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Debatendo as escalas

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CAPÍTULO 8 DO LIVRO DO MARCELO LOPES DE SOUZA
Entre a década de 1980 e o presente momento, o conceito de escala tem ganhado
relevância por meio de ativistas que formulam suas estratégias envolvendo uma "política de
escalas". Mas o que seria escala?
Existem 2 tipos de escala: a cartográfica e a geográfica. A cartográfica consiste, na
relação matemática entre as dimensões de um objeto qualquer no mundo real e as
dimensões do desenho que representa esse objeto (carta ou planta, mapa). Pode ser
apresentada sob a forma de uma escala numérica, por exemplo, 1:1.000.000 significa que
um cm no mapa equivale a um milhão de centímetros no terreno (1.000 km). Também pode
ser apresentada através de uma escala gráfica, em que a proporcionalidade é expressa por
meio de uma barra numerada.
A escala geográfica deve ser subdividida em escala do fenômeno, escala de análise
e escala de ação. A escala do fenômeno se refere a uma das características de um suposto
objeto real, sua abrangência física no mundo. Pode se referir à extensão de um rio, cadeia
montanhosa, tamanho de um país, cidade ou província e assim sucessivamente.
A relação entre a escala do fenômeno e a escala de análise, é semelhante à
existente entre o objeto real e o objeto de conhecimento: o último é construído com base no
primeiro. A escala de ação diz respeito ao alcance espacial das práticas dos
agentes/sujeitos.
Lacoste estabelece as particularidades do olhar geográfico sobre as escalas: "A
mudança de escala , transforma, às vezes de forma radical, a problemática que se pode
estabelecer e os raciocínios que se possam formar. A mudança de escala é a mudança do
nível de conceituação.". Ele fala que no plano do conhecimento "não há nível de análise
privilegiado, pois o fato de se considerar tal espaço como campo de observação, acarreta na
deformação ou ocultação de outros fenômenos e de outras estruturas, das quais não se
pode, a priori prejulgar o papel, e portanto não se pode negligenciar.".
Infelizmente ainda é comum os pesquisadores tomarem os níveis de análise da
realidade como "dados", ou seja, é como se o "local", o "regional" etc. existissem por si sós,
independente da construção do objeto por parte do analista. Além disso, é frequente os
pesquisadores entenderem as escalas geográficas, como se elas fossem "camadas de
contextualização" nas quais as pessoas " se inscreveriam", para serem condicionados, mas
sem exercerem maior influência sobre tais "camadas".
A Escala de um fenômeno (alcance espacial) interessa tanto quanto qualquer objeto
real, na medida em que for tomado como ponto de partida para a construção de objeto de
conhecimento, tratando as escalas como escalas de análise. Essas escalas variam em
número e natureza. Em cada caso concreto, nos marcos de cada pesquisa específica, a
construção do objeto definirá, que, para focalizar e investigar adequadamente uma
determinada questão, tais e quais escalas serão especialmente importantes para que se
possa dar conta dos processos e das práticas referentes ao que se deseja pesquisar.
O quarteto local/regional/nacional/internacional, cuja força vem de sua fácil
comunicabilidade, não está imune a formalismos, além de constituir uma simplificação
exagerada. A palavra "local", por exemplo, é identificado como um recorte político
administrativo (como município), embora corresponda outras vezes a um objeto geográfico
que existe independentemente de qualquer reconhecimento formal-institucional (uma
cidade). Outras vezes pode representar um bairro.
Outro problema desse quarteto é a facilidade com que ee se presta a usos
ideológicos. por exemplo se se assume o nível "nacional" como sinônimo de escala dos
recortes formais dos países , ou seja, supostos Estados-nação independentes:
exemplificativamente, sem se atentar, para as auto identificações de povos e etnias
territorializados como sendo "nações", sem constituir-se co Estados? Para quem a escala
do país da Espanha é uma escala "nacional"?
