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Habilidades Médicas 
Acidentes por animais peçonhetos 
ACIDENTES OFÍDICOS 
No Brasil, quatro grupos de serpentes venenosas têm 
importância médica. Entre eles, o acidente mais comum 
é o botrópico (jararaca), que compõe 70% dos casos e em 
um distante segundo lugar o acidente crotálico (cascavel) 
com 8,4% dos casos. Os acidentes laquético (surucucu) e 
elapídico (coral) são ainda mais raros, perfazendo 1,1% 
e 0,9% dos casos, respectivamente. Quanto à letalidade, 
o pior é o acidente crotálico (0,93%), seguido dos 
acidentes laquético (0,9%), botrópico (0,49%) e 
elapídico (0,37%). 
Jararaca 
 
Cascavel 
 
Surucucu 
 
Coral 
 
O diagnóstico de certeza do acidente ofídico é feito pelo 
reconhecimento do animal causador. No entanto, isso 
não é prático ou seguro e também não é necessário. O 
diagnóstico presumível é feito pela história, pelo exame 
físico e pela avaliação dos efeitos do veneno no paciente 
e na maioria dos casos deve ser suficiente para 
determinação do soro antiofídico correto. Fotos tiradas a 
distância segura também podem ser úteis para 
identificação da cobra. 
As serpente de interesse em saúde pública têm hábito 
terrícola e noturno. Alimentam-se principalmente de 
roedores. As serpentes tem comportamento de 
permanecerem imóveis, camufladas, muitas vezes 
próximas a trilhas, em busca de roedores. Interações 
intencionais com cobras tendem a provocar picadas em 
membros superiores, enquanto interações não 
intencionais provocam picadas em membros inferiores. 
A quantidade de veneno injetado depende do tamanho da 
cobra, sua maturidade, cinética da mordida e época do 
ano. Eventualmente, a picada da cobra ocorre sem 
inoculação de veneno. Nesses casos, não há indicação de 
soroterapia. 
ABORDAGEM INICIAL 
Transporte 
Todos os pacientes picados ou com suspeita de acidente 
com serpentes devem ser encaminhados para avaliação 
médica e, conforme a avaliação, receber tratamento com 
soro específico para diminuir a absorção do veneno e 
prevenir complicações. Na abordagem inicial, o local da 
picada deve ser identificado, lavado com água e sabão e 
assegurado que não haja picadas adicionais. Acessórios 
e joias na extremidade acometida devem ser removidos. 
O membro afetado deve ser imobilizado, com elevação 
passiva e articulações estendidas se não houver 
contraindicações. Mantenha o paciente deitado e 
aquecido. Medidas locais, como incisões próximas à 
picada, ruptura de bolhas, sutura, sucção do veneno ou 
gelo local não devem ser realizadas. Além de não haver 
benefício comprovado, atrasam o transporte. 
Em estudos em modelo de envenenamento, com análise 
realizada através de radioisótopos, a imobilização 
compressiva atrasa a absorção do veneno. Atuaria 
reduzindo a disseminação linfática do veneno e o 
membro é colocado em um tala (não compressiva). 
Portanto, pode haver algum benefício, mas a qualidade 
da evidência é baixa. É realizada por bandagens no local 
da mordida com intensidade para comprimir vasos 
linfáticos, mas preservar a circulação. A seguir a 
bandagem é estendida proximalmente. De qualquer 
maneira, esse método só deve ser usado em acidentes 
crotálicos e elapídicos, pois não causam edema local. 
Considerar também que é tecnicamente difícil a 
instalação, a evidência não é a melhor e pode acabar 
provocando atraso de transporte. 
O torniquete não é recomendado. O seu uso levou a 
aumento de edema e de gravidade de lesão local 
comparado a pacientes que não receberam o torniquete. 
Além disso, não há redução na incidência de efeitos 
sistêmicos do veneno (insuficiência renal aguda, 
insuficiência respiratória, síndrome hemorrágica, 
disfunção de múltiplos órgãos ou morte) entre pacientes 
tratados com torniquete e aqueles não tratados. Um 
estudo, inclusive, demonstra aumento de dias internados 
em pacientes nos quais o torniquete foi usado. 
Além dessas medidas, reforçamos que o mais importante 
é transportar o paciente até local onde o soro antiveneno 
apropriado esteja disponível. 
Abordagem intra-hospitalar 
A abordagem inicial inclui o padrão do cuidado de 
emergência: por exemplo, prioridade da via aérea, 
ventilação e circulação. O paciente deve ser levado à sala 
de emergência, monitorizado, obter acesso calibroso, 
hidratado e receber analgesia e antieméticos conforme 
necessário, além das medidas mencionadas no parágrafo 
anterior, caso não tenham sido realizadas. 
Exames laboratoriais 
Os exames iniciais indicados são creatinina, eletrólitos, 
troponina, hemograma, TP, TTPA, fibrinogênio e urina 
de rotina. Dependendo do acidente ofídico, deve-se 
solicitar CK, LDH, TGO e TGP, como nos casos de 
acidente com crotálico devido à atividade miotóxica. 
Eletrocardiograma, em acidente laquético, pois pode 
haver bradicardia, alterações do segmento ST e onda T e 
bloqueio atrioventricular. 
Medicação adjuvante 
O paciente deve ser hidratado e receber analgesia e 
antieméticos conforme necessário. Como em qualquer 
outro ferimento de pele, atentar para a vacinação 
antitetânica. 
 
Medicação prévia 
Antes da aplicação do soro antiveneno deve-se 
considerar pré-medicações para evitar reações de 
hipersensibilidade ao soro agudas e tardias. A evidência 
para o uso de corticoide e bloqueador histamínico é fraca. 
Porém, é a rotina na maior parte dos locais que atendem 
acidente ofídicos. Um único estudo do Sri Lanka mostrou 
benefício da aplicação de adrenalina (250 µg) por via 
subcutânea imediatamente antes de aplicação do 
antiveneno. Nesse estudo a aplicação da adrenalina foi 
segura, inclusive em pacientes com coagulopatia. 
Independentemente da escolha da pré-medicação, 
recomenda-se deixar adrenalina e material de intubação 
próximo ao paciente devido ao risco de evoluir com 
insuficiência respiratória e choque anafilático. 
Medicações utilizadas antes do soro: 
Anti H1: difenidramina 1 mg/kg EV ou IM (máx. 50 mg) 
ou prometazina 0,5 mg/kg IM ou EV (máx. 25 mg). 
Anti H2: cimetidina 10 mg/kg EV (máx. 300 mg) ou 
ranitidina 3 mg/kg EV (máx. 50 mg). 
Corticoide: hidrocortisona 10 mg/kg EV (máx. 500 mg). 
Adrenalina: 250 µg SC logo antes da aplicação do soro. 
Soroterapia 
O soro pode ser infundido puro ou diluído. Pode ser 
diluído em solução fisiológica ou glicosado na razão de 
1:2 ou 1:5 por permitir melhor controle da infusão e das 
reações adversas. Entretanto, pode ser administrado com 
infusão direta, sem diluição, como nos casos em que haja 
restrição de volume. A forma endovenosa é preferível e 
não há benefício de aplicá-lo de forma subcutânea, 
próximo à lesão. A administração do soro deve ser feita 
em 10 a 30 minutos sob monitorização contínua. O 
número de ampolas depende de cada serpente e da 
gravidade do quadro. A gravidade do quadro pode ser 
dinâmica e um quadro inicialmente diagnosticado como 
moderado e depois reinterpretado como grave tem 
indicação de receber o número de ampolas adicionais 
devidas. Faz-se uma ressalva ao soro antilatrodectus, que 
é aplicado de forma intramuscular. 
Antibiótico 
Antibiótico de rotina não é recomendado; no entanto, um 
estudo de 1989 detectou a progressão para abscesso 
bacteriano em 15% dos acidentes botrópicos. Nesse 
estudo, a flora bacteriana desse grupo de serpentes foi 
identificada, como descrito na Tabela 1. O perfil de 
resistência a antibiótico dessa flora bacteriana mostrou 
que o cloranfenicol era a droga contra a qual havia menor 
resistência. Infelizmente, esse antibiótico não está 
disponível facilmente. Na opinião dos editores, 
alternativas são ceftriaxona, ciprofloxacina e 
gentamicina. O uso rotineiro de cloranfenicol em 251 
pacientes com acidente botrópico não impediu a 
formação de abscesso quando comparado ao placebo. Por 
isso, o uso de antibiótico deve ser ponderado. Como em 
qualquer outro ferimento de pele, atentar para a 
vacinação antitetânica. Nos próximos itens vamos 
detalhar os tipos de acidentede acordo com o grupo de 
serpente. 
O diagnóstico de certeza depende do reconhecimento do 
animal causador. No entanto, o diagnóstico presumível, 
feito pelos sinais e sintomas, é suficiente para 
determinação do soro antiofídico correto. Nas próximas 
seções vamos detalhar os tipos de acidente de acordo 
com o grupo de serpente. 
TABELA 1 Flora bacteriana encontrada em acidentes 
botrópicos 
Morganella morganii: 44% 
Escherichia coli: 20% 
Providencia sp.:13% 
Klebsiella sp.: 10% 
 
