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Através do Brasil: O território e seu povo- Angela de castro Em 1920, depois da Proclamação da República dos Estados Unidos do Brasil, o país acabava de viver um momento excepcional de sua história, Sílvio Romero e João Ribeiro estavam preocupados com a educação dos futuros cidadãos da mais nova república da América Latina. Era preciso oferecer aos jovens uma instrução cívica, tendo em vista "os valores da humanidade e não apenas as do Estado". Por isso escreveram um manual de ensino cívico intitulado A história do Brasil ensinada pela biografia de seus heróis, que procurava na vida de grandes vultos nacionais um recurso para a escola ensinar o amor à pátria. Porém precisavam conhecer um pouco das origens do povo brasileiro e tomar contato com o espaço geográfico onde esse povo vivia e construía sua história. Um dos primeiros capítulos do livro, dedica-se a descrever o território brasieiro, em suas dimensões, solo, relevo, hidrografia, clima, flora e fauna. Sem a sua terra o povo brasileiro não existia. Assim como o povo, o território brasileiro também tinha sua história: o território cresceu muito nos 400 anos depois a invasão portuguesa, mas Silvio aproveitava a oportunidade para criticar duramente o descaso do governo imperial, que ao traçar as fronteiras brasileiras, não reconheceram oficialmente durante o século XIX, o que deixou o país sem um desenho acabado e aberto às ambições estrangeiras. Segundo a ótica de muitos dos republicanos, engajados na construção inicial do novo regime, o Império não se preocupou com a questão da educação e deixou de lado o ensino da história e geografia pátrias, e as instituições voltadas para essa tarefa eram muitas poucas. Entre 1903 e 1914, João Ribeiro e Ramiz Galvão dirigiram um almanaque (Almanaque Brasileiro Garnier), que tratavam de política, literatura, artes, ciências, temas de geografia, estatística do país e variedades. A obra de Felisberto Freire, com 5 volumes, traçava a História Territorial do Brasil, e acompanhava pela primeira vez a “ordem cronológica do movimento colonizador sob o impulso das causas econômicas" de ocupação do território. O livro de Afonso Celso, intitulado Por que me ufano de meu país, exalta o país por sua grandeza, beleza e riqueza de seu território, e habitado por "três raças" que se misturavam para produzir um povo forte, com destacadas realizações históricas. Para muitos políticos, empresários e intelectuais, o tamanho continental do país, a exuberância de sua flora e fauna e a diversidade étnica de sua população constituíam um grave problema. Território e povo eram desconhecidos e encontravam-se abandonados, pois o Brasil era grande. Uma das mais importantes e populares figuras do início da república foi o barão do Rio Branco, que era filho de visconde e fez carreira nos "negócios exteriores" do país. Ocupou o Ministério das Relações Exteriores em 1902 até sua morte em 1912. Durante esse período, transformou o Itamarati em um centro de estudos e debates, cercando-se de auxiliares reconhecidos como de grande cultura e eficiência no trato dos interesses internacionais do país. Nesse tempo o Brasil teve que enfrentar conflitos de fronteira que acabaram delimitando o tamanho e o desenho que o país tem até hoje. A história do povo brasileiro era a história de seu território e como este crescera através do tempo, procurando transmitir a partir disso, que o Brasil vivera um processo de expansão natural e vitorioso, cujo destino era torná-lo uma grande nação civilizada, segundo os padrões internacionais. Essa história escolhia como heróis de nossa história figuras como jesuítas e bandeirantes. Portanto, desde os séculos XVI e XVII, a história da construção do território se relacionava com as aventuras de seus desbravadores e com as lutas contra os invasores estrangeiros, numa mitologia em que a Coroa Portuguesa teve um papel-chave. Os deslocamentos para o interior do sertão desde o séc XVI (durou 200 anos)raramente foram fruto de iniciativas dos que aqui viviam, e resultaram, na maior parte, de políticas patrocinadas pela metrópole portuguesa. A União Ibérica facilitou a ação dos bandeirantes, permitindo que no séc XVIII, Portugal afirmasse que