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i INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO DA UFRJ MONIQUE STONY Gestão de stakeholders para a sustentabilidade socioambiental: O caso do Programa de Desenvolvimento de Submarinos do Brasil Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. RIO DE JANEIRO 2012 ii MONIQUE STONY GESTÃO DE STAKEHOLDERS PARA A SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: O caso do Programa de Desenvolvimento de Submarinos do Brasil Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. RIO DE JANEIRO 2012 iii Stony, Monique. Gestão de stakeholders para a sustentabilidade socioambiental: O caso do Programa de Desenvolvimento de Submarinos do Brasil/ Monique Stony. Rio de Janeiro, 2012. 260f.: il. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2012. Orientadora: Denise Lima Fleck 1.Gestão de Stakeholders 2. Sustentabilidade 3.Programa de Submarinos 4. Administração – Teses. I. Fleck, Denise Lima. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. iv MONIQUE STONY GESTÃO DE STAKEHOLDERS PARA A SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: O caso do Programa de Desenvolvimento de Submarinos do Brasil Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. Aprovada por: __________________________________________ Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD/UFRJ) __________________________________________ Celso Funcia Lemme, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ) __________________________________________ Tania Nunes da Silva, D.Sc. (UFRGS) RIO DE JANEIRO 2012 v DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha família e ao meu marido, que me apoiaram durante todo o mestrado e na dura jornada de pesquisa que resultou nesta dissertação. Muito obrigada por todo suporte, compreensão e carinho. Sem vocês não seria possível. vi AGRADECIMENTOS É importante destacar a dificuldade em mencionar e agradecer a todas as pessoas que me ajudaram na concretização deste trabalho. Entretanto, aqui vai minha tentativa em dar os créditos àqueles que realmente foram um diferencial nesta intensa e proveitosa caminhada, que me proporcionou inestimável aprendizado. Primeiramente, gostaria de agradecer a Deus, que me fez manter a fé e muita dedicação, por meio das quas persisti e atingi o meu propósito. Agradeço ao meu amigo, companheiro e marido, Felipe, que foi minha base e fortaleza durante estes dois anos de muitos sacrifícios, mas também dos momentos mais especiais de minha vida, como o meu casamento. Agradeço ao Felipe, também, pelo estímulo incondicional, pela motivação, pela paciência e pela parceria nas visitas a campo durante a realização do meu estudo. Agradeço aos meus pais e aos meus irmãos que também foram essenciais nessa jornada. Eles sempre confiaram em mim, me motivaram e foram os mais orgulhosos de minhas conquistas e realizações. Não posso deixar de agradecer aos meus sogros e cunhadas, que também me apoiaram nestes anos de dedicação e de muitas renúncias aos convites da vida social. Agradeço especialmente à minha orientadora Denise Fleck, que foi mais que uma professora para mim. Foi consultora, conselheira e mentora em vários âmbitos de minha vida, desde ao acadêmico até o pessoal. Ela me ensinou a entender e a questionar o mundo organizacional. Ela me ensinou o que é estratégia, crescimento saudável e foi a pessoa com quem tive as conversas mais francas e mais profundas sobre mudança organizacional. Agradeço também sua orientação em minha pesquisa e na análise dos muitos dados que coletei, análise esta que foi sendo lapidada até se revelar como tal. Agradeço também aos professores Celso Lemme e à professora Tania Nunes da Silva, por aceitarem participar da banca para aprovação da minha dissertação. Em especial ao professor Celso, pelos ensinamentos em teorias de sustentabilidade e gestão de stakeholders, além das conversas sobre o encaminhamento de minha pesquisa. Agradeço a todos os demais professores que contribuíram para a minha formação e aprendizado no Coppead. Agradeço, ainda, a toda equipe de apoio do vii instituto: às meninas da biblioteca, em especial à Eliane, que muito me ajudou na busca de artigos para a minha pesquisa; ao pessoal da secretaria e da portaria, que sempre foi muito gentil e atencioso comigo; além do time da cantina, que também sempre foi muito dedicado e prestativo. Agradeço a todos os entrevistados participantes da minha pesquisa, que disponibilizaram suas agendas e foram muito solícitos com relação às minhas demandas para a realização desta pesquisa. Agradeço aos meus “irmãos fleckianos”, Camila Caldeira, Flávia Freitas, Gustavo Sarkovas, Laura Rielo, Raphael Assayag e Rodrigo Tasca, que foram reais companheiros de seminário, conferindo muito apoio psicológico e contribuindo com insights importantes para meu estudo. Por fim, agradeço a toda a turma 2010, que é única, brilhante e especial e que, com toda sua diversidade, me acolheu e me fez crescer pessoal e profissionalmente. Um especial agradecimento ao grande amigo Frederico Hanna, que além de já ter sido meu companheiro de trabalho, é meu vizinho da Barra, meu padrinho de casamento e meu parceiro de estudos. Em resumo, muito obrigada a todos vocês que fizeram destes dois anos os mais intensos e proveitosos de minha vida. viii RESUMO Nas duas últimas décadas, o tema sustentabilidade tem sido alvo crescente de debates nos mais diferentes fóruns por