ACIDENTE BOTRÓPICO 
Como já relatado, o acidente botrópico é o acidente 
ofídico mais comum e está presente em todo o território 
nacional. Estudos proteômicos do veneno botrópico 
mostram que é composto por um número limitado de 
famílias proteicas. As proteínas mais abundantes e 
correlacionadas à síndrome clínica do envenenamento 
são as metaloproteinases de veneno de serpente (MPVS), 
serina-proteinases de veneno de serpente (SPVS) e 
fosfolipases A2. As SPVS são enzimas semelhantes à 
trombina, que provocam distúrbios de coagulação. As 
fosfolipases estão envolvidas na reação local e 
miotoxicidade. As MPVS têm efeitos diversos incluindo 
hemorragia, inflamação, ativação de fatores da 
coagulação e inibição de agregação plaquetária. A 
proporção relativa entre essas três famílias proteicas 
pode variar de acordo com filogenia, idade, sexo, 
distribuição geográfica e dieta da serpente. 
As jararacas apresentam diferenciação considerável de 
habitat e traço ecológico, e sua filogenia não é 
completamente resolvida, havendo propostas de 
classificações de gênero que são incompatíveis. O 
veneno antibotrópico no Brasil é produzido por 
imunização de cavalos com veneno de cinco espécies de 
serpente: Bothropoides jararaca (50%), Bothropoides 
neuwiedi (12,5%), Rhinocerophis alternatus (12,5%), 
Bothrops moojeni (12,5%) e Bothrops jararacuçu 
(12,5%). A espécie mais importante na Amazônia, a 
Bothrops atrox, não é incluída. No entanto, o soro 
produzido por imunização com essas espécies de 
serpente é pan-específico para B. atrox. 
O veneno botrópico possui três ações principais: 
• Proteolítica. 
• Coagulante. 
• Hemorrágica. 
A ação proteolítica provoca atividade inflamatória 
intensa próximo ao local da picada. Dor, eritema, edema, 
flogose e enduração aparecem nas horas seguintes e 
podem se estender até a raiz do membro. As marcas da 
picada nem sempre são visíveis. Nos dias seguintes, a 
lesão evolui para equimoses, bolhas e necrose. As bolhas 
têm conteúdo seroso ou sero-hemorrágico e podem 
evoluir para necrose cutânea. A dor se inicia logo após a 
picada e possui intensidade variável. Atentar para 
síndrome compartimental e necessidade de fasciotomia. 
Os efeitos locais podem levar a déficit funcional do 
membro ou até amputação. O sequestro de líquido no 
terceiro espaço devido a reação inflamatória pode ser 
suficiente para provocar insuficiência renal pré-renal. 
A ação coagulante ativa fatores de coagulação com 
consumo de fibrinogênio, plaquetas e formação de 
fibrina intravascular. 
A ação hemorrágica compromete a integridade do 
endotélio vascular. Somando-se à ação coagulante, pode 
provocar hemorragias como gengivorragia, epistaxe, 
hemorragia digestiva e hematúria. 
Ao se deparar com o acidente botrópico, deve-se 
considerar a possibilidade de acidente laquético. Este 
também provoca intensa reação local. A distribuição 
geográfica da surucucu é na maior parte restrita à região 
Norte, mas pode estar presente na Mata Atlântica. Além 
disso, pacientes vítimas de acidente laquético não 
costumam apresentar sintomas vagais como hipotensão 
ou manifestações clínicas do trato gastrointestinal (ver a 
seguir). 
A intensidade dos sinais locais e a presença de 
acometimento sistêmico determinam o número de 
ampolas necessárias para o tratamento conforme a 
Tabela 2. O soro utilizado é o antibotrópico (SAB), e na 
falta desse pode ser utilizado antibotrópico-crotálico 
(SABC) ou antibotrópico-laquética (SABL). 
A insuficiência renal é incomum nos pacientes que 
recebem o soro em até seis horas do acidente. A eficácia 
da ação do antiveneno pode ser apreciada pela 
normalização da coagulometria em 12 a 36 horas após 
sua infusão. Se o coagulograma permanecer alterado 
após 24 horas da soroterapia pode-se realizar dose 
adicional de duas ampolas (Figura 2). Em alguns casos, 
mesmo com a melhora do coagulograma, o paciente pode 
apresentar piora do edema; nesses casos, dexametasona 
(adultos 4 mg/kg EV e crianças 0,6 mg/kg EV). A alta 
hospitalar é recomendada 24 horas após soroterapia com 
coagulograma e função renal normais, sem infecção 
secundária ou outras complicações. A Figura 3 mostra o 
atendimento e manejo hospitalar do acidente botrópico. 
ACIDENTE CROTÁLICO 
O acidente crotálico representa menos de 10% dos 
acidentes ofídicos no Brasil. No ano de 2016 as 
notificações nas regiões Nordeste e Sudeste 
representaram 74% desse total. Existem seis subespécies 
de Crotalus durissus presentes no Brasil – C. durissus 
terrificus (região Sul); C. durissus collilineatus (Centro-
oeste e Sudeste); C. durissus cascavella (Nordeste); C. 
durissus ruruima (Norte); C. durissus marajoensis (Ilha 
de Marajó). 
O principal componente do veneno crotálico é a 
crotoxina, representando 65% do total da peçonha. A 
crotoxina possui duas subunidades, a fosfolipase A2 e a 
crotapotina e possui ação miotóxica e neurotóxica. Age 
na junção neuromuscular inibindo a liberação de 
neurotransmissores e em menor escala bloqueando os 
receptores da sinapse. A crotoxina também inibe a 
coagulação sanguínea (clivando fosfolipídeos do sistema 
hemostático), causando diretamente hemólise e 
plaquetólise. 
Além da crotoxina, também têm importância clínica a 
crotamina, a convulxina e a girotoxina. A crotamina é 
responsável por mionecrose e paralisia espasmódica na 
musculatura esquelética. A administração de convulxina 
em camundongos é associada a apneia, perda de 
equilíbrio e convulsões. Além disso, também induz a 
agregação e lise plaquetária. A girotoxina provoca 
síndrome labiríntica em camundongos – caracterizada 
por movimentos circulatórios do corpo ao longo do eixo 
longitudinal. Além disso, tem ação semelhante à da 
trombina e ação fibrinogenolítica. 
O efeito conjunto dessas toxinas do veneno crotálico se 
expressa de forma sistêmica com pouco efeito local (dor 
e edema são discretos ao redor da picada), sendo as 
principais ações: 
• Neurotóxica. 
• Miotóxica. 
• Coagulante. 
A ação neurotóxica é a mais evidente. Trata-se de efeito 
neuroparalítico com início na cabeça e progressão 
craniocaudal. Provoca a fácies miastênica com ptose 
palpebral (uni ou bilateral), turvação visual (visão turva 
e diplopia) e oftalmoplegia. São relatadas ainda paralisia 
do palato mole, diminuição do reflexo de vômito e 
disfagia. Raramente pode progredir para insuficiência 
respiratória. Distúrbios do olfato e paladar também são 
descritos. 
 
A atividade miotóxica provoca lesões de fibras 
musculares sistematicamente com elevação de 
mioglobina e excreção na urina. O paciente apresenta 
dores musculares generalizadas e 
mioglobinúria/hematúria (urina cor de “coca-cola”). 
Espera-se elevação de CK, LDH, TGO e TGP. A 
insuficiência renal aguda pode se instalar em decorrência 
da mioglobinúria e aumenta o risco de óbito. 
A ação coagulante provoca consumo de fibrinogênio e 
elevação de TP e TTPA. Pode haver gengivorragia e 
outros sangramentos discretos. 
Após o tratamento com soroterapia específica, as 
manifestações neurotóxicas regridem lenta, porém, 
totalmente. 
Deve-se considerar como diagnóstico diferencial o 
acidente elapídico, que apresenta os mesmos sintomas de 
neurotoxicidade, mas em geral com um quadro mais 
grave e sem os efeitos miotóxicos ou coagulantes. O 
tratamento específico é realizado com soro anticrotálico 
(SAC); na falta, pode ser utilizado o soroantibotrópico-
crotálico (SABC). O número de ampolas também varia 
conforme a classificação quanto à gravidade, verificada 
na Tabela 3. 
 
 
ACIDENTE LAQUÉTICO 
Os acidentes laquéticos se restringem praticamente à 
região Norte, onde são notificados 90% desses acidentes. 
A surucucu também está presente nos remanescentes da 
Mata Atlântica. O veneno laquético é caracterizado por 
ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica. 
A composição se assemelha à do veneno botrópico com 
MPVS, serina protease e fosfolipases A2. Além disso, 
também apresenta o peptídeo potenciador de bradicinina. 
O veneno laquético tem propriedades que ativam o 
plasminogênio, coagulantes, hemorrágica, inflamatória, 
proteolítica, miotóxica, hemolítica, hipotensiva e 
neurotóxica. Possui a fosfolipase A2 LmTx-1 que induz 
in vitro bloqueio neuromuscular irreversível. 
Especificamente para o acidente laquético deve-se 
monitorizar o paciente e solicitar eletrocardiograma 
(ECG) seriado, pois pode haver bradicardia, alterações 
do segmento ST e onda T e bloqueio atrioventricular. 
O acidente laquético se apresenta em 15 a 30 minutos 
com dor local intensa, edema, sangramento profuso no 
local da picada, sudorese profusa, dor abdominal intensa 
e rebaixamento de nível de consciência. O veneno 
também tem efeitos vagomiméticos como diarreia, 
vômito, bradicardia, hipotensão e choque. O paciente se 
queixa de disfagia e/ou odinofagia. 
Em trinta minutos após o acidente, já são constatadas 
alterações na coagulometria (TS, TC e TP). 
Assim como no acidente botrópico, ocorre intensa reação 
local. O diagnóstico diferencial deve considerar a 
possibilidade de acidente botrópico. O acidente laquético 
apresenta o efeito neurotóxico vagal que se manifesta 
como estimulação colinérgica: vômitos, dor abdominal, 
diarreia, hipotensão e até choque, que não está presente 
no acidente botrópico. 
O tratamento inicial deve focar, além da administração 
do soro antiveneno, na estabilidade hemodinâmica do 
paciente com infusão de volume, uso de atropina e 
inotrópicos com o objetivo de evitar a instalação de 
choque. 
Todo acidente laquético deve ser considerado grave e são 
indicadas de 12 a 20 ampolas do soro antilaquético 
(SAL) ou soro bivalente antibotrópico e laquético 
(SABL).* 
O paciente deve ser monitorizado obrigatoriamente por 
72 horas. O paciente pode apresentar hipotensão tardia 
(após a décima-sexta hora), hemorragia digestiva, 
trombose mesentérica ou acidente vascular cerebral. 
 
ACIDENTE ELAPÍDICO 
O acidente elapídico é o mais raro dos acidentes ofídicos 
no Brasil. A coral é a única das serpentes peçonhentas de 
importância no Brasil que não possui a fosseta loreal 
(orifício termossensível entre o olho e a narina). O 
veneno elapídico contém proteínas com estruturas de três 
dígitos, denominadas “three finger toxins” (3Ftx), que 
são as mais abundantes (40% da composição do veneno). 
Na sequência em ordem de composição estão as MPVS 
(12%), L-aminoácido oxidase (12%), fosfolipases A2 
(10%) e lecitina do tipo C (10%). As 3Ftx são 
neurotoxinas pós-sinápticas que se ligam 
competitivamente aos receptores colinérgicos. As 
fosfolipases A2 são neurotoxinas pré-sinápticas, 
bloqueando a liberação de neurotransmissor. 
 
O veneno elapídico é caracterizado por ação neurotóxica. 
O paciente apresenta, em 45 a 75 minutos, náuseas, 
vômitos, sudorese, ptose palpebral (uni ou bilateral), 
fácies miastênica, oftalmoplegia, dificuldade de 
deglutição, paralisia muscular e respiratória. No local da 
picada pode haver dor e parestesia discreta, mas não há 
lesão evidente. 
Todo acidente elapídico é considerado grave e o paciente 
deve receber de 5 a 10 ampolas de soro antielapídico. O 
soro é produzido a partir da inoculação de uma mistura 
da dose de venenos das serpentes Micrurus frontalis e 
Micrurus corallinus. 
Especificamente para o acidente elapídico deve-se 
preparar para a insuficiência respiratória com 
oferecimento de oxigênio, ventilação não invasiva e 
invasiva. O aparecimento dos sintomas pode ser tardio, 
portanto o paciente deve ser mantido em observação por 
24 horas. 
 
 
▷ FIGURA 1 Fluxograma do manejo do acidente 
ofídico. 
 
 
▷ FIGURA 2 Características que diferenciam os tipos de acidentes ofídicos. 
 
 
 
▷ FIGURA 3 Atendimento e manejo hospitalar do acidente botrópico. 
 