o direito legal sobre um território devia ser do Estado que primeiro ocupou e garantiu a posse da terra disputada. Os sertões começaram a ser povoados, graças ao desenvolvimento da mineração e da criação de gado e à existência de caminhos e vilas. O Tratado de Madrid estabeleceu que pertenciam a Portugal, muitas terras situadas a oeste da linha de Tordesilhas, desenhando um espaço geográfico próximo ao do Brasil no século XX. Internamente suas 20 províncias já possuíam os contornos do que seriam os futuros estados republicanos. Em 1889 estes começaram a crescer em número devido a interesses políticos e transformações econômico-sociais. A incorporação do Acre se deu num segundo momento da conquista do território, que se estendeu pela primeira década do século XX e trouxe para a ordem do dia a resolução das questões de fronteiras com países estrangeiros. Nesse momento, o Barão do Rio Branco, se viu envolvido em negociações diplomáticas com a França, Inglaterra e Holanda na região das Guianas, com a Venezuela e a Colômbia na região amazônica, e com o Equador, Peru e Bolívia na região que tinha como pólo de conflito o território do Acre (região alvo de interesses de várias nações devido à borracha, que não tinha concorrentes no mercado internacional. A questão desencadeou uma guerra com a Bolívia e Peru. Rio Branco, em 1902 reclama o Acre e propõe a compra ou troca do território. Sem resposta, o governo brasileiro concentrou tropas em Mato Grosso e Amazonas, fechou o grande rio à navegação e sustentou a luta dos acreanos contra os bolivianos, guerra que durou mais de um ano. Em fevereiro de 1903, o governo brasileiro assinou um acordo em que se comprometia a compensar monetariamente a companhia Bolivian Syndicate pela renúncia a todos os seus direitos sobre a região. Em novembro assinou-se o Tratado de Petrópolis, que reconhecia a soberania brasileira sobre o Acre e indenizava a Bolívia financeiramente pelas terra perdidas e garantia sua liberdade de navegação pelo Amazonas. Em 1904 o texto foi sancionado. Em 1909, o Peru assina um tratado em que abre mão de suas pretensões na região. Em 1930 o território se expandiu em 885 mi km², assumindo as fronteiras que conhecemos hoje. Desde a usurpação portuguesa, o controle do espaço navegável junto à costa marítima, era vital, pois garantia o contato político com a metrópole e viabilizava o comércio, dando sentido à exploração da terra. A segurança e o desenvolvimento nacionais estavam vinculados ao trânsito de embarcações militares e comerciais por nossa costa, e todas as vezes que essa condição estava ameaçada durante a república, houve mobilização das autoridades e do povo. Durante o regime militar o mar territorial cresceu de 12 para 200 milhas. Na passagem do século XX para o XXI, o problema das fronteiras envolve um espaço aéreo nacional, constituindo-se em um desafio comparável à fiscalização de nossas costas nos séculos iniciais da colonização. No fim do século XIX, o território brasileiro era geográfica e simbolicamente, conhecido por sua grandeza e riquezas naturais. A República em 1910, tornou-o maior, oficializando suas fronteiras, mas o desenho do território não se faria com sucesso sem um projeto político que o articulasse aos movimentos populacionais que ocupariam efetivamente a terra, garantindo sua posse. O direito legal a um espaço geográfico fundava-se no direito real de sua ocupação humana. A presença do povo com suas atividades políticas, econômicas e culturais, que garantia a presença do Estado, e não o contrário. a “marcha para o oeste" do povo da colônia, Império ou República do Brasil não se fizera nem se faria sem estímulos governamentais que combinasse os interesses das autoridades políticas com as necessidades da população disposta a se deslocar para o sertão. O espaço do Brasil republicanofoi construído pela movimentação do povo para o interior do país e pelo planejamento e redesenhamento pelos governos ao longo do último século. Os dois processos alimentaram-se mutuamente e trouxeram ao termo "fronteira" o sentido não apenas de uma "linha" imaginária, mas de uma "situação" vivida pela população que se movimenta através do território, ou ocupando espaços vazios ou deslocando-se para espaços já habitados, nos quais encontra tradições e costumes diferentes dos seus. Essas movimentações podiam receber maior ou menor apoio governamental, mas sempre causavam impacto no meio físico e social das regiões para onde se dirigiam os migrantes, assim como daquelas de onde eles saíam. Durante a República, o país conquistou e ocupou o território, entrando em confronto com indígenas. Conquistar e ocupar era, estudar e planejar o que se desejava que povo e território viessem a ser no futuro. Naqueles tempos, todos voltaram-se para a identificação dos problemas que impediam o Brasil de crescer e tornar-se uma nação "civilizada e moderna". Além disso, diversas viagens foram organizadas para o interior: médicos, engenheiros, militares, educadores e artistas, queriam conhecer o país para modernizá-lo. Dentre essas viagens, uma das mais importantes se realizou entre 1911 e 1913, onde médicos sanitaristas, liderados por Carlos Chagas, Artur neiva e belisário Pena, visitaram o sertões nordestinos e as selvas amazônicas, preocupados com a população doente, mas atentos às espécies vegetais e animais, aos tipos humanos e suas formas de habitação, alimentação e uso de plantas medicinais, para que se pudesse fazer um diagnósticos das causas e dos possíveis tratamentos de doenças tropicais. Eles documentaram seu percurso e atuação levando fotógrafos e desenhistas. O povo brasileiro estava doente, era analfabeto e encontrava-se abandonado pelas autoridades públicas. Cândido Mariano Rondon, além de realizar conferências para plateias lotadas e apresentar-lhes fotografias, passou a exibir filmes, potencializando o impacto do tema e da mensagem que se estava transmitindo. Roosevelt era velho conhecido de Rondon, e depois de se afastar da presidência, estava interessado em fazer uma viagem pela América latina. O ministro Lauro Müller, viu aí uma oportunidade para estreitar relações diplomáticas com os EUA e deslocar o eixo da política internacional brasileira de Londres para Washington. Rondon já era um sertanista com décadas de experiência no trato com os indígenas e com a selva brasileiros, por isso um companheiro ideal para Roosevelt. Este quando retornou, publicou um livro em 1914, chamado Nas selvas do Brasil, onde registrou suas aventuras. A partir dos anos 1920, a figura do indígena esteve presente nas obras de literatos, pintores, escultores e músicos. Esses artistas (geralmente ligados ao movimento modernista) também viajaram para o interior do país, redescobrindo as cidades coloniais mineiras e sua arte barroca ou visitando o Norte-Nordeste, e estudando costumes ou práticas religiosas, musicais, alimentares etc. imbuídos da tarefa de conhecer e compreender as fronteiras culturais que diferenciavam, mas não dividiam, o povo brasileiro. Nesse pano de fundo as populações negras e suas tradições passaram a ser objeto de maior atenção e valorização oficial: o samba passou a ter destaque, assim como o carnaval carioca. Em 1938, no governo de Getúlio Vargas, criou-se uma instituição que tinha como objetivo produzir e sistematizar informações sobre o povo e o território, para orientar as políticas governamentais: o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ele responderia a questões da história do país: Como era o Brasil? Quantos e quem eram os brasileiros? Onde estavam? Como viviam e se movimentavam? Sua atuação se basearia em uma orientação técnica mais precisa e unificada para todo o país. O Estado Novo queria estabelecer um rígido controle sobre o povo e território cuidando das fronteiras do país, ameaçadas tanto por inimigos internos, quanto externos. A ameaça interna vinha do separatismo, que se deu tanto pelo tamanho e diversidade dos estados, quanto pela autonomia política garantida pela Constituição de 1891. Outros inimigos internos, eram os comunistas e os espiões internacionais. Para redividir o espaço geográfico do país, na década de 40, criou-se novos territórios e se oficializou a divisão regional do Brasil. De modo a não entrar em confronto com as elites dos estados, os territórios foram criados onde a concordância da população local foi maior e as possibilidades de choque com as lideranças regionais foram menores.
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