que apresentam 6 olhos, com um par na frente e dois pares laterais, ao contrário dos oito olhos usuais divididos em 2 fileiras. A patogênese de suas manifestações clínicas não é completamente conhecida, mas parecem ser importantes componentes da família das fosfolipases D, que são envolvidas principalmente na necrose cutânea. A injeção do veneno loxoscélico inicia uma reação inflamatória e também tem ação direta hemolítica e leva a ativação e agregação plaquetária, podendo causar trombose na microcirculação com isquemia local e consequentes necrose tecidual e dor intensa. A presença de hialuronidase no veneno loxoscélico aumenta o potencial da lesão tecidual. As mulheres são um pouco mais afetadas que os homens por essas picadas e elas ocorrem sobretudo nos meses de temperatura quente. Essas aranhas raramente picam espontaneamente seres humanos; isso ocorre em geral quando são atacadas ou como última linha de defesa. O veneno da Loxosceles possui ação hemolítica, coagulante e dermonecrótica. De início, a picada é pouco dolorosa e passa despercebida em grande número de casos; eventualmente pode ocorrer uma sensação de queimação local. Além disso, poucos pacientes capturam a aranha, o que dificulta a identificação, que ocorre em menos de 60% dos casos. A dor tipicamente apresenta um aumento progressivo nas próximas 2 a 8 horas e pode se tornar severa; a aparência inicial da lesão é de uma pápula avermelhada, e alguns pacientes podem apresentar rash urticariforme associado. Muitas vezes os sintomas são frustros ou não relatados a serviços médicos, o que torna difícil saber qual é o verdadeiro número de casos assintomáticos ou oligossintomáticos dessas picadas. Alguma forma de necrose cutânea ocorre na maioria das picadas sintomáticas por aranhas do gênero Loxosceles. Manifestações sistêmicas, por sua vez, ocorrem em cerca de 10% dos casos e anemia hemolítica também ocorre em 10% dos casos. O loxoscelismo cutâneo se manifesta inicialmente por dor discreta e eritema, que muitas vezes pode ser confundido com celulite e usualmente causa extenso envolvimento cutâneo com necrose cutânea e ulceração. A evolução lenta faz com que o diagnóstico da lesão ocorra de 12 a 24 horas após a picada, com aparecimento de equimoses e bolhas hemorrágicas. A necrose cutânea, por sua vez, costuma aparecer cerca de 72 horas após a picada, podendo ocorrer necrose de tecidos profundos em até metade dos casos, mas infecção secundária é incomum, mesmo em casos de envolvimento cutâneo extenso. Alguns pacientes podem apresentar uma variante edematosa, principalmente em picadas de face com extenso edema e eritema, mas pouca necrose. As manifestações sistêmicas são menos comuns e incluem hemólise intravascular como característica principal. A apresentação típica inclui febre, mal-estar, mialgias, vômitos, cefaleia e rash, com ou sem história de picada. Os níveis de hemoglobina apresentam queda progressiva em período de 7 a 14 dias, podendo chegar a níveis de 5 a 8 g/dL. A hemólise, apesar de intravascular, é consistente com o processo autoimune, ocorrendo teste de Coombs direto positivo. Insuficiência renal aguda pode ocorrer, mas é incomum, sendo associada com prognóstico muito ruim. A coagulação intravascular disseminada (CIVD) é frequentemente descrita como sintoma comum ao loxoscelismo, embora a evidência de sua ocorrência seja pequena. Alguns pacientes evoluem com trombocitopenia e aumento dos tempos de coagulação, mas raramente preenchendo os critérios diagnósticos para CIVD. Rabdomiólise é descrita no loxoscelismo, mas na maioria dos casos se apresenta com pequenos aumentos de CPK. A presença de lesões cutâneas, sintomas sistêmicos inespecíficos e história de picada de aranha é considerada suficiente para o diagnóstico de loxoscelismo. Apesar disso, deve-se lembrar que o diagnóstico de loxoscelismo em lesões cutâneas necróticas tende a ser superestimado. Na presença de lesões cutâneas necróticas pode-se levantar a suspeita de picada de aranha, mas esta é uma causa infrequente e os pacientes devem ser orientados neste sentido, para evitar ansiedade. Existem vários tratamentos propostos para o loxoscelismo, como corticosteroides, antídotos e anti- histamínicos, entre outras opções, embora exista pouca evidência que dê suporte para seu uso. O benefício do soro antiloxosceles parece se limitar aouso nas primeiras 4 horas, embora alguns estudos sugiram benefício em até 36-48 horas (Tabela 4). O Ministério da Saúde recomenda seu uso em casos de lesões cutâneas extensas, usualmente associado a glicocorticoides. A dose de prednisona recomendada é de 40-80 mg ao dia ou 1 mg/kg por 5 dias. Um estudo sugeriu benefício com o uso de dapsona, embora não seja recomendada rotineiramente. A dose de soro específico é de 5 ampolas de soro antiloxosceles em casos sem hemólise e 10 ampolas de soro antiloxosceles no caso de hemólise associada. Acidente latrodético Existem pelo menos 30 espécies diferentes da viúva negra. A sua epidemiologia é diferente, dependendo da localização mundial. Na América do Sul, são mais frequentes picadas em trabalhadores rurais quando em ambientes externos. A maioria dessas aranhas tem uma aparência negra brilhante com marcas vermelhas pelo corpo. Suas picadas caracteristicamente produzem alterações sensoriais no local da picada, o sistema nervoso autônomo é envolvido com liberação de neuromediadores, podendo ocorrer contratura facial e trismo, retenção urinária, hipertensão arterial, taquicardia ou bradicardia. Os pacientes, na sua apresentação no serviço de emergência, têm tipicamente uma história de atividade de risco para ocorrer a picada nas últimas 8 horas. Cerca de 75% das picadas ocorrem nas extremidades, em particular nos membros inferiores. A dor é uma manifestação universalmente presente nas picadas desse gênero, e costuma ocorrer no local da picada com irradiação para dorso, tórax e região abdominal. O seu aparecimento é gradual, com piora progressiva em períodos de horas a dias, e a irradiação da dor em membro para a região superior dele é uma apresentação típica. Em pacientes com manifestações sistêmicas, a mialgia é a mais comum entre elas. A diaforese é outra manifestação característica e pode ocorrer em apresentações atípicas. Sugere o latrodectismo diaforese apenas no local da picada ou diaforese abaixo dos joelhos ou assimétrica. Outro achado relativamente específico é o aparecimento de dor abdominal grave ou rigidez de parede abdominal. Manifestações sistêmicas, por sua vez, ocorrem em um terço dos pacientes com sintomas inespecíficos, como náuseas, vômitos e cefaleia na maioria dos casos. Fasciculações musculares e