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P r o j e t o s InterdIscIPlInares Projetos InterdIscIPlInares Elisa dos Santos Vanti Pr o jE to S I nt Er dI Sc IP lI na rE S Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-3138-2 Projetos Interdisciplinares Elisa dos Santos Vanti IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Edição revisada © 2007 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________ V368p Vanti, Elisa dos Santos Projetos interdisciplinares / Elisa dos Santos Vanti. - 1. ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 128 p. : 28 cm ISBN 978-85-387-3138-2 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. 2. Professores - Forma- ção. 3. Método de projeto no ensino. I. Título. 12-7087. CDD: 370.1 CDU: 37.01 28.09.12 16.10.12 039510 ________________________________________________________________________________ Sumário Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos ...................................................................5 Introdução ................................................................................................................................................5 Concepção de infância e de educação da criança ....................................................................................6 Concluindo... pelo menos por enquanto ..................................................................................................18 Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares .......................................21 Introdução ................................................................................................................................................21 O jardim de infância de Froebel ..............................................................................................................21 Metodologias ativas para a educação da infância na escola ....................................................................25 Perfil da abordagem de projetos interdisciplinares ..............................................................31 Apresentação ............................................................................................................................................31 O que são projetos interdisciplinares? .....................................................................................................31 Como e quando os projetos interdisciplinares podem ser iniciados na escola? ..........................................32 Princípios devem sustentar nossa intencionalidade pedagógica ..............................................................33 Quanto tempo um projeto interdisciplinar pode durar? ...........................................................................34 A seleção de tópicos de estudos ..........................................................................................39 Introdução ................................................................................................................................................39 Seleção de um tópico ...............................................................................................................................39 O que as crianças fazem nos projetos interdisciplinares? .......................................................................42 Papel do professor ....................................................................................................................................44 Currículo emergente e a pedagogia de projetos ...................................................................47 Introdução ................................................................................................................................................47 Como se processa o trabalho com projetos? ............................................................................................52 Fases do projeto .......................................................................................................................................53 Projetos interdisciplinares e documentação pedagógica ......................................................57 Apresentação ............................................................................................................................................57 O que são portfólios? ...............................................................................................................................58 Tipos de portfólios ...................................................................................................................................58 Envolvimento das famílias ......................................................................................................................60 A aprendizagem da documentação pedagógica .......................................................................................61 Projetos institucionais e interdisciplinares e sua relação com a proposta pedagógica da escola ..........................................................................................65 Apresentação ............................................................................................................................................65 O que é escola? ........................................................................................................................................68 Mas o que é Pedagogia? ..........................................................................................................................69 Como os projetos institucionais interdisciplinares se relacionam com a escola e sua proposta pedagógica? .........................................................................70 A relação entre proposta pedagógica, projetos institucionais interdisciplinares e imagem da escola .....71 O brincar e a brinquedoteca como projeto institucional ......................................................75 Introdução ................................................................................................................................................75 A criança como sujeito de direitos ...........................................................................................................75 O brincar ..................................................................................................................................................77 O brinquedo .............................................................................................................................................79 A brincadeira ............................................................................................................................................84 Que espaços garantem o brincar na infância? A brinquedoteca, uma possibilidade .............................................86 Relação família e escola: projeto institucional na Educação Infantil ..................................91 Apresentação ............................................................................................................................................91 O projeto institucional e a proximidade entre família e escola ...............................................................91 Produção textual e leitura: uma experiência de projeto interdisciplinar institucional nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental .................97 A dinâmica entre alfabetização, Educação Infantil eclasses populares ..................................................97 Refletindo e atuando na Educação Infantil ..............................................................................................99 Trilhando caminhos e ampliando as fronteiras ........................................................................................100 Projeto institucional e as tentativas de articulação entre Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental ....................................................................102 Projeto institucional e pedagogia de projetos interdisciplinares: Estudo de caso ......................109 Introdução ................................................................................................................................................109 Programa de Iniciação Científica .............................................................................................................110 Avaliação da qualidade de projetos institucionais ...............................................................117 Introdução ................................................................................................................................................117 Como podemos avaliar um projeto institucional? ...................................................................................117 A avaliação do desenvolvimento das crianças .........................................................................................118 Avaliação dos grupos de crianças envolvidos no projeto ........................................................................118 Referências ...........................................................................................................................123 5 Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos Elisa dos Santos Vanti* Introdução Hoje se fala muito em projetos interdisciplinares, projetos escolares, projetos de ensino, como se todos esses termos significassem a mesma coisa. Muitas vezes, chama-se de projeto toda e qualquer proposta docente, por reconhecer que todas as atividades realizadas pela classe fazem parte do projeto de ensino idealizado pelo professor. A confusão ainda continua porque também é comum os dirigentes educa- cionais incorporarem rapidamente uma nova proposta educacional em sua instituição respondendo