Se não houver soro antielapídico imediatamente 
disponível e o paciente apresentar insuficiência 
respiratória, o paciente tem indicação de receber 
neostigmina. Aplicar neostigmina EV, 0,05 mg/kg em 
crianças ou até no máximo 2-5 mg no adulto. Cada 
ampola de neostigmina deve ser precedida de 0,01-0,02 
mg/kg de atropina (0,25 mg de atropina para cada 0,5 mg 
de neostigmina). Deve-se observar um aumento de pelo 
menos 20 bpm na frequência cardíaca (FC). Depois 
continuar com neostigmina (repetir a mesma dose) a cada 
4 horas até a infusão do soro antielapídico. A Tabela 4 
mostra um comparativo das manifestações, 
complicações e soroterapia dos quatro tipos de acidentes 
ofídicos. 
SERPENTES NÃO PEÇONHENTAS 
As picadas de serpentes não peçonhentas resultam em 
traumatismo local. Podem ser responsáveis a cobra-verde 
(Phylodrias) e Clelia (muçurana). O trauma local pode 
levar a edema, dor e equimose. Não há necessidade de 
soro antiofídico. 
 
ACIDENTES ESCORPIÔNICOS 
No Brasil são espécies de importância médica: Tityus 
serrulatus (escorpião amarelo) distribuído da Bahia até o 
Paraná e adaptado ao meio urbano; T. bahiensis 
(escorpião marrom) presente em todo o país, exceto 
região Norte; e T. stigmurus, espécie mais comum do 
Nordeste. Na Amazônia ainda se encontra o T. 
cambridgei e o T. metuendus. A maioria dos casos graves 
decorre de picada do T. serrulatus. 
Escorpião amarelo 
 
Escorpião marrom 
 
Escorpião do Nordeste 
 
O veneno atua em canais de sódio, provocando 
despolarização e liberação importante de 
neurotransmissores (catecolaminas, acetilcolina e 
outros). A maioria dos acidentes é leve, e os quadros 
graves ocorrem em crianças e idosos. 
A principal manifestação local é a dor que se instala 
quase imediatamente. Pode estar acompanhada de 
parestesia, eritema e sudorese ao redor da picada. Pode 
durar 24 horas, mas é mais intensa nas primeiras horas. 
Acidentes moderados se apresentam com dor intensa 
local, sudorese, náusea, vômitos, taquicardia, taquipneia 
e hipertensão. 
Acidentes graves apresentam, além dos sintomas já 
descritos, manifestações neurológicas, miose ou 
midríase, priapismo, aumento de secreções (sudorese 
profusa, vômitos incoercíveis e rinorreia e 
lacrimejamento), agitação ou exaustão, bradicardia, 
insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão, choque, 
convulsões e coma. Autópsias de óbitos por acidente 
escorpiônico revelam edema cerebral, edema pulmonar 
alveolar, edema intersticial miocárdico com infiltrado 
inflamatório. O veneno escorpiônico também pode 
induzir hiperglicemia, glicogenólise, leucocitose e 
hipocalemia. Além disso, pode provocar miocardite com 
alteração de segmento e elevação de troponina. Um 
estudo com 84 pacientes levanta a hipótese de que o valor 
inicial de troponina tem valor prognóstico, e os pacientes 
com maior troponina tiveram maior morbimortalidade. 
Deve-se solicitar hemograma, glicemia, potássio, sódio, 
amilase, creatinoquinase e eletrocardiograma. Em casos 
graves, solicita-se troponina e ecocardiograma. No 
eletrocardiograma, pode haver bradicardia, taquicardia, 
extrassistolia, inversão de onda T, presença de onda U 
proeminente, onda Q, infra ou supradesnivelamento do 
segmento ST. O ecocardiograma mostra hipocinesia 
difusa, que em geral é transitória. 
Acidentes leves podem ser tratados com anestesia local 
com lidocaína e observados por 4 a 6 horas. 
Acidentes moderados têm indicação de 2 a 3 ampolas 
de soro antiveneno (especialmente em crianças) e 
acidentesgraves devem receber 4 a 6 ampolas. Ambos 
devem ser monitorizados por pelo menos 24-48 horas. 
 
ACIDENTE ARACNÍDICO 
As picadas de aranhas são um evento médico raro. A 
preocupação particular é principalmente com as lesões 
necróticas que podem ser causadas por essas picadas, 
mas, exceto pelas aranhas do gênero Loxosceles, esse 
tipo de lesão não ocorre. O diagnóstico de picada de 
aranha é usualmente clínico, baseado na história do 
paciente de ter recebido uma picada de inseto 
identificado como aranha. Essa identificação é mais bem 
realizada se a aranha for capturada. Na maioria dos casos, 
a identificação é realizada pelo próprio paciente. 
Raramente o diagnóstico laboratorial é disponível para 
estes casos. 
As reações locais são usualmente similares às de uma 
picada por abelha, com aparecimento de hiperemia e 
nodulação no local da picada após alguns minutos; em 
raros casos podemos ter dramáticas lesões necróticas. 
Existem cerca de 41.000 espécies de aranha e todas 
produzem uma espécie de veneno em suas quelíceras, na 
maior parte dos casos inofensivo para humanos. Assim, 
muito poucas espécies têm alguma relevância do ponto 
de vista médico. As aranhas caranguejeiras, por exemplo, 
são conhecidas por atingirem grandes dimensões, 
entretanto, na maioria das vezes possuem um tipo de 
veneno com pouca relevância para o ser humano. 
No Brasil são três gêneros de aranha com relevância 
médica: Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus. 
Acidentes por Phoneutria 
 
As aranhas do gênero Phoneutria são conhecidas como 
aranhas armadeiras, e seu veneno tem ação neurotóxica, 
com liberação de adrenalina e acetilcolina, causando 
manifestações de sistema nervoso central simpático e 
parassimpático. 
Picadas por esse tipo de aranha ocorrem principalmente 
na América do Sul e na Costa Rica, sendo descritos 
milhares de eventos no Brasil anualmente. São aranhas 
noturnas e solitárias e só ocasionalmente entram em 
domicílios; quando isso ocorre, assumem postura 
agressiva característica, o que lhes dá o nome popular. 
As picadas causam dor local imediata com diaforese 
localizada, piloereção e eritema. A dor apresenta 
irradiação proximal e, na maioria dos casos, os sintomas 
se limitam ao quadro doloroso. Entretanto, uma série de 
quase 500 casos descreveu taquicardia e sensação de 
inquietude. Os sintomas sistêmicos incluem náuseas, 
vômitos e tonturas, salivação, alterações visuais e 
priapismo. 
Na maioria dos casos, apenas tratamento sintomático é 
necessário com aplicação de compressas quentes, 
opioides e sedativos conforme necessidade e uso de 
anestésicos locais. 
O soro (Tabela 5) só é indicado em casos mais graves 
com manifestações autonômicas, sendo utilizado em 
cerca de 2% das picadas por esse tipo de aranha. O soro 
é usado por 3 horas e a recuperação é completa em 
usualmente 24 horas. 
 
Acidente por Loxosceles 
 
As aranhas deste gênero são também denominadas 
aranhas reclusas ou aranhas marrons e seu veneno tem 
atividade proteolítica e hemolítica. Existem mais de 100 
espécies de distribuição mundial, mas a maioria delas se 
encontra na América do Sul. São aranhas de hábito 
predominantemente noturno, encontradas em lugares 
secos e escuros, sob pedras ou madeira; essas espécies 
podem se adaptar ao ambiente doméstico e se esconder 
em roupas, móveis e lençóis. São aranhas marrons, de 
características difíceis de diferenciar em relação a outras 
espécies de aranhas, mas que apresentam 6 olhos, com 
um par na frente e dois pares laterais, ao contrário dos 
oito olhos usuais divididos em 2 fileiras. 
A patogênese de suas manifestações clínicas não é 
completamente conhecida, mas parecem ser importantes 
componentes da família das fosfolipases D, que são 
envolvidas principalmente na necrose cutânea. A injeção 
do veneno loxoscélico inicia uma reação inflamatória e 
também tem ação direta hemolítica e leva a ativação e 
agregação plaquetária, podendo causar trombose na 
microcirculação com isquemia local e consequentes 
necrose tecidual e dor intensa. A presença de 
hialuronidase no veneno loxoscélico aumenta o potencial 
da lesão tecidual. 
As mulheres são um pouco mais afetadas que os homens 
por essas picadas e elas ocorrem sobretudo nos meses de 
temperatura quente. Essas aranhas raramente picam 
espontaneamente seres humanos; isso ocorre em geral 
quando são atacadas ou como última linha de defesa. 
O veneno da Loxosceles possui ação hemolítica, 
coagulante e dermonecrótica. De início, a picada é pouco 
dolorosa e passa despercebida em grande número de 
casos; eventualmente pode ocorrer uma sensação de 
queimação local. Além disso, poucos pacientes capturam 
a aranha, o que dificulta a identificação, que ocorre em 
menos de 60% dos casos. A dor tipicamente apresenta 
um aumento progressivo nas próximas 2 a 8 horas e pode 
se tornar severa; a aparência inicial da lesão é de uma 
pápula avermelhada, e alguns pacientes podem 
apresentar rash urticariforme associado. 
Muitas vezes os sintomas são frustros ou não relatados a 
serviços médicos, o que torna difícil saber qual é o 
verdadeiro número de casos assintomáticos ou 
oligossintomáticos dessas picadas. Alguma forma de 
necrose cutânea ocorre na maioria das picadas 
sintomáticas por aranhas do gênero Loxosceles. 
Manifestações sistêmicas, por sua vez, ocorrem em cerca 
de 10% dos casos e anemia hemolítica também ocorre em 
10% dos casos. 
O loxoscelismo cutâneo se manifesta inicialmente por 
dor discreta e eritema, que muitas vezes pode ser 
confundido com celulite e usualmente causa extenso 
envolvimento cutâneo com necrose cutânea e ulceração. 
A evolução lenta faz com que o diagnóstico da lesão 
ocorra de 12 a 24 horas após a picada, com aparecimento 
de equimoses e bolhas hemorrágicas. 
A necrose cutânea, por sua vez, costuma aparecer cerca 
de 72 horas após a picada, podendo ocorrer necrose de 
tecidos profundos em até metade dos casos, mas infecção 
secundária é incomum, mesmo em casos de 
envolvimento cutâneo extenso. Alguns pacientes podem 
apresentar uma variante edematosa, principalmente em 
picadas de face com extenso edema e eritema, mas pouca 
necrose. 
As manifestações sistêmicas são menos comuns e 
incluem hemólise intravascular como característica 
principal. A apresentação típica inclui febre, mal-estar, 
mialgias, vômitos, cefaleia e rash, com ou sem história 
de picada. Os níveis de hemoglobina apresentam queda 
progressiva em período de 7 a 14 dias, podendo chegar a 
níveis de 5 a 8 g/dL. A hemólise, apesar de intravascular, 
é consistente com o processo autoimune, ocorrendo teste 
de Coombs direto positivo. Insuficiência renal aguda 
pode ocorrer, mas é incomum, sendo associada com 
prognóstico muito ruim. 
A coagulação intravascular disseminada (CIVD) é 
frequentemente descrita como sintoma comum ao 
loxoscelismo, embora a evidência de sua ocorrência seja 
pequena. Alguns pacientes evoluem com 
trombocitopenia e aumento dos tempos de coagulação, 
mas raramente preenchendo os critérios diagnósticos 
para CIVD. Rabdomiólise é descrita no loxoscelismo, 
mas na maioria dos casos se apresenta com pequenos 
aumentos de CPK. 
A presença de lesões cutâneas, sintomas sistêmicos 
inespecíficos e história de picada de aranha é considerada 
suficiente para o diagnóstico de loxoscelismo. Apesar 
disso, deve-se lembrar que o diagnóstico de loxoscelismo 
em lesões cutâneas necróticas tende a ser superestimado. 
Na presença de lesões cutâneas necróticas pode-se 
levantar a suspeita de picada de aranha, mas esta é uma 
causa infrequente e os pacientes devem ser orientados 
neste sentido, para evitar ansiedade. 
Existem vários tratamentos propostos para o 
loxoscelismo, como corticosteroides, antídotos e anti-
histamínicos, entre outras opções, embora exista pouca 
evidência que dê suporte para seu uso. 
O benefício do soro antiloxosceles parece se limitar aouso nas primeiras 4 horas, embora alguns estudos 
sugiram benefício em até 36-48 horas (Tabela 4). O 
Ministério da Saúde recomenda seu uso em casos de 
lesões cutâneas extensas, usualmente associado a 
glicocorticoides. A dose de prednisona recomendada é de 
40-80 mg ao dia ou 1 mg/kg por 5 dias. Um estudo 
sugeriu benefício com o uso de dapsona, embora não seja 
recomendada rotineiramente. A dose de soro específico 
é de 5 ampolas de soro antiloxosceles em casos sem 
hemólise e 10 ampolas de soro antiloxosceles no caso de 
hemólise associada. 
Acidente latrodético 
 
Existem pelo menos 30 espécies diferentes da viúva 
negra. A sua epidemiologia é diferente, dependendo da 
localização mundial. Na América do Sul, são mais 
frequentes picadas em trabalhadores rurais quando em 
ambientes externos. A maioria dessas aranhas tem uma 
aparência negra brilhante com marcas vermelhas pelo 
corpo. Suas picadas caracteristicamente produzem 
alterações sensoriais no local da picada, o sistema 
nervoso autônomo é envolvido com liberação de 
neuromediadores, podendo ocorrer contratura facial e 
trismo, retenção urinária, hipertensão arterial, 
taquicardia ou bradicardia. 
Os pacientes, na sua apresentação no serviço de 
emergência, têm tipicamente uma história de atividade de 
risco para ocorrer a picada nas últimas 8 horas. Cerca de 
75% das picadas ocorrem nas extremidades, em 
particular nos membros inferiores. 
A dor é uma manifestação universalmente presente nas 
picadas desse gênero, e costuma ocorrer no local da 
picada com irradiação para dorso, tórax e região 
abdominal. O seu aparecimento é gradual, com piora 
progressiva em períodos de horas a dias, e a irradiação da 
dor em membro para a região superior dele é uma 
apresentação típica. Em pacientes com manifestações 
sistêmicas, a mialgia é a mais comum entre elas. 
A diaforese é outra manifestação característica e pode 
ocorrer em apresentações atípicas. Sugere o 
latrodectismo diaforese apenas no local da picada ou 
diaforese abaixo dos joelhos ou assimétrica. Outro 
achado relativamente específico é o aparecimento de dor 
abdominal grave ou rigidez de parede abdominal. 
Manifestações sistêmicas, por sua vez, ocorrem em um 
terço dos pacientes com sintomas inespecíficos, como 
náuseas, vômitos e cefaleia na maioria dos casos. 
Fasciculações musculares e paralisia local podem 
ocorrer. A lesão miocárdica é rara e nesse caso pode 
ocorrer alteração de marcadores cardíacos. O priapismo 
é outra manifestação rara. 
Os sinais vitais estão dentro dos parâmetros de 
normalidade em 70% dos pacientes; nos casos graves a 
presença de rigidez muscular intermitente ocorre em 
60% dos pacientes. 
 
Em pacientes com manifestações apenas locais, são 
recomendados apenas os cuidados locais de limpeza e 
profilaxia antitetânica se necessário. Vários 
tratamentos foram propostos, incluindo analgésicos, 
antieméticos, benzodiazepínicos, magnésio e cálcio. 
Existe pouca evidência de qualidade para validar o uso 
das diferentes medicações citadas, mas analgésicos, 
sobretudo opioides, são utilizados frequentemente. 
Os benzodiazepínicos podem ser utilizados em casos de 
fasciculações ou espasmos musculares. A evidência para 
o uso de soro específico nesses pacientes é insuficiente 
para indicar a sua utilização. 
Constitui uma exceção entre todos os soros antivenenos, 
pois deve ser aplicados via intramuscular. O tratamento 
é de 1 ampola IM em casos de acometimento moderado 
e 1 a 2 ampolas IM em casos de acometimento grave 
(Tabela 4). 
 
OUTROS ANIMAIS PEÇONHENTOS 
ACIDENTE POR ABELHAS 
Espécies Hymenoptera que atacam humanos incluem 
abelhas e mamangavas, vespa amarela, vespão, 
marimbondo e formigas. A maioria das pessoas tem 
apenas reação local. Os desfechos graves ocorrem por 
reação alérgica ou ataque maciço. A reação alérgica ao 
veneno tem risco de reações sistêmicas graves – seja 
aguda como anafilaxia ou tardia como doença do soro. 
São relatados 30-40 óbitos por acidente por abelhas 
anualmente no Brasil. 
Não há necessidade de vacinação contra tétano após 
picadas. 
Em geral, essas espécies picam em autodefesa ou para 
proteger sua colmeia ou ninho. A remoção imediata do 
ferrão pode reduzir a infusão de veneno. Alguns minutos 
depois, já não fará diferença em termos de evitar a 
infusão do veneno. Depois, deve ser removido através de 
raspagem (não pinçar a porção posterior do ferrão, 
evitando inocular mais veneno), pois pode ser sítio de 
infecção ou reação de corpo estranho. 
A reação local em geral é leve e transitória com eritema, 
dor e edema de 1-5 cm que se inicia em minutos e 
melhora após algumas horas. Um em cada dez pacientes 
desenvolve reação desproporcional eritematosa e 
edematosa (tipicamente de 10 cm de diâmetro) que 
aumenta gradualmente em um a dois dias. A resolução 
ocorre em cinco a dez dias. Compressas frias podem 
ajudar. Se for em extremidade, esta deve ser mantida 
elevada. Prednisona 40-60 mg em dose única ou 
tratamento curto de 2 a 5 dias pode ajudar. O prurido 
pode responder a anti-histamínicos. Se após 48 horas o 
quadro continuar piorando, sugere infecção secundária. 
 
Em caso de acidente maciço (30-50 picadas em crianças 
e 300 picadas no adulto), a composição do veneno passa 
a ter importância. Inclui fosfolipases A2 e melitina, que 
representam 75% dos constituintes do veneno. Outras 
frações são responsáveis por ações bloqueadoras 
neuromusculares e que podem provocar paralisia 
respiratória e hemólise, principalmente a apamina. O 
veneno contém também um cardiopeptídeo com ação 
semelhante à de drogas beta-adrenérgicas com 
propriedades antiarrítmicas. Possui também um peptídeo 
degranulador de mastócitos responsável pela liberação 
de histamina e serotonina. 
O veneno provoca hemólise intravascular, insuficiência 
renal aguda, oligúria/anúria, torpor, coma, distúrbios 
hidroeletrolíticos e acidobásicos graves. Reações tardias, 
como encefalite, artralgias e febre semelhante à doença 
do soro ocorrem, mas são raras. Creatinofosfoquinase 
(CPK), desidrogenase láctica (LDH), aldolase e 
transaminases aumentadas sugerem envenenamento 
grave. Exame de urina de rotina pode mostrar sinais de 
comprometimento renal. 
O tratamento é de suporte, incluindo proteção de via 
aérea e respiração – até intubação orotraqueal se 
necessário. Pode haver benefício com o uso de corticoide 
e anti-histamínicos. A insuficiência renal pode evoluir 
para diálise. 
O soro antiapílico está iniciando estudo fase III (estudo 
APIS) na CEVAP/UNESP. O protocolo do estudo 
especifica duas ampolas de soro para 5 a 200 picadas; 
seis ampolas de veneno para 201-600 picadas; e 10 
ampolas para mais de 600 picadas. 
O tratamento adjuvante recomendado é hidratação e 
inotrópicos para manter pressão acima de 90 × 60 
mmHg. Monitorar CPK para rabdomiólise (níveis de 
CPK acima de 5.000 U/L). Atentar para função renal; 
oligúria e anúria são indicações de diálise. Corrigir 
distúrbios hidroeletrolíticos. 
Os sintomas podem ser combatidos com antihistamínico 
e corticoide. Adrenalina subcutânea deve ser usada 
para tratamento de anafilaxia. Atentar para controle da 
dor e evolução para broncoespasmo. Usar permanganato 
de potássio 1:40.000 para antissepsia da pele. Para retirar 
os ferrões pode-se usar pinça hemostática (Halsted) 
aplicada rente à pele para evitar a inoculação de veneno. 
 
ACIDENTE POR LAGARTAS (LONOMIA) 
A penetração de cerdas de lagartas (lepidópteros) na pele 
inocula toxinas, provocando o envenenamento pelo 
gênero Lonomia. Têm importância médica os acidentes 
causados por insetos pertencentes à ordem Lepidoptera, 
na sua forma larvária. Nomes populares incluem 
taturana, oruga, ruga, lagarta-de-fogo, e apresentam 
grande variedade morfológica. 
 
A família Megalopygidae (megalopigídeos) possui 
cerdas pontiagudas, curtas e que contêm as glândulas de 
veneno, no meiode outras cerdas longas, coloridas e 
inofensivas. A família Saturniidae (saturnídeos) tem 
“espinhos” ramificados e pontiagudos de aspecto 
arbóreo, mimetizando as plantas que habitam. O gênero 
Lonomia é um saturnídeo, cujo veneno tem efeito 
hemorrágico. 
As larvas têm hábitos noturnos e estão em todo o país. 
Os megalopigídeos são solitários, ao contrário dos 
saturnídeos. O veneno é composto por fosfolipases A2, 
achelase, lonomina e serina-proteases. O veneno causa 
dor, edema, uma coagulopatia consumptiva consumindo 
fibrinogênio e hemólise intravascular. 
Localmente haverá dor em queimação, irradiação, 
eritema, edema e adenomegalia dolorosa. Raramente 
pode haver bolhas e necrose cutânea. Os sintomas 
regridem em 24 horas. Sistemicamente pode haver 
queixas inespecíficas como cefaleia, mal-estar, náuseas e 
dor abdominal, além de sangramentos como 
gengivorragia, equimoses, epistaxe, hematúria, 
hematêmese e hemoptise. Acidentes graves evoluem 
com insuficiência renal aguda e hemorragia 
intracraniana. 
Metade dos pacientes expostos ao veneno de Lonomia 
apresenta distúrbio na coagulação sanguínea, com ou 
sem hemorragia. A reversão de alterações de exames de 
coagulação ocorre após 24 horas da administração do 
antiveneno específico. Normalmente, não há alteração na 
contagem de plaquetas. Rebaixamento de nível de 
consciência deve ser investigado com imagem de crânio 
(suspeita de sangramento). 
O tratamento é sintomático com compressas frias. 
Lidocaína a 2% próximo à lesão pode ajudar. 
Em acidentes moderados com alterações de 
coagulograma (sangramento no máximo de pele ou 
mucosa) ou graves com manifestações hemorrágicas em 
vísceras ou complicações com risco de morte, o paciente 
deve ficar em repouso e deve receber o soro específico. 
Acidentes moderados têm indicação de 5 ampolas de 
soro antilonômico e acidentes graves têm indicação de 10 
ampolas. 
 