todo o mundo. No meio empresarial, a sustentabilidade corporativa tem avançado por meio do conceito do Triple Bottom Line, segundo o qual as organizações orientadas ao crescimento podem obter resultados positivos para o negócio quando incorporam dimensões econômica, ambiental e social na estratégia empresarial, com comprometimento e perpassando as obrigações legais. Neste contexto, o presente estudo buscou contribuir para o entendimento sobre os desafios associados à incorporação de valores e ações de sustentabilidade e de Responsabilidade Ambiental e Social Corporativa (RASC) na implantação de grandes empreendimentos no Brasil. A análise foi realizada a partir da literatura sobre o tema e das perspectivas captadas de diferentes stakeholders do empreendimento estudado, no intuito de melhor compreender as relações entre os diferentes stakeholders, além de verificar o alinhamento entre as ações e projetos previstos pelo empreendimento e a expectativa e demanda dos stakeholders. Foi realizada uma pesquisa documental sobre o empreendimento e de suas ações e projetos relacionados à sustentabilidade e RASC. Foram realizadas 22 entrevistas em profundidade com representantes dos diferentes stakeholders. Além disso, foram analisados dados secundários, tais como relatórios de sustentabilidade, Plano Básico Ambiental e matérias divulgadas na mídia sobre o empreendimento. O foco da análise recaiu sobre os motivadores para as ações de RASC por parte da gestão do empreendimento, além das expectativas e demandas dos stakeholders com relação ao empreendimento e como a gestão do mesmo propôs criação de valor aos stakeholders, investigando o que estes conseguiam capturarda proposta. Os resultados do estudo sugerem que, embora exista grande complexidade no relacionamento entre os diferentes stakeholders do empreendimento, principalmente no que se refere à proposta de criação de valor e a captura do mesmo, a gestão do empreendimento analisado conseguiu ter sua proposta de valor percebida de forma satisfatória por seus principais stakeholders. À luz da revisão de literatura utilizada, a análise sugere que esta proposta de criação de valor por parte da gestão do empreendimento está a caminho da chamada “sustentabilidade pós- convencional”, quando preza pelo bem-estar social, buscando consenso social acerca de questões não totalmente esclarecidas através de padrões legais. Em síntese, a investigação realizada sugere que existem dois principais desafios associados à sustentabilidade em implantações de grandes empreendimentos no Brasil, que estão relacionados: 1) à compatibilização das motivações para a sustentabilidade, por parte da gestão dos empreendimentos, com as expectativas dos diferentes stakeholders e 2) ao modo como as ações são implementadas pela gestão dos empreendimentos junto aos seus stakeholders. ix ABSTRACT Over the past two decades, sustainability has been a subject of increasing relevance on various debates and forums around the world. In business context, corporate sustainability has advanced through the concept of Triple Bottom Line, according to which growth-oriented organizations can achieve positive results when they incorporate economic, environmental and social dimensions to their business strategy, ensuring commitment to their legal obligations. In this context, this study has aimed to contribute on the understanding of challenges associated to the incorporation of values and actions on sustainability on big scale projects implementation in Brazil. This analysis has been based on the academic literature and on perspectives captured from different stakeholders of the project studied, in order to better understand the relationship among different stakeholders, and to check the alignment between actions and projects planned by project managers and the expectation and demands of stakeholders. This has included a research on project documents related to sustainability actions and programs. 22 interviews have been conducted with representatives of different stakeholders. In addition, secondary data has also been analized, such as sustainability reports, environmental plans and other reliable documents available on magazines and on the Internet. Analysis has focused on manager’s motivation for actions on sustainability, as well as the stakeholders’ expectations, demands and value creation and capture regarding project implementation. The study results suggest that the value proposal created by managers have been perceived as satisfactory by their key stakeholders, despite of the great complexity of their relations. Based on the literature review, analysis suggests that the proposal of value creation, developed by the project managers, can be considered as at "post-conventional sustainability", since they promote some welfare to their key stakeholders, seeking social consensus on issues not fully addressed by legal standards. In summary, this investigation suggests that there are two main challenges associated with sustainability on deployments of big enterprises in Brazil, which are related to: 1) the compatibility of the motivations for sustainability, by project managers, with the expectations of different stakeholders and 2) the manner in which actions are implemented by those managers among their stakeholders. x LISTA DE FIGURAS Figura 2.1 Pirâmide da Responsabilidade Social Corporativa- ........................... 