Como salientou Harvey, as escalas de análise são produtos de mudanças
tecnológicas, modos de organização "humana" e da luta política. A escala, nas palavras de
Marston é um modo de contextualizar concepções da realidade. Muito se tem avançado nos
últimos anos entre geógrafos de formação, principalmente no Reino Unido e nos EUA, em
matéria de reflexões sobre as conexões entre a escala e a eficiência política. A política de
escalas pode ser definida, como "a articulação de agentes e ações operando em níveis
escalares diferentes (com magnitudes e alcances distintos) com a finalidade de potencializar
efeitos, neutralizar ou diminuir o impacto de ações adversas ou tirar maior vantagem de
situações favoráveis."
A eficácia política de uma ação ou ativismo, repousa em sua capacidade de obter
apoio de diferentes tipo a partir de uma bem-sucedida articulação de atividades e frentes de
combate situadas em escalas distintas. um enfoque que não seja formalista, coloca em
primeiro plano a natureza das relações sociais, cuja percepção poderá variar bastante de
acordo com o contexto.
Para McMaster e Sheppard, as escalas usadas pelos geógrafos vão do corpo
humano ao globo. Neil Smith afirma que o primeiro sítio físico da identidade pessoal, a
escala do corpo, é socialmente construído.
Para Marcelo Lopes de Souza, os nanoterritórios: são territórios extremamente
pequenos, diminutos; situam-se em uma escala ainda mais reduzida que a microlocal (...)
Nos “nanoterritórios”, as relações de poder remetem a interações face a face entre
indivíduos, os quais compartilham (coabitam, trabalham, desfrutam) espaços muito
pequenos, em situação de co-presença. Nesses espaços eles exercem, quotidianamente (e,
amiúde, informalmente), algum poder, ao mesmo tempo em que, com suas práticas,
espacialmente referenciadas (desejo de ocupar espaço, vontade de possuir objetos inscritos
no espaço, etc.), colaboram para definir a organização espacial nesta escala modesta,
seja apenas demarcando e alterando territórios, seja eventualmente alterando o próprio
espaço social.
A escala local se refere a recortes espaciais que de acordo com o seu tamanho,
expressam a possibilidade de uma vivência pessoal intensa do espaço, para além do nível
"nano" sobre esse espaço mais ou menos restrito, que vai da nossa rua à nossa cidade (vila,
aldeia) ou à metrópole. A essa escala se vinculam os níveis ais básicos da administração
estatal, representando uma situação de maior proximidade física entre os cidadãos e a sede
do poder estatal.
Na escala local existem 3 subconjuntos: escala (ou nível) microlocal, escala (ou
nível) mesolocal e escala (ou nível) macrolocal. A escala ou nível microlocal equivale a
recortes territoriais que, apesar de apresentarem tamanhos diversos, teriam em comum o
fato de se referirem a espaços possíveis de serem experienciados intensa e diretamente no
cotidiano. Esses recortes são, sistematicamente, e em ordem crescente de tamanho,
sobretudo o quarteirão, o sub-bairro, o bairro e o setor geográfico. é precisamente nessas
escalas que os indivíduos poderão constituir instâncias primárias de tomada de decisão
(plenárias, assembleias, etc), e é também nela que eles poderão monitorar mais
eficientemente a implementação de decisões que influenciam sua qualidade de vida no
cotidiano.
A escala ou nível mesolocal, equivale ao "nível local especificamente": para a
população urbana, a cidade, entendida como centro urbano individualizado, ou como uma
aglomeração de cidades de porte médio; e para a população rural, uma localidade que
compreenda, por exemplo, uma aldeia ou povoado e seu entorno. Para o Estado, ou no que
se refere a processos que levem em conta os condicionamentos impostos pelos limites
estatais, a escala mesolocal corresponde ao município.