ACIDENTES POR CNIDÁRIOS 
Os animais pertencentes ao filo Cnidaria são 
invertebrados que flutuam em água salgada e possuem 
tentáculos longos que se desconectam facilmente. Seus 
tentáculos agrupam as células de defesa denominadas 
cnidoblastos, que por sua vez são portadoras dos 
nematocistos. Estes últimos são pequenas organelas que 
descarregam rapidamente seu veneno quando em contato 
com a pele da vítima. As principais classes são desse filo 
são: Scyphozoa (medusas e água-viva) e Hydrozoa 
(caravela-portuguesa). 
 
As espécies de cnidários são encontradas em águas 
costeiras quentes e frias em todo o mundo, dentre as 
quais citamos Rússia, Japão, Brasil, Uruguai, Argentina, 
Estados Unidos e Austrália, sendo a maioria dos 
acidentes com efeito tóxico semelhante. As águas-vivas 
afetam cerca de 150 milhões de pessoas anualmente. 
Como exemplo, aproximadamente 500.000 casos de 
envenenamento ocorrem anualmente na costa leste dos 
Estados Unidos. 
O veneno dos cnidários é uma mistura complexa de 
enzimas que incluem toxinas citolíticas formadoras e 
neurotoxinas com atividade nos canais rápidos de sódio 
e de potássio. A apresentação clínica de um paciente com 
acidente por cnidários varia de acordo com a espécie, o 
tempo de exposição, a área de pele exposta e o tipo de 
tratamento administrado no momento da exposição. 
A maioria dos envenenamentos de medusas causa 
sintomas locais limitados a dor e inchaço no local da 
inoculação. Com o envenenamento local, os pacientes 
geralmente não veem a água-viva ou o tentáculo, mas 
sentem dor imediata no momento da picada. Lesões 
urticariformes lineares, vermelhas, geralmente se 
desenvolvem poucos minutos depois (Figura 4). 
As lesões costumam queimar intensamente e podem 
causar prurido. Os achados cutâneos incluem “pegadas 
de tentáculos” e, menos comumente, vesículas e 
equimose. Em alguns casos, as erupções papulares 
urticariformes podem ocorrer de 7 a 14 dias depois e 
podem ser intensamente pruriginosas. As lesões 
geralmente remitem em 10 dias, embora possam persistir 
ocasionalmente por semanas. 
Dentre as reações sistêmicas que podem ocorrer, destaca-
se a anafilaxia, que raramente ocorre após picadas de 
água-viva e normalmente se apresenta com edema da 
mucosa oral, sibilância, urticária generalizada e choque 
distributivo. O manejo de pacientes com anafilaxia está 
descrito em outro capítulo deste livro. Alguns casos mais 
raros podem se apresentar com dor severa, hipertensão, 
taquicardia, agitação, sudorese e edema pulmonar 
algumas horas após o contato com os cnidários. 
O manejo inicial sugerido na cena é que a vítima seja 
submetida a um enxágue do local da picada com água 
do mar e tratamento da dor com imersão em água 
quente ou aplicação de compressas quentes em vez de 
irrigação com vinagre ou terapia fria. Ao usar imersão 
em água quente, a temperatura da água deve ser de 40 a 
45°C e deve ser aplicada por imersão de um membro ou 
por banho quente por aproximadamente 20 minutos. Se 
um termômetro não estiver disponível, use a temperatura 
da água mais quente que pode ser tolerada pelo socorrista 
ou pelo paciente alerta em um membro não afetado. 
Se a água quente não estiver disponível, o socorrista deve 
aplicar uma bolsa fria ou gelo em um saco plástico seco 
na picada. Para os acidentes com a caravela-portuguesa, 
alguns especialistas aconselham a irrigação do local da 
picada com vinagre para inativar os nematocistos, 
seguida pela remoção dos tentáculos, que envolve 
borrifar o local com creme de barbear e, em seguida, usar 
um objeto plástico fino (como um cartão de crédito) para 
raspá-los. Com essa abordagem, o creme de barbear é 
postulado para agir como uma barreira física para que os 
nematocistos não toquem na pele novamente. 
O tratamento intra-hospitalar baseia-se essencialmente 
no suporte clínico. 
 
TRATAMENTO DE REAÇÕES AO SORO HETERÓLOGO 
A doença do soro pode ocorrer 1 a 4 semanas após a 
infusão do soro. Caracteriza-se por febre, linfadenopatia, 
erupções cutâneas e artralgias. Casos leves necessitam 
apenas de anti-histamínicos e anti-inflamatório não 
esteroidal. Em casos graves, o tratamento recomendado 
é prednisona, iniciando com 60 mg e diminuindo aos 
poucos durante duas semanas. 
O tratamento de reações ao próprio soro heterólogo 
depende da intensidade dos sintomas. Reações leves 
como náuseas e vômitos resolvem-se com a interrupção 
temporária da infusão do soro e reinício em ritmo mais 
lento. 
Caso o paciente apresente hipotensão ou broncoespasmo, 
deve-se interromper a infusão do soro. O paciente deve 
receber 0,3 mg SC de adrenalina (0,01 mg/kg em 
crianças, máximo de 0,3 mg). Além disso, infusão rápida 
de volume e avaliação de via aérea e respiração. Em 
casos refratários, começar infusão de adrenalina 5-10 
µg/kg e titular conforme resposta.
 
Infecções do sistema nervoso central 
INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES 
As meningites e as encefalites são infecções do sistema 
nervoso central (SNC) com grande potencial de 
gravidade. O diagnóstico dessas condições precisa ser 
realizado rapidamente, e a investigação etiológica e o 
tratamento devem ocorrer simultaneamente. As 
infecções do SNC podem ser divididas em meningites, 
encefalites e meningoencefalites. 
Meningites 
As meninges compreendem a dura-máter, a pia-máter e a 
aracnoide. As meningites são processos inflamatórios 
que acometem essas membranas e o espaço 
subaracnóideo, que contém o líquido cefalorraquidiano 
(LCR). 
A incidência de meningite bacteriana é extremamente 
variável, sendo de 1 a 2 casos a cada 100.000 pessoas/ano 
no Reino Unido, até 1.000 casos a cada 100.000 
pessoas/ano em alguns locais da África; nos Estados 
Unidos ocorrem 1,2 milhão de casos de meningite 
bacteriana ao ano. A letalidade, mesmo em países 
desenvolvidos, chega a 15%. Em 2013 ocorreram cerca 
de 18.700 casos de meningite no Brasil com letalidade 
entre 9 e 10%, mas ultrapassando 20% na meningite 
meningocócica. 
EncefalitesEncefalites são processos inflamatórios que envolvem o 
parênquima encefálico. Os pacientes podem apresentar 
crise convulsiva, alteração cognitivo-comportamental, 
como agitação ou psicose, rebaixamento de nível de 
consciência ou sinais focais, como afasia ou hemiparesia. 
Meningoencefalites 
Os pacientes apresentam sinais e sintomas de meningite 
e de encefalite frequentemente sobrepostos. 
 
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA 
Meningites 
As meningites podem ser classificadas de diferentes 
maneiras: 
1. Inflamatórias ou infeciosas; 
2. De acordo com o agente causador: bacterianas, 
virais, fúngicas, parasitárias; 
3. De acordo com o tempo de evolução: agudas, 
subagudas e crônicas; ou 
4. De acordo com o grupo etário acometido. 
A infecção meníngea pode se iniciar por via 
hematogênica ou por contiguidade de um processo 
infeccioso de estruturas cranianas, como ouvidos, 
garganta, seios da face ou ossos cranianos. 
As meningites bacterianas nos Estados Unidos são mais 
frequentemente causadas pelo Streptococcus 
pneumoniae (58,0%), Streptococcus do grupo B 
(18,1%), Neisseria meningitidis (13,9%), Haemophilus 
influenzae (6,7%) e Listeria monocytogenes (3,4%). 
Escherichia coli na população neonatal e Mycobacterium 
tuberculosis em pacientes imunocomprometidos também 
são agentes etiológicos importantes. Em outros lugares, 
o S. pneumoniae é responsável por 25 a 51% das 
meningites bacterianas no mundo. Um estudo holandês 
com 1.412 meningites bacterianas encontrou o S. 
pneumoniae em 51% dos casos, N. meningitidis em 37% 
dos pacientes, L. monocytogenes em 4% dos casos e os 
demais casos foram causados por H. influenzae, 
estreptococos, S. aureus e bacilos Gram-negativos. 
Em neonatos, têm maior frequência o Streptococos 
agalactiae, Escherichia coli. A Lysteria monocytogenes, 
que já foi uma causa importante de meningite neste 
grupo, tem diminuído sua prevalência, mas permanece 
como a terceira causa. 
Na população pediátrica excluindo os neonatos, os 
estudos apontam como maior causa a N. meningitidis, 
seguida pelo S. pneumoniae e H. influenzae. 
Na disseminação hematogênica, as bactérias colonizam 
as vias aéreas superiores, invadem a corrente sanguínea 
e gradualmente chegam ao espaço subaracnóideo. Os 
componentes subcapsulares do S. pneumoniae, H. 
influenzae e N. meningitidis induzem uma cascata 
inflamatória, e as citocinas liberadas no processo levam 
a edema celular e à inflamação do cérebro e das 
meninges. A permeabilidade da barreira 
hematoencefálica aumenta, levando a edema vasogênico. 
A drenagem do líquido cefalorraquidiano pode ser 
prejudicada, levando a hidrocefalia e a edema intersticial. 
O rompimento da homeostase da membrana celular 
também causa edema citotóxico. Como o cérebro e as 
meninges se encontram em um crânio de volume fixo, 
pode haver aumento da pressão intracraniana e 
diminuição da pressão de perfusão de perfusão cerebral, 
podendo causar isquemia e trombose. Além disso, os 
neurônios são diretamente lesados pelos radicais do 
processo inflamatório. 
Na disseminação contígua direta, os microrganismos 
obtêm entrada no líquido cerebrospinal de infecções 
adjacentes, como sinusite, abscesso cerebral ou otite 
média. Também podem entrar diretamente por lesões 
traumáticas penetrantes, por meio de defeitos congênitos 
ou durante procedimentos neurocirúrgicos. A Tabela 1 
resume as etiologias das meningites infecciosas. 
 