25 Figura 2.2: Precursores do Sucesso Organizacional Sustentável ...................... 33 Figura 2.3 O modelo de stakeholders .................................................................... 36 Figura 2.4 Stakeholders Primários ........................................................................ 37 Figura 2.5 Stakeholders Secundários ................................................................... 37 Figura 2.6 Poder, legitimidade e urgência ............................................................. 41 Figura 2.7 Nível de Desenvolvimento Moral da Organização .............................. 47 Figura 3.1 Representação da frequência (em quantidade de ocorrências) com que as relações são mencionadas pelos entrevistados e a espessura das setas utilizadas nos mapas de relacionamento .............................................................. 59 Figura 4.1 Submarino Tupi ..................................................................................... 61 Figura 4.2 Localização: Ilha da Madeira ................................................................ 63 Figura 4.3 Projetos instalados e previstos na baía de Sepetiba ......................... 65 Figura 4.4 Áreas de Exploração do Pré-sal ........................................................... 67 Figura 4.5 Infraestutura Nacional ........................................................................... 68 Figura 4.6 Submarino modelo Scorpène ............................................................... 69 Figura 4.7 Centro de Atendimento ao Público ...................................................... 75 Figura 4.8 Unidades de Conservação do entorno no empreendimento ............. 79 Figura 4.9 Áreas de pesca na baía de Sepetiba .................................................... 83 Figura 4.10 Áreas de conflito e sobreposição com área de agregação dos botos cinza ......................................................................................................................... 85 Figura 4.11 Instalações do Programa Acreditar em Itaguaí ................................. 89 Figura 4.12 Material de Divulgação Caia na Rede ................................................ 93 Figura 4.13 Instalações do Programa Caia na Rede ............................................ 94 Figura 5.1 Stakeholders PROSUB ........................................................................ 112 Figura 5.2 Organograma da MB ........................................................................... 115 Figura 5.3 Unidades da Marinha do Brasil .......................................................... 116 Figura 5.4 Organograma COMFORS .................................................................... 117 Figura 5.5 Proposta de classificação dos valores Odebrecht ........................... 125 Figura 5.6 Linha do tempo da Sustentabilidade Odebrecht .............................. 126 Figura 5.7 Sustentabilidade como tema multidimensional ................................ 132 Figura 5.8 Política e Diretrizes de Sustentabilidade ........................................... 140 Figura 5.9 Classificação dos Stakeholders ......................................................... 183 Figura 5.10: Relações de Destruição de Valor .................................................... 187 Figura 5.11: Relações de Expectativa de geração de valor ............................... 190 Figura 5.12: Relações de Criação de Valor ......................................................... 192 Figura 5.13: Relações de Captura de Valor ......................................................... 195 Figura A.1 Visualização geral do projeto ............................................................ 216 Figura A.2 Visualização simplificada do layout do empreendimento ............... 218 Figura A.3 Localização de disposição dos geotubes com sedimentos contaminados ........................................................................................................ 221 Figura A.4 Geotube na fase de contenção de sedimentos ................................ 222 Figura A.5 Cronograma completo preliminar do PROSUB ................................ 223 Figura A.6Variação mensal da mão-de-obra direta necessária ........................ 225 Figura A.7 Variação mensal da mão-de-obra indireta necessária .................... 226 Figura A.8 Novo layout do empreendimento ...................................................... 228 xi LISTA DE QUADROS Quadro 1.1 Busca de palavras-chave em português, em temas multidisciplinares, na base CAPES: ...................................................................... 19 Quadro 1.2 Busca de palavras-chave em português, em temas de Ciências sociais aplicadas, na base CAPES: ....................................................................... 19 Quadro 1.3 Busca de palavras-chave em inglês, em temas multidisciplinares, na base CAPES: ...................................................................................................... 20 Quadro 1.4 Busca de palavras-chave em inglês, em temas de Ciências sociais aplicadas, na base CAPES: .................................................................................... 20 Quadro 2.1 Síntese de teorias para análise dos dados ....................................... 49 Quadro 3.1 Fonte de dados coletados .................................................................. 53 Quadro 3.2 Compilação dos entrevistados por público ...................................... 