A seletividade dos compromissos, rotinas e deslocamentos diários, além do custo do
deslocamento e a complexidade e magnitude de um recorte nesse nível, impede que se
possa formar uma visão de conjunto tão densa e forte quanto nos bairros e quarteirões em
que se mora. Mas apesardisso, a vivência do nível mesolocal é relativamente forte e
concreta: notícias, comentários e impressões, críticas e sentimentos de satisfação ou
insatisfação com o espaço maior onde vive, define uma ambiência envolvente e
tendencialmente criadora/mantenedora de sentimentos de lugar.
A escala macrolocal, equivale, a uma espécie de "nível local ampliado", e tem a ver
com uma situação típica de grande metrópoles, em que diversas unidades espaciais
mesolocais (cidades ou municípios) se integram de modo denso, formando um
"minissistema urbano". Esse minissistema é "costurado" por fluxos como, deslocamentos
residência para o local de trabalho e vice-versa. também há outro tipo de costuramento: a
integração de certos serviços públicos de interesse comum. Por outro lado esses e outro
fatores de integração ou coesão vem sendo relativizados à medida que, na esteira da
territorialização de espaços residenciais segregados por criminosos ou paramilitares, a
autossegregação das elites e classes médias em "condomínios exclusivos" e outras
fenômenos de territorialização, uma fragmentação do tecido sociopolítico-espacial da cidade
avança, ainda que com velocidade e intensidade variáveis.
A Região antes de tudo é um lugar. Constitui a moldura imediata do nível local, em
que se dão processos tão importantes quanto. Muitas vezes coincide com um território
político administrativo formal e com uma unidade de governo estatal, ou pelo menos com um
espaço de implementação de políticas públicas. Existem diversas variações, mas por estar
em uma grande diversidade de situações, é contraproducente pretender estabelecer o
número delas. É vivido e sentido/percebido, prenhe de densidade cultural simbólica,
imagética e histórica situado entre o nível local e a escala do país, podendo coexistirem 2
ou mais níveis regionais, como subconjuntos de um conjunto maior.
A escala nacional é por conveniência de comunicação chamada de e escala do país,
ou seja do território ocupado por um estado formalmente soberano. Na Catalunha e no País
Basco, dispõem de línguas próprias e "nação" são, ambos, referenciais utilizados, com
regionalismo e nacionalismo mesclando-se de modo complexo (regiões-nações). Povos e
culturas tradicionais (dos Ianomâmis aos aimarás, se vêem ou são passíveis de serem
vistos como nações, etnicamente zelosas de sua identidade própria e de uma certa
autonomia, além de seus territórios poderem se espraiar por mais de um país e esses
territórios nem ao menos precisam ser sempre contíguos.
A escala internacional sofre o mesmo enviesamento ideológico que afeta o nacional:
a presunção de que somente um agrupamento de países corresponderia a um nível que
concerne a várias nações, como se não existissem países que abrigam diversos povos que
reivindicam para si uma identidade (ou um território) nacional.
O nível internacional se desdobra em duas variantes de alcance distintas: Escala ou
nível de grupos de países, que consiste em um agregado de 2 ou mais países agrupados
segundo diversos critérios. Em certos casos, ficará em primeiro plano, um aspecto
político-estratégico-militar, em outros casos o critério é dado por uma combinação de
aspectos econômicos e políticos, e às vezes o que sobressai são características de ordem
histórico-cultural.
E a escala ou nível global, que abrange o mundo inteiro. Diz respeito principalmente,
a fenômenos de ordem econômica no âmbito do sistema mundial (kkk)capitalista, embora
possa vincular-se a área de abrangência de uma entidade virtualmente mundial. Sua
relevância, por um lado, é a de ser o nível no qual a dinâmica do sistema capitalista, que
interfere nas dinâmicas nacionais e subnacionais, se realiza em sua plenitude, e por outro,
entidades como o Fundo Monetário Internacional/ ONU etc, exercem um efeito de orientação
e coordenação, em matéria de política econômica e de outros tipos de políticas setoriais ou
espaciais.
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