paralisia local podem ocorrer. A lesão miocárdica é rara e nesse caso pode ocorrer alteração de marcadores cardíacos. O priapismo é outra manifestação rara. Os sinais vitais estão dentro dos parâmetros de normalidade em 70% dos pacientes; nos casos graves a presença de rigidez muscular intermitente ocorre em 60% dos pacientes. Em pacientes com manifestações apenas locais, são recomendados apenas os cuidados locais de limpeza e profilaxia antitetânica se necessário. Vários tratamentos foram propostos, incluindo analgésicos, antieméticos, benzodiazepínicos, magnésio e cálcio. Existe pouca evidência de qualidade para validar o uso das diferentes medicações citadas, mas analgésicos, sobretudo opioides, são utilizados frequentemente. Os benzodiazepínicos podem ser utilizados em casos de fasciculações ou espasmos musculares. A evidência para o uso de soro específico nesses pacientes é insuficiente para indicar a sua utilização. Constitui uma exceção entre todos os soros antivenenos, pois deve ser aplicados via intramuscular. O tratamento é de 1 ampola IM em casos de acometimento moderado e 1 a 2 ampolas IM em casos de acometimento grave (Tabela 4). OUTROS ANIMAIS PEÇONHENTOS ACIDENTE POR ABELHAS Espécies Hymenoptera que atacam humanos incluem abelhas e mamangavas, vespa amarela, vespão, marimbondo e formigas. A maioria das pessoas tem apenas reação local. Os desfechos graves ocorrem por reação alérgica ou ataque maciço. A reação alérgica ao veneno tem risco de reações sistêmicas graves – seja aguda como anafilaxia ou tardia como doença do soro. São relatados 30-40 óbitos por acidente por abelhas anualmente no Brasil. Não há necessidade de vacinação contra tétano após picadas. Em geral, essas espécies picam em autodefesa ou para proteger sua colmeia ou ninho. A remoção imediata do ferrão pode reduzir a infusão de veneno. Alguns minutos depois, já não fará diferença em termos de evitar a infusão do veneno. Depois, deve ser removido através de raspagem (não pinçar a porção posterior do ferrão, evitando inocular mais veneno), pois pode ser sítio de infecção ou reação de corpo estranho. A reação local em geral é leve e transitória com eritema, dor e edema de 1-5 cm que se inicia em minutos e melhora após algumas horas. Um em cada dez pacientes desenvolve reação desproporcional eritematosa e edematosa (tipicamente de 10 cm de diâmetro) que aumenta gradualmente em um a dois dias. A resolução ocorre em cinco a dez dias. Compressas frias podem ajudar. Se for em extremidade, esta deve ser mantida elevada. Prednisona 40-60 mg em dose única ou tratamento curto de 2 a 5 dias pode ajudar. O prurido pode responder a anti-histamínicos. Se após 48 horas o quadro continuar piorando, sugere infecção secundária. Em caso de acidente maciço (30-50 picadas em crianças e 300 picadas no adulto), a composição do veneno passa a ter importância. Inclui fosfolipases A2 e melitina, que representam 75% dos constituintes do veneno. Outras frações são responsáveis por ações bloqueadoras neuromusculares e que podem provocar paralisia respiratória e hemólise, principalmente a apamina. O veneno contém também um cardiopeptídeo com ação semelhante à de drogas beta-adrenérgicas com propriedades antiarrítmicas. Possui também um peptídeo degranulador de mastócitos responsável pela liberação de histamina e serotonina. O veneno provoca hemólise intravascular, insuficiência renal aguda, oligúria/anúria, torpor, coma, distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos graves. Reações tardias, como encefalite, artralgias e febre semelhante à doença do soro ocorrem, mas são raras. Creatinofosfoquinase (CPK), desidrogenase láctica (LDH), aldolase e transaminases aumentadas sugerem envenenamento grave. Exame de urina de rotina pode mostrar sinais de comprometimento renal. O tratamento é de suporte, incluindo proteção de via aérea e respiração – até intubação orotraqueal se necessário. Pode haver benefício com o uso de corticoide e anti-histamínicos. A insuficiência renal pode evoluir para diálise. O soro antiapílico está iniciando estudo fase III (estudo APIS) na CEVAP/UNESP. O protocolo do estudo especifica duas ampolas de soro para 5 a 200 picadas; seis ampolas de veneno para 201-600 picadas; e 10 ampolas para mais de 600 picadas. O tratamento adjuvante recomendado é hidratação e inotrópicos para manter pressão acima de 90 × 60 mmHg. Monitorar CPK para rabdomiólise (níveis de CPK acima de 5.000 U/L). Atentar para função renal; oligúria e anúria são indicações de diálise. Corrigir distúrbios hidroeletrolíticos. Os sintomas podem ser combatidos com antihistamínico e corticoide. Adrenalina subcutânea deve ser usada para tratamento de anafilaxia. Atentar para controle da dor e evolução para broncoespasmo. Usar permanganato de potássio 1:40.000 para antissepsia da pele. Para retirar os ferrões pode-se usar pinça hemostática (Halsted) aplicada rente à pele para evitar a inoculação de veneno. ACIDENTE POR LAGARTAS (LONOMIA) A penetração de cerdas de lagartas (lepidópteros) na pele inocula toxinas, provocando o envenenamento pelo gênero Lonomia. Têm importância médica os acidentes causados por insetos pertencentes à ordem Lepidoptera, na sua forma larvária. Nomes populares incluem taturana, oruga, ruga, lagarta-de-fogo, e apresentam grande variedade morfológica. A família Megalopygidae (megalopigídeos) possui cerdas pontiagudas, curtas e que contêm as glândulas de veneno, no meiode outras cerdas longas, coloridas e inofensivas. A família Saturniidae (saturnídeos) tem “espinhos” ramificados e pontiagudos de aspecto arbóreo, mimetizando as plantas que habitam. O gênero Lonomia é um saturnídeo, cujo veneno tem efeito hemorrágico. As larvas têm hábitos noturnos e estão em todo o país. Os megalopigídeos são solitários, ao contrário dos saturnídeos. O veneno é composto por fosfolipases A2, achelase, lonomina e serina-proteases. O veneno causa dor, edema, uma coagulopatia consumptiva consumindo fibrinogênio e hemólise intravascular. Localmente haverá dor em queimação, irradiação, eritema, edema e adenomegalia dolorosa. Raramente pode haver bolhas e necrose cutânea. Os sintomas regridem em 24 horas. Sistemicamente pode haver queixas inespecíficas como cefaleia, mal-estar, náuseas e dor abdominal, além de sangramentos como gengivorragia, equimoses, epistaxe, hematúria, hematêmese e hemoptise. Acidentes graves evoluem com insuficiência renal aguda e hemorragia intracraniana. Metade dos pacientes expostos ao veneno de Lonomia apresenta distúrbio na coagulação sanguínea, com ou sem hemorragia. A reversão de alterações de exames de coagulação ocorre após 24 horas da administração do