54 Quadro 3.3 Detalhamento das visitas de campo .................................................. 55 Quadro 3.4 Método para responder às questões do estudo ............................... 56 Quadro 3.5 Planilha de Fatos e Relatos ................................................................ 57 Quadro 3.6 Agrupamento de termos citados referentes a cada tipo de stakeholder .............................................................................................................. 58 Quadro 4.1 Comparativo das características entre o submarino convencional e o nuclear .................................................................................................................. 71 Quadro 4.2 Cronograma do Projeto de Compensção Ambiental do PROSUB .. 82 Quadro 4.3 Cronograma de ações de gerenciamento costeiro na região .......... 86 Quadro 4.4 Cronograma de formação de mão de obra para o empreendimento .................................................................................................................................. 87 Quadro 4.5 Estimativa de empregos diretos e indiretos gerados pelo empreendimento em Itaguaí no período de 2010 a 2015 ..................................... 91 Quadro 4.6 Evolução da população estimada para Itaguaí segundo a tendência autônoma de crescimento e as suposições quanto à atração de mão de obra direta e indireta para o empreendimento – 2010 a 2020 ...................................... 91 Quadro 4.7 Cronograma de atividades de Adequação de Infraestrutura ........... 94 Quadro 4.8 Cronograma das atividades de fortalecimento da pesca artesanal e da maricultura ........................................................................................................ 100 Quadro 5.1 Receita Bruta Odebrecht ................................................................... 133 Quadro 5.2 Demonstrativo Odebrecht ................................................................. 133 Quadro 5.3 Diversidade cultural da Força de Trabalho Odebrecht .................. 137 Quadro 5.4 Demandas e Expectativas dos Pescadores .................................... 149 Quadro 5.5 Projetos de fortalecimento para a Secretaria de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca de Itaguaí ............................................................................. 168 Quadro 5.6 Empresas candidatas para as ações de nacionalização ................ 177 Quadro 5.7 Síntese da Análise da Mídia .............................................................. 180 Quadro 5.8 Comparativo entre expectativas e ações ........................................ 197 Quadro A.1 Cronograma preliminar das obras de implantação do empreendimento ................................................................................................... 223 Quadro A.2 Contratos PROSUB ........................................................................... 230 xii LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 4.1 Evolução da população de Itaguaí – 2007 a 2020 ............................. 92 Gráfico 5.1: Motivações para as ações de RASC no PROSUB .......................... 106 Gráfico 5.2: Frequência relativa com que stakeholders foram mencionados nas entrevistas ............................................................................................................. 111 Gráfico 5.3 Geração de emprego Odebrecht ...................................................... 135 Gráfico 5.4 Distribuição geográfica dos integrantes ......................................... 138 Gráfico 5.5 Diversidade Etária .............................................................................. 138 Gráfico A.1 Demanda de mão-de-obra direta ...................................................... 225 Gráfico A.2: Demanda de mão-de-obra indireta ................................................. 226 xiii LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS ACIPI - Associação Comercial, Industrial e Agropastoril de Itaguaí APA – Área de Preservação Ambiental APAIM - Associação dos Pescadores Artesanais da Ilha da Madeira APLIM - Associação dos Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira CA – Compensação Ambiental CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior CN – Condição Necessária CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear CNO - Construtora Norberto Odebrecht COGESN - Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente COMFORS – Comando da Força de Submarinos CSN - Companhia Siderúrgica Nacional DCNS - Direction des Constructions Navales Services DGMM - Diretoria Geral do Material da Marinha EBN – Estaleiro e Base Naval EIA – Estudo dos Impactos Ambientais END – Estratégia Nacional de Defesa FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente FUNBIO - Fundo Brasileiro para a Biodiversidade GERCO - Setor de Gerenciamento Costeiro IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBC – Instituto Boto Cinza ICMBio - Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade ICN - Sociedade de Propósito Específico Itaguaí Construções Navais IEF - Instituto Estadual de Florestas INEA – Instituto Estadual do Ambiente LABGENE - Laboratório de Geração Núcleo-Elétrica LP – Licença Prévia MB – Marinha do Brasil MD – Ministério da Defesa xiv MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura NEA – Núcleo de Educação Ambiental Nuclep - Nuclebrás Equipamentos Pesados OