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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COPPEAD – Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração Dissertação de Mestrado O imperativo da internacionalização: o caso da I.ndigo Taqtile Luciana Albuquerque Alves Mestrado em Ciências (MSc.) de Administração Orientador: Prof. Renato Cotta de Mello Rio de Janeiro, Maio de 2013 LUCIANA ALBUQUERQUE ALVES O imperativo da internacionalização: o caso da I.ndigo Taqtile Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Renato Cotta de Mello Rio de Janeiro, Maio de 2013 LUCIANA ALBUQUERQUE ALVES Alves, Luciana Albuquerque O imperativo da internacionalização: o caso da I.ndigo Taqtile. / Luciana Albuquerque Alves. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2013. 106 p.:il. color.; 31 cm. Orientador: Prof. Renato Cotta de Mello. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Rio de Janeiro, 2013. 1. Internacionalização. 2. Marketing internacional. 3, Administração – Teses. I. Mello, Renato Cotta de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. CDD 382.6 Luciana Albuquerque Alves O imperativo da internacionalização: o caso da I.ndigo Taqtile Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Administração. Aprovada em: Prof: Renato Cotta de Mello (COPPEAD/UFRJ) Prof: Victor Prochnik (IE/UFRJ) Prof: Jorge Manoel Teixeira Carneiro (PUC-Rio) RESUMO ALVES, Luciana Albuquerque. O imperativo da internacionalização: o caso da I.ndigo Taqtile. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. Rio de Janeiro, 2013. O objetivo deste trabalho foi estudar o acelerado processo de internacionalização de uma startup brasileira do setor de software sob a ótica das teorias de internacionalização de empresas. Com este intuito, primeiro, foi realizada uma revisão de literatura sobre a economia da indústria de software, com foco no papel das redes; sobre o desenvolvimento do subsetor de aplicativos para dispositivos móveis (smartphones e tablets) ; e sobre as correntes de estudo da internacionalização de empresas. O segundo passo foi um estudo de caso da empresa I.ndigo Taqtile, desenvolvedora de aplicativos para dispositivos móveis, realizado através da coleta de dados de diversas fontes secundárias, como relatórios, jornais, sites da internet etc, e fontes primárias, em particular, sócios da empresa no Brasil e nos Estados Unidos. Os resultados indicam que as teorias de Empreendedorismo Internacional, Born Globals e Networks são bastante úteis para explicar a formação, desenvolvimento e internacionalização da empresa examinada. Palavras-chave: internacionalização; redes; born global; aplicativos móveis. ABSTRACT ALVES, Luciana Albuquerque. O imperativo da internacionalização: o caso da I.ndigo Taqtile. Rio de Janeiro, 2013. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. Rio de Janeiro, 2013. The aim of this study was to investigate the accelerated internationalization process of a Brazilian startup in the software industry based on the Internationalization theories. For this purpose, we first conducted a literature review about the economy of the software industry, focusing on the role of networks, on the development of the mobile applications sector, and on the Internationalization theories. The second step was a case study of the company I.ndigo Taqtile, a mobile applications developer, produced by collecting data from several secondary sources such as reports, newspapers, websites etc., and primary sources, specially interviews with the company’s owners from Brazil and the United States. The results indicate that International Entrepreneurship, Born Globals and Networks theories are useful for explaining the inception, development and internationalization of the company examined. Keywords: internationalization; networks; born global, mobile applications. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................... Erro! Indicador não definido. 1.1.OBJETIVOS DO ESTUDO ........................................................................................................... 1 1.2.RELEVÂNCIA DO ESTUDO ........................................................................................................ 1 1.3.DELIMITAÇÕES DO ESTUDO .................................................................................................... 2 2.INDÚSTRIA DE SOFTWARE .......................................................................................................... 2 2.1 NETWORKS, PLATAFORMAS E ECOSSISTEMAS ............................................................... 2 2.2.O MERCADO DE APLICATIVOS PARA DISPOSITIVOS MÓVEIS ...................................... 8 3.REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................................... 13 3.1.CORRENTE ECONÔMICA ....................................................................................................... 13 3.1.1.TEORIA DA INTERNALIZAÇÃO ............................................................................................ 13 3.1.2.PARADIGMA ECLÉTICO ........................................................................................................ 15 3.2.CORRENTE COMPORTAMENTAL ......................................................................................... 16 3.2.1.ESCOLA DE UPPSALA .......................................................................................................... 17 3.2.2.TEORIA DAS REDES .............................................................................................................. 22 3.2.3.EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL ....................................................................... 31 3.2.4.BORN GLOBAL ........................................................................................................................ 36 4.METODOLOGIA .............................................................................................................................. 41 4.1 PROBLEMA DE PESQUISA ...................................................................................................... 41 4.1.1PERGUNTAS DE PESQUISA ................................................................................................. 41 4.2 MÉTODO DE PESQUISA .......................................................................................................... 41 4.2.SELEÇÃO DO CASO .................................................................................................................. 43 4.4.COLETA E ANÁLISE DE DADOS ............................................................................................ 43 4.5.FONTES DE DADOS .................................................................................................................. 44 4.6. LIMITAÇÕES E CRÍTICAS AO MÉTODO .............................................................................. 45 5.ESTUDO DE CASO – I.NDIGO TAQTILE ..................................................................................46 5.1.DESCRIÇÃO DO CASO ............................................................................................................. 46 5.1.1.INÍCIO ......................................................................................................................................... 46 5.1.2 PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO ....................................................................... 46 5.1.3.MODELO DE NEGÓCIOS ...................................................................................................... 52 5.1.4.NO BRASIL ............................................................................................................................... 53 5.1.5.PRÓXIMOS PASSOS .............................................................................................................. 55 5.2.ANÁLISE DO CASO .................................................................................................................... 57 5.2.1.A I.NDIGO TAQTILE NA PERSPECTIVA DAS CORRENTES ECONÔMICAS ............ 57 5.2.2.A I.NDIGO TAQTILE NA PERSPECTIVA DA ESCOLA DE UPPSALA .......................... 58 5.2.3.A I.NDIGO TAQTILE NA PERSPECTIVA EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL ............................................................................................................................................................. ..59 5.2.4.A I.NDIGO TAQTILE SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DAS REDES ....................... 62 6.CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ..................................................................................... 68 6.1.CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 68 6.2.RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ........................................................... 73 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 75 1 1. INTRODUÇÂO 1.1. OBJETIVOS DO ESTUDO O presente estudo busca analisar o processo de internacionalização de uma empresa do sob as perspectivas das correntes teóricas de Negócios Internacionais. Foi dada ênfase nos arcabouços teóricos comportamentais da Escola de Uppsala, Empreendedorismo Internacional, com especial atenção à linha que estuda as chamadas Born Globals, e a Teoria das Redes. O estudo foi orientado pelas seguintes perguntas: 1. Que fatores ambientais possibilitaram o surgimento de um novo empreendimento internacional no Brasil? 2. Quais fatores internos favoreceram o estabelecimento de um novo empreendimento internacional no Brasil? 3. Quais foram suas estratégias de entrada e estabelecimento no mercado internacional? 1.2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO O caso da I.ndigo Taqtile oferece evidências sobre o funcionamento da rede de negócios de um dos setores mais dinâmicos da atualidade, a indústria de software. De acordo com estudos (SHAPIRO, 1999; YIER et al., 2006; CUSUMANO, 2010), as empresas deste setor recorrem a alianças com companhias de produtos complementares, e até mesmo competidores, para compartilhar informações sobre as características e funcionalidades dos produtos, a fim de criar um ecossistema que potencialize o uso das suas plataformas pelos clientes. Embora a indústria de software brasileira apresente crescimento nos últimos anos, são raros os casos de empresas multinacionais de base tecnológica com origem brasileira (RIBEIRO et al,, 2012). Com um modelo que parece ser “geneticamente” voltado para dentro (ROSELINO, 2006), o setor de software brasileiro tinha em 2009 somente 130 empresas com atividades no exterior (13,6%), gerando receitas que representavam apenas 7,81% do total de receitas do setor (OBSERVATÓRIO SOFTEX, 2012). 2 O estudo da trajetória de uma empresa como a I.ndigo Taqtile pode ajudar a entender como e porque um empreendedor ou um grupo de empreendedores consegue vencer barreiras à internacionalização, como o isolamento do Brasil dentro de suas fronteiras, a baixa abertura comercial do país e a pouca tradição exportadora em serviços de alta tecnologia, para se tornar uma born global num setor altamente competitivo como o de aplicativos móveis (DIB e ROCHA, 2008). 1.3. DELIMITAÇÕES DO ESTUDO O presente trabalho foi realizado através de uma pesquisa de caráter qualitativo, o um estudo de caso, no qual se buscou entender o processo de internacionalização da empresa I.ndigo Taqtile, desenvolvedora de aplicativos para dispositivos móveis. Para isso, foi realizada coleta de dados de diversas fontes secundárias, como relatórios, jornais e sites da internet, além de fontes primárias, em particular, entrevistas conduzidas com os sócios da empresa no Brasil e nos Estados Unidos. Por sua natureza, o método do estudo de caso apresenta duas limitações principais (YIN, 2003). A primeira é a limitação da aplicabilidade da análise apenas a este estudo. Embora não seja possível fazer generalização para outras empresas, mesmo que elas possuam características semelhantes ou pertençam ao mesmo setor, é possível generalizar uma ou mais hipóteses de teorias já existentes. A segunda limitação ocorre porque as conclusões e análises podem ser afetadas por vieses, tanto do entrevistado quanto do entrevistador, o uso de evidências sem importância e a dependência da memória do entrevistado. Buscou-se diminuir as limitações mencionadas através da utilização de diversas fontes – entrevistas, dados de arquivo da empresa e fontes secundárias. 2. INDÚSTRIA DE SOFTWARE 2.1 NETWORKS, PLATAFORMAS E ECOSSISTEMAS 3 No final da década de 1980, pesquisadores começaram a questionar a visão de que os empresários atuavam como agentes econômicos isolados e o processo empreendedor como distinto de outros fenômenos sociais. Nessa mesma época, pesquisas davam conta que os empreendedores eram verdadeiros nós de uma ampla rede de atores, intimamente ligados por suas relações sociais (HOANG e ANTONCIC, 2003). Surgiu então um novo campo de estudo, a teoria das redes, que procurava entender as causas e as consequências da inserção do empreendedor nessas networks. Mais, dentro desse enfoque, os estudiosos defendem que o lócus da competição estaria mudando da firma para a rede (SHAPIRO, 1999), tornando essencial o estudo dessa nova configuração de mercado. Três elementos críticos das networks são examinados nas pesquisas realizadas no campo de estudo das redes (HOANG e ANTONCIC, 2003): 1) Conteúdo – Concentra-se, principalmente, nos recursos intangíveis que os atores podem ter acesso através do relacionamento com outros atores, como a troca de informação, aconselhamento, apoio emocional e reputação; 2) Governança - Mecanismos de governança que embasam e coordenam as redes de trocas, sendo o mais citado a confiança entre os parceiros. Os estudos mostram que a governança depende mais de contratos implícitos e abertos, apoiados em mecanismos sociais, como poder e influência, e a ameaça de ostracismo e perda de reputação do que em imposições legais; e 3) Estrutura - Definida como o padrão de laços diretos e indiretos entre os atores. Em termos gerais, a proposta é que o posicionamento diferenciado dos atores dentro de uma estrutura de rede tem um impacto importante sobre os fluxos de recursos e, portanto, sobre os resultados empresariais. A identidade dos atores é secundária para a sua posição na estrutura da rede. A estrutura pode ser analisada em termos de tamanho (número de ligações diretas entre um ator e outros atores da rede); centralidade (capacidade do ator de ''alcançar'' outros atores em sua rede através de intermediários); força do laço (capacidade de os atores poderem ter acesso a novas informações e ideias através de laços que se encontram fora do seu grupo imediato de contatos); structural holes (ausência de laçosentre os atores, que oferece oportunidades para que outros atores recebam benefícios ao funcionarem como pontes entre eles); densidade (grau em que os contatos de um ator 4 estão interligados. Quanto mais densa a rede direta de contatos, menos provável que novos recursos entrem na rede) e heterogeneidade (existência de diferentes categorias de atores criam laços mais densos dentro dos grupos). Ao estudar a rede de alianças e parcerias estabelecidas por 509 empresas, tais como Microsoft, Oracle, Google e Amazon, de 1990 a 2001, Iyer et al. (2006) afirmam que, devido ao ritmo rápido de evolução da indústria de software, nenhuma empresa consegue sozinha suprir as necessidades dos clientes. Em vez de utilizarem a integração vertical para obter a posse de ativos e estabelecer e controlar padrões dentro do setor, as empresas de software recorrem à integração virtual através de alianças para estabelecer redes de influência e interoperabilidade. Nessa network de cooperação e competição, as empresas formam alianças com companhias de produtos complementares e competidores para compartilhar informações sobre as características e funcionalidades dos produtos (garantindo a interoperabilidade), bem como para coordenar lançamento de produtos. Iyer et al. (2006) argumentam que o setor de software age como uma “small world network”, uma rede caracterizada por um alto grau de agrupamento (clustering) e uma curta distância entre quaisquer dois nós, o que resulta num compartilhamento rápido e eficiente de informações entre os grupos (clusters). Em seu estudo, Iyer et al. (2006) abordam e confirmam algumas suposições acerca da estrutura da rede da indústria de software, algumas já elaboradas em trabalhos anteriores, como Shapiro (1999): Empresas maiores, com portfólios de produtos mais diversificados, têm recorrido a mais relacionamentos para apoiar o seu escopo de produtos. Empresas mantêm conexões com outras firmas para trocar informações, desenvolver produtos em conjunto e para ganhar status dentro da rede. Mais importante que ter muitos parceiros, é ter os parceiros corretos. A seleção adequada do rol de parceiros é fundamental para maximizar o acesso aos recursos necessários, minimizando os custos de coordenação de um vasto leque de alianças. As empresas procuram ligações com parceiros que estão bem posicionados como condutores e conexões com outras empresas. 5 Como consequência, as empresas que estão bem conectadas na rede vão atrair mais pedidos de ligações do que o contrário. Durante os períodos de incerteza, as empresas constroem alianças para ter acesso aos recursos. Firmas estabelecidas tendem a formar vínculos com novos entrantes para abastecer suas organizações com inovação e novas ideias. Por sua vez, os novos entrantes ganham status e acesso a recursos complementares (canais, marketing, etc) das empresas estabelecidas. Um importante conceito para o estudo de redes é o path length (tamanho do percurso), que se refere ao número de passos necessários para alcançar uma determinada empresa na rede. Como um caminho curto implica em uma comunicação mais rápida ou acesso mais fácil e mais eficiente de recursos, quando uma empresa pode alcançar outra passando por menos intermediários, há uma chance maior de estabelecer um fluxo de informação útil, resultando em lançamentos sincronizados de produtos. Nesse contexto, em vez de lançar produtos “fechados”, as empresas deveriam desenvolver plataformas, conceito definido por Cusumano (2008) como os produtos ou tecnologias que são a base de um sistema, com interface técnica relativamente aberta e facilidade de termos de licenciamento a fim de encorajar outras firmas a produzir produtos ou serviços complementares. Essas inovações externas criam um ecossistema ao redor da plataforma. A principal característica da plataforma é o fenômeno que pode ser denominado “efeito manada” (bandwagon effect) ou “efeito de retorno positivo” (positive-feedback effect): quanto maior a quantidade de empresas que criam inovação para a plataforma, mais valiosa ela se torna. Nessa dinâmica, conforme cresce o número de usuários a adotar a plataforma, mais produtores complementares entram no ecossistema, incentivando novos usuários a adotar a plataforma, formando um círculo virtuoso (CUSUMANO e GAWER, 2002). Provocado pelo desejo dos usuários de adotar a plataforma que prevalecerá, o efeito do retorno positivo torna os fortes, mais fortes e os fracos, mais fracos (SHAPIRO, 1999). Alguns mercados com externalidades de redes muito fortes (como, por exemplo, formatos incompatíveis) e pouca oportunidade de diferenciação e estratégias de nicho tendem a evoluir para negócios do tipo “o ganhador leva tudo” 6 (winner take all) ou “o ganhador leva a maior parte” (winner take most), como é o caso do Windows e do Office para o mercado de softwares para computadores pessoais (SHAPIRO, 1999; LEVIS, 2010). Figura 01 - Funil da Capacidade do Setor Fonte: Cusumano e Gawer (2002) Outra característica da economia de rede destacada por diversos autores (SHAPIRO, 1999; CUSUMANO, 2010; LEVIS, 2010) é a economia de escala pelo lado da demanda. Na economia tradicional, ocorre a economia de escala no campo da oferta: empresas maiores tendem a ter um custo unitário menor que as concorrentes. Nesse caso, os mercados também apresentam o “efeito do retorno positivo”, mas este apresenta limitações, causadas principalmente pela dificuldade em gerenciar corporações muito grandes. No caso da economia de escala pelo lado da demanda, quanto maior a quantidade de usuários usando uma determinada tecnologia, maior a capacidade desta tomar o mercado. Os usuários valorizam a tecnologia por causa do seu uso generalizado. Por exemplo, se todos estão usando o Microsoft Word como editor de texto, há mais razões para que outros usuários também o usem. Nessa nova economia, não há a limitação que ocorria na anterior: o crescimento pode ser virtualmente infinito. 7 Um exemplo que pode ilustrar os dois tipos de estratégia podem ser apresentados em dois casos pertencentes a mesma empresa: a estratégia da Apple para o Macintosh, o computador pessoal da companhia lançado em 1984, e a estratégia da companhia para os produtos da famíla “i” (iPod, iTunes, iPhone, etc). No primeiro caso, a Apple optou por monopolizar o sistema hardware-software e as receitas do produto, em vez de licenciar o sistema operacional do Macintosh e trabalhar de maneira aberta com companhias e produtores complementares de forma de promover a evolução da plataforma e suas aplicações e, assim, atingir o mercado de massa. Com a baixa difusão do produto provocada pelos preços altos, os produtores de software, principais complementares da indústria, decidiram apoiar a interface dos produtos da concorrente IBM. Como resultado, o Mac tornou-se um padrão secundário com um baixo percentual do mercado, sobrevivendo apenas em dois nichos: profissionais de editoração eletrônica e indivíduos dispostos a pagar mais por um produto mais elegante, com uma interface mais fácil de usar (SHAPIRO, 1999; CUSUMANO, 2002, 2010). O segundo caso ocorreu na década de 2000, quando, após amargar anos de resultados ruins, a Apple lançou uma série de produtos inovadores que iriam modificar diversos mercados e lançar tendências, tornando a empresa uma das marcas mais valiosas do mundo. Primeiro, foi o tocador de música digital iPod, seguido pela loja online de música iTunes (2003), o iPhone (2007), sua loja de aplicativos App Store (2008) e o iPad (2010). De acordo com Cusumano (2010), mais do que uma leva de produtos inovadores, esses lançamentos refletiram uma mudança na estratégia da Apple para tirar vantagem de duas importantes tendências no setor de alta tecnologia já citadas: o aumento da importância e o valor de companhias que produziamplataformas para o setor com um ecossistema grande e com possibilidades de expansão através de inovações complementares; e a valorização de aplicações de softwares para a automação de serviços e entrega de conteúdo, de forma a tornar essas plataformas úteis e valiosas para os usuários. Isto porque, de acordo com Cusumano (2010), os produtos da Apple, apesar de seu design elegante e interface única, não são tão valiosos sem o conteúdo digital externo como músicas, vídeos e aplicativos encontrados no iTunes, na App Store e 8 na iBooks. No longo prazo, a parte mais valiosa da franquia Apple poderá ser seus serviços online e plataformas de conteúdo. Os produtos de hardware tornar-se-ão apenas plataformas para venda ou agregação de produtos digitais com altas margens. No entanto, essa estratégia demorou a ser implementada pela Apple. Inicialmente, o iPhone I não suportava aplicativos que não fossem produzidos pela Apple e nem funcionava em redes que não fossem as parceiras da companhia, com a AT&T nos Estados Unidos. No entanto, hackers ao redor do mundo mobilizaram-se para desbloquear o aparelho e criar aplicativos compatíveis. A pressão do mercado mostrou o potencial do produto como plataforma e a necessidade de abri-lo para aplicações de fora (CUSUMANO, 2008). Em Julho de 2008, a Apple deu mais um passo na criação do ecossistema do seu smartphone ao lançar a App Store, uma loja virtual conectada ao iTunes que oferece aplicativos para o iPhone. No seu lançamento, a App Store disponibilizava para o usuário 552 aplicativos: 135 deles eram gratuitos, enquanto os 417 restantes estavam na faixa de preço entre US$ 0,99 a US$ 69,99, com a grande maioria variando entre US$ 0,99 e US$ 9,991. 2.2. O MERCADO DE APLICATIVOS PARA DISPOSITIVOS MÓVEIS Assim como o iPhone não foi o primeiro smartphone lançado, a App Store não foi a primeira loja de aplicativos para celulares. O serviço já era oferecido por fornecedores de tecnologia como a Qualcomm (com a sua plataforma Brew) e alguns fabricantes de aparelhos, como a Symbian e a Nokia, desde o começo da década de 20002. O que a Apple fez foi facilitar a entrada de novos desenvolvedores e ajudar a evoluir o setor. No período pré-App Store, os desenvolvedores enfrentavam diversos desafios, tais como: a fragmentação das plataformas, a má experiência oferecida ao usuário do dispositivo, as limitações da interface Wireless Application Protocol (WAP), a inexistência de um meio de distribuição eficaz, e os elevados custos de acesso à banda larga pelos usuários finais. Isso tudo representava altos custos de entrada e de operação para desenvolvedores de pequeno e médio porte, o que limitava o ecossistema em torno das plataformas. 1 http://techcrunch.com/2008/07/10/app-store-launches-upgrade-itunes-now/. Acessado em 12/04/2013. 2 http://www.amdocs.com/Whitepapers/General/wp_Amdocs_App_Store.pdf. Acessado em 12/04/2013. http://techcrunch.com/2008/07/10/app-store-launches-upgrade-itunes-now/ http://www.amdocs.com/Whitepapers/General/wp_Amdocs_App_Store.pdf 9 O modelo oferecido pela Apple tornou possível para os desenvolvedores terceiros criar facilmente aplicações móveis que proporcionassem uma ótima experiência para o usuário. O procedimento era bastante simples: os desenvolvedores submetiam seus aplicativos de forma prática, bastava um contrato de compartilhamento de receita simples e direto (30% para a Apple / 70% para o desenvolvedor), e podiam acessar interfaces de programação dos aplicativos para iPhone (APIs). Desta maneira, a Apple fornecia o canal de distribuição e as ferramentas para que, a princípio, qualquer empreendedor pudesse tornar-se um fornecedor de aplicativos. O sucesso da App Store despertou os fabricantes de dispositivos móveis e outros provedores de serviços da área de Tecnologia da Informação para os benefícios de abrir suas próprias lojas de aplicativos e investir em uma plataforma aberta para desenvolvedores, já que isto permitiria oferecer aos seus usuários aplicativos que poderiam enriquecer sua experiência e criar fidelidade ao aparelho no longo prazo. Nos anos seguintes ao lançamento do App Store, diversas lojas de aplicativos foram lançadas, conforme pode ser visto na Figura 2. Figura 02 – Lojas de aplicativos para smartphones Fonte: adaptado de Amdocs, 2009. De acordo com o estudo da Vision Mobile3, o desenvolvimento de mercado de aplicativos para smartphone apresentou, até o momento, três fases distintas. A 3 Pesquisa com 3.460 desenvolvedores de 95 países de cinco continentes, patrocinada por gigantes do setor de como AT&T, Mozilla, Nokia, BlackBerry, BrightCove and Telefonica. http://www.visionmobile.com/product/developer-economics-2013-the-tools-report/. Acessado em 12/04/2013. http://www.visionmobile.com/product/developer-economics-2013-the-tools-report/ 10 primeira, iniciada em 2007 com o lançamento do iPhone e dos primeiros aparelhos Android, foi uma fase de experimentação, na qual os desenvolvedores testaram as novas plataformas e os primeiros aplicativos atingiram a grande mídia de tecnologia. A segunda fase, iniciada em 2009, foi a dos “apps celebridades”, como o fenômeno Angry Birds, cujo sucesso incentivou a entrada de centenas de milhares de jovens empresários e desenvolvedores no mercado mobile. O êxito desses empreendedores também despertou a atenção de Venture Capitals: desde 2009, o investimento em aplicações móveis tem crescido constantemente e chegou a 15% do financiamento total em Venture Capitals no primeiro semestre de 2012. A terceira e atual fase é a do estabelecimento da criação de aplicativos móveis como uma economia. Neste momento, é a vez de os desenvolvedores atuarem como empresários, designers e profissionais de marketing, em vez de programadores. A produção de apps sustentáveis demanda novas ferramentas e habilidades em termos de planejamento, desenvolvimento, design, alcance, monetização e suporte. Assim, ao longo dos anos foram surgindo diversos modelos de negócios ligados ao desenvolvimento de aplicativos para dispositivos móveis. Os modelos podem ser divididos em dois tipos: 1) Desenvolvimento de aplicativos como produto Publicidade - O usuário baixa o app sem custos, e enquanto opera o aplicativo, fica rodando no cabeçalho ou rodapé da tela um banner com publicidade de produtos ou serviços. O anunciante do banner paga um valor por cada impressão (CPM4) e a receita é revertida para o dono da “vitrine” onde o anúncio foi mostrado (no caso, o desenvolvedor do app). Pagamento por download – Para fazer o download do aplicativo, o usuário paga uma quantia determinada pelo desenvolvedor do app. Venda dentro do aplicativo (In-app purchase) – Geralmente games, gratuitos para fazer download e jogar, mas com lojas que vendem bens virtuais ou níveis extras. 4 CPM é a abreviatura de "custo por mil impressões". Os anunciantes que veiculam anúncios de CPM definem o preço desejado por 1000 anúncios exibidos, selecionam os canais específicos em que desejam mostrar seus anúncios e pagam sempre que os anúncios são exibidos. Fonte: http://support.google.com/adsense/bin/answer.py?hl=pt-BR&answer=18196. Acessado em 28/04/2013. http://support.google.com/adsense/bin/answer.py?hl=pt-BR&answer=18196 11 Assinatura - O acesso ao aplicativo é bloqueado até que o usuário pague uma inscrição (mensalidade). Pode ser direcionado tanto para consumidores finais (B2C), quanto para uma organização ou empresa (B2B). Freemium - Grátis para download, com cobrança para conteúdo adicional. 2) Desenvolvimento de aplicativos como serviço Neste modelo, os desenvolvedores produzem aplicativos para empresas que os utilizam comoferramentas de marketing, oferecendo-os gratuitamente a fim de criar uma maior aproximação com os seus consumidores. A receita da empresa desenvolvedora é proveniente do pagamento realizado pela empresa ao desenvolvedor e independe da quantidade de downloads do aplicativo criado. A análise de mercado da Vision Mobile (2013) mostra que, desde 2012, a publicidade se tornou o modelo de negócio mais popular (38%), ultrapassando o pagamento por download (34%). No entanto, a publicidade é o modelo que gera menor receita para o desenvolvedor, trazendo, em média, cerca de US$ 1.000 por mês de aplicação, bem menor do que os outros modelos (Anexo 1). O modelo de assinatura, embora não muito popular (12%), é o que mais atrai receita mensal por app, com uma média de US$ 2.649. Embora seja mais lucrativo, não é um modelo que qualquer desenvolvedor possa usar, pois exige investimentos significativos em conteúdo e engajamento do cliente, para que ele se disponha a pagar regularmente pelo aplicativo. Embora o mercado de aplicativos para aparelhos móveis seja considerado promissor, é reconhecidamente difícil para as empresas desenvolvedoras obter lucro. De acordo com a Vision Mobile, 67% dos desenvolvedores não consegue alcançar receita suficiente para sustentar o seu negócio, ou seja, eles estão abaixo da "linha de pobreza app" de US$ 500 por app por mês (Anexo 2). Em outras palavras, para a maioria das empresas, o desenvolvimento de aplicativo não é financeiramente compensador. Especialistas indicam alguns motivos para a dificuldade de produzir negócios sustentáveis no mercado de aplicativos móveis. A primeira explicação aponta para a herança das primeiras fases da internet: o hábito de ter acesso a e-mail, jogos, notícias e outros conteúdos gratuitos nos sites teria criado um resistência por parte 12 dos consumidores em pagar por conteúdo ou ferramentas também nas lojas de aplicativos5. Um segundo obstáculo seria a alta concorrência, já que atualmente existem centenas de milhares de aplicativos disponíveis nas app stores. A princípio, qualquer pessoa pode desenvolver um aplicativo, basta ter acesso a um computador e conhecer métodos de programação. Devido à facilidade de lançar aplicativos nas lojas, o mercado apresenta baixa barreira de entrada (SCHVARTSMAN, 2010). As app stores estariam saturadas, o que tornaria mais difícil para um novo entrante se destacar em meio aos aplicativos já existentes. O terceiro motivo seria causado pelo “efeito do retorno positivo”, mencionado anteriormente. Os usuários tendem a adotar os apps mais instalados, aqueles que aparecem no topo das listas de cada categoria (jogos, business, lifestyle, etc) nas lojas de aplicativos. Assim players que estão no mercado há mais tempo levam vantagem em relação a novos entrantes. Outro fator que reduz a receita dos desenvolvedores seria a “infidelidade” dos usuários com os aplicativos: mais de 50% dos apps perdem 76% de seus consumidores depois dos primeiros três meses de uso6. Ou seja, mesmo que o produto seja escolhido entre a enorme variedade de opções da App Store ou da Play Store, por exemplo, qualquer fluxo de receita proveniente de anúncios ou de extensões freemium diminuiria rapidamente. 5 http://www.valor.com.br/empresas/2805684/dificil-tarefa-de-lucrar-com- aplicativos?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=28082012&utm_term=dificil+tarefa+de+luc rar+com+aplicativos&utm_campaign=informativo&NewsNid=2805024. Acessado em 11/04/2013. 6 http://www.entrepreneur.com/article/224013. Acessado em 11/04/2013. http://www.valor.com.br/empresas/2805684/dificil-tarefa-de-lucrar-com-aplicativos?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=28082012&utm_term=dificil+tarefa+de+lucrar+com+aplicativos&utm_campaign=informativo&NewsNid=2805024 http://www.valor.com.br/empresas/2805684/dificil-tarefa-de-lucrar-com-aplicativos?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=28082012&utm_term=dificil+tarefa+de+lucrar+com+aplicativos&utm_campaign=informativo&NewsNid=2805024 http://www.valor.com.br/empresas/2805684/dificil-tarefa-de-lucrar-com-aplicativos?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=28082012&utm_term=dificil+tarefa+de+lucrar+com+aplicativos&utm_campaign=informativo&NewsNid=2805024 http://www.entrepreneur.com/article/224013 13 3. REVISÃO DE LITERATURA Dentro do campo de estudos sobre o fenômeno da internacionalização das empresas identificam-se duas grandes correntes: a econômica, que analisa o fenômeno a partir das concepções teóricas dos custos de transação, internalização, localização e vantagem monopolista, e a comportamental, que entende a internacionalização como um processo evolutivo de etapas incrementais a partir da aquisição de experiência e acumulação de conhecimento em mercados internacionais. Nesta seção, apresentaremos as principais vertentes de cada corrente, dando ênfase às provenientes da escola comportamental, por acreditarmos que estão mais em linha com o presente estudo. 3.1. CORRENTE ECONÔMICA Neste trabalho, apresentaremos os dois principais expoentes da abordagem econômica: as teorias de internalização e da empresa multinacional, de Buckley, Casson e Rugman, e Paradigma Eclético da Produção Internacional, de Dunning. A apresentação será breve, pois essas teorias têm como foco, essencialmente, o processos de decisão de investimento no exterior sob a ótica de grandes empresas multinacionais, enquanto nosso foco de estudo está na internacionalização de empresas de menor porte. 3.1.1. TEORIA DA INTERNALIZAÇÃO A teoria da Internalização foi proposta por Buckley e Casson (1976) como uma tentativa de explicar o surgimento da empresa multinacional após a Segunda Guerra Mundial. A abordagem racional dos autores baseia-se na eficiência da organização das transações entre as unidades produtivas de tais empresas. De acordo com a premissa central desta teoria, devido às várias imperfeições de mercado internacional – como a falta de mercados futuros, as assimetrias de informação entre as partes, as barreiras comerciais, a ineficácia do sistema de patentes - as empresas 14 buscam maximizar seu lucro através da internalização de mercados intermediários – normalmente de ativos intangíveis, como tecnologia, métodos de produção, marcas, etc) – além de suas fronteiras nacionais (RUGMAN, VERBEKE, NGUYE, 2011). Assim, a existência da empresa multinacional não seria causada por vantagens monopolistas que conduzem a barreiras à entrada e à exploração ao consumidor, mas por suas propriedades de eficiência, ou seja, sua capacidade de reduzir custos de transação, quando a substituição de uma operação ineficiente ou não viável no mercado por uma transação interna, no interior da firma, especialmente no contexto de transferência intermediária de outputs (na maior parte baseada em conhecimento) para além das fronteiras (RUGMAN 1980a, b; RUGMAN et al 1985). De acordo com Buckley e Casson (1976), a internalização seria feita até o ponto em que os benefícios se igualassem aos custos. O principal fator determinante da estratégia de localização de uma firma integrada verticalmente seria a inter-relação de vantagens comparativas, barreiras ao comércio e incentivos regionais para internalizar. A firma seria multinacional sempre que esses fatores tornassem ótimo colocar estágios diferentes da produção em países diferentes. Uma dos ativos mais valiosos internalizados pela empresa multinacional, a informação seria explorada em todos os mercados, como forma de recuperar os investimentos iniciais em pesquisa e geração de conhecimento. Para proteger seu monopólio sobre este ativo, a MNE preferiria a produção por suas subsidiárias ao licenciamento ou joint ventures, já que o mercado estrangeiro, conforme enfatizado pelos autores, não é segurado por leis de patente eficientes ou outros mecanismosprotetores (RUGMAN, VERBEKE, NGUYE, 2011). Rugman (1981) defende que a internalização parte de uma premissa inversa a das teorias anteriores sobre comércio internacional, que se baseavam no modelo de livre comércio, em que se assumia um mercado internacional irreal, no qual não havia imperfeições, como custos de transporte, diferenças de gostos, retornos de escala, etc. A partir destas suposições, a vantagem no comércio internacional estaria no nível país e o bem-estar global seria maximizado se as nações produzissem de acordo com suas vantagens comparativas relativas. 15 Assim, de acordo com Rugman (1980), diferenças entre as vantagens de cada país (Country Specific Advantage) trariam o desalinhamento do preço internacional em relação ao preço doméstico induzindo as empresas ao comércio internacional. Ao suplantar as imperfeições do mercado através da internalização do mercado, a multinacional se torna um substituto para o comércio livre, de acordo com a teoria econômica. Mtigwe (2006) critica a teoria da internalização por simplificar demasiadamente o processo de decisão de investimento internacional ao colocar a redução de custos como a principal razão para a internacionalização. Outro argumento é que a teoria ignora o mercado do produto final, que não pode ser internalizado pela firma, ao focar nos mercados intermediários dos processos produtivos. 3.1.2. PARADIGMA ECLÉTICO Em seus trabalhos, Dunning (1977, 1993) sintetiza e combina as principais abordagens econômicas até então existentes e afirma que o custo econômico não é o único fator de influência na internacionalização. De acordo com esta teoria, a empresa só investe diretamente em um mercado externo quando reunir, simultaneamente, três conjuntos distintos de vantagens, as “OLI Advantages”: Vantagens de Propriedade (Ownership Advantages) – Tratam das competências desenvolvidas dentro da organização que lhe proporcionam um melhor posicionamento no mercado externo. Em geral, correspondem a bens intangíveis, como recursos humanos, tecnologia, informação, marcas, etc. Vantagens de Localização (Location Advantages) – Dizem respeito a condições oferecidas por determinados países ou regiões que não podem ser transferidas para outras localidades através do comércio e que diminuem os custos de produção e distribuição dos produtos. São fatores como infra- estrutura, custos de mão-de-obra, impostos e tarifas domésticas. Vantagens de Internalização (Internalization Advantages) – Relacionada à capacidade da firma de controlar suas diversas redes de ativos financeiros, comerciais, produtivos, etc. Quanto maior a facilidade da firma em internalizar 16 um mercado que esteja em risco ou com incerteza, maior será a sua vantagem em relação aos seus concorrentes. A principal motivação para a empresa internalizar um mercado poderia estar associada à existência percebida de riscos e de incerteza; à obtenção de economias de escala; ou ao fato de uma transação de bens ou serviços poder produzir custos e benefícios externos àquela transação, que não se refletiriam nos termos negociados pelas partes envolvidas. Dunning (1993) mencionou outros fatores de estímulo à internalização, como: a necessidade de o vendedor proteger a qualidade do produto final, evitar ou usufruir as políticas governamentais (comercial, tributária e de preços) e controlar cadeias de distribuição no mercado de destino. Para Mtigwe (2006), a principal contribuição do Paradigma Eclético foi aumentar a consciência de que uma empresa precisa construir e manter vantagens competitivas para ser bem sucedida em mercados internacionais. Entretanto, o autor apontou limitações no poder preditivo do modelo e em sua ênfase no custo geral de se conduzir negócios internacionais, ênfase esta atribuída à premissa de que tais negócios seriam exclusivos de grandes empresas multinacionais, capazes de possuir vantagens de propriedade significativas. Entretanto, o mundo já assiste a um grande crescimento no volume de negócios internacionais conduzidos por empresas pequenas que podem ou não possuir as vantagens de propriedade e que “não recebem séria consideração no Paradigma Eclético”. 3.2. CORRENTE COMPORTAMENTAL A abordagem das teorias comportamentais procura estudar o processo pelo qual empresas domésticas iniciam seu processo de internacionalização. Entre as teorias comportamentais, apresentaremos a Escola de Uppsala, a teoria de networks e a teoria do Empreendedorismo Internacional. Na opinião dos autores dessa linha, diferentemente da corrente econômica, as teorias comportamentais tendem a aplicar-se melhor a empresas menores e no início de seu processo de internacionalização. 17 3.2.1. ESCOLA DE UPPSALA A partir de pesquisas sobre empresas suecas, pesquisadores da universidade de Uppsala construíram um modelo geral para internacionalização de empresas. Johanson e Vahlne (1977) propuseram que o processo ocorreria em etapas e que cada estágio demandaria e proporcionaria um determinado nível de conhecimento e comprometimento de recursos. A forma incremental ocorreria tanto por meio de uma sequência de modos de operação, como por meio de uma sequência na seleção de mercados estrangeiros a serem servidos. A sequência de modos de operação abrangeria as atividades da exportação à instalação de subsidiárias em um mesmo mercado. A sequência na seleção de mercados abrangeria a entrada sucessiva em mercados mais distantes psiquicamente, à medida que a firma ganha experiência de operações estrangeiras (HILAL e HEMAIS, 2003). Segundo Johanson e Vahlne (1977), existiriam quatro etapas no processo de internacionalização de uma empresa: 1. Nenhuma atividade no exterior; 2. Exportação por representantes ou agentes independentes; 3. Estabelecimento de uma subsidiária de vendas no mercado estrangeiro; 4. Estabelecimento de uma subsidiária produtiva no mercado estrangeiro. Todos esses estágios são sucessivos e representariam um comprometimento cada vez maior de recursos. No primeiro estágio, não haveria um canal regular para o mercado no exterior, havendo, assim, um mínimo comprometimento de recursos. No segundo, já há um canal de vendas para este mercado e, consequentemente, um fluxo de informações, gerando conhecimento sobre ele, e também um maior envolvimento da empresa. No terceiro, há um maior controle da firma sobre suas atividades, assim como um maior aprendizado experiencial sobre aquele mercado específico no exterior. O quarto estágio representa o maior nível de envolvimento da empresa com o mercado estrangeiro e uma maior aquisição de conhecimento sobre ele. Esse caminho gradual e lento das empresas rumo ao mercado internacional seria fruto das incertezas e imperfeições das informações recebidas sobre o novo 18 mercado (HILAL e HEMAIS, 2003). A principal explicação para essas incertezas estaria no conceito de distância psíquica entre o país de origem da empresa e o mercado-alvo estrangeiro. Trata-se da soma de diversos fatores comportamentais como diferenças de língua, cultura, modos de fazer negócio etc, que criam obstáculos para o estabelecimento de uma empresa em outros países (Johanson e Vahlne, 1977). De acordo com as premissas do modelo proposto pelos autores, dada a natureza tácita do conhecimento, ele não poderia ser separado do indivíduo, tornando difícil a sua transmissão através da empresa. Desta maneira, ele deveria ser adquirido por meio da experiência, obtida com a própria atividade no exterior, o que demandaria tempo. Os conceitos de conhecimento de mercado e comprometimento de mercado seriam essenciais para a compreensão do processo de internacionalização. Desta forma, Johanson e Vahlne (1977) propõem um modelo dinâmico para explicar como estes conceitos se relacionam, dividindo-os em dois tipos de aspectos: de estado e de mudança. Osaspectos de estado são o “conhecimento sobre o mercado” e o “comprometimento com o mercado”, enquanto os aspectos de mudança são as decisões sobre o “comprometimento com o mercado” e as “atividades atualmente realizadas no mercado”. O comprometimento com o mercado é composto por dois fatores: a quantidade de recursos utilizada nas operações no mercado estrangeiro e o grau de comprometimento dos mesmos, ou seja, a dificuldade de encontrar um uso alternativo para esses recursos. As atividades realizadas pela empresa são a principal fonte de aquisição de conhecimento, essencial para a continuidade do processo de internacionalização. No modelo proposto pelos autores, há uma natureza cíclica entre os eventos, com a saída de um representando a entrada em outro, conforme mostra a figura (Fig. 6). O conhecimento e comprometimento com o mercado influenciam as decisões de comprometimento com o mercado e a forma como as atividades são realizadas. Por sua vez, um maior comprometimento com o mercado e a experiência trazida pelas atividades atuais proporcionam um aprendizado experiencial, gerando mais conhecimento e comprometimento com o mercado. Estudos posteriores (NORDSTRÖM e VAHLNE, 1985; NORDSTRÖM, 1991) assinalam que introduziram no modelo a importância do tamanho do mercado e de 19 outros determinantes econômicos no processo de internacionalização da firma; elas constataram que o modelo não deve ser aplicado a firmas e indústrias que operam em mercados altamente internacionalizados. Nesses casos, as forças competitivas e outros fatores superariam a distância psíquica como a principal justificativa para esse processo de internacionalização. Este argumento é consistente com o pensamento de Johanson e Mattson (1988), que afirmam ser o modelo de internacionalização menos eficiente quando existe uma situação na qual mercado e firma são altamente internacionalizados. De acordo como Hilal e Hemais (2003), a nova linha de pensamento causou impacto nos estudos dos Negócios Internacionais por promover uma análise do processo de internacionalização das empresas sob a perspectiva da Teoria do Comportamento Organizacional, não apenas sob a ótica puramente econômica. Figura 3 – Modelo de Internacionalização de Uppsala Desta forma, o processo básico de internacionalização da firma teria o seguinte padrão: investimento inicial em um ou poucos países vizinhos, em vez de um investimento simultâneo em diversos mercados internacionais; e investimento gradual, cauteloso e sequencial no(s) mercado(s) escolhido(s), prosseguindo concomitantemente com o aprendizado sobre o(s) mesmo(s). Conforme as empresas aprendem sobre os mercados em que estão atuando, a percepção de risco diminui, e elas adquirem confiança para investir em mercados com distância psíquica maior, seguindo os estágios mencionados anteriormente. Críticas 20 Pedersen et al (2003) fazem uma crítica ao modelo de Uppsala por considerá-lo determinístico, ressaltando a ausência da tomada de decisão nos artigos de 1977 e 1990, demonstrada em passagens como “o processo de internacionalização, uma vez iniciado, tende a prosseguir, independentemente de decisões estratégicas tomadas nessa direção ou não” (JOHANSON e VAHLNE, 1990). Estudos mais recentes indicam que o julgamento gerencial tem um papel importante no processo de internacionalização em atividades decisivas, como na aquisição e transferência de conhecimento. Outra observação é que não há evidência empírica de que os tomadores de decisão são avessos ao risco, conforme descrito no modelo original. Por último, ao fazerem distinção entre o conhecimento objetivo e experiencial, Johanson e Vahlne deram pouca atenção à possibilidade de transformar o primeiro tipo de conhecimento no segundo, o que também depende do critério dos gestores. Ao realizar uma revisão crítica do modelo original de 1977, Forsgren (2002) argumenta que a ênfase dada por Johanson e Vahlne ao aprendizado experiencial, negligencia outras formas de obtenção de conhecimento pela empresa, como a aquisição de outras empresas, a imitação e a pesquisa, que também podem acelerar o processo de internacionalização. No artigo seminal do campo de estudo do Empreendedorismo Internacional, que será analisado mais à frente, Oviatt e McDougall (1994) concluem que o processo em estágios lentos proposto pelo modelo de Uppsala não tem validade para o fenômeno das empresas que tem atividades internacionais já no início de sua existência. Respostas às críticas Trinta e dois anos após a publicação do modelo original, Johanson e Vahlne (2009) respondem às críticas recebidas durante esse período. Primeiramente, os autores concordam que estudos demonstraram que o aprendizado é mais complexo do que o apresentado por eles trinta anos antes, por isso, outros tipos de aprendizado teriam impacto no processo de internacionalização. No entanto, defendem que o objetivo da construção de uma teoria não é replicar uma realidade complexa, mas sim explicar seus elementos centrais. Os estudos subsequentes demonstraram que o conhecimento experiencial é, de fato, um elemento central na internacionalização da firma. 21 Quanto às críticas em relação a não consideração de situações, fases, firmas ou mercados externos específicos, os autores respondem dizendo que “obviamente um modelo que tenha aplicabilidade geral não pode considerar todos os tipos de conhecimento e aprendizado que possam ocasionalmente ser relevantes” (JOHANSON e VAHLNE, 2009). Johanson e Vahlne (2009) discordam das críticas de Pedersen et al (2003) de que o modelo seria determinístico. Para eles, a relação causal entre duas variáveis não significa que uma determina a outra, apenas que uma influencia a outra, normalmente em combinação com outras variáveis. Eles concordam que o critério gerencial é importante, embora acreditem que a dependência histórica (path dependence) e a busca estimulada por um problema (problemistic search) tendem a fazer os gestores preferirem certas alternativas específicas a outras. Eles também acreditam que o modelo pode facilmente incorporar o arbítrio gerencial e as intenções estratégicas. Para responder às críticas à validade de seu modelo feitas principalmente pela teoria do Empreendedorismo Internacional, Johanson e Vahlne (2009) argumentam, primeiramente, que a maior parte das mudanças ocorridas no comportamento das empresas deve-se mais às alterações no ambiente internacional do que as mudanças nos mecanismos de internacionalização. Ao revisar os artigos publicados nos primeiros quatro anos dos anos 2000, os autores concluíram que a maior parte das born globals são, na realidade, born regionals, com atividades internacionais que não estão espalhadas pelo globo de nenhuma maneira significativa. Eles concordam com Oviatt e McDougall (1994) em um ponto: novos empreendimentos internacionais e born regionals são fenômenos antigos. Como tais firmas são frequentemente fundadas por indivíduos com experiência internacional prévia e têm relações estabelecidas com empresas estrangeiras, não há conflito com o modelo de 1977. O que ocorre é que, na realidade, o conhecimento e o relacionamento estavam em vigor antes da fundação formal da empresa. Outro ponto de defesa é que em nenhum momento o modelo original indica que a expansão não pode ser rápida. Na verdade, ela pode desde que haja tempo suficiente para o aprendizado e a construção do relacionamento. 22 3.2.2. TEORIA DAS REDES O estudo do papel das redes de relacionamentos (networks) é considerado uma evolução natural do pensamento da Escola Nórdica (HILAL e HEMAIS, 2003). Os estudiosos da escola procuram analisar os Negócios Internacionais sob a perspectiva das networks industriais, focalizando os relacionamentos existentes entre firmas e mercados industriais. Johanson e Mattson (1988) buscaram fazerum paralelo entre os processos de internacionalização de empresas e a existência de redes de negócios e contatos dentro das diversas indústrias, estabelecidas muitas vezes em cadeias de suprimento ou para criação de valor para os consumidores. Em vez de considerarem que o processo de internacionalização ocorre entre uma empresa e um mercado de certo modo “anônimo”, os autores deram ênfase às relações entre as empresas de uma rede de negócios, que envolvem dependência de recursos externos, tempo e esforços para construção de parcerias e desenvolvimento de relações de conhecimento e confiança mútua. No longo prazo, as empresas se tornariam interconectadas por diferentes tipos de laços (MADSEN & SERVAIS, 1997). A perspectiva considera que os próprios mercados devem ser encarados como redes. Quando associada à internacionalização, dela decorre que “a internacionalização da empresa significa que a empresa estabelece e desenvolve posições em relação a contrapartes em redes estrangeiras” (JOHANSON e MATTSSON, 1988). A premissa comportamental é a mesma do Modelo de Uppsala. Segundo esta perspectiva, a internacionalização depende tanto da própria empresa quanto do mercado (network). Atuar em conjunto com os demais integrantes de uma rede é um modo efetivo de superar a escassez de recursos e, simultaneamente, promover o aprendizado entre os participantes (GABRIELSSON & KIRPALANI, 2004). A Figura 4 apresenta um esquema de possíveis situações de internacionalização segundo a perspectiva de Networks. 23 Figura 4: Matriz de Internacionalização do Mercado e da Firma de Johanson e Mattson As empresas poderiam ser classificadas de acordo com o esquema proposto em quatro tipologias: “Pioneira” - seguiria o Modelo De Uppsala. O grau de internacionalização do mercado é baixo e existiriam poucas relações entre empresas de diferentes países. Possivelmente, o comportamento dos consumidores é muito diferente nos mercados estrangeiros, o que acarreta a percepção maior de incertezas para as empresas querendo se internacionalizar. Assim, o aprendizado experiencial torna-se crítico, o que implica no padrão de internacionalização lenta e incremental (MADSEN & SERVAIS, 1997); “Solitária Internacional” - teria o desafio de penetrar em mercados pouco internacionalizados. Esta seria uma situação mais típica das multinacionais explorando mercados nacionais ainda “fechados”; “Entrante Tardia” - seria “puxada” por participantes da sua network, por exemplo, consumidores. Aqui a situação é diferente, pois as redes entre fronteiras já estariam bem estabelecidas. “Internacional entre outras” - se concentraria em integrar networks de diferentes origens. Johanson e Mattson (1988) apontaram que quando os mercados (indústrias) já apresentam alto grau de internacionalização, os processos de internacionalização das empresas tendem a ser bem mais acelerados. Madsen e Servais (1997) complementaram que, nestes casos, os 24 processos seriam também muito mais individualizados e específicos de cada situação possível para uma empresa vis-à-vis seu mercado. Johanson e Vahlne (1990) reconheceram que os relacionamentos são conectados por redes que se desenvolvem como consequência da interação entre as firmas. Sob esta perspectiva, indústrias podem ser consideradas como redes de relacionamentos de negócios. Existiriam “custos de mudança” de um fornecedor para outro, que levariam algumas empresas a manterem seus fornecedores originais, promovendo assim a internacionalização dos mesmos. Os autores nórdicos introduziram as networks dentro da perspectiva do Modelo de Uppsala, ao descreverem como uma firma estaria primeiramente conectada a uma rede basicamente doméstica e expandiria esse relacionamento para outros países. Tais redes de relacionamento teriam importância variável de acordo com o país, assim como relacionamentos pessoais e redes seriam especialmente importantes em indústrias turbulentas ou de alta tecnologia. Desse modo, o processo de internacionalização ficaria claramente ligado à perspectiva de redes nos mercados. A internacionalização seria principalmente uma questão de estabelecer relacionamentos em mercados estrangeiros. Em um trabalho posterior, Johanson e Vahlne (2003) definiram redes de negócios como conjuntos de relacionamentos negociais interconectados, nos quais cada relação de troca ocorre entre empresas concebidas como participantes coletivos. Relacionamentos duradouros e próximos entre empresas fazendo negócios entre si seriam considerados como de importância crítica para as empresas, pois demandariam tempo e recursos para serem construídos e mantidos. Todas as empresas estariam engajadas num conjunto limitado de relacionamentos comerciais com empresas consumidoras e fornecedoras importantes, o que tornaria toda empresa como parte de uma rede de negócios sem fronteiras. Coviello e Munro (1995) reforçaram a ideia de que a teoria de networks podia oferecer uma nova perspectiva para os processos de internacionalização das empresas, particularmente para organizações menores, cujos desenvolvimentos tendiam a ser dependentes dos relacionamentos com outros. Para os autores, os mercados podiam ser descritos como um sistema de relacionamentos entre diversos participantes, incluindo consumidores, fornecedores, competidores e agências de 25 apoio públicas e privadas. Dessa forma, a ação estratégica raramente estaria limitada a uma única empresa, e a natureza dos relacionamentos estabelecidos com os outros no mercado não só influenciaria como frequentemente ditaria as opções estratégicas futuras. Neste trabalho, os autores buscaram integrar as teorias de internacionalização em estágios e de redes, concluindo que a segunda perspectiva apresenta um "elemento mais multilateral" para o processo, em vez da unilateralidade encontrada nos modelos tradicionais de internacionalização incremental. Para Coviello e Munro (1997), a teoria em estágios, possui uma visão dos condutores internos da internacionalização das empresas, ao propor que estas expandem seu alcance de mercado e métodos de entrada conforme seus gerentes ganham confiança e aprendem a partir da experiência pessoal. Já a perspectiva das redes mostra os condutores externos, demonstrando que as atividades internacionais de desenvolvimento de mercado surgem e são formadas por uma rede externa de relações formais e informais. Em suma, a abordagem das networks enxerga os mercados como redes de relações entre empresas. Sua teoria fundamenta-se na ideia de que empresas são dependentes de recursos controlados por outras empresas. Assim, a força motriz para a internacionalização seria o desejo de se utilizar recursos (disponíveis em networks internacionais) de forma a se alcançar os objetivos da empresa. Vale ressaltar que as empresas encontram-se ligadas por relações com outras empresas e a maioria das trocas se basearia em relacionamentos previamente estabelecidos. O posicionamento de uma empresa dentro de uma rede seria um ativo da empresa e permitiria a essa empresa o acesso aos recursos desejados. Dinâmica das Redes no Processo de Internacionalização Coviello (2006) discute a necessidade de estudar quais são as dinâmicas de rede dos novos empreendimentos iniciais em termos de estrutura e padrões interacionais nos estágios iniciais de seu ciclo de vida, definidos por ela como concepção, comercialização e crescimento, inclusive de internacionalização. O estudo é particularmente interessante para o presente trabalho por usar novos empreendimentos na área de tecnologia. 26 A autora conclui o estudo com sete proposições acerca da dinâmica das redes na internacionalização dos novos empreendimentos internacionais. Com relação à estrutura da rede, conforme o novo empreendimento evolui da concepção à internacionalização e ao crescimento,haverá um aumento do seu capital social, dado que: 1. Haverá um aumento da extensão e uma diminuição na densidade da rede. 2. O tamanho efetivo da rede irá aumentar e as restrições irão diminuir. 3. Manterá um alto nível de proximidade com outros atores, mas tornar- se-á cada vez mais central na medida em que atua como uma ponte entre os atores. Com relação à interação dos atores, nos três estágios iniciais da evolução do novo empreendimento: 4. Suas redes serão tanto resultado de experiências com decisões passadas (path dependence), quanto de ocorrências inesperadas, e intencionalmente projetadas. 5. Experimentará poucos efeitos resultantes de sua reputação, embora se espere que estes aumentem conforme a empresa se desenvolva e ganhe identidade. 6. Suas interações serão dominadas por laços econômicos, em vez de laços sociais. Neste caso, a autora ressalva que o resultado pode ser afetado pelo tipo de empreendimento objeto do estudo, que não eram empresas familiares, mas, em vez disso, foram concebidos por colegas de trabalho com base em experiências e contatos de seus negócios. 7. Sua rede será tanto instável quanto idiossincrática, com a duração do laço sendo uma função da intenção e / ou contribuição de cada laço. Em vez de desenvolver e manter uma rede de laços ao longo do tempo, os resultados do estudo mostram que as relações muitas vezes acabam no curto ou médio prazo. 27 Revisão do Modelo de Uppsala Em função dessas novas constatações, Johanson e Vahlne (2009) propuseram uma revisão do modelo de Uppsala à luz das mudanças ocorridas no meio econômico e dos novos estudos sobre a área desenvolvidos ao longo dos últimos anos. Assim como o modelo proposto em 1977, o novo modelo consiste em dois tipos de variáveis, de estado e de mudança, que são relevantes para ambos os lados da relação (figura 5). Em vez de “conhecimento de mercado”, a primeira variável de estado agora é “reconhecimento de oportunidades”. Ao fazer essa mudança, os autores tencionam indicar que as oportunidades, vistas como uma parte do conhecimento, são o elemento mais importante que impulsiona o processo de internacionalização. A segunda variável de estado tornou-se a “posição na rede”, em vez de “comprometimento de mercado”. Essa alteração reconhece que os relacionamentos na rede são caracterizados por níveis específicos de conhecimento, confiança e compromisso que podem ser repartidos de forma desigual entre as partes envolvidas, ocasionando uma diferença no sucesso de seu processo de internacionalização. As variáveis de mudança também sofreram alterações. As “decisões de comprometimento” passaram a ser “decisões de comprometimento de relacionamento”, a fim de esclarecer que o compromisso é com os relacionamentos ou com redes de relacionamentos. Nesta variável, a empresa decide aumentar ou diminuir o nível de compromisso com uma ou várias relações de sua rede. E, por fim, para deixar mais explícito o resultado das atividades atuais, o termo foi trocado por “criação de conhecimento e construção de confiança”. A velocidade, intensidade e eficiência dos processos de aprendizagem, criação do conhecimento e construção de confiança dependem da quantidade de conhecimento, confiança e comprometimento existente, e de oportunidades atraentes disponíveis. Assim, de acordo com os autores, neste novo modelo, a internacionalização das empresas depende de suas redes de relacionamentos. Elas irão buscar oportunidades no exterior se parceiros importantes, dentro ou fora do país de origem, tiverem relacionamentos fortes nos mercados internacionais. Isto porque este tipo de expansão tem uma probabilidade maior de encontrar oportunidades de 28 sucesso e porque demonstra o comprometimento entre os parceiros, fortalecendo a relação. Figura 5 - Modelo do processo de internacionalização da rede de negócios Na nova proposta, Johanson e Vahlne (2009) defendem que dois aspectos do processo de internacionalização deveriam ser examinados. O primeiro deve-se à organização dos mercados em redes de relacionamento, nas quais as empresas estão, em larga medida, ligadas de diversas e complexas maneiras. Isto resulta na necessidade de estar presente (insidership) nas redes relevantes para o sucesso do processo de internacionalização, ao mesmo tempo em que traz o peso de estar de fora (liability of outsidership), e consequente falta de conhecimento do mercado, para quem não ainda não se integrou a essas redes. O segundo argumento é de que os relacionamentos oferecem potencial para o aprendizado e para a construção de confiança e compromisso, pré-condições para o processo de internacionalização. Dada a nova visão de mercado como rede de negócios, os autores adicionaram ao seu modelo o conceito de “conhecimento específico de relacionamento” (relation- especific knowledge), que se desenvolve pela relação entre dois parceiros e inclui o conhecimento recíproco de seus recursos heterogêneos e capacidades. A interação contribui para um conhecimento geral sobre o desenvolvimento do relacionamento internacional e também ajuda os parceiros a aprender sobre os caminhos no quais eles podem desenvolver diferentes relações em situações alternativas. Além disso, o desenvolvimento de conhecimento é diferente do que o suposto no modelo original de 1977. Nas redes de negócios, o desenvolvimento de conhecimento não é apenas uma questão de aprender um conhecimento existente a partir de outros atores. A 29 interação entre o conhecimento de compradores e vendedores também pode resultar em um novo conhecimento. O processo de internacionalização poderia continuar a acontecer de mercado para mercado, conforme concebido no modelo original, dependendo das ações dos parceiros da empresa. Caso ela não possuísse parceiros com posições importantes na rede, poderia ir para mercados onde possa ser mais fácil conectar-se a uma empresa que já tenha essa posição no mercado-alvo. Ela poderia, por exemplo, ligar-se a um intermediário, como um distribuidor. A distância psíquica continuaria a ter um papel importante, pois determinaria a facilidade de criação e desenvolvimento de relacionamentos, que seria uma das condições necessárias para a identificação e exploração de oportunidades. Networks e a Internacionalização de Pequenas Empresas de Software - Framework Através de uma pesquisa com pequenas companhias neozelandesas desenvolvedoras de software, Coviello e Munro (1997) analisam a influência das relações de rede no processo de internacionalização de empresas de pequeno porte da indústria de software, caracterizada como de alta tecnologia, baseada em conhecimento e intensiva em serviços. Os resultados mostram que o processo de internacionalização de pequenas empresas de software reflete uma versão acelerada da perspectiva de modelo incremental, e é impulsionado, facilitado, e inibido por um conjunto de relações de rede formais e informais. Estes relacionamentos impactam a seleção e o modo de entrada no mercado externo, bem como desenvolvimento de produtos e atividades de diversificação de mercado. Neste último caso, os parceiros internacionais podem tanto facilitar quanto inibir o desenvolvimento de produtos e atividades de diversificação de mercado. Segundo o estudo, o processo de internacionalização de pequenas empresas de software: É rápido, com as empresas estabelecendo-se internacionais em menos de três anos após seu início. 30 Envolve apenas três "etapas", que começam com a intenção de entrar no mercado externo e excluem uma avaliação ou experimentação mais aprofundadas; Utiliza simultaneamente múltiplos e diferentes modos de entrada; mecanismos que fazem parte da rede internacional da grande empresa a que estão associadas. Os autores propõem um framework (Anexo 3) que apresenta as etapas de internacionalização das empresasde pequeno porte na indústria de software, seus relacionamentos de rede, e suas características ao longo do tempo. A seguir, descreve-se o padrão de desenvolvimento de internacionalização apresentado no framework. 1. A pequena empresa inicia operações com a intenção de internacionalizar. 2. No primeiro ano de vida da pequena empresa, é desenvolvida uma relação inicial com uma grande empresa, muitas vezes de forma oportunista ou reativa, e, geralmente, para fins de desenvolvimento de produtos. Esta relação também fornece um modo de entrada em um mercado psiquicamente próximo. 3. Ao longo do tempo, é desenvolvida uma rede de contatos formais e informais, geralmente facilitada pela relação inicial da empresa pequena. Esta rede fornece conhecimento de mercado e acesso potencial / modo de entrada para os mercados ao redor do mundo. O desenvolvimento do mercado internacional e crescimento de vendas torna-se mais fácil, com a entrada da pequena empresa em pelo menos dois mercados estrangeiros em menos de três anos; 4. Este crescimento proporciona uma maior visibilidade para a pequena empresa no mercado internacional, bem como um aumento das capacidades de recursos financeiros e humanos. A experiência gerencial em mercados internacionais continua a aumentar, levando a um maior conhecimento e confiança no mercado e decisões de relacionamento; 5. Com a maior experiência em relacionamentos na rede, combinada com um forte desempenho no mercado, a pequena empresa passa a desejar maior autonomia e controle sobre suas atividades de desenvolvimento de mercado. 31 Neste ponto, um dos dois padrões pode surgir: 1. A pequena empresa começa a: diversificar de suas áreas de produtos básicos; de forma proativa, buscar novos mercados; e / ou estabelecer as suas próprias vendas e escritórios de comercialização no exterior (todos independentes de parceiros de rede existentes); Ou 2. O principal parceiro, a grande empresa, continua a influenciar o processo de internacionalização da empresa menor, pois tem controle suficiente (financeiro, por exemplo) sobre esta, limitando suas oportunidades de diversificação de produto e mercado. 3.2.3. EMPREENDEDORISMO INTERNACIONAL O campo de estudos de Empreendedorismo Internacional surgiu devido à incapacidade das teorias tradicionais para explicar o fenômeno do novo empreendimento internacional (international new venture), definido como “uma organização empresarial que, desde o início, procura obter vantagem competitiva significativa do uso dos recursos e da venda de produtos em vários países” (OVIATT e MCDOUGALL, 1994). Anos mais tarde, após a revisão de artigos submetidos sobre o tema, os autores conceituam o Empreendedorismo Internacional como uma “combinação de inovação, pró-atividade, e comportamento de risco que ultrapassa as fronteiras nacionais e se destina a criar valor nas organizações” (OVIATT e MCDOUGALL, 2000). O fenômeno, embora apresente casos tão antigos como as Companhias das Índias ou a Ford, não teria sido estudado com mais interesse anteriormente, pois o foco era voltado para empresas grandes e estabelecidas. O Empreendedorismo Internacional parte da premissa de que as inovações tecnológicas nas telecomunicações e nos transportes e o aumento do conhecimento do mercado internacional pelos gestores permitem que as empresas jovens, com recursos limitados, também possam aproveitar oportunidades em múltiplos países. Essas empresas geralmente levantam capital, produzem e vendem produtos, em geral de alta tecnologia, em diferentes continentes, concorrendo com grandes empresas que já se estabeleceram globalmente. 32 A principal característica definidora das new ventures estudadas é a idade das empresas quando elas se tornam internacionais, não o seu tamanho. Enquanto as outras organizações evoluem gradualmente de empresas nacionais para empresas multinacionais, esses novos empreendimentos já iniciam suas atividades com uma estratégia proativa internacional (OVIATT e MCDOUGALL, 1994). A premissa central dos estudiosos da área é que a internacionalização não é o resultado de uma decisão estratégica alcançada em um ponto indeterminado no tempo, mas sim uma condição necessária para a própria existência do empreendimento (COOMBS et al., 2009). O primeiro framework foi proposto por Oviatt e McDougall, em 1994, buscando integrar as teorias de Negócios Internacionais, Empreendedorismo e Estratégia. Conforme pode ser visto na Figura 6, o modelo proposto pelos autores inicia nas transações econômicas. À medida que o modelo prossegue, são estreitados os subconjuntos de transações até chegar aos novos empreendimentos internacionais sustentáveis. Ele descreve quatro elementos necessários e suficientes para a existência de novos empreendimentos internacionais, mostrados nas setas mais largas: formação organizacional através da internalização de algumas transações; forte dependência de estruturas de governança alternativas de acesso a recursos; estabelecimento de vantagens de localização no exterior; e o controle sobre recursos exclusivos. Figura 6 – Modelo proposto por Oviatt e McDougall Fonte: Oviatt e McDougall (1994) 33 O primeiro elemento, a internalização das transações, já foi estudado pela teoria clássica da Internacionalização de empresas. Ela ocorre quando imperfeições de mercado tornam mais vantajoso para a empresa internalizar algumas atividades. Embora normalmente a teoria da internalização seja utilizada para explicar o investimento direto estrangeiro, a definição das empresas como internacionalizadas, sejam multinacionais estabelecidas ou new ventures, independe da propriedade de recursos no exterior. O segundo elemento, a forte dependência de estruturas de governança alternativas de acesso a recursos, deve-se à dificuldade de novos empreendimentos em dispor de recursos suficientes para controlar seus ativos. Isso obriga os empresários das new ventures a confiar em modos alternativos de controle de recursos, como o licenciamento e a franquia. O terceiro elemento, a vantagem de localização no exterior, distingue os novos empreendimentos domésticos dos internacionalizados. Embora as empresas sofram algumas desvantagens por serem estrangeiras, como barreiras governamentais, elas também podem construir vantagens nos mercados internacionais. Os autores dão como exemplo a propriedade do conhecimento e sua característica de mobilidade. Uma vez produzido em uma determinada localização, ele pode facilmente ser espalhado pelas demais unidades da companhia. E, por último, o quarto elemento, recursos exclusivos, que define a sustentabilidade do novo empreendimento internacional. No cenário econômico atual, a capacidade de uma empresa de manter seu conhecimento único a salvo da imitação por seus concorrentes determina sua sobrevivência no mercado internacional. Os autores apontam algumas possibilidades para os empreendimentos, como o licenciamento ou o uso de proteção por patentes. Ao analisar os frameworks das principais teorias de Negócios Internacionais e o Empreendedorismo Internacional, Keupp & Gassmann (2009) refletem sobre as diferenças entre eles e afirmam que eles fazem prognósticos conflitantes: enquanto os primeiros enfatizam a natureza linear, ordenada e sequencial do processo de internacionalização, o segundo enfatiza os processos dinâmicos, por vezes caóticos, da internacionalização precoce, no qual habilidades, experiência e redes sociais exercem um papel predominante. 34 Já Autio (2005) possui uma visão mais conciliadora sobre as duas correntes, considerando-as mais complementares do que contraditórias. Para ele, o modelo de Uppsala procurava explicar o processo de internacionalização já iniciado, enquanto o modelo do Empreendedorismo Internacional procurava explicar, principalmente, quão cedo e rápida a internacionalização
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