antiveneno específico. Normalmente, não há alteração na contagem de plaquetas. Rebaixamento de nível de consciência deve ser investigado com imagem de crânio (suspeita de sangramento). O tratamento é sintomático com compressas frias. Lidocaína a 2% próximo à lesão pode ajudar. Em acidentes moderados com alterações de coagulograma (sangramento no máximo de pele ou mucosa) ou graves com manifestações hemorrágicas em vísceras ou complicações com risco de morte, o paciente deve ficar em repouso e deve receber o soro específico. Acidentes moderados têm indicação de 5 ampolas de soro antilonômico e acidentes graves têm indicação de 10 ampolas. ACIDENTES POR CNIDÁRIOS Os animais pertencentes ao filo Cnidaria são invertebrados que flutuam em água salgada e possuem tentáculos longos que se desconectam facilmente. Seus tentáculos agrupam as células de defesa denominadas cnidoblastos, que por sua vez são portadoras dos nematocistos. Estes últimos são pequenas organelas que descarregam rapidamente seu veneno quando em contato com a pele da vítima. As principais classes são desse filo são: Scyphozoa (medusas e água-viva) e Hydrozoa (caravela-portuguesa). As espécies de cnidários são encontradas em águas costeiras quentes e frias em todo o mundo, dentre as quais citamos Rússia, Japão, Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos e Austrália, sendo a maioria dos acidentes com efeito tóxico semelhante. As águas-vivas afetam cerca de 150 milhões de pessoas anualmente. Como exemplo, aproximadamente 500.000 casos de envenenamento ocorrem anualmente na costa leste dos Estados Unidos. O veneno dos cnidários é uma mistura complexa de enzimas que incluem toxinas citolíticas formadoras e neurotoxinas com atividade nos canais rápidos de sódio e de potássio. A apresentação clínica de um paciente com acidente por cnidários varia de acordo com a espécie, o tempo de exposição, a área de pele exposta e o tipo de tratamento administrado no momento da exposição. A maioria dos envenenamentos de medusas causa sintomas locais limitados a dor e inchaço no local da inoculação. Com o envenenamento local, os pacientes geralmente não veem a água-viva ou o tentáculo, mas sentem dor imediata no momento da picada. Lesões urticariformes lineares, vermelhas, geralmente se desenvolvem poucos minutos depois (Figura 4). As lesões costumam queimar intensamente e podem causar prurido. Os achados cutâneos incluem “pegadas de tentáculos” e, menos comumente, vesículas e equimose. Em alguns casos, as erupções papulares urticariformes podem ocorrer de 7 a 14 dias depois e podem ser intensamente pruriginosas. As lesões geralmente remitem em 10 dias, embora possam persistir ocasionalmente por semanas. Dentre as reações sistêmicas que podem ocorrer, destaca- se a anafilaxia, que raramente ocorre após picadas de água-viva e normalmente se apresenta com edema da mucosa oral, sibilância, urticária generalizada e choque distributivo. O manejo de pacientes com anafilaxia está descrito em outro capítulo deste livro. Alguns casos mais raros podem se apresentar com dor severa, hipertensão, taquicardia, agitação, sudorese e edema pulmonar algumas horas após o contato com os cnidários. O manejo inicial sugerido na cena é que a vítima seja submetida a um enxágue do local da picada com água do mar e tratamento da dor com imersão em água quente ou aplicação de compressas quentes em vez de irrigação com vinagre ou terapia fria. Ao usar imersão em água quente, a temperatura da água deve ser de 40 a 45°C e deve ser aplicada por imersão de um membro ou por banho quente por aproximadamente 20 minutos. Se um termômetro não estiver disponível, use a temperatura da água mais quente que pode ser tolerada pelo socorrista ou pelo paciente alerta em um membro não afetado. Se a água quente não estiver disponível, o socorrista deve aplicar uma bolsa fria ou gelo em um saco plástico seco na picada. Para os acidentes com a caravela-portuguesa, alguns especialistas aconselham a irrigação do local da picada com vinagre para inativar os nematocistos, seguida pela remoção dos tentáculos, que envolve borrifar o local com creme de barbear e, em seguida, usar um objeto plástico fino (como um cartão de crédito) para raspá-los. Com essa abordagem, o creme de barbear é postulado para agir como uma barreira física para que os nematocistos não toquem na pele novamente. O tratamento intra-hospitalar baseia-se essencialmente no suporte clínico. TRATAMENTO DE REAÇÕES AO SORO HETERÓLOGO A doença do soro pode ocorrer 1 a 4 semanas após a infusão do soro. Caracteriza-se por febre, linfadenopatia, erupções cutâneas e artralgias. Casos leves necessitam apenas de anti-histamínicos e anti-inflamatório não esteroidal. Em casos graves, o tratamento recomendado é prednisona, iniciando com 60 mg e diminuindo aos poucos durante duas semanas. O tratamento de reações ao próprio soro heterólogo depende da intensidade dos sintomas. Reações leves como náuseas e vômitos resolvem-se com a interrupção temporária da infusão do soro e reinício em ritmo mais lento. Caso o paciente apresente hipotensão ou broncoespasmo, deve-se interromper a infusão do soro. O paciente deve receber 0,3 mg SC de adrenalina (0,01 mg/kg em crianças, máximo de 0,3 mg). Além disso, infusão rápida de volume e avaliação de via aérea e respiração. Em casos refratários, começar infusão de adrenalina 5-10 µg/kg e titular conforme resposta. Infecções do sistema nervoso central INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES As meningites e as encefalites são infecções do sistema nervoso central (SNC) com grande potencial de gravidade. O diagnóstico dessas condições precisa ser realizado rapidamente, e a investigação etiológica e o tratamento devem ocorrer simultaneamente. As infecções do SNC podem ser divididas em meningites, encefalites e meningoencefalites. Meningites As meninges compreendem a dura-máter, a pia-máter e a aracnoide. As meningites são processos inflamatórios que acometem essas membranas e o espaço subaracnóideo, que contém o líquido cefalorraquidiano (LCR). A incidência de meningite bacteriana é extremamente variável, sendo de 1 a 2 casos a cada 100.000 pessoas/ano no Reino Unido, até 1.000 casos a cada 100.000 pessoas/ano em alguns locais da África; nos Estados Unidos ocorrem 1,2 milhão de casos de meningite bacteriana ao ano. A letalidade, mesmo em países desenvolvidos, chega a 15%. Em 2013 ocorreram cerca de 18.700 casos de meningite no Brasil com letalidade entre 9 e 10%, mas ultrapassando 20% na meningite meningocócica. EncefalitesEncefalites são processos inflamatórios que envolvem o parênquima encefálico. Os pacientes podem apresentar crise convulsiva, alteração cognitivo-comportamental, como agitação ou psicose, rebaixamento de nível de consciência ou sinais focais, como afasia ou hemiparesia. Meningoencefalites Os pacientes apresentam sinais e sintomas de meningite e de encefalite frequentemente sobrepostos. ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA Meningites As meningites podem ser classificadas de diferentes maneiras: 1. Inflamatórias ou infeciosas; 2. De acordo com o agente causador: bacterianas, virais, fúngicas, parasitárias; 3. De acordo com o tempo de evolução: agudas, subagudas e crônicas; ou 4. De acordo com o grupo etário acometido. A infecção meníngea pode se iniciar por via hematogênica ou por contiguidade de um processo infeccioso de estruturas cranianas, como ouvidos, garganta, seios da face ou ossos cranianos. As meningites bacterianas nos Estados Unidos são mais frequentemente causadas pelo Streptococcus pneumoniae (58,0%), Streptococcus do grupo B (18,1%), Neisseria meningitidis (13,9%), Haemophilus influenzae (6,7%) e Listeria monocytogenes (3,4%). Escherichia coli na população neonatal e Mycobacterium tuberculosis em pacientes imunocomprometidos também são agentes etiológicos importantes. Em outros lugares, o S. pneumoniae é responsável por 25 a 51% das meningites bacterianas no mundo. Um estudo holandês com 1.412 meningites bacterianas encontrou o S. pneumoniae em 51% dos casos, N. meningitidis em 37% dos pacientes, L. monocytogenes em 4% dos casos e os demais casos foram causados por H. influenzae, estreptococos, S. aureus e bacilos Gram-negativos. Em neonatos, têm maior frequência o Streptococos agalactiae, Escherichia coli. A Lysteria monocytogenes, que já foi uma causa importante de meningite neste grupo, tem diminuído sua prevalência, mas permanece como a terceira causa. Na população pediátrica excluindo os neonatos, os estudos apontam como maior causa a N. meningitidis, seguida pelo S. pneumoniae e H. influenzae. Na disseminação hematogênica, as bactérias colonizam as vias aéreas superiores, invadem a corrente sanguínea e gradualmente chegam ao espaço subaracnóideo. Os componentes subcapsulares do S. pneumoniae, H. influenzae e N. meningitidis induzem uma cascata inflamatória, e as citocinas liberadas no processo levam a edema celular e à inflamação do cérebro e das meninges. A permeabilidade da barreira hematoencefálica aumenta, levando a edema vasogênico. A drenagem do líquido cefalorraquidiano pode ser prejudicada, levando a hidrocefalia e a edema intersticial. O rompimento da homeostase da membrana celular também causa edema citotóxico. Como o cérebro e as meninges se encontram em um crânio de volume fixo, pode haver aumento da pressão intracraniana e diminuição da pressão de perfusão de perfusão cerebral, podendo causar isquemia e trombose. Além disso, os neurônios são diretamente lesados pelos radicais do processo inflamatório. Na disseminação contígua direta, os microrganismos obtêm entrada no líquido cerebrospinal de infecções adjacentes, como sinusite, abscesso cerebral ou otite média. Também podem entrar diretamente por lesões traumáticas penetrantes, por meio de defeitos congênitos ou durante procedimentos neurocirúrgicos. A Tabela 1 resume as etiologias das meningites infecciosas. ▷ TABELA 1 Etiologias das meningites infecciosas Infecções virais • Enterovírus • Arbovírus • Herpes-vírus • Vírus da coriomeningite linfocítica • HIV • Cladophialophora Bactérias • Haemophilus influenzae • Neisseria meningitidis • Streptococcus pneumoniae • Listeria monocytogenes • Escherichia coli • Streptococcus agalactiae • Propionibacterium acnes • Staphylococcus aureus • Staphylococcus epidermidis • Enterococcus spp. • Klebsiella pneumoniae • Pseudomonas aeruginosa • Salmonella spp. • Fusobacterium necrophorum • Stenotrophomonas maltophilia • Streptococcus pyogenes • Streptococcus suis • Pasteurella multocida • Capimocirurgia canimorsus • Nocardia spp. • Acinetobacter spp. • Streptococcus viridans (p. ex., S. salivarius) • Streptococcus gallolyticus • Mycobacterium tuberculosis Protozoários e helmintos • Naegleria fowleri • Angiostrongylus cantonensis • Procyonis baylisascaris • Taenia solium • Toxocara spp. Espiroquetas • Treponema pallidum (sífilis) • Borrelia burgdorferri (doença de Lyme) • Borrelia spp. • Leptospirose Fungos (usualmente meningites crônicas) • Criptococose • Coccidioidomicose • Histoplasmose • Candidíase • Esporotricose • Scedosporium • Aspergillus Rickettsioses • Rickettsia rickettsii • Rickettsia conorii • Rickettsia prowazekii • Rickettsia typhi • Tsutsugamushi orientia • Ehrlichia Encefalites As encefalites ocorrem principalmente por meio dos chamados vírus neurotrópicos, dos quais o mais importante é o herpes vírus. A porta de entrada é dependente da forma de contaminação (mordida, picada, inalação etc.). A viremia pode ser suficiente para invadir o tecido nervoso, através dos capilares sanguíneos, e pode se disseminar pelas meninges. O processo infeccioso é dependente da imunidade humoral, que se opõe à infecção. As principais etiologias de encefalites são especificadas na Tabela 2. ▷ TABELA 2 Etiologias de encefalites agudas virais • Herpes-vírus • Varicela vírus • Citomegalovírus • Ebstein-Barr • Vírus da febre do Nilo • Vírus da hepatite C • Enterovírus • Vírus da raiva • Adenovírus • Chikungunya • HIV • Vírus influenza • Encefalite japonesa • Vírus JC • Vírus sarampo • Rubéola • Hendra vírus Meningoencefalite tuberculosa (neurotuberculose) A neurotuberculose é a forma mais grave da tuberculose, mas felizmente representa apenas pequena percentagem dos casos de tuberculose extrapulmonar. O processo inflamatório ocorre predominantemente na base do crânio, ocorre por disseminação hematogênica, com formação de granulomas, espessamento meníngeo, obstrução do fluxo liquórico e hipertensão intracraniana. ACHADOS CLÍNICOS Meningites A meningite bacteriana pode ser de difícil diagnóstico, pois outras patologias podem apresentar sintomas semelhantes; felizmente boa parte dos pacientes procuram precocemente o departamento de emergência na maioria das vezes bastante toxemiados. Existem quatro sinais clássicos de meningite: febre, cefaleia, alteração do nível de consciência e rigidez de nuca. A síndrome clássica ocorre na minoria dos casos, mas qualquer combinação de dois dos quatro sintomas está presente em 95% dos pacientes. Cefaleia é o sintoma mais comum e é visto em mais de 85% dos pacientes. Febre é o segundo sintoma mais comum e, em pacientes imunocompetentes, ocorre em mais de 90% dos casos. A rigidez de nuca é descrita como presente em até 88% dos pacientes. O estado mental é alterado em até 78% dos casos. A tríade clínica de febre, rigidez de nuca e alteração do estado mental ocorre em apenas 41% dos casos. Pode-se ainda dividir os sinais clínicos da meningite em três síndromes específicas: Síndrome toxi-infecciosa: sinais e sintomas de toxemia, como febre, mal-estar, agitação e confusão mental. Síndrome de irritação meníngea: sinais e sintomas de irritação meníngea, como rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski. Algumas vezes o paciente se apresenta em opistótono, quando o quadro é muito grave. Síndrome de hipertensão intracraniana: cefaleia, náuseas e vômitos. Às vezes ocorrem vômitos em jato. Os sinais de Kernig e Brudzinski têm sido utilizados na avaliação clínica da meningite há muitos anos, mas sua utilidade é duvidosa. Eles apresentam alta especificidade (até 95%), mas a sensibilidade pode ser tão baixa quanto 5%. Assim, os sinais de Kernig e Brudizinskinão devem ser usados para excluir ou estabelecer um diagnóstico de meningite bacteriana. Rigidez de nuca sem meningite pode acontecer nos abscessos retrofaríngeos, laringite ou adenite cervical grave, artrite ou osteomielite em vértebras cervicais, pneumonia em lobo superior, hemorragia subaracnóidea, tétano e pielonefrite. Déficits neurológicos focais são observados em 25 a 30% dos pacientes. Convulsões são descritas em 15 a 30% dos casos, e rash cutâneo (usualmente petequial) ocorre em 10% dos casos de meningites e em 64% dos casos de meningite meningocócica. Infartos cerebrais ocorrem em 25% dos casos (principalmente quando a etiologia é o S. pneumoniae). Papiledema, por sua vez, ocorre em menos de 5% dos casos e artrites ocorrem em menos de 7% dos pacientes, sendo mais frequente nos casos em que o meningococo é a etiologia. Em recém-nascidos e em menores de 3 meses, o quadro clínico é inespecífico, sobrepondo-se ao de uma infecção qualquer com febre ou hipotermia. Podem ocorrer depressão sensorial, irritabilidade à manipulação, hipotonia, vômitos, alterações do sono e sucção débil. Em alguns casos, sinais apontam para o comprometimento do SNC, como a presença de sinais meníngeos, convulsões e abaulamento de fontanela. Os estreptococos do grupo B devem ser suspeitados quando a infecção ocorre em crianças com menos de 1 mês de vida. A etiologia pneumocócica é sugerida quando a meningite acompanha ou é precedida por infecção pulmonar, otite ou sinusite. As infecções por H. influenzae são acompanhadas frequentemente por infecções de vias aéreas superiores em pacientes não vacinados. Em pacientes imunossuprimidos e com mais de 60 anos de idade, a possibilidade de Listeria monocytogenes deve ser considerada. Deve-se considerar ainda Listeria monocytogenes em adultos mais velhos e alcoólatras. Pacientes com infecção por listeria podem desenvolver uma romboemcefalite com ataxia, paralisia de pares cranianos, nistagmo e episódios de convulsões são mais comuns nestes pacientes. Um rash petequial, por sua vez, sugere etiologia meningocócica, embora seja encontrada também com o pneumococo. Em um estudo, rash petequial ocorreu em 61% dos pacientes com infecção pela N. meningitidis, comparado a 9% pelo S. pneumoniae. Nos portadores de abscessos cerebrais, doenças proliferativas, colagenoses, metátases cerebrais, processos infecciosos ou tumorais dos ossos do crânio podem ocorrer infecções por Listeria monocytogenes, Acinetobacter spp. e Pseudomonas aeruginosa. Pacientes com infecção por Listeria monocytogenes em menos de 30% apresentam a tríade de febre, rigidez de nuca e alteração mental e déficits focais em 37% dos casos. Nos pacientes com sistemas de derivação liquóricas ou que tenham sido submetidos a procedimentos neurocirúrgicos, deve-se suspeitar de estafilococos ou bacilos Gram-negativos. O traumatismo craniano penetrante torna o S. pneumoniae mais provável e o Staphylococcus aureus, estafilococos coagulase- negativos e estreptococos são os organismos mais comumente implicados após a craniotomia ou trauma penetrante de crânio, enquanto os estafilococos coagulase negativos são comumente observados após a derivação ventrículo-peritoneal e cirurgia da coluna vertebral. Pacientes imunodeprimidos, como aqueles com SIDA, usuários de corticosteroides cronicamente, ou com história de esplenectomia, são suscetíveis à meningite por organismos encapsulados. A Tabela 3 apresenta os principais fatores de risco para ocorrência de meningite bacteriana. ▷ TABELA 3 Fatores de risco para meningite bacteriana • Otite média aguda ou crônica • Sinusite • Imunossupressão/esplenectomia • Alcoolismo • Pneumonia • Diabetes mellitus • Vazamento de líquido cefalorraquidiano • Pneumonia • Endocardite • Procedimento neurocirúrgico/traumatismo craniano • Prótese neurocirúrgica/implante coclear • Idade avançada • Malignidades • Hepatopatias • Não vacinado contra Haemophilus influenzae tipo b, Neisseria meningitidis ou Streptococcus pneumoniae As meningites virais geralmente se manifestam com cefaleia subaguda e febre e com achados de irritação meníngea, como a rigidez da nuca, embora sejam muito menos frequentes do que nas meningites bacterianas. A mais comum manifestação é cefaleia, que pode ser resistente a analgesia. Devido aos poucos sintomas e de menor intensidade, o diagnóstico ocorre com atraso de alguns dias. O quadro é autolimitado com duração de até 2 semanas. Apesar do bom prognóstico, cerca de 10% dos pacientes apresentam complicações como convulsões, sinais focais, letargia e até coma, porém a maioria desses pacientes apresentam encefalite concomitante (ver a seguir). As meningites podem ainda ser causadas por outros microrganismos, como os fungos. A meningite fúngica costuma ter uma apresentação mais indolente. A causa mais comum é o Cryptococcus neoformans, seguido pelo Coccidioides immitis, que pode ser encontrado tanto em hospedeiros imunocompetentes quanto em imunocomprometidos. A meningite criptocóccica cursa com febre em cerca de 50% dos casos, cefaleia em mais de 70% e sinais meníngeos em 20 a 30%. Aspergillus e Candida são mais frequentes em hospedeiros imunocomprometidos. A mucormicose pode ser encontrada em diabéticos como extensão direta de uma infecção de seios da face. Encefalites As encefalites apresentam múltiplas etiologias tanto infecciosas quanto não infecciosas, como as encefalites autoimunes. A principal causa das encefalites infecciosas são as encefalites virais, que se distinguem da meningite viral pela presença de achados neurológicos, como alteração de nível de consciência, déficit neurológico focal ou crises convulsivas parciais ou generalizadas, embora as duas frequentemente coexistam. Os pacientes podem apresentar sinais de irritação meníngea e aumento da pressão intracraniana. Os achados neurológicos refletem as áreas de envolvimento, pois a encefalite pode mostrar tropismo regional. O herpes-vírus, que é a principal causa viral de encefalites, envolve estruturas límbicas dos lobos temporal e frontal com características psiquiátricas proeminentes, como alterações de comportamento, distúrbios de memória e afasia. Os sintomas da meningoencefalite herpética são progressivos, com pico de gravidade ocorrendo em 2 a 3 semanas. Alguns arbovírus afetam predominantemente os gânglios da base, causando coreoatetose e movimentos parkinsonianos. O envolvimento dos núcleos do tronco encefálico que controlam a deglutição leva à resposta hidrofóbica de asfixia característica da encefalite da raiva. Neurotuberculose Os pacientes apresentam quadro clínico de meningite ou de meningoencefalite, caracterizado pela ocorrência de irritação meníngea e sintomas de hipertensão intracraniana, com febre, rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski presentes, náuseas, vômitos e cefaleia, podendo ainda ocorrer crises convulsivas. A meningite tuberculosa costuma ter evolução mais arrastada do que a bacteriana, e cursar com envolvimento de pares cranianos, em particular o VI par, embora possa envolver também o IV, VII e VIII pares. A diferença entre os casos de meningite bacteriana e tuberculosa pelos achados clínicos é difícil, principalmente nas primeiras fases da doença, mas confusão mental e sinais focais sugestivos de encefalite podem ajudar a diferenciar as duas situações. ▷ TABELA 4 História e exame físico em pacientes com meningites bacterianas o Procurar dados sugestivos de etiologia de meningite (idade, trauma, etilismo etc.) o Vacinação para S. pneumoniae, H. influenzae e N. meningitidis o Invasões como derivação ventrículo-peritoneal (estafilococos) o Avaliar se disfunção neurológica focal: hemiparesia, assimetria facial, déficits no campo visual ou movimentos ocularesdesordenados o Fundo de olho: procurar sinais de HIC como papiledema, diminuição das pulsações venosas ou paralisia do nervo craniano, especialmente envolvendo os nervos cranianos o Procurar sinais meníngeos: sinal de Brudzinski (flexão dos quadris e joelhos em resposta à flexão passiva do pescoço) e sinal de Kernig (contração dos isquiotibiais em resposta à extensão do joelho enquanto o quadril está flexionado) e procurar rigidez de nuca o Exame da pele: procurar estigmas cutâneos, como petéquias, hemorragias lascadas e pústulas, e considerar a possibilidade de enviar para cultura o Percussão de seios da face o Otoscopia e exame ectoscópico de orelhas procurando sinais de infecção primária ▷ FIGURA 1 Indicação de tomografia computadorizada (TC) de crânio pré-coleta de líquido cefalorraquidiano (LCR). ▷ TABELA 5 Indicações de exame de imagem antes da punção liquórica o Estado mental alterado ou deterioração do nível de consciência (Glasgow < 13 ou < 11 dependendo do autor) o Déficit neurológico focal o Crise convulsiva em pacientes sem epilepsia prévia o Papiledema o Imunocomprometidos o Malignidade o História de doença focal do SNC (acidente vascular cerebral, infecção, tumor) o Preocupação com lesão com efeito de massa do SNC o Idade > 60 anos Outra forma de manifestação da neurotuberculose é o tuberculoma intracraniano, que pode levar a sintomas e sinais de hipertensão intracraniana, como hidrocefalia e papiledema. EXAMES COMPLEMENTARES Meningites Em pacientes com suspeita de meningite é prioritária a administração rápida de antibióticos. A investigação etiológica deve ocorrer em paralelo, e devem ser coletados exames como provas de atividade inflamatória, hemoculturas, sorologias para HIV e sífilis e avaliação de coagulação (para coleta de LCR). Exames adicionais como radiografia de tórax e pesquisa de BK no escarro podem ser úteis, dependendo das circunstâncias clínicas. A positividade de hemoculturas em pacientes com meningite bacteriana é de 75% para pacientes com meningite pneumocóccica, 50 a 90% para H. influenzae e 40 a 60% para pacientes com meningite meningocócica. A coleta de LCR é fundamental para o diagnóstico da meningite. No entanto, antes da coleta do LCR, é preciso verificar se há segurança, pois pacientes com hipertensão intracraniana grave ou lesões com efeito de massa no SNC podem sofrer herniação uncal ou central após coleta. Duas abordagens para neuroimagem antes da coleta de LCR podem ser consideradas conforme a disponibilidade de exames no serviço (Figura 1). A Tabela 5 resume as principais indicações de realizar exame de imagem antes da punção liquórica. Embora a tomografia computadorizada possa ajudar a identificar contraindicações para a punção lombar, uma TC de crânio normal não exclui a possibilidade de herniação se um paciente apresentar preditores clínicos de herniação iminente, como deterioração do estado mental, alteração pupilar, convulsão ou respiração irregular. A meningite bacteriana está associada a pressão de abertura elevada e os leucócitos são aumentados (usualmente acima de 1.000/mm³) com predominância neutrofílica e em um estudo em 198 crianças uma contagem de leucócitos > 100 céls./mm3 e concentração de proteínas > 0,5 g/dL foi associado com uma probabilidade 13 vezes maior do diagnóstico de meningite bacteriana. A coloração de Gram é positiva em 60 a 80% dos pacientes quando a coleta é feita antes do início dos antibióticos, com um declínio significativo quando os antibióticos são iniciados previamente (positiva em apenas 7 a 41% dos casos). A quantidade de proteína no líquido cefalorraquidiano é frequentemente elevada e acima de 200 mg/dL, com reação de Pandy positiva, e glicose frequentemente reduzida e abaixo de 40 mg/dL ou relação glicose/líquido cefalorraquidiano < 0,4. A esterilização do líquido cefalorraquidiano é possível dentro de 2 horas do início dos antibióticos parenterais no meningococo, e de 6 horas no pneumococo. Testes rápidos de aglutinação do látex podem ser usados para detectar antígenos bacterianos e melhorar a identificação bacteriana. Esses testes estão disponíveis para S. pneumoniae, estreptococos do grupo B, H. influenzae, E. coli e N. meningitides, mas estão associados a resultados falsos-positivos e falsos- negativos com sensibilidade e especificidade limitadas. Um estudo mostrou, no entanto, que 5% dos pacientes com meningite pneumocócica apresentavam contagem de células < 10 céls./mm3 e 26% das meningites por Listeria apresentavam liquor não típico de meningite bacteriana. O teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) é altamente sensível para organismos como S. pneumoniae, N. meningitides, estreptococos do grupo B, H. influenzae, L. monocytogenes e M. tuberculosis, mas não fornece informações sobre a susceptibilidade antimicrobiana. As concentrações de pró-calcitonina, proteína C-reativa e lactato no líquido cefalorraquidiano têm sido estudadas como coadjuvantes no diagnóstico de meningite bacteriana, mas não permitem a tomada de decisão no tratamento de um paciente. Exames indisponíveis nas primeiras horas, mas que devem ser considerados quando disponíveis incluem o PCR para enterovírus (causa mais frequente de meningite viral), PCR para herpes simples 1 e 2, PCR para Mycobacterium tuberculosis, culturas para bactérias e micobactérias e pBAAR. As meningites virais estão associadas a pressões normais de abertura e a coloração negativa de Gram. Os leucócitos são usualmente < 300/mm³ com predomínio linfocitário e menos de 20% de polimorfonucleares. A proteína é frequentemente elevada, mas tipicamente abaixo de 200 mg/dL, e a glicose no líquido cefalorraquidiano é normal. A porcentagem de células polimorfonucleares pode ser maior na meningite viral precoce e, em alguns casos, os níveis de glicose podem estar diminuídos. Deve-se considerar a possibilidade de meningite bacteriana parcialmente tratada se um paciente com sintomas consistentes com meningite tiver sido previamente tratado com antibióticos e na punção lombar sugerir a presença de uma meningite asséptica. A cultura viral é insensível; portanto, se houver suspeita de etiologia viral, deve-se enviar o LCR para teste molecular pela reação em cadeia da polimerase. O teste de reação em cadeia da polimerase está disponível para herpes vírus, enterovírus e outros organismos virais. O LCR na meningite fúngica mostra predomínio linfocitário, pressão de abertura elevada, glicose baixa e proteína levemente aumentada. Elevações significativas na pressão de abertura são frequentemente observadas na meningite criptocócica. A coloração de Gram é negativa e o leucograma é geralmente < 500/mm³. Deve-se considerar realizar pesquisa de fungos no LCR em pacientes imunocomprometidos, e incluir coloração de tinta da China, citologia e histopatologia e teste de antígeno criptocócico sérico. Deve-se nesses pacientes considerar TC ou RNM para procurar complicações intracranianas, como granulomas ou abscessos. Nos pacientes com meningites, os exames laboratoriais servem também para o seguimento dos pacientes. Os parâmetros mais utilizados incluem: o Séricos: proteína C-reativa e pró-calcitonina. o LCR: contagem celular global e diferencial, proteínas, glicose, bacterioscópico, micobacteriológico direto (pBAAR). Encefalites Nas encefalites virais os estudos de neuroimagem como RNM ou TC, além do eletroencefalograma e da punção lombar, são importantes para afastar lesões com efeito de massa e fazer o diagnóstico de encefalite. A RNM é mais sensível do que a TC, mostrando hipersinal em lobos temporais na imagem Os achados do eletroencefalograma podem apresentar na encefalite herpética atividade pseudoperiódica curta temporal, que é muito característica, ocorrendoem 80% dos casos, mas não é patognomônica dessa afecção. Os achados do LCR na encefalite herpética são semelhantes aos descritos na meningite viral, e pode ocorrer aumento da adenosinodeaminase (ADA). O PCR para HSV tem alta especificidade e sensibilidade, e fornece o diagnóstico de certeza se realizado na primeira semana de doença, também ocorre aumento das imunogloblulinas G no LCR, principalmente após a primeira semana. Meningite tuberculosa Na neurotuberculose, o exame do LCR mostra pleocitose, geralmente entre 50 e 500 células por mm³, com um perfil misto (linfócitos, plasmócitos, monócitos e macrófagos junto a neutrófilos). A descrição clássica é de uma proporção de cerca de 1/3 de linfócitos, 1/3 de plasmócitos e 1/3 de neutrófilos. O teor proteico está sempre elevado, entre 50 e 200 mg/dL. Nas fases avançadas da doença ocorre aumento do teor de gamaglobulinas no LCR. Já nas fases iniciais, o perfil é do tipo albumínico. A glicorraquia é sempre baixa, porém não na mesma intensidade do que ocorre nas meningites bacterianas. Na neurotuberculose, as taxas de glicorraquia costumam variar de 20 a 40 mg/dL. Não se deve esquecer de realizar a coleta de sangue para determinação da glicemia cerca de 1 hora antes da coleta do LCR. Lembrar que, em condições normais, a glicorraquia equivale a cerca de 2/3 da glicemia. As taxas de lactato estão aumentadas no LCR; ocorre diminuição do teor de cloretos; aumentam os teores de ADA no LCR, sinalizando comprometimento do tipo encefalítico. Somente raramente se demonstra a presença de BAAR no LCR ao exame direto, o que ocorre com maior frequência nos pacientes com SIDA. As culturas mostram positividade em até 50% dos casos entre 30 e 120 dias. O PCR para BK tem sensibilidade baixa, que varia entre 60 e 80%, porém alta especificidade (mais de 90%) para o diagnóstico. Os exames de imagem podem mostrar espessamentos das meninges da base do crânio, acentuação do epêndima dos ventrículos laterais na TC de crânio com contraste ou na RNM com gadolínio. Pode ainda ocorrer hidrocefalia comunicante ou obstrutiva, além da possibilidade da ocorrência de granulomas com áreas de necrose central (tuberculomas), que são abscessos no cérebro, cerebelo, espaço subdural e epidual. Nas crianças os tuberculomas predominam na fossa posterior do crânio, enquanto nos adultos predominam nas regiões supratentoriais. Em pacientes com neurotuberculose deve-se realizar a investigação de outros locais potencialmente acometidos pela tuberculose, com radiografias do tórax, que podem mostrar tuberculose miliar ou evidenciar a presença de cavernas. A Tabela 6 mostra os padrões laboratoriais nas infecções do SNC. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Meningite tem que ser considerada como diagnóstico diferencial quando há febre, cefaleia ou sintomas meníngeos. Os diagnósticos diferenciais da meningite bacteriana incluem meningite viral e outras formas de meningite inflamatória. Acometimento não infeccioso das meninges como em doenças autoimunes, medicamentos como trimetoprim e anti-inflamatórios não esteroidais, e malignidade também entram no diagnóstico diferencial. Causas de cefaleia como hemorragia subaracnóidea, neoplasias intracranianas, vasculites de SNC, enxaqueca e doenças virais simples também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. Pacientes com quadro de alteração do estado mental, convulsões ou déficit neurológico focal de início abrupto tornam obrigatória a consideração da possibilidade diagnóstica de encefalites. TRATAMENTO Deve-se iniciar imediatamente a antibioticoterapia empírica, usualmente com cefalosporina de terceira geração, se houver suspeita clínica de meningite bacteriana. Todos os pacientes com suspeita de meningite bacteriana devem permanecer em isolamento respiratório. Em pacientes sépticos, o tratamento da sepse deve ser priorizado, com atenção ao ajuste de dose de antibióticos para cobertura de sistema nervoso central. O prognóstico das meningites é dramaticamente modificado pelo tempo de administração dos antibióticos, e a mortalidade pode aumentar até 15% para cada hora de atraso (Figura 2). A administração precoce de antibióticos é considerada prioridade e deve inclusive preceder a coleta de exames como hemocultura ou LCR quando houver qualquer perspectiva de demora em sua coleta. A escolha do antibiótico depende do provável patógeno, dos padrões locais de resistência aos antibióticos e da penetração do fármaco no líquido cefalorraquidiano e a Tabela 7 sugere a antibioticoterapia empírica em diferentes situações de suspeita de meningite bacteriana. A penicilina e outros β-lactâmicos são eficazes contra os patógenos mais comuns e a concentração no líquido cefalorraquidiano é próxima das concentrações inibitórias mínimas para bactérias moderadamente suscetíveis. A resistência antimicrobiana aumentada, especialmente contra S. pneumoniae, afeta a escolha do tratamento empírico em muitos países; por esse motivo, nos Estados Unidos, vancomicina é usualmente parte do tratamento empírico das meningites bacterianas. A vancomicina, apesar de recomendada para pneumococo resistente à penicilina, atravessa mal a barreira hematoencefálica e deve ser utilizada em conjunto com outro antimicrobiano, como uma cefalosporina de terceira geração. As fluoroquinolonas podem ser boas alternativas para pneumococos resistentes à penicilina. Deve-se ter cautela no uso de fluoroquinolonas como drogas únicas, pois os organismos podem desenvolver rapidamente resistência. No Reino Unido e no Brasil, onde a resistência antimicrobiana é menor, as cefalosporinas de terceira geração (cefotaxima ou ceftriaxona) continuam sendo o tratamento de escolha em monoterapia. A resistência a antibióticos em meningococos é rara, embora a suscetibilidade diminuída à penicilina tenha sido associada a alguns sorogrupos, especialmente C e W135. Existem evidências limitadas para orientar por quanto tempo tratar adultos com meningite bacteriana. O uso de ciclos mais curtos de antibióticos pode reduzir o tempo de internação, os custos e eventos adversos, como infecções nosocomiais. Estudos em crianças mostraram que cursos mais curtos são seguros e eficazes. Uma meta- análise de todas as causas de meningite bacteriana em crianças mostrou que um curso de 4 a 7 dias é tão eficaz quanto 7 a 14 dias de antibióticos. A orientação atual em muitos países é a administração de antibióticos de curta duração para a doença meningocócica (de 5 a 7 dias), um curso um pouco mais longo para meningite pneumocócica (10-14 dias). A meningite por listeria deve ser tratada por no mínimo 21 dias. Mesmo na presença de um organismo suscetível e antibióticos apropriados, a mortalidade na meningite bacteriana é alta, em torno de 10 a 30% em países de alta renda e mais perto de 50% em países mais pobres. Um grande estudo multicêntrico controlado randomizado europeu em adultos mostrou redução significativa de desfecho desfavorável e morte em pacientes que foram tratados com dexametasona em comparação com placebo, com a redução mais marcante no subgrupo de pacientes com meningite pneumocócica. Estudos subsequentes não reproduziram esses achados, embora tenha havido um desfecho melhor (redução significativa no risco de morte em 1 mês e no risco de morte ou incapacidade em 6 meses) em pacientes em um estudo no Vietnã com meningite bacteriana confirmada. Uma metanálise concluiu que não havia subgrupos claros que pudessem se beneficiar da dexametasona, embora análises post-hoc sugeriram que poderia haver algum benefício em adultos HIV negativos. Outra metanálise de 25 estudos, em adultos e crianças, mostrou uma pequena redução na perda auditiva em adultos tratados com corticosteroides em comparação com placebo(16% vs. 22%), mas nenhuma diferença na mortalidade. Uma análise de subgrupo mostrou um ligeiro declínio na mortalidade em todos os pacientes com meningite pneumocócica (razão de risco 0,84, 95% CI 0,72-0,098) sem efeito sobre a meningite por H. influenzae ou meningococo. Em resumo, os corticosteroides parecem oferecer um pequeno benefício em adultos HIV negativos em relação à redução da perda auditiva e parecem diminuir ligeiramente a mortalidade na meningite pneumocócica. A dose utilizada é de 10 mg de dexametasona administrada quatro vezes ao dia. Uma revisão da Cochrane recomenda a administração com ou imediatamente antes da primeira dose antimicrobiana. Em nosso serviço, recomendamos: o Ceftriaxone 2 g a cada 12 horas. o Dexametasona 10 mg a cada 6 horas ou 0,15 mg/kg de dexametasona (por 2-4 dias ou até definição da etiologia da meningite) ou dose equivalente de prednisona juntamente com o antibiótico A dexametasona deve ser introduzida até 4 horas após o início da antibioticoterapia. Alguns grupos de pacientes têm risco adicional para doença por Lysteria monocytogenes, entre eles: o Imunossuprimidos. o Usuários de corticoides. o Crianças < 1 mês, adultos > 50 anos e gestantes. Nesses pacientes a ampicilina deve ser acrescentada no esquema antibiótico inicial. A antibioticoterapia é adequada conforme resultados de cultura e a crioterapia pode ser descontinuada se descartada meningite pneumocócica. As Tabelas 7 e 8 apresentam as indicações de antibióticos nas diferentes etiologias de meningites. As meningites fúngicas são usualmente tratadas com antifungos sumarizados conforme a etiologia na Tabela 9. INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO, TERAPIA INTENSIVA E SEGUIMENTO Todos os pacientes com meningite bacteriana, encefalites agudas e neurotuberculose têm indicação de internação hospitalar e inicialmente na UTI, sobretudo se alteração de nível de consciência, choque, insuficiência respiratória, estado de mal convulsivo ou meningococcemia. Recomenda-se isolamento respiratório para gotículas para pacientes com suspeita de meningite bacteriana até completarem 24h de antibioticoterapia. Os pacientes com meningites virais podem na maioria dos casos ser manejados ambulatorialmente. O seguimento ambulatorial é dependente da etiologia das alterações. ▷ FIGURA 3 Fluxograma de atendimento a pacientes com suspeita de neuroinfecção na emergência. FIGURA 4 Abordagem das meningites bacterianas. ▷ TABELA 11 Profilaxia dos comunicantes