aos apelos de um “modismo pedagógico”. Embora tenha-se falado muito em projetos interdisciplinares e pedagogia de projetos nos últimos anos, eles não são meros modismos pedagógicos que vêm para revolucionar a escola ou substituir tudo que já foi feito até então: sua história, sua didática, ou a metodologia de seus professores. Também não são únicos, completos, absolutos e insuperáveis. São, simplesmente, formas de repensar o trabalho docente dando voz e vez às necessidades e interesses das crianças nas classes finais da Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Pode-se dizer que são duas as formas de desenvolver projetos interdiscipli- nares na escola. São elas: pedagogia de projetos e projetos institucionais. A pedagogia de projetos refere-se a uma metodologia organizada, sob a orientação de professores, voltada para o desenvolvimento da pesquisa e do espí- rito investigativo da criança desde a pré-escola. Os projetos institucionais agregam a comunidade escolar como um todo no desenvolvimento prático dos fundamentos da proposta pedagógica da escola. Esses projetos servem para que não nos frustremos com expectativas além do alcance dessas pedagogias; para que não criemos a ilusão de que ela é a meto- dologia redentora que nos salvará de todas as nossas preocupações pedagógicas; para que não a incorporemos na escola como meros modismos pedagógicos, sem estudo, sem reflexão, que como tal vai esmorecendo de um ano letivo para o outro; para que não seja, simplesmente, substituída por outras novidades pedagógicas, sem ter criado tradição na escola. Iniciemos pelo estudo da Concepção de In- fância e de Educação da Criança que fundamenta teoricamente a pedagogia de projetos e a prática de projetos interdisciplinares na escola. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Educação pela UFRGS, Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Especia- lista em Educação Infantil pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e Licenciada em Pedagogia pela UFPel. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 6 Concepção de infância e de educação da criança Sempre que desenvolvemos um protótipo, tanto na indústria de produtos quanto na indústria cultural, temos como base uma população-alvo, um mercado, ou os sujeitos consumidores. Pesquisam-se, então, seus interesses, suas ambições, e é geralmente sob esses conhecimentos que se idealiza a nova marca ou o novo produto. Sem simplificar demais o processo, porque educação é bem mais complexa do que relações de produção, as pedagogias e as metodologias de ensino também são pensadas em favor da criança e da infância, grupo social que desfrutará de sua eficiência para o ensino. Pelo fato de existir diferentes formas de encarar a criança e sua infância, surge uma diversidade de formas de abordar, de ensinar e de avaliar. Estamos falando de concepção de infância, que é o conjunto de ideias que uma determinada sociedade adulta tem de suas crianças, como aprendem e como precisam ser educadas. As concepções de infância foram se transformando ao longo do tempo; algumas se extinguiram, outras continuam até os dias atuais sob diferentes formas, outras ainda foram agregadas mediante os avanços da filo- sofia, educação, ciência e tecnologia. Para Heywood (2004), a concepção de infância é algum entendimento em nível teórico do que é ser criança, que relaciona ideias contrastantes sobre ques- tões fundamentais, tais como duração da infância, qualidades que diferenciam ou aproximam os adultos das crianças e a importância atribuída a essas diferenças e semelhanças. Falar sobre a infância como resultado das expectativas dos adultos é adentrar no campo da História da Infância, que se torna um estudo privilegiado para mostrar as transformações das representações de criança e infância (de dada sociedade em determinado período histórico). Houve épocas, especialmente anteriores ao século XX, em que a mortalidade infantil era encarada com naturalidade, pois as crianças eram vistas como seres frágeis. Quando sobreviviam, se fossem abastadas, eram vestidas com roupas da moda: batas e cueiros quando bebês, e roupas de adulto em miniatura quando podiam andar. Deviam obediência sem direito a contestação aos pais e aos mais velhos. Era de costume, em países da Europa ocidental, serem levadas logo ao nascer para a ama de leite e só retornarem para casa aos sete anos. Desde então, pelo menos teoricamente, a concepção dominante de criança e de infância tem mudado. A mortalidade em muitos países desenvolvidos e/ou em desenvolvimento diminuiu. Existe uma expectativa maior em torno da sobrevivência do bebê, como também as formas de vestir, as brincadeiras e os brinquedos mudaram. Hoje, os jogos eletrônicos e a televisão são os preferidos, e ainda, a relação da criança com a sociedade adulta também sofreu transformações; admite- -se que a criança opine, planeje e participe das atividades quase de igual para igual com os adultos. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 7 Segundo os pensadores e pesquisadores americanos Dalhberg, Pence e Moss (2003), atualmente, podemos classificar as concepções de infância em quatro tipos: a criança como reprodutora do conhecimento, da identidade e da cultura; a concepção romântica da criança; a concepção científica de criança; a criança como coconstrutora do conhecimento, da identidade e da cultura. Todas essas concepções geraram e ainda geram formas de pensar e atuar em relação à educação e ao cuidado com a criança. Criança como reprodutora do conhecimento, da identidade e da cultura Essaconcepção de criança e de infância, entre outras influências, tem sua expressão no pensamento do filósofo John Locke. Enquanto Comenius defendia a ideia de educação igualitária a todas as crianças, John Locke (1632-1704), im- portante filósofo inglês, marcava o pensamento pedagógico com produções teóri- cas significativas para instrumentalização da educação liberal da classe burguesa (classe que emergia no século XVII como aquela destinada ao poder). Locke (1986) partia do pressuposto de que nem os princípios e nem as ideias eram inatas. Eles são construídos a partir das experiências que têm na razão a fonte do conhecimento. Dessa forma, Locke (1986), como empirista, refutava a teoria do inatismo. Combatia a monarquia absolutista e traçava novas relações polí- ticas que viessem a dar sustentação à sua concepção de homem. Sua concepção de homem era a de homem sujeito que constrói ideias e possui direitos individuais. O trabalho de educação era voltado para o gentleman e tinha o propósito de formar o futuro governante da nova sociedade. Defendia um sistema de educação diferenciada: ao gentleman (termo inglês que significa cavalheiro) uma educação para governar e, ao povo, uma educação para o trabalho; um eco do pensamento que guiara o Império Romano. Fundamentado em um sistema de disciplinamento do corpo através da mo- deração de apetites e paixões, Locke (1986) preocupava-se com a influência das impressões causadas na infância para a vida adulta. Destacava a criança como ser volúvel, instável e influenciável que segue o caminho que o adulto lhe indicar. Imagino que o espírito das crianças toma este ou aquele caminho tão facilmente como a água, mas ainda que seja a parte principal, e nosso primeiro cuidado deva dirigir-se nesse sentido [...] (Tradução Livre)1. Na relação adulto-criança, Locke (1986) observa que a indulgência e a ternura, consideradas por ele como próprias da educação dirigida pelas mulheres, são consideradas prejudiciais à constituição do caráter das crianças, futuros governantes e mantenedores da ordem social. 1“Imagino que el espíritu de los niños toma éste o aquél camino tan fácilmente como el agua, pero aunque ésta sea la parte principal, y nuestro primer cuidado deba dirigirse en este sentido...” (LOCKE, 1986, p.32) Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 8 O autor também destaca a importância do controle da família sobre a criança, a fim de que suas máximas educativas possam ser colocadas em prática e transformadas em hábitos. Contesta que a infância seja a idade da inocência e adverte aos pais do perigo dos mimos (paparicação) para a corrupção dos princípios da natureza. Como nesse trecho de Locke (1986): O pequeno deve saber dar golpes, dizer injúrias, deve ter que pedir aos gritos e fazer o que queira: assim os pais, agradando e mimando as crianças quando são pequenos corrompem em seus filhos os princípios da natureza e se lamentam logo ao provar as águas amargas quando são eles que vão envenenando a fonte; em efeito, quando crescem as crianças, e com eles seus maus hábitos; quando já estão a fazer deles seus joguinhos, então não se ouve mais do que lamentos. (Tradução Livre)2 Para ele, a obediência, a submissão e a dependência afetiva dos filhos para com os pais devem ser cultivadas desde a mais tenra infância através de um “dis- ciplinamento” e da criação de hábitos e atitudes. A autoridade em demasia não é indicada na educação das crianças sob pena de afastar os filhos da amizade e do convívio dos pais, logo que se tornam adultos, fato relatado por Locke (1986): “Se quer ter um filho que obedeça, transcorrida a idade infantil, afirma a autoridade paterna tão logo como a criança seja capaz de submissão e possa compreender de quem depende” (Tradução Livre)3. Como empirista, considerava a criança uma “tábula rasa” em que se po- dia inscrever o que quiser em sua mente. Seu empirismo o levava a acreditar que os indivíduos se diferenciam uns dos outros exclusivamente pela educação que recebem. Ghiggi e Oliveira (1995) afirmam que o empirismo de Locke surge na tentativa de romper com os dogmas tradicionais que sustentavam um tipo de cultura que concebia o homem não como sujeito, mas como um joguete nas mãos de forças ocultas e transcendentes. A abordagem empirista de Locke constitui uma das grandes reações do século XVII à mentalidade metafísica, tradicional e cristã dogmática, situação vista até então como imutável. Evitando os castigos físicos e subordinando a criança, desde a primeira in- fância, a hábitos e vida regrada para fortalecer o corpo e o espírito, o adulto estará seguindo o verdadeiro caminho para a educação adequada do pequeno gentleman. Quanto à educação da primeira infância, Locke acreditava que o adulto deve saber que quanto menor a criança mais terá de submetê-la a sua completa vontade (a do adulto), sendo que essa autoridade mais rigorosa vai ampliando-se à medida que a criança cresce. Esse rigor com a criança pequena evitará o extremo castigo das idades pos- teriores; dessa forma, a criança é levada desde cedo a ter domínio sobre si, sobre seus instintos, sua selvageria. Quanto à natureza da criança, ela se apresenta como potência que poderia inclinar-se para o bem ou para o mal. Sendo assim, Locke (1986) identifica na criança algumas tendências negativas que precisam ser dominadas desde a tenra idade, como a tendência para o poder e a dominação e a tendência à crueldade. Seria, então, tarefa do mestre observar as manifestações dessas tendências, bus- car conhecer suas ações e influir na formação do enfant no sentido de reprimir os maus instintos. 