▷ TABELA 1 Etiologias das meningites infecciosas 
Infecções virais 
• Enterovírus 
• Arbovírus 
• Herpes-vírus 
• Vírus da coriomeningite linfocítica 
• HIV 
• Cladophialophora 
Bactérias 
• Haemophilus influenzae 
• Neisseria meningitidis 
• Streptococcus pneumoniae 
• Listeria monocytogenes 
• Escherichia coli 
• Streptococcus agalactiae 
• Propionibacterium acnes 
• Staphylococcus aureus 
• Staphylococcus epidermidis 
• Enterococcus spp. 
• Klebsiella pneumoniae 
• Pseudomonas aeruginosa 
• Salmonella spp. 
• Fusobacterium necrophorum 
• Stenotrophomonas maltophilia 
• Streptococcus pyogenes 
• Streptococcus suis 
• Pasteurella multocida 
• Capimocirurgia canimorsus 
• Nocardia spp. 
• Acinetobacter spp. 
• Streptococcus viridans (p. ex., S. salivarius) 
• Streptococcus gallolyticus 
• Mycobacterium tuberculosis 
 
Protozoários e helmintos 
• Naegleria fowleri 
• Angiostrongylus cantonensis 
• Procyonis baylisascaris 
• Taenia solium 
• Toxocara spp. 
Espiroquetas 
• Treponema pallidum (sífilis) 
• Borrelia burgdorferri (doença de Lyme) 
• Borrelia spp. 
• Leptospirose 
 
Fungos (usualmente meningites crônicas) 
• Criptococose 
• Coccidioidomicose 
• Histoplasmose 
• Candidíase 
• Esporotricose 
• Scedosporium 
• Aspergillus 
Rickettsioses 
• Rickettsia rickettsii 
• Rickettsia conorii 
• Rickettsia prowazekii 
• Rickettsia typhi 
• Tsutsugamushi orientia 
• Ehrlichia 
Encefalites 
As encefalites ocorrem principalmente por meio dos 
chamados vírus neurotrópicos, dos quais o mais 
importante é o herpes vírus. 
A porta de entrada é dependente da forma de 
contaminação (mordida, picada, inalação etc.). A viremia 
pode ser suficiente para invadir o tecido nervoso, através 
dos capilares sanguíneos, e pode se disseminar pelas 
meninges. 
O processo infeccioso é dependente da imunidade 
humoral, que se opõe à infecção. As principais etiologias 
de encefalites são especificadas na Tabela 2. 
▷ TABELA 2 Etiologias de encefalites agudas virais 
 
• Herpes-vírus 
• Varicela vírus 
• Citomegalovírus 
• Ebstein-Barr 
• Vírus da febre do Nilo 
• Vírus da hepatite C 
• Enterovírus 
• Vírus da raiva 
• Adenovírus 
• Chikungunya 
• HIV 
• Vírus influenza 
• Encefalite japonesa 
• Vírus JC 
• Vírus sarampo 
• Rubéola 
• Hendra vírus 
 
Meningoencefalite tuberculosa (neurotuberculose) 
A neurotuberculose é a forma mais grave da tuberculose, 
mas felizmente representa apenas pequena percentagem 
dos casos de tuberculose extrapulmonar. 
O processo inflamatório ocorre predominantemente na 
base do crânio, ocorre por disseminação hematogênica, 
com formação de granulomas, espessamento meníngeo, 
obstrução do fluxo liquórico e hipertensão intracraniana. 
 
ACHADOS CLÍNICOS 
Meningites 
A meningite bacteriana pode ser de difícil diagnóstico, 
pois outras patologias podem apresentar sintomas 
semelhantes; felizmente boa parte dos pacientes 
procuram precocemente o departamento de emergência 
na maioria das vezes bastante toxemiados. Existem 
quatro sinais clássicos de meningite: febre, cefaleia, 
alteração do nível de consciência e rigidez de nuca. A 
síndrome clássica ocorre na minoria dos casos, mas 
qualquer combinação de dois dos quatro sintomas está 
presente em 95% dos pacientes. Cefaleia é o sintoma 
mais comum e é visto em mais de 85% dos pacientes. 
Febre é o segundo sintoma mais comum e, em pacientes 
imunocompetentes, ocorre em mais de 90% dos casos. A 
rigidez de nuca é descrita como presente em até 88% dos 
pacientes. O estado mental é alterado em até 78% dos 
casos. A tríade clínica de febre, rigidez de nuca e 
alteração do estado mental ocorre em apenas 41% dos 
casos. 
Pode-se ainda dividir os sinais clínicos da meningite em 
três síndromes específicas: 
Síndrome toxi-infecciosa: sinais e sintomas de toxemia, 
como febre, mal-estar, agitação e confusão mental. 
Síndrome de irritação meníngea: sinais e sintomas de 
irritação meníngea, como rigidez de nuca, sinais de 
Kernig e Brudzinski. Algumas vezes o paciente se 
apresenta em opistótono, quando o quadro é muito grave. 
Síndrome de hipertensão intracraniana: cefaleia, 
náuseas e vômitos. Às vezes ocorrem vômitos em jato. 
Os sinais de Kernig e Brudzinski têm sido utilizados na 
avaliação clínica da meningite há muitos anos, mas sua 
utilidade é duvidosa. Eles apresentam alta especificidade 
(até 95%), mas a sensibilidade pode ser tão baixa quanto 
5%. Assim, os sinais de Kernig e Brudizinskinão devem 
ser usados para excluir ou estabelecer um diagnóstico de 
meningite bacteriana. 
Rigidez de nuca sem meningite pode acontecer nos 
abscessos retrofaríngeos, laringite ou adenite cervical 
grave, artrite ou osteomielite em vértebras cervicais, 
pneumonia em lobo superior, hemorragia subaracnóidea, 
tétano e pielonefrite. 
Déficits neurológicos focais são observados em 25 a 30% 
dos pacientes. Convulsões são descritas em 15 a 30% dos 
casos, e rash cutâneo (usualmente petequial) ocorre em 
10% dos casos de meningites e em 64% dos casos de 
meningite meningocócica. Infartos cerebrais ocorrem em 
25% dos casos (principalmente quando a etiologia é o S. 
pneumoniae). Papiledema, por sua vez, ocorre em menos 
de 5% dos casos e artrites ocorrem em menos de 7% dos 
pacientes, sendo mais frequente nos casos em que o 
meningococo é a etiologia. 
Em recém-nascidos e em menores de 3 meses, o quadro 
clínico é inespecífico, sobrepondo-se ao de uma infecção 
qualquer com febre ou hipotermia. Podem ocorrer 
depressão sensorial, irritabilidade à manipulação, 
hipotonia, vômitos, alterações do sono e sucção débil. 
Em alguns casos, sinais apontam para o 
comprometimento do SNC, como a presença de sinais 
meníngeos, convulsões e abaulamento de fontanela. Os 
estreptococos do grupo B devem ser suspeitados quando 
a infecção ocorre em crianças com menos de 1 mês de 
vida. 
A etiologia pneumocócica é sugerida quando a meningite 
acompanha ou é precedida por infecção pulmonar, otite 
ou sinusite. As infecções por H. influenzae são 
acompanhadas frequentemente por infecções de vias 
aéreas superiores em pacientes não vacinados. 
Em pacientes imunossuprimidos e com mais de 60 anos 
de idade, a possibilidade de Listeria monocytogenes deve 
ser considerada. Deve-se considerar ainda Listeria 
monocytogenes em adultos mais velhos e alcoólatras. 
Pacientes com infecção por listeria podem desenvolver 
uma romboemcefalite com ataxia, paralisia de pares 
cranianos, nistagmo e episódios de convulsões são mais 
comuns nestes pacientes. Um rash petequial, por sua vez, 
sugere etiologia meningocócica, embora seja encontrada 
também com o pneumococo. Em um estudo, rash 
petequial ocorreu em 61% dos pacientes com infecção 
pela N. meningitidis, comparado a 9% pelo S. 
pneumoniae. Nos portadores de abscessos cerebrais, 
doenças proliferativas, colagenoses, metátases cerebrais, 
processos infecciosos ou tumorais dos ossos do crânio 
podem ocorrer infecções por Listeria monocytogenes, 
Acinetobacter spp. e Pseudomonas aeruginosa. Pacientes 
com infecção por Listeria monocytogenes em menos de 
30% apresentam a tríade de febre, rigidez de nuca e 
alteração mental e déficits focais em 37% dos casos. 
Nos pacientes com sistemas de derivação liquóricas ou 
que tenham sido submetidos a procedimentos 
neurocirúrgicos, deve-se suspeitar de estafilococos ou 
bacilos Gram-negativos. O traumatismo craniano 
penetrante torna o S. pneumoniae mais provável e o 
Staphylococcus aureus, estafilococos coagulase-
negativos e estreptococos são os organismos mais 
comumente implicados após a craniotomia ou trauma 
penetrante de crânio, enquanto os estafilococos 
coagulase negativos são comumente observados após a 
derivação ventrículo-peritoneal e cirurgia da coluna 
vertebral. 
Pacientes imunodeprimidos, como aqueles com SIDA, 
usuários de corticosteroides cronicamente, ou com 
história de esplenectomia, são suscetíveis à meningite 
por organismos encapsulados. A Tabela 3 apresenta os 
principais fatores de risco para ocorrência de meningite 
bacteriana. 
▷ TABELA 3 Fatores de risco para meningite bacteriana 
• Otite média aguda ou crônica 
• Sinusite 
• Imunossupressão/esplenectomia 
• Alcoolismo 
• Pneumonia 
• Diabetes mellitus 
• Vazamento de líquido cefalorraquidiano 
• Pneumonia 
• Endocardite 
• Procedimento neurocirúrgico/traumatismo 
craniano 
• Prótese neurocirúrgica/implante coclear 
• Idade avançada 
• Malignidades 
• Hepatopatias 
• Não vacinado contra Haemophilus influenzae 
tipo b, Neisseria meningitidis ou Streptococcus 
pneumoniae 
 
As meningites virais geralmente se manifestam com 
cefaleia subaguda e febre e com achados de irritação 
meníngea, como a rigidez da nuca, embora sejam muito 
menos frequentes do que nas meningites bacterianas. A 
mais comum manifestação é cefaleia, que pode ser 
resistente a analgesia. Devido aos poucos sintomas e de 
menor intensidade, o diagnóstico ocorre com atraso de 
alguns dias. O quadro é autolimitado com duração de até 
2 semanas. Apesar do bom prognóstico, cerca de 10% 
dos pacientes apresentam complicações como 
convulsões, sinais focais, letargia e até coma, porém a 
maioria desses pacientes apresentam encefalite 
concomitante (ver a seguir). 
As meningites podem ainda ser causadas por outros 
microrganismos, como os fungos. A meningite fúngica 
costuma ter uma apresentação mais indolente. A causa 
mais comum é o Cryptococcus neoformans, seguido pelo 
Coccidioides immitis, que pode ser encontrado tanto em 
hospedeiros imunocompetentes quanto em 
imunocomprometidos. A meningite criptocóccica cursa 
com febre em cerca de 50% dos casos, cefaleia em mais 
de 70% e sinais meníngeos em 20 a 30%. Aspergillus e 
Candida são mais frequentes em hospedeiros 
imunocomprometidos. A mucormicose pode ser 
encontrada em diabéticos como extensão direta de uma 
infecção de seios da face. 
Encefalites 
As encefalites apresentam múltiplas etiologias tanto 
infecciosas quanto não infecciosas, como as encefalites 
autoimunes. A principal causa das encefalites infecciosas 
são as encefalites virais, que se distinguem da meningite 
viral pela presença de achados neurológicos, como 
alteração de nível de consciência, déficit neurológico 
focal ou crises convulsivas parciais ou generalizadas, 
embora as duas frequentemente coexistam. 
Os pacientes podem apresentar sinais de irritação 
meníngea e aumento da pressão intracraniana. Os 
achados neurológicos refletem as áreas de envolvimento, 
pois a encefalite pode mostrar tropismo regional. O 
herpes-vírus, que é a principal causa viral de encefalites, 
envolve estruturas límbicas dos lobos temporal e frontal 
com características psiquiátricas proeminentes, como 
alterações de comportamento, distúrbios de memória e 
afasia. Os sintomas da meningoencefalite herpética são 
progressivos, com pico de gravidade ocorrendo em 2 a 3 
semanas. Alguns arbovírus afetam predominantemente 
os gânglios da base, causando coreoatetose e 
movimentos parkinsonianos. O envolvimento dos 
núcleos do tronco encefálico que controlam a deglutição 
leva à resposta hidrofóbica de asfixia característica da 
encefalite da raiva. 
 
Neurotuberculose 
Os pacientes apresentam quadro clínico de meningite ou 
de meningoencefalite, caracterizado pela ocorrência de 
irritação meníngea e sintomas de hipertensão 
intracraniana, com febre, rigidez de nuca, sinais de 
Kernig e Brudzinski presentes, náuseas, vômitos e 
cefaleia, podendo ainda ocorrer crises convulsivas. 
A meningite tuberculosa costuma ter evolução mais 
arrastada do que a bacteriana, e cursar com envolvimento 
de pares cranianos, em particular o VI par, embora possa 
envolver também o IV, VII e VIII pares. A diferença 
entre os casos de meningite bacteriana e tuberculosa 
pelos achados clínicos é difícil, principalmente nas 
primeiras fases da doença, mas confusão mental e sinais 
focais sugestivos de encefalite podem ajudar a 
diferenciar as duas situações. 
 
▷ TABELA 4 História e exame físico em pacientes com 
meningites bacterianas 
o Procurar dados sugestivos de etiologia de 
meningite (idade, trauma, etilismo etc.) 
o Vacinação para S. pneumoniae, H. influenzae e 
N. meningitidis 
o Invasões como derivação ventrículo-peritoneal 
(estafilococos) 
o Avaliar se disfunção neurológica focal: 
hemiparesia, assimetria facial, déficits no campo 
visual ou movimentos ocularesdesordenados 
o Fundo de olho: procurar sinais de HIC como 
papiledema, diminuição das pulsações venosas 
ou paralisia do nervo craniano, especialmente 
envolvendo os nervos cranianos 
o Procurar sinais meníngeos: sinal de Brudzinski 
(flexão dos quadris e joelhos em resposta à 
flexão passiva do pescoço) e sinal de Kernig 
(contração dos isquiotibiais em resposta à 
extensão do joelho enquanto o quadril está 
flexionado) e procurar rigidez de nuca 
o Exame da pele: procurar estigmas cutâneos, 
como petéquias, hemorragias lascadas e 
pústulas, e considerar a possibilidade de enviar 
para cultura 
o Percussão de seios da face 
o Otoscopia e exame ectoscópico de orelhas 
procurando sinais de infecção primária 
 
 
▷ FIGURA 1 Indicação de tomografia computadorizada (TC) de crânio pré-coleta de líquido cefalorraquidiano (LCR). 
 
▷ TABELA 5 Indicações de exame de imagem antes da 
punção liquórica 
o Estado mental alterado ou deterioração do nível 
de consciência (Glasgow < 13 ou < 11 
dependendo do autor) 
o Déficit neurológico focal 
o Crise convulsiva em pacientes sem epilepsia 
prévia 
o Papiledema 
o Imunocomprometidos 
o Malignidade 
o História de doença focal do SNC (acidente 
vascular cerebral, infecção, tumor) 
o Preocupação com lesão com efeito de massa do 
SNC 
o Idade > 60 anos 
Outra forma de manifestação da neurotuberculose é o 
tuberculoma intracraniano, que pode levar a sintomas e 
sinais de hipertensão intracraniana, como hidrocefalia e 
papiledema. 
EXAMES COMPLEMENTARES 
Meningites 
Em pacientes com suspeita de meningite é prioritária a 
administração rápida de antibióticos. A investigação 
etiológica deve ocorrer em paralelo, e devem ser 
coletados exames como provas de atividade inflamatória, 
hemoculturas, sorologias para HIV e sífilis e avaliação 
de coagulação (para coleta de LCR). Exames adicionais 
como radiografia de tórax e pesquisa de BK no escarro 
podem ser úteis, dependendo das circunstâncias clínicas. 
A positividade de hemoculturas em pacientes com 
meningite bacteriana é de 75% para pacientes com 
meningite pneumocóccica, 50 a 90% para H. influenzae 
e 40 a 60% para pacientes com meningite 
meningocócica. 
A coleta de LCR é fundamental para o diagnóstico da 
meningite. No entanto, antes da coleta do LCR, é preciso 
verificar se há segurança, pois pacientes com hipertensão 
intracraniana grave ou lesões com efeito de massa no 
SNC podem sofrer herniação uncal ou central após 
coleta. Duas abordagens para neuroimagem antes da 
coleta de LCR podem ser consideradas conforme a 
disponibilidade de exames no serviço (Figura 1). A 
Tabela 5 resume as principais indicações de realizar 
exame de imagem antes da punção liquórica. 
Embora a tomografia computadorizada possa ajudar a 
identificar contraindicações para a punção lombar, uma 
TC de crânio normal não exclui a possibilidade de 
herniação se um paciente apresentar preditores clínicos 
de herniação iminente, como deterioração do estado 
mental, alteração pupilar, convulsão ou respiração 
irregular. 
A meningite bacteriana está associada a pressão de 
abertura elevada e os leucócitos são aumentados 
(usualmente acima de 1.000/mm³) com predominância 
neutrofílica e em um estudo em 198 crianças uma 
contagem de leucócitos > 100 céls./mm3 e concentração 
de proteínas > 0,5 g/dL foi associado com uma 
probabilidade 13 vezes maior do diagnóstico de 
meningite bacteriana. A coloração de Gram é positiva em 
60 a 80% dos pacientes quando a coleta é feita antes do 
início dos antibióticos, com um declínio significativo 
quando os antibióticos são iniciados previamente 
(positiva em apenas 7 a 41% dos casos). A quantidade de 
proteína no líquido cefalorraquidiano é frequentemente 
elevada e acima de 200 mg/dL, com reação de Pandy 
positiva, e glicose frequentemente reduzida e abaixo de 
40 mg/dL ou relação glicose/líquido cefalorraquidiano < 
0,4. A esterilização do líquido cefalorraquidiano é 
possível dentro de 2 horas do início dos antibióticos 
parenterais no meningococo, e de 6 horas no 
pneumococo. Testes rápidos de aglutinação do látex 
podem ser usados para detectar antígenos bacterianos e 
melhorar a identificação bacteriana. Esses testes estão 
disponíveis para S. pneumoniae, estreptococos do grupo 
B, H. influenzae, E. coli e N. meningitides, mas estão 
associados a resultados falsos-positivos e falsos-
negativos com sensibilidade e especificidade limitadas. 
Um estudo mostrou, no entanto, que 5% dos pacientes 
com meningite pneumocócica apresentavam contagem 
de células < 10 céls./mm3 e 26% das meningites por 
Listeria apresentavam liquor não típico de meningite 
bacteriana. 
 
O teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) é 
altamente sensível para organismos como S. 
pneumoniae, N. meningitides, estreptococos do grupo B, 
H. influenzae, L. monocytogenes e M. tuberculosis, mas 
não fornece informações sobre a susceptibilidade 
antimicrobiana. 
As concentrações de pró-calcitonina, proteína C-reativa 
e lactato no líquido cefalorraquidiano têm sido estudadas 
como coadjuvantes no diagnóstico de meningite 
bacteriana, mas não permitem a tomada de decisão no 
tratamento de um paciente. 
Exames indisponíveis nas primeiras horas, mas que 
devem ser considerados quando disponíveis incluem o 
PCR para enterovírus (causa mais frequente de meningite 
viral), PCR para herpes simples 1 e 2, PCR para 
Mycobacterium tuberculosis, culturas para bactérias e 
micobactérias e pBAAR. 
As meningites virais estão associadas a pressões normais 
de abertura e a coloração negativa de Gram. Os 
leucócitos são usualmente < 300/mm³ com predomínio 
linfocitário e menos de 20% de polimorfonucleares. A 
proteína é frequentemente elevada, mas tipicamente 
abaixo de 200 mg/dL, e a glicose no líquido 
cefalorraquidiano é normal. A porcentagem de células 
polimorfonucleares pode ser maior na meningite viral 
precoce e, em alguns casos, os níveis de glicose podem 
estar diminuídos. Deve-se considerar a possibilidade de 
meningite bacteriana parcialmente tratada se um paciente 
com sintomas consistentes com meningite tiver sido 
previamente tratado com antibióticos e na punção lombar 
sugerir a presença de uma meningite asséptica. A cultura 
viral é insensível; portanto, se houver suspeita de 
etiologia viral, deve-se enviar o LCR para teste 
molecular pela reação em cadeia da polimerase. O teste 
de reação em cadeia da polimerase está disponível para 
herpes vírus, enterovírus e outros organismos virais. 
 
O LCR na meningite fúngica mostra predomínio 
linfocitário, pressão de abertura elevada, glicose baixa e 
proteína levemente aumentada. Elevações significativas 
na pressão de abertura são frequentemente observadas na 
meningite criptocócica. A coloração de Gram é negativa 
e o leucograma é geralmente < 500/mm³. Deve-se 
considerar realizar pesquisa de fungos no LCR em 
pacientes imunocomprometidos, e incluir coloração de 
tinta da China, citologia e histopatologia e teste de 
antígeno criptocócico sérico. Deve-se nesses pacientes 
considerar TC ou RNM para procurar complicações 
intracranianas, como granulomas ou abscessos. 
Nos pacientes com meningites, os exames laboratoriais 
servem também para o seguimento dos pacientes. Os 
parâmetros mais utilizados incluem: 
o Séricos: proteína C-reativa e pró-calcitonina. 
o LCR: contagem celular global e diferencial, 
proteínas, glicose, bacterioscópico, 
micobacteriológico direto (pBAAR). 
Encefalites 
Nas encefalites virais os estudos de neuroimagem como 
RNM ou TC, além do eletroencefalograma e da punção 
lombar, são importantes para afastar lesões com efeito de 
massa e fazer o diagnóstico de encefalite. A RNM é mais 
sensível do que a TC, mostrando hipersinal em lobos 
temporais na imagem 
Os achados do eletroencefalograma podem apresentar na 
encefalite herpética atividade pseudoperiódica curta 
temporal, que é muito característica, ocorrendoem 80% 
dos casos, mas não é patognomônica dessa afecção. 
Os achados do LCR na encefalite herpética são 
semelhantes aos descritos na meningite viral, e pode 
ocorrer aumento da adenosinodeaminase (ADA). O PCR 
para HSV tem alta especificidade e sensibilidade, e 
fornece o diagnóstico de certeza se realizado na primeira 
semana de doença, também ocorre aumento das 
imunogloblulinas G no LCR, principalmente após a 
primeira semana. 
Meningite tuberculosa 
Na neurotuberculose, o exame do LCR mostra 
pleocitose, geralmente entre 50 e 500 células por mm³, 
com um perfil misto (linfócitos, plasmócitos, monócitos 
e macrófagos junto a neutrófilos). A descrição clássica é 
de uma proporção de cerca de 1/3 de linfócitos, 1/3 de 
plasmócitos e 1/3 de neutrófilos. O teor proteico está 
sempre elevado, entre 50 e 200 mg/dL. Nas fases 
avançadas da doença ocorre aumento do teor de 
gamaglobulinas no LCR. Já nas fases iniciais, o perfil é 
do tipo albumínico. A glicorraquia é sempre baixa, 
porém não na mesma intensidade do que ocorre nas 
meningites bacterianas. Na neurotuberculose, as taxas de 
glicorraquia costumam variar de 20 a 40 mg/dL. Não se 
deve esquecer de realizar a coleta de sangue para 
determinação da glicemia cerca de 1 hora antes da coleta 
do LCR. Lembrar que, em condições normais, a 
glicorraquia equivale a cerca de 2/3 da glicemia. As taxas 
de lactato estão aumentadas no LCR; ocorre diminuição 
do teor de cloretos; aumentam os teores de ADA no LCR, 
sinalizando comprometimento do tipo encefalítico. 
Somente raramente se demonstra a presença de BAAR 
no LCR ao exame direto, o que ocorre com maior 
frequência nos pacientes com SIDA. As culturas 
mostram positividade em até 50% dos casos entre 30 e 
120 dias. O PCR para BK tem sensibilidade baixa, que 
varia entre 60 e 80%, porém alta especificidade (mais de 
90%) para o diagnóstico. 
Os exames de imagem podem mostrar espessamentos das 
meninges da base do crânio, acentuação do epêndima dos 
ventrículos laterais na TC de crânio com contraste ou na 
RNM com gadolínio. Pode ainda ocorrer hidrocefalia 
comunicante ou obstrutiva, além da possibilidade da 
ocorrência de granulomas com áreas de necrose central 
(tuberculomas), que são abscessos no cérebro, cerebelo, 
espaço subdural e epidual. Nas crianças os tuberculomas 
predominam na fossa posterior do crânio, enquanto nos 
adultos predominam nas regiões supratentoriais. Em 
pacientes com neurotuberculose deve-se realizar a 
investigação de outros locais potencialmente acometidos 
pela tuberculose, com radiografias do tórax, que podem 
mostrar tuberculose miliar ou evidenciar a presença de 
cavernas. A Tabela 6 mostra os padrões laboratoriais nas 
infecções do SNC. 
 
 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
Meningite tem que ser considerada como diagnóstico 
diferencial quando há febre, cefaleia ou sintomas 
meníngeos. 
Os diagnósticos diferenciais da meningite bacteriana 
incluem meningite viral e outras formas de meningite 
inflamatória. Acometimento não infeccioso das 
meninges como em doenças autoimunes, medicamentos 
como trimetoprim e anti-inflamatórios não esteroidais, e 
malignidade também entram no diagnóstico diferencial. 
Causas de cefaleia como hemorragia subaracnóidea, 
neoplasias intracranianas, vasculites de SNC, enxaqueca 
e doenças virais simples também devem ser consideradas 
no diagnóstico diferencial. 
 
 
Pacientes com quadro de alteração do estado mental, 
convulsões ou déficit neurológico focal de início abrupto 
tornam obrigatória a consideração da possibilidade 
diagnóstica de encefalites. 
 TRATAMENTO 
Deve-se iniciar imediatamente a antibioticoterapia 
empírica, usualmente com cefalosporina de terceira 
geração, se houver suspeita clínica de meningite 
bacteriana. Todos os pacientes com suspeita de 
meningite bacteriana devem permanecer em isolamento 
respiratório. 
Em pacientes sépticos, o tratamento da sepse deve ser 
priorizado, com atenção ao ajuste de dose de antibióticos 
para cobertura de sistema nervoso central. O prognóstico 
das meningites é dramaticamente modificado pelo tempo 
de administração dos antibióticos, e a mortalidade pode 
aumentar até 15% para cada hora de atraso (Figura 2). A 
administração precoce de antibióticos é considerada 
prioridade e deve inclusive preceder a coleta de exames 
como hemocultura ou LCR quando houver qualquer 
perspectiva de demora em sua coleta. 
A escolha do antibiótico depende do provável patógeno, 
dos padrões locais de resistência aos antibióticos e da 
penetração do fármaco no líquido cefalorraquidiano e a 
Tabela 7 sugere a antibioticoterapia empírica em 
diferentes situações de suspeita de meningite bacteriana. 
 
 
 
 
 
 
A penicilina e outros β-lactâmicos são eficazes contra os 
patógenos mais comuns e a concentração no líquido 
cefalorraquidiano é próxima das concentrações 
inibitórias mínimas para bactérias moderadamente 
suscetíveis. A resistência antimicrobiana aumentada, 
especialmente contra S. pneumoniae, afeta a escolha do 
tratamento empírico em muitos países; por esse motivo, 
nos Estados Unidos, vancomicina é usualmente parte do 
tratamento empírico das meningites bacterianas. A 
vancomicina, apesar de recomendada para pneumococo 
resistente à penicilina, atravessa mal a barreira 
hematoencefálica e deve ser utilizada em conjunto com 
outro antimicrobiano, como uma cefalosporina de 
terceira geração. As fluoroquinolonas podem ser boas 
alternativas para pneumococos resistentes à penicilina. 
Deve-se ter cautela no uso de fluoroquinolonas como 
drogas únicas, pois os organismos podem desenvolver 
rapidamente resistência. 
No Reino Unido e no Brasil, onde a resistência 
antimicrobiana é menor, as cefalosporinas de terceira 
geração (cefotaxima ou ceftriaxona) continuam sendo o 
tratamento de escolha em monoterapia. 
A resistência a antibióticos em meningococos é rara, 
embora a suscetibilidade diminuída à penicilina tenha 
sido associada a alguns sorogrupos, especialmente C e 
W135. 
Existem evidências limitadas para orientar por quanto 
tempo tratar adultos com meningite bacteriana. O uso de 
ciclos mais curtos de antibióticos pode reduzir o tempo 
de internação, os custos e eventos adversos, como 
infecções nosocomiais. Estudos em crianças mostraram 
que cursos mais curtos são seguros e eficazes. Uma meta-
análise de todas as causas de meningite bacteriana em 
crianças mostrou que um curso de 4 a 7 dias é tão eficaz 
quanto 7 a 14 dias de antibióticos. 
A orientação atual em muitos países é a administração de 
antibióticos de curta duração para a doença 
meningocócica (de 5 a 7 dias), um curso um pouco mais 
longo para meningite pneumocócica (10-14 dias). A 
meningite por listeria deve ser tratada por no mínimo 21 
dias. 
 
Mesmo na presença de um organismo suscetível e 
antibióticos apropriados, a mortalidade na meningite 
bacteriana é alta, em torno de 10 a 30% em países de alta 
renda e mais perto de 50% em países mais pobres. 
Um grande estudo multicêntrico controlado randomizado 
europeu em adultos mostrou redução significativa de 
desfecho desfavorável e morte em pacientes que foram 
tratados com dexametasona em comparação com 
placebo, com a redução mais marcante no subgrupo de 
pacientes com meningite pneumocócica. Estudos 
subsequentes não reproduziram esses achados, embora 
tenha havido um desfecho melhor (redução significativa 
no risco de morte em 1 mês e no risco de morte ou 
incapacidade em 6 meses) em pacientes em um estudo no 
Vietnã com meningite bacteriana confirmada. Uma 
metanálise concluiu que não havia subgrupos claros que 
pudessem se beneficiar da dexametasona, embora 
análises post-hoc sugeriram que poderia haver algum 
benefício em adultos HIV negativos. Outra metanálise de 
25 estudos, em adultos e crianças, mostrou uma pequena 
redução na perda auditiva em adultos tratados com 
corticosteroides em comparação com placebo(16% vs. 
22%), mas nenhuma diferença na mortalidade. Uma 
análise de subgrupo mostrou um ligeiro declínio na 
mortalidade em todos os pacientes com meningite 
pneumocócica (razão de risco 0,84, 95% CI 0,72-0,098) 
sem efeito sobre a meningite por H. influenzae ou 
meningococo. 
Em resumo, os corticosteroides parecem oferecer um 
pequeno benefício em adultos HIV negativos em relação 
à redução da perda auditiva e parecem diminuir 
ligeiramente a mortalidade na meningite pneumocócica. 
A dose utilizada é de 10 mg de dexametasona 
administrada quatro vezes ao dia. Uma revisão da 
Cochrane recomenda a administração com ou 
imediatamente antes da primeira dose antimicrobiana. 
Em nosso serviço, recomendamos: 
o Ceftriaxone 2 g a cada 12 horas. 
o Dexametasona 10 mg a cada 6 horas ou 0,15 
mg/kg de dexametasona (por 2-4 dias ou até 
definição da etiologia da meningite) ou dose 
equivalente de prednisona juntamente com o 
antibiótico A dexametasona deve ser 
introduzida até 4 horas após o início da 
antibioticoterapia. 
Alguns grupos de pacientes têm risco adicional para 
doença por Lysteria monocytogenes, entre eles: 
o Imunossuprimidos. 
o Usuários de corticoides. 
o Crianças < 1 mês, adultos > 50 anos e gestantes. 
Nesses pacientes a ampicilina deve ser acrescentada no 
esquema antibiótico inicial. A antibioticoterapia é 
adequada conforme resultados de cultura e a crioterapia 
pode ser descontinuada se descartada meningite 
pneumocócica. As Tabelas 7 e 8 apresentam as 
indicações de antibióticos nas diferentes etiologias de 
meningites. 
As meningites fúngicas são usualmente tratadas com 
antifungos sumarizados conforme a etiologia na Tabela 
9. 
INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO, TERAPIA 
INTENSIVA E SEGUIMENTO 
Todos os pacientes com meningite bacteriana, encefalites 
agudas e neurotuberculose têm indicação de internação 
hospitalar e inicialmente na UTI, sobretudo se alteração 
de nível de consciência, choque, insuficiência 
respiratória, estado de mal convulsivo ou 
meningococcemia. 
Recomenda-se isolamento respiratório para gotículas 
para pacientes com suspeita de meningite bacteriana até 
completarem 24h de antibioticoterapia. 
Os pacientes com meningites virais podem na maioria 
dos casos ser manejados ambulatorialmente. O 
seguimento ambulatorial é dependente da etiologia das 
alterações.
 
▷ FIGURA 3 Fluxograma de atendimento a pacientes com suspeita de neuroinfecção na emergência. 
 
FIGURA 4 Abordagem das meningites bacterianas. 
 
▷ TABELA 11 Profilaxia dos comunicantes

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