2 “El pequeño debe saber dar golpes, decir injurias, debe tener lo que pide a gritos y hacer lo que quiera: así los padres, halagando y mimando a los niños cuando son pe- queños corrompen en sus hijos los principios de la naturaleza y se lamentan luego al gustar las aguas amargas cuando son ellos los que han envenenado la fuente; en efecto, quando crecen los niños, y con ellos sus malos hábitos; cuando son ya hacer de ellos sus juguetes, entonces no se oyen más que lamentos” (LOCKE, 1986, p. 67). 3 “Si quieres tener un hijo que obedezca, transcurri- da la edad infantil, afirmad la autoridad paterna tan pronto como el niño sea capaz de sumisión y pueda compreender de quién depende” (LOCKE, 1986, p. 73). Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 9 Locke (1986) também aponta como característica infantil a curiosidade, que deve ser estimulada e transformada pelo mestre em vontade de conhecer. Adverte ainda para os perigos da ociosidade, indiferença ante as coisas e a futilidade, tanto que, quanto à brincadeira, só admite o jogo como instrumento de formação educacional. Para Ghiggi e Oliveira (1995, p. 74) “Os jogos devem ser empregados para ensinar o alfabeto e para o estudo em geral”. Em seus preceitos educacionais, Locke (1986) destaca o papel dos brinquedos e recomenda que as crianças devam possuí-los em variedade e quantidade. No entanto, o manuseio do brinquedo deve ser de controle do adulto e este deve usá-lo com fins educativos. Estas são, confesso, coisas pequenas e que podem parecer indignas de preocupações de um preceptor. Porém, não devem ser desprezadas e negligenciadas; e tudo que introduz hábitos e estabelece costumes merece o cuidado e atenção de quem as dirige, e suas con- sequências não são pequenas. (LOCKE apud GHIGGI; OLIVEIRA, 1995, p. 71) Assim, a ideia de que a criança é reprodutora do conhecimento, da identidade e da cultura, para atingir seus objetivos educacionais, precisa de uma escola que deva evidenciar em seu cotidiano as características da vida adulta como modelo de ensino e aprendizagem; portanto, o método escolar tem sido o ensino mútuo, para garantir uniformidade e impedir desvios, através da transmissão de conhecimentos e do treino de habilidades cognitivas e abstratas como a leitura, a escrita e o cálculo. Para tanto, é exigida e recompensada aatenção ao professor, a concentração na realização das tarefas no estudo e a memorização de conceitos; espera-se que esse aluno tenha ou desenvolva uma disciplina do corpo e da vontade. Essa metodologia traz para o cotidiano escolar a imobilidade, o silêncio, a obediência, a cópia e a reprodução... São os primórdios da instrução sistemática e programada mais tradicional, ou seja, da prática especializada do professor para organizar o ensino contínuo de conteúdos escolares, já previstos para a série em que ele se encontra. É nesse sentido que a cultura escolar se sobrepõe a uma cultura de infância e fica assim caracterizada. O sujeito dessa concepção é o aluno, o aprendiz. Seus objetos de conhecimento são a didática e os processos de ensino e aprendizagem. A instituição é sempre a escola: seus espaços, ambientes e materiais. Seu profissional por excelência é o professor. Concepção romântica de criança e de infância A escola tentou inspirar-se em outras concepções de criança, mais em uma cultura de infância do que uma cultura escolar tradicional, para renovar suas for- mas de ensino. A cultura de infância tem as seguintes características: seu sujeito é a criança e a sua infância, seu objeto são as interações entre crianças/crianças, crianças/adultos e entre crianças/ambientes/materiais em contextos coletivos de aprendizagem. As instituições que resultaram dessas reflexões foram variadas, tais como os jardins de infância, as pré-escolas, os centros de recreação infantil, os maternais, as escolas infantis... e por sua vez, os profissionais também se deno- minaram de diferentes maneiras: jardineiras, professores, educadores de infância, atendente, ... Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 10 Entre essas concepções que fundamentam uma cultura de infância encon- tramos a concepção romântica de criança e de infância, inspiradas nas ideias rousseaunianas de infância, um forte ataque à Pedagogia, que tinha um modelo preconcebido de homem e que surge em meados do século XVIII; ataque perfei- tamente consciente que alcançou sob certos aspectos grandes vitórias e que foi fértil em repercussões. Em Emílio ou da Educação, Rousseau (1995) afirma que sua obra é útil ao público na medida em que revela a arte de formar os homens, pouco abordada em obras literárias da época. Seu enfoque é a criança, um estudo que a considera como um ser em estado de aprender, que possui suas próprias características, diferentes do homem adulto. Entende que os movimentos da natureza são sempre retos. Não existe perversidade original no coração humano e sua paixão original é o amor de si mesmo. A importância da educação, para Rousseau (1995), deve-se ao fato de que tudo o que não temos ao nascer (força, sabedoria, juízo) nos é dado pela educação. Essa educação vem da natureza, dos homens ou das coisas. Devemos nos reportar à natureza para bem educar nossos alunos. A educação inicia com o nascimento e torna-se verdadeira quando consiste menos em pre- ceitos do que em exercícios. Começamos a nos instruir quando começamos a viver, nosso primeiro preceptor é nossa ama. Isso significa dizer que Rousseau pensava no bebê como um ser consciente capaz de aprender na sua relação com a ama de leite que era designada para cuidá-lo e amamentá-lo. (ROUSSEAU, 1995, p. 37) Em Rousseau (1995), a criança é o polo dinâmico do processo de constru- ção tanto dos instrumentos do raciocínio como de reconstrução do mundo com o auxílio desses instrumentos. Ela somente compreende, conhece e sabe aquilo que consegue absorver e trabalhar com seus instrumentos de raciocínio. A criança é um agente da construção do seu saber e não um recipiente, no qual o saber dos outros é depositado. Insiste na educação da razão como um longo trabalho de en- sino e aprendizagem para que a criança atinja a maioridade, ou seja, a maturidade do pensamento. Rousseau (1995) opõe-se à tendência dominante de sua época de considerar a criança como sendo um pequeno adulto ou a infância como lugar do erro. As di- ferenças de raciocínio das crianças e dos adultos não são meramente quantitativas. Advoga que são diferentes em qualidade, sem que essa diferença qualitativa seja vista como uma característica de inferioridade. A cada idade corresponde uma forma de agir, sentir e pensar da criança, que precisa ser respeitada e mobilizada pelo educador. A infância não é analisada, em Rousseau, pelo que lhe falta, pela sua imperfeição ou dependência, e sim pelas características próprias das crianças. Sua filosofia da educação também contrariava radicalmente as práticas so- ciais em relação à criança como, por exemplo, a educação rigorosa e disciplinar que persistia nos colégios e o uso da ama de leite como forma de camuflar o infanticídio4. Práticas essas oriundas dos costumes da Antiguidade Clássica e da Cultura Medieval legitimadas pelo pensamento aristotélico cristianizado e reafir- mados pelo alvorecer da modernidade com a influência das ideias de Descartes sobre a infância. 4 Infanticídio é o crime de assassinato do bebê com menos de três meses de idade. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 11 Assim, protesta Rousseau5 (1995): “Queixam-se da condição da infância, não se vê que a raça humana teria perecido, se o homem não houvesse começado por ser criança”. Denuncia o costume das mães de entregarem seus filhos aos cuidados das amas de leite, como forma de negligência no trato à criança pequena, “logo ao nascer apropriai-vos dele, não o largueis antes que seja homem; nada consegui- reis sem isso. Assim a verdadeira ama é a mãe, o verdadeiro preceptor é o pai!” (ROUSSEAU, 1995, p. 24). Adverte para o uso de enfaixamento e cueiros com a finalidade de imobili- zarem as crianças, como prática do descaso às necessidades físicas e motoras das crianças: Mal a criança sai do seio da mãe, mal goza a liberdade de se mexer e distender seus mem- bros, já lhe dão novas cadeias. Enrolam-na em faixas, deitam-na com a cabeça imóvel e as pernas alongadas, os braços pendentes ao lado do corpo, envolvem-na em toda a espécie de panos e faixas que não lhe permitem mudar de posição. (ROUSSEAU, 1995, p. 71) Critica ferozmente a prática de rigorosa vigilância, educação livresca e a preparação para o futuro que ia de encontro com as características da criança apontada pelo autor. Que pensar então dessa educação bárbara que sacrifica o presente a um futuro incerto, que cumula a criança de cadeias de toda a espécie e começa por torná-la miserável a fim de preparar-lhe, ao longe, não sei que pretensa felicidade de que provavelmente não gozará nunca? (ROUSSEAU, 1995, p. 60) Denuncia os altos índices de mortalidade infantil e as mazelas da infância como um retrato do desapego generalizado à criança, nos seus primeiros anos6, como relatado no trecho a seguir: “Quase toda a primeira infância é doença e pe- rigo; metade das crianças que nascem morre antes dos oitos anos” (ROUSSEAU, 1995, p. 22). A revolução na forma de pensar a infância, proposta nos livros um e dois de Emílio ou da Educação (primeira edição em 1762), apontava para uma nova atitude que o adulto deveria assumir em relação à criança. Para tanto, o gover- nante da criança, seja o pai ou preceptor, deveria ser seu companheiro, a fim de conquistar sua confiança e deveria respeitá-la pelo o que ela é, na sua maneira de viver e conviver. Embora a contribuição de Emílio ou da Educação não possa ser limitada à especificidade da particularidade infantil, não se pode deixar de perceber a im- portância de seus preceitos para que o mundo adulto comece a preocupar-se com a autonomia da criança. Através da veiculação de suas ideias sobre a educação in- fantil, começa a consolidar-se a concepção de que a infância é uma fase essencial para formação do homem livre: “A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens” (ROUSSEAU, 1995, p. 63). Oliveira (1989, p. 179), em sua tese Infância e Historicidade, conclui que: Com Rousseau, a criança comoser específico ganha uma teoria, uma sistematização en- focando seu estatuto como ser (amoral, a-social), e realçando o movimento particular que realiza para apreender o real (o método negativo). A sociedade ganha um corpo de conhe- cimentos sobre a criança e sobre a prática de educá-la segundo o princípio da natureza 5 Chateau (1978) e Ceri-sara (1990) escrevem que em Emílio, Rousseau recomenda que convém res- peitar a infância, a qual tem seu lugar na ordem natural das coisas e, diante disso, não se deve fazer dela como fazem os educadores que “procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que ela é antes de ser homem. A educação, para este filósofo do século XVIII será adap- tada à infância e, até, a cada idade da infância. Levará em conta o desenvolvimento das suas funções.” (CHATEAU, 1978, p. 185). 6 Ainda na época de Rousseau, a infância per- manecia totalmente negada ou vista como um mal, ou seja, como a idade em que o homem estava mais próximo do pecado, sendo que na re- lação com a criança, os adul- tos demonstravam de uma forma geral, sentimentos de desvalorização e desapego. Essa persistência da desvalo- rização da infância, expressa nas muitas práticas sociais desenvolvidas em relação a criança – infanticídio, aban- dono, afastamento da criança do lar nos primeiros anos de vida etc. – atravessa a história das ideias pedagógicas da infância, o que demonstra uma demora na assimilação das ideias sobre a criança nos costumes e comportamentos coletivos da sociedade. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 12 – uma psicologia, uma filosofia, uma metodologia de ensino, sob o fulcro da natureza. Desenha-se com mais expressão a ideologia da especificidade da infância, isto é, a visão da infância como algo singular, onde a criança é um ser que é ela própria em sua condição ditada pelo seu estágio de vida. O legado de Rousseau, em relação à educação na infância, integra o movi- mento de especificidade da criança que se inicia com o alvorecer da modernidade. A infância, sua natureza boa e seu estágio primitivo são eixos articuladores de sua obra educativa, que serão retomados no movimento do Romantismo, durante o século XIX. Com Rousseau, amplia-se a ideia de que o educador deve conhecer as fases do desenvol- vimento da criança para bem adaptar seus métodos de ensino às necessidades infantis. Essa ideia sobre o papel do educador norteará a pedagogia nova do século XX, especial- mente nas décadas de trinta a sessenta. O resgate das ideias rousseaunianas nos séculos vindouros será redimensionado com o incremento da Psicologia Moderna na Pedagogia. (OLIVEIRA, 1989, p. 179) Pestalozzi e Froebel: inspirados em Rousseau De acordo com Oliveira (1989), no Romantismo do século XIX, a criança aparecerá como portadora do primitivo e do modo de perfeição da natureza, a infância será considerada como o momento da harmonia do homem que ficou no passado. Marcadamente influenciados por Emile e adeptos ao movimento romântico e à filosofia naturalista dos séculos XVIII e XIX, Pestalozzi (1746-1827) e Froebel (1782-1852) procuraram desenvolver na prática meios para aumentar e fazer evo- luir as chamadas forças espontâneas da criança. Pestalozzi (1959) sustentava que essa educação baseada no método natural poderia ser realizada com crianças pobres e abandonadas, pois acreditava que a educação era o principal meio de reforma social. Sua concepção refletia-se em sua prática educativa. Angotti (1994) destaca que o autor teve seu trabalho como mestre – escola voltado às crianças pobres com idade entre cinco e quinze anos, em instituições educacionais idealizadas por ele, que deveriam parecer como um lar, no sentido de que, nessa instituição, a criança receberia assistência e nutrição, ficando longe dos perigos da rua, da miséria, das doenças e do futuro fadado à marginalidade. Pestalozzi (1959) encontrava na criança – fosse pobre ou rica, com família ou abandonada – os germes de todas as faculdades, sentimentos e aptidões necessárias para que sua participação fosse vitoriosa nos caminhos da vida. As atividades que advogava para cada fase do desenvolvimento mental, físico e moral para a infância advinham do desejo de ação considerado espontâneo na criança. Esse desenvolvimento infantil obedecia à ordem natural. Como a natureza era considerada modelo de perfeição e harmonia, esse desenvolvimento da criança era progressivo, harmonioso, sendo que todas as faculdades desenvolviam-se em equilíbrio. Pestalozzi (1959) utilizava-se da metáfora homem-planta para explicar a criança e o seu desenvolvimento. Dessa forma, o homem seria como a árvore Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 13 e a criança seria a portadora de potencialidades que desabrochariam durante a vida. Assim, quando chegasse à idade adulta, o ciclo estaria completo, como aponta Pestalozzi (apud Monroe, 1985, p. 354): O homem é como a árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as faculdades que hão de desdobrar-se durante a vida, os órgãos individuais e independentes do seu ser gradual- mente se formam em uníssono e constrói a humanidade à imagem de Deus. Pestalozzi (1959) chamou a atenção e deu novas bases para a educação dos marginalizados e dos desvalidos, tanto que seus princípios educacionais e método fundamentado na ação espontânea e ocupacional da criança serão ainda usados na educação especial moderna – dirigida aos portadores de necessidades especiais como os deficientes físicos e mentais. Froebel (2001), contemporâneo de Pestalozzi e influenciado por suas tentativas no campo da educação, reafirmou o paralelo entre planta e homem, já contido na obra de Comênius e Pestalozzi, concebendo a criança como sendo a semente das potencialidades humanas, um “vir a ser”. Defendia a ideia de evolução natural da criança. A criança seria a sementinha ou plantinha que brota e a professora seria a jardineira que cuida para que a plantinha ou sementinha se desenvolva harmoniosamente. Para Froebel (2001), a criança revela em seu agir o esforço espontâneo para expressar sua concepção das coisas, manifestada na sua forma de participação em atividades comuns de criar, descobrir e conhecer. Seu método estava baseado em um profundo sentimento religioso que busca a unidade homem-natureza- -Deus, tanto que, sua educação torna-se o ajustamento progressivo e contínuo do indivíduo a Deus e ao autoconhecimento. Foi um dos primeiros pedagogos a delimitar uma educação para os primeiros anos de vida da criança – de 3 a 6 anos de idade. Sua pedagogia, desenvolvida na instituição chamada Kindergarten (jardim de infância) buscava colocar ênfase na criança, na sua autoatividade espontânea, no seu interesse, no brinquedo, no trabalho construtivo e no estudo da natureza como elemento essencial da sua educação. Na pedagogia froebeliana, a importância dada ao jogo refere-se ao seu ca- ráter inato que provoca na criança representações do mundo. A tendência natural da criança ao jogo é usada como um meio que o educador pode aproveitar para fornecer à criança hábitos de ação, sentimentos e interpretações do mundo e da vida aprovados por ele. Juntamente com o uso educativo do jogo, o trabalho ma- nual apresentava-se como outro procedimento natural e construtivo de origem espontânea. Kishimoto (1996) destaca que na filosofia educacional de Froebel o jogo ganha o status de atividade mais característica da criança, o que faz com que Froebel construa uma metodologia baseada nos dons – que seriam materiais como bola, cubos, varetas etc. –, nas ocupações – atividades orientadas pelas jardineiras – e nos brinquedos e jogos – atividades simbólicas, livres ou orientadas, acompanhadas de música e movimentos corporais. A respeito do novo sistema educacional de Froebel, Monroe (1985) relata que com o jardim da infância Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 14 de Froebel, a educação da criança pequena ganhou popularidade na Europa. Instituiçõescom a finalidade de educar crianças entre 3 e 6 anos começaram a proliferar-se, principalmente, na França e na Inglaterra. A princípio, por volta de 1854, eram poucos os casos de jardim da infância, sendo que este se caracterizava por ser instituição particular voltada exclusivamente para as crianças das classes mais abastadas. Somente em 1874 é que a ideia dos jardins de infância começou, timidamente, a ser incorporada ao sistema público de ensino na Europa. Por longo tempo, as concepções filosóficas de criança, de infância e como consequência, de educação, eram as que serviam de referências ideais às práticas sociais e educativas relacionadas às crianças e jovens. No entanto, no alvorecer do século XX, a ciência, em especial a Psicologia do Desenvolvimento, tratou de delinear a infância como objeto de estudo e a idealizar para cada fase desse pe- ríodo características de comportamentos esperados, originando uma concepção científica de criança e de infância. Concepção científica de criança e de infância Na transição do século XIX para o século XX é que a moderna ciência estabelece-se com padrões de rigor matemático, apoiando-se em conceitos não contestáveis de verdade e de integridade. Esses conceitos, tais como estatística, probabilidade, cálculo integral etc., desenvolveram-se a partir das primeiras déca- das do século XIX, culminando com a consolidação da matemática com o modo de pensamento por excelência do saber científico. A condição biológica da criança, que nasce totalmente dependente dos cui- dados de outrem, fez com que o adulto pensasse ser o modelador da vida psíquica da criança, vendo-a como um ser passivo, moldável, uma página em branco. Entretanto, a descoberta da psicanálise de que os fatos ocorridos na mais tenra infância influenciam no desenvolvimento e na realidade psíquica do adulto, fez com que essa perspectiva se transformasse. Com a psicanálise, a infância passa a ser considerada, sob bases científicas, como sendo o período em que se determina a futura personalidade do indivíduo. Logo, nasce em torno da criança um campo de investigação científico com- pletamente novo e independente baseado em observação, experimentação e me- todologia, caracterização científica que não existia na pedagogia da infância dos pedagogos e filósofos do século XVIII e XIX. No século XX, as preocupações da ciência com relação à infância voltaram- -se ao aspecto psicológico. O incremento da Psicologia na Pedagogia questionava e criticava, com ênfase, os adultos, pais e professores que não compreendiam a criança e por isso se encontravam em conflito com elas. A nova pedagogia cien- tífica buscava, por meio do reconhecimento e da compreensão das características mentais da criança, mudar a atitude repressora do adulto perante a infância. Mon- tessori7 (19[70], p.17), representante dessa tendência pedagógica, escreve que: [...] para tratar a criança de um modo diverso do atual e salvá-la dos conflitos que põem em perigo a sua vida psíquica, é necessário antes de mais nada dar um passo essencial básico, do qual tudo depende – modificar o adulto. 7 Maria Montessori viveu de 1870 a 1952. Foi uma médica italiana que se dedi- cou a estudar a criança. Orga- nizou um método pedagógico de acordo com este estudo e colocou-o em prática em instituições de educação in- fantil. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 15 O interesse da ciência pela Psicologia fez com que se reconhecesse a importância dos fatos ocorridos na idade infantil para o desenvolvimento emocional na vida adulta. Nesse período, a oposição entre a infância e o mundo adulto é flagrante, tanto na literatura romanceada como na literatura pedagógica especializada, a imagem da criança aparece representada como aquela que possui segredos a serem revelados, dons especiais, lógica singular, uma especificidade e um desenvolvimento próprio e peculiar que se opõem ao mundo adulto, representado como sendo lugar da razão, da sisudez, da maturidade. Para Montessori (19[70]), por exemplo, o desenvolvimento da criança acontece em períodos sensíveis, em que se formam as suas delicadas estruturas psíquicas. Esses períodos sensíveis são caracterizados por um maior interesse expresso pela criança, que revela uma carga de energia potencial que faz com que ela procure satisfazer suas necessidades latentes. Acreditava, ainda, que existe na criança uma atitude criadora, uma energia potencial para construir um mundo psíquico a custa do ambiente. Essas sensibili- dades especiais são as que marcam os períodos do desenvolvimento psíquico da criança e desse modo, [...] é esta sensibilidade que permite à criança relacionar-se com o mundo exterior, de modo excepcionalmente intenso. E então tudo se torna fácil, tudo é entusiasmo e vida. Cada esforço representa um acréscimo de poder. (MONTESSORI, 19[70]a, p.45) No século XX, a criança é reconhecida pela sua capacidade de criar, por seu entusiasmo em conhecer a própria vida e pelo seu poder de sensibilidade. Como portadora de uma mente absorvente é capaz, através do trabalho e da experiência com o meio, de adquirir conhecimentos e habilidades. A sua capacidade de aprender conhecimentos novos é vista como qualitativamente superior à capacidade de aprendizagem do adulto. Somente uma mente especial, com uma capacidade superior poderia, em um espaço curto de tempo, realizar aprendizagens como andar e falar, habilidades que agora são valorizadas pela consciência de sua complexidade. Numerosos estudos foram sendo desenvolvidos no decorrer deste século, com o objetivo de conhecer a visão de mundo e da imaginação infantis e dos sen- timentos das crianças, como por exemplo, Montessori, Piaget e Dewey. Esses estudos serviram de fundamento teórico e metodológico para o desen- volvimento de uma “pedagogia pedocêntrica”, que dá importância essencial à ati- vidade da criança, suas necessidades, seus interesses, curiosidades, sensibilidades. Seu ponto de partida é a criança, que é considerado por Suchodolski (1994, p. 93): [...] como um conjunto de instintos e de tendências que merecem a nossa confiança porque, pela sua própria natureza, são bons e criadores, sob condição que uma educação errada não os tenha corrompido. E além disso porque, devido a sua plasticidade, é possível cor- responder às suas solicitações de modo variável. Com a compreensão de que os primeiros anos são dotados de uma vida psíquica grandiosa e essencial para o seu desempenho nos anos posteriores, algumas pessoas começavam a interessar-se em escrever biografias de bebês para registrarem esses “anos de ouro”. Gardner (1994) declara que por volta de 1900 surgia um considerável número de biografias de bebês, crônicas escritas por tios, tias e pais sobre o cotidiano das crianças pequenas. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 16 Essas biografias escritas a partir da observação e produção de sentido em relação ao bebê expressavam esse novo significado sobre a criança que em muito diferia do pensamento medieval que não considerava a criança pequena nem mesmo para efeito de contagem ou registro (ARIÈS, 1981). Nos anos de 1940 e 1950, os estudos dos doutores americanos Benjamim Spock (1962) e Arnold Gessel (1995) sobre o desenvolvimento e a saúde física e mental da criança popularizaram-se, principalmente no grupo social a que se dirigiam esses discursos científicos, ou seja, à classe social que possuía condições socioeconômicas e culturais que lhe permitiam consumir livros e manuais sobre como educar sua prole. Os ensinamentos dos manuais de Puericultura e Psicologia de Spock e Gessel, eram endereçados aos pais e educadores e tinham como finalidade a compreensão geral da criança pelo adulto. Visavam, por consequência, modificar atitudes e comportamentos quanto à alimentação, hábitos sanitários e controle da criança, considerados pelos especialistas como bastante rígidos, inflexíveis e distanciados da natureza infantil. Seu objetivo era, em última instância,difundir e generalizar os novos preceitos da Psicologia no cuidado e educação das crianças desde o nascimento até o início da puberdade. Difundidos mundialmente, os manuais estabeleciam comportamentos padrões considerados normais, que deveriam ser observados por quem lida diretamente com a criança. Como, por exemplo, em Jacquin (1962, p. 21): A criança é um ser essencialmente ativo, sempre alerta, sempre em movimento[...]. Uma criança excessivamente calma e bem comportada, ou pouco exuberante, deve preocupar; é geralmente um organismo que periga, é uma velhice antes da idade. A preocupação dos pais e educadores de forma geral, volta-se para o cum- primento dessas normas e para a mensuração constante das manifestações de co- nhecimento e da evolução física das crianças. Gardner (1994, p. 26), admite que: [...] pais em todos os Estados Unidos e, também, em muitos outros países, enrubesciam de orgulho quando suas crianças de 5 anos pulavam mais alto que as “normais”, assim como eles tremiam nervosamente quando suas crianças cresciam menos polegadas ou lembravam menos números que outros de sua faixa etária. As teorias da psicologia do desenvolvimento demarcaram a natureza e o lugar da criança em estágios ou etapas evolutivas, conforme a sua idade cronológica. O desenvolvimento infantil era, até então, entendido num tempo linear, com aquisições cumulativas adquiridas de uma forma homogênea e universal. A infância pressupunha mudanças e instabilidade que visavam atingir a vida adulta – estável e plena. A concepção de linearidade do tempo, através da cronologia das idades ou das etapas do desenvolvimento marcou de modo intenso e decisivo a compreensão do que é ser criança nas sociedades complexas modernas, cujos padrões de normalidade e deficiência legitimam o tratamento especializado dirigido a elas. Algumas das consequências dessa interpretação sobre a criança são levan- tadas por Souza (1994, p. 44). A autora diz que, com essa interpretação: [...] acabamos nos convencendo de que a criança é uma categoria desvinculada do social, impermeável às relações do social, de classe, apenas um organismo em processo de socialização. Pensar na criança nessa dimensão faz com que nossa relação com ela seja Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 17 marcada por uma compreensão adultocêntrica, inviabilizando o verdadeiro diálogo em que ela nos mostra, os espaços sociais e culturais de onde emerge a sua voz e o seu desejo. Enfim, nessa perspectiva, a criança não é vista como um sujeito da e na história. Pode-se considerar que a representação da criança idealizada esteve signi- ficativamente presente tanto na literatura especializada como nos gêneros literá- rios – romances e autobiografias. Essa presença da criança simbólica, com bases na perspectiva do adulto e em uma linguagem que se constrói a partir do que se percebe dela, destaca a criança de sua condição de classe, de situação histórica e sociocultural. Na psicologia do desenvolvimento que deu sustento à pedagogia pedocêntrica, a criança é moldada e secionada em inúmeros comportamentos e habilidades nela esperados. A criança é coconstrutora de seu conhecimento, identidade e cultura A concepção de infância é fruto das próprias mudanças nas formas de orga- nização da sociedade. Nas relações de trabalho, expressa-se através das práticas sociais de cuidar e educar realizadas pelos adultos e das formas de inserção das crianças na cultura imediata. Assim, ela é construída mediante as relações culturais dos sujeitos contextualizados histórica e socialmente, portanto, não se apresentando de forma homogênea nem mesmo no interior de um mesmo espaço e época. Assim, é possível que, em uma mesma cidade existam diferentes maneiras de se considerar as crianças pequenas dependendo da classe social a qual pertencem do grupo étnico do qual fazem parte etc. Muitas crianças brasileiras enfrentam um cotidiano bastante adverso que as conduzem, desde muito cedo, a precárias condições de vida, ao trabalho infantil, ao abuso e à exploração por parte dos adultos. Outras crianças são protegidas (ou superprotegidas) de todas as maneiras, recebendo de suas famílias e de seu entorno social a educação e os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. No entanto, não se pode esquecer daquelas que, mesmo tendo condições materiais que possam garantir um cuidado menos negligente, enfrentam a precoce introdução ao mundo escolar, competitivo e alienante, ou seja, a obrigatoriedade de desempenho superior mediante uma escolarização que visa a prepará-la e a adequá-la ao Ensino Fundamental. Podemos citar além desses, outros exemplos que revelam a diversidade dos discursos sobre a infância e as significações do “ser criança”, retratada nas cenas e nos contextos múltiplos de nossa sociedade contemporânea. Essa diversidade revela contradições e conflitos de uma sociedade que não resolveu ainda as grandes desigualdades sociais presentes no seu cotidiano. O que, traduzindo, significa perguntar-se: o que é ser criança no nosso país latino, em desenvolvimento, de Língua Portuguesa e de formação étnica extremamente variada? Que infâncias estão acontecendo em nossa região Sul de colonização europeia e de tradição agroindustrial?... Percebe-se que a infância pode ser singular e plural, ao mesmo tempo. As crianças têm, prioritariamente, nas suas famílias, biológicas ou não, um ponto de Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 18 referência fundamental para o estabelecimento de vínculos essenciais à formação de sua personalidade, além da multiplicidade de interações sociais que estabelecem com outras instituições sociais que traduzem a sua pluralidade. Por outro lado, as crianças possuem uma natureza singular, que as caracte- rizam como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem as revelações contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas, além de seus anseios, medos e desejos. Nos processos de construção do conhecimento, todas as crianças utilizam as mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam des- vendar. Nessa perspectiva, constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com outras pessoas e com o meio em que vivem. A pedagogia de projetos interdisciplinares centra-se justamente nessa concepção e cultura de infância, que tem a criança como cidadã autônoma, responsável, autora e protagonista. Nesse sentido, a escola do ensino mútuo, da reprodução da vida adulta como parâmetro, ou seja, o adultocentrismo, não serve mais a essa cultura da infância centrada na criança sujeito histórico-social e cultural. Concluindo... pelo menos por enquanto Historicamente, constata-se que o tratamento dado à infância foi sendo praticado como consequência direta da maior ou menor sensibilidade dos adultos em relação às necessidades e interesses das crianças, de diferentes faixas etárias. Também a existência de instituições de atendimento à infância, cursos de formação de educadores e pedagogos especialistas em âmbito superior se constituem hoje como formas de circulação das ideias sobre como educar, eficazmente, as crianças pequenas. Por esse motivo, se torna prioritário que nos interroguemos, periodicamente, sobre as seguintes questões: como os adultos, educadores da infância em geral, pedagogos especialistas e profissionais que lidam com as infâncias têm percebido as crianças com as quais trabalham? Entende-as como objetos de conhecimento? Como seres passivos ou moldáveis? Inocentes e ingênuas? Ativas e coparticipantes dos processos de vida, seja na escola, na rua, no hospital, na praça...? Que espaços sociais estão garantindo à criança viver sua infância?Que mediações são possíveis, no interior institucional, que respeitem as crianças e permitam que vivam os seus tempos presentes? Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 19 Leitura do livro: Lições da Infância: reflexões sobre História da Educação Infantil, de VANTI. Seiva Publicações, 2004. O livro apresenta a trajetória em síntese do pensamento pedagógico sobre a educação da infância e sua relação com a concepção de criança e de infância. 1. Fazer uma linha do tempo identificando os autores das diferentes concepções de infância e suas ideias. 2. Exemplificar as diferentes concepções de infância com situações do cotidiano. Pedagogia de projetos: princípios pedagógicos 20 3. Entrevistar as crianças para saber o que pensam sobre a infância e os direitos das crianças. 21 Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares Introdução Neste capítulo, estudaremos as metodologias ativas para a educação escolar, que serviram de contexto para o surgimento da pedagogia de projetos. Interdisciplinares, igualmente com o propósito de diferenciá-las entre si, melhor visualizando o conceito de pedagogia de projetos porque segundo os autores Dalhberg, Pence e Moss (2003); a centralização da pedagogia na criança pode ser muito diferente entre si, mas, embora sejam diferentes entre si, as concepções sobre infância são sempre produtivas, pois produzem: instituições e estilos de trabalho pedagógico. Para melhor exemplificar essa relação, vejamos um exemplo bem conhecido de todos: os jardins de infância, ancestrais das escolas infantis dos dias atuais. A ideia de que a criança era boa por natureza e suas características de pureza, movimento, ino- cência e curiosidade deveriam ser motivos para a construção de uma metodologia de ensino originou a famosa instituição educativa chamada jardim de infância, idealizada por Frederick Froebel, filósofo e educador alemão, já em 1837. Friederich Froebel criou em Blankeburg, na Alemanha, o primeiro jardim de infância do mundo, chamado Kindengarten. Froebel (2001) tinha convicção de que nos primeiros anos da vida do homem residia a chave para o sucesso ou para o fracasso de seu desenvolvimento pleno. Comparava a criança a uma semente que se bem adubada e exposta a condições favoráveis do meio ambiente, desabrocha numa árvore completa, madura, capaz de dar frutos saudáveis que perpetuarão sua espécie. Essa pedagogia dos jardins de infância apresentava uma atmosfera pedagógica que o jogo espontâneo, ou seja, a brincadeira de faz de conta e o brinquedo ganhavam um valor educativo e eram encarados como uma atividade importante para o amadurecimento e a expansão do desenvolvimento infantil. O jardim de infância de Froebel Circunscrito à primeira fase do desenvolvimento dos modelos curriculares para a educação da infância, que se baseava numa visão intuitiva da natureza da criança, o jardim de infância exerceu uma grande influência nas práticas pedagógicas nas classes infantis, influência que ainda é percebida nos dias atuais. Tanto que o jardim de infância é aceito em muitas culturas diferentes como parte da infância de muitos povos e transformou-se em uma experiência universal que transcendeu a língua alemã e sua cultura de origem. Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 22 É bem verdade que nas primeiras décadas de existência, os jardins de in- fância foram conduzidos quase que estritamente por princípios froebelianos e não raro por professoras treinadas nas próprias escolas normais por Froebel e, com frequência, atuando em língua alemã. Entre as características originais e particulares do jardim de infância pode- -se destacar a filosofia de seu currículo. O currículo do jardim de infância é baseado essencialmente em uma filosofia místico-religiosa, num sentimento religioso que buscava a unidade “homem-natureza-Deus”. Para alcançar essa unidade perdida do homem com Deus e a natureza, Froebel desenvolveu uma série de preceitos educativos e atividades simbólicas que reportavam a essa relação. Assim, Froebel (2001) acreditava que a doutrina, o ensino e a educação de- vem necessariamente adaptar-se, acompanhar a natureza e segui-la, porém nunca prescrevê-la, determiná-la ou impor a este menino ou jovem situações alheias à natureza. Tendo a natureza como princípio básico, Froebel (2001) criou um sistema com a finalidade de preservar a alma humana originalmente boa e pura em seu estado primitivo, ou seja, “desde o nascimento, desde sua aparição sobre a terra, o menino deve ser tratado de acordo com sua verdadeira essência e de modo que o autor possa empregar sua energia e liberdade.” Denuncia as práticas antinaturais de treino que acabavam por embotar o desenvolvimento harmônico e natural da criança: [...] a educação não tem de favorecer o desenvolvimento de uns membros a custa de outros, nem o cultivo de umas atividades tem de prejudicar as demais. Não impeçamos o espon- tâneo crescimento de seu corpo, oprimindo-o e empacotando-o em estreitos envólucros, nem mais tarde façamos caminhar com andadores. É preciso que o menino, o homem futuro, consiga o quanto antes encontrar por si mesmo seu centro de gravidade, o ponto de equilíbrio de todos os seus membros e energias, movimentar-se ativa e livremente, valer- -se de suas próprias mãos, firmar-se e andar sobre seus próprios olhos, utilizar de uma maneira adequada e harmônica todo os seus membros. (FROEBEL, 2001, p. 7) Froebel (2001) considerou a existência de uma lei necessária que condiciona a vida de todos os seres da terra, percebia na criança a expressão dessa lei, sentia que a criança por sua natureza próxima ao divino carregava consigo a unidade implícita e invisível com o cosmo. A harmonia entre a vida, a natureza e o cosmo estão presentes em seu método e mais ainda na idealização de seus dons e ocupa- ções. A esfera e o cubo, por exemplo, os dons de Froebel, representam o conheci- mento, a beleza e a vida. A esfera corresponde especificamente aos sentimentos, ao aspecto afetivo, enquanto, que o cubo, ao pensamento e ao intelecto, ou seja, ao aspecto cognitivo. Em sua instituição chamada Kindengarten (jardim de infância) destinada às crianças de três a seis anos de idade, além de instituir o conceito de desenvol- vimento infantil como sendo um processo de expansão no qual a educação da criança pequena deve adequar-se, Froebel definiu um papel diferenciado e especí- fico para educação infantil. Acreditava que a criança pequena, diferentemente de crianças mais velhas, educa-se a si mesma concentrada em autoatividades como nos dons, materiais de manipulação e em ocupações, atividades manuais. Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 23 Como seus antecessores, Pestalozzi e Rousseau, no campo filosófico e educacional, Froebel (2001) reafirmou o paralelo planta e homem para explicar o desenvolvimento infantil, assim como, para explicar o papel da educadora – a jardineira, e do método educativo para crianças pequenas. Ao traçar tal paralelo também foi denunciando a forma como a criança estava sendo encarada pela sociedade adulta de sua época e como estava sendo pensada e desenvolvida a educação do homem desde seus primeiros anos de vida, especialmente na família: O homem na sua infância parece ser para o homem um pedaço de cera, uma massa de argila com a qual se pode modelar o que se quer. Homens correis campinas e hortas, bos- ques e prados, por que não abres tua alma para escutar o que a Natureza em seu silencioso idioma lhes ensina? Vê como cresce essa planta que, oprimida, afogada, deixa apenas adivinhar suas proporções e interna regularidade. Mudando, veja-a no espaço livre, em pleno campo, e contempla com que força manifesta sua regularidade a lei interior, como mostra em todos os seus aspectos e partes uma vida harmônica, como vem a ser um sol figurado, uma brilhante estrela da terra. (FROEBEL, 2001, p. 18) Para Froebel (2001), a educação éum processo, um crescimento que acontece dia a dia, pouco em um momento, pouco em outro. Esse crescimento acontece de dentro para fora, do interior para o exterior, seguindo as linhas naturais, contínuas e progressivas de desenvolvimento. Uma criança nunca deve ser apressada, nunca se deve “queimar etapas evolutivas”. O estágio em que a criança encontra-se deve ser respeitado e, para tanto, ela necessita ser envolvida em todas as experiências que seu estágio evolutivo possibilita para que a sua potencialidade seja exercida plenamente e, em consequência disso, o seu desenvolvimento seja harmônico e completo. Por essa potencialidade de ser e formar-se, Froebel (2001) compara a criança à semente ou ao bulbo que conserva em si, de uma forma latente, o que será no futuro, mas que também está predisposta a sofrer influências externas como a maneira de ser cultivado ou a ação das intempéries e os fenômenos da natureza. Assim, como a pedagogia de Froebel (2001) sugere que para cultivar a se- mente ou bulbo é importante seguir as regras que conduzem ao crescimento e desenvolvimento saudáveis, não se pode tratar todos os bulbos ou sementes igual- mente, assim como não se pode tratar as crianças igualmente, pois para esse cres- cimento saudável da planta o sincronismo é importante. Precisa-se escolher a boa estação para plantar a semente, ela precisa ser plantada na profundidade correta, quantidades certas de sol e de sombra precisam ser dadas, o solo precisa ser afo- fado como também devem-se arrancar as ervas daninhas e, por fim, não se pode despejar os nutrientes para a sua alimentação diretamente no bulbo, mas no solo em torno do bulbo, de modo que ele possa retirar do solo, pouco a pouco, o que necessita para o seu crescimento saudável. Essas regras transferidas para a educação da criança indicam entre outros aspectos que a educação froebeliana tem as seguintes características: uma educação individualizada, de acordo com as singularidades de cada criança; um conhecimento dos estágios do desenvolvimento infantil e uma adequação da educação a esses estágios; o oferecimento de possibilidades de escolha para as crianças e a confiança na capacidade dela se autoeducar. Ele igualmente projeta sobre o papel do educador uma imagem de nutriz do desenvolvimento infantil. No Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 24 entanto, essa ação de nutrir não é explicitamente direta ou diretiva: o educador deve preparar o ambiente com materiais que envolverão as potencialidades infantis, fazendo com que aflorem. Essa comparação do crescimento da planta ao crescimento das crianças é sutil, porém é mais complexa do que parece. À primeira vista, Froebel (2001) nos diz, ainda, que uma vez plantadas as sementes (alunos) de forma correta (ensino) e segundo regras simples (metodologia) que estão de acordo com a natureza, começa-se a encontrar, no curso de seu desenvolvimento, uma série de fenômenos sobre os quais não temos nenhum controle e que podem influenciar os nossos projetos de desenvolvimento harmônico, ou seja, podem desviar nossos alunos do bom caminho para eles planejado; é então que devemos exercitar a fé em Deus e a confiança em nosso cultivo. Na atmosfera pedagógica dos jardins de infância froebelianos, o jogo espon- tâneo – a brincadeira de faz de conta e o brinquedo – ganha um valor educativo e é encarado como uma atividade importante para o amadurecimento e a expansão do desenvolvimento infantil. Na pedagogia froebeliana, a importância dada ao jogo espontâneo refere-se ao seu caráter inato que provoca na criança representa- ções de mundo. Além dessas atividades do jogo espontâneo, Froebel (2001) organizou uma série de brinquedos pedagógicos que chamou de dons. Os objetivos dos dons de Froebel eram desenvolver na criança a exploração dos sólidos, das superfícies e das linhas quanto às cores, formas, número, extensão, simetria e proporção e partir da aprendizagem concreta visando à sua representação abstrata. As crianças jogam com um dos dons em um determinado momento para descobrir suas propriedade e possibilidades. Os dons são apresentados às crianças obedecendo a uma sequência determinada que vai do mais simples ao mais complexo. As categorias presentes em um dom referem-se a ideias matemáticas e lógicas, tais como: o número, a proporção, a equivalência e a ordem, que servem para definir divisões naturais de um dom e sugerir maneiras de rearranjar ou de transformar essas peças. Assim, ao oferecer um “dom” à criança é permitido que ela jogue livremente com ele, podendo-se invocar uma ou mais categorias presentes no dom para sugerir uma outra maneira de jogar. Os primeiros sete dons de Froebel (2001) são: 1.º) esferas (coloridas, macias e presas em cordas); 2.º) esfera, cilindro e cubo de madeira; 3.º) o cubo de madeira dividido em oito blocos; 4.º) o cubo de madeira dividido em oito blocos retangulares; 5.º) o cubo de madeira dividido em 21 cubos menores (6 metades-cubo e 12 quartos-cubo), uma elaboração do terceiro; 6.º) o cubo de madeira dividido em 18 blocos retangulares (em 6 colunas e em 12 quadrados), uma elaboração do quarto; 7.º) superfícies e tabuletas de madeira. Junto aos jogos espontâneos e aos dons propostos por Froebel (2001) fazem parte de seu método ativo as ocupações que eram atividades com materiais Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 25 preestabelecidos como argila, papel para recorte, linhas, agulhas etc., que serviam para desenvolver habilidades como a modelagem, a pintura, o recorte, o desenho, a costura e o bordado, a marcenaria, a jardinagem, entre outros. Outra característica importante do método pedagógico de Froebel (2001) é o uso de canções e de jogos com as mães, que foram inspiradas nas canções e nas brincadeiras das mães camponesas com seus filhos pequenos e nas atividades do mundo social e natural da região onde viveu. Essas canções, assim como as brincadeiras, os dons e as ocupações foram sendo adaptados às diferentes culturas onde o jardim de infância foi adentrando. O método de Froebel foi sendo aclimatado às necessidades e aos interesses de educadores e estudiosos que trataram de transplantá-lo à sociedade a qual perten- ciam. Algumas culturas se filiaram apenas a determinados aspectos da teoria do jardim de infância, ou seja, filiaram-se àqueles aspectos ou preceitos que mais se identificavam e que mais estavam de acordo com a sua historicidade, procurando modificá-los conforme a sua visão de mundo. Essas modificações, adaptações, aclimações ou transformações que foram aplicadas à teoria de Froebel fazem parte de um processo comum a qualquer teo- ria, pois o uso que se faz das teorias têm muito a ver com a percepção e a produção de sentidos de um dado grupo social e de seus determinantes histórico-culturais. Sabe-se que no caso da educação da primeira e da segunda infância, as ins- tituições criadas para o atendimento à criança responderam tanto às necessidades da sociedade adulta quanto às concepções de infância e de educação, a partir de ideias hegemônicas ou emergentes de uma determinada época e contexto social, mas é verdade também que a própria existência e efetivo exercício dessas insti- tuições repercutiram também para modificações das concepções de infância e de educação. Metodologias ativas para a educação da infância na escola Durante todo o século XX foram surgindo metodologias ativas para o en- sino e aprendizagem. Hoje, vamos conhecer algumas dessas metodologias ativas de ensino na escola, suas origens, suas principais características, seus benefícios e suas limitações. Essas metodologias foram escolhidas em função de sua ampla divulgação junto aos professores e escolas e por terem servido de inspiração a pe- dagogia de projetos interdisciplinares e os seus principais objetivos educativos. Centro de interesses A metodologia ativa de ensino denominada de centro de interesses teve como idealizador o médico,educador e psicólogo belga Ovide Decroly (1927). Sua teoria educacional buscou dar ênfase às condições sociais do desenvolvimento infantil, destacando o aspecto integralizador e totalizante da atividade infantil Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 26 e expressando essas características na forma como encarava o currículo, os conteúdos e a metodologia de ensino. Chamava de centro de interesses a abordagem metodológica de ensino que tinha como concepção a ideia de que um tema, assunto central que deveria corresponder aos interesses das crianças. Esse tema de interesse fazia convergir todas as atividades desenvolvidas em diferentes áreas do conhecimento. No entanto, para Decroly, necessidade e interesse eram intrínsecos assim que as necessidades das crianças eram seus interesses mais universais. Para Decroly (1927), eram quatro as necessidades primordiais das crianças que gerariam seus interesses: de alimentar-se, de proteger-se, de defender- se e de produzir. Logo, os temas correspondiam a grupamentos de assuntos que desdobram as quatro principais necessidades, incluindo o estudo do meio imediato da criança, pois a lógica de organização desses interesses respeitavam também a determinação do mais simples ao mais complexo, do familiar ao desconhecido, do próximo ao distante, do concreto ao abstrato. A partir dessa origem dos temas, a organização dos centros de interesse desenrolava-se do estudo do eu, da família, da escola, do bairro, da cidade, da alimentação, da higiene etc. Currículo por atividades Baseia-se na ideia de que a criança aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo em que organiza seu mundo. A criança é sujeito ativo da aprendizagem e por isso ela desenvolve sua inteligência na medida em que compara, exclui, ordena, categoriza, classifica, reformula, comprova, formula hipóteses etc. Os objetivos pedagógicos necessitam estar centrados no aluno, partir das atividades do aluno, enquanto os conteúdos não são concebidos como fins em si mesmos, mas como instrumentos que servem ao desenvolvimento evolutivo natural. Dá-se relevância às descobertas feitas por parte da criança, pois a aprendizagem é um processo construído internamente que depende do seu nível de desenvolvimento do sujeito. Desse modo, os conflitos cognitivos são fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem e as experiências chaves de aprendizagem necessitam estruturar-se de modo a privilegiarem a busca autônoma do conhecimento. Nesse contexto, não existe tema que articule as atividades, mas, prioritariamente, diferentes experiências chaves em múltiplas linguagens e áreas do conhecimento que acionarão também o desenvolvimento intelectual, emotivo, social e psicomotor, proporcionando um desenvolvimento integral das capacidades como objetivo educacional. A lógica de organização do trabalho pedagógico centra-se na diversidade de tipos de atividades, ou seja, nas experiências-chave e na alternância e no equilíbrio entre as áreas do conhecimento. Tema gerador Na década de 1960, Paulo Freire, educador brasileiro, desenvolveu um método de alfabetização de adultos das classes populares que incluía palavras e temas geradores. A ideia de temas geradores foi ampliada e aplicada também em outras modalidades e níveis de ensino. Em síntese, o tema gerador é captado da realidade Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 27 imediata do educando e tem como objetivo a conscientização política do aluno para a transformação da sociedade. Inicia-se uma busca conjunta entre professor e aluno das palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentro de seu universo vocabular e da comunidade onde ele vive. Em seguida, desenvolve-se momento da tomada de consciência do mundo, através da análise dos significados sociais dos temas e palavras. Por fim, o professor desafia e inspira o aluno a superar a visão mágica e acrítica do mundo, para uma postura conscientizada. Nesse sentido, o aluno explora o tema, faz uma reflexão individual e coletiva para depois se posicionar criticamente diante dos problemas sociais que enfrenta em sua comunidade. Arte-educação A arte-educação tem sua origem histórica na década de 1960, nos Estados Unidos, com o movimento da Contra Cultura e os trabalhos de Lowenfeld (1967) sobre a arte na infância e o desenvolvimento da capacidade criadora na criança. Nessa fase, a ideia era de experimentação ilimitada das possibilidades inventivas da arte para o desenvolvimento da capacidade criadora; nesse contexto a infância era valorizada pela sua criatividade ligada ao natural e ao espontâneo, não associada a aprendizagens prévias vistas como condutoras e condicionadoras do fazer artístico. Uma década mais tarde surge também a proposta de arte-educação voltada à aprendizagem e à aplicação de técnicas artísticas e artesanais que visava desenvolver nas crianças uma familiaridade com materiais, equipamentos e receitas ligadas aos métodos e suas combinações para obter determinados resultados mais ou menos previstos. A partir da década de 1980, a arte-educação para crianças começou a incorporar a metodologia triangular do conhecimento em Arte incluindo a História da Arte, Crítica da Arte e Fazer Artístico, corroborando a ideia da necessidade do saber artístico para o desenvolvimento do gosto estético desde a infância. Pedagogia de projetos e as metodologias ativas (centro de interesses, currículo por atividades, tema gerador e arte-educação) A pedagogia de projetos não atrela necessidade ao interesse e vice-versa. Eles podem ou não coincidir com o tema a ser investigado porque na pedagogia de projetos, o tema a ser investigado é justamente baseado no interesse individual ou coletivo e não considera se esse tema é necessário ou aplicável à sua realidade prática. Por exemplo, se um grupo de alunos resolvem pesquisar sobre discos voadores e foguetes, mesmo que isso não tenha a ver com sua vida rural, isso não é nenhum problema para a pedagogia de projetos interdisciplinares. O tema central não converge todas as atividades, ele é o desencadeador de descobertas e o rumo do projeto não é traçado a priore por ele, ele anda conforme andam as descobertas e os interesses. Geralmente um projeto faz originar outros subprojetos, o tema é desdobrado e segue seu próprio rumo. Por exemplo: um grupo Metodologias ativas e a pedagogia de projetos interdisciplinares 28 de alunos resolveu pesquisar sobre “hospital”. Pode, à primeira vista, parecer um único tema, mas ao se aproximarem mais do assunto vão perceber que dentro dele existem outros projetos profissionais a serem desencadeados, que abrem a possibilidade de investigar sobre as profissões ligadas à área da saúde, como por exemplo: os laboratórios do hospital, que servem de oportunidade para pesquisar os equipamentos e cuidados com a manipulação de substâncias e aparelhos nos diferentes laboratórios. Quanto aos medicamentos, sua história, sua produção, suas políticas de acesso etc. A investigação não está associada à lógica do simples ao complexo, do con- creto ao abstrato ou do próximo ao distante e nem ao estudo do meio necessaria- mente. O tema escolhido pode ser totalmente distante da realidade primeira do aluno, pode exigir dele um desenvolvimento mais complexo de suas habilidades e forçá-lo a procurar ajuda de especialistas muito além dos profissionais da escola. Criar oportunidade de se iniciar em vocabulários técnico-científicos que mesmo a maioria dos adultos desconhecem. Embora a pedagogia de projetos interdisciplinares não focalize diretamente no desenvolvimento político do aluno, ela acaba trabalhando com a emancipação desse aluno porque prioriza a expressão de seu ponto de vista, sua criticidade e seu desenvolvimento estético ao dar oportunidade a ele de ampliar seu universo cultural para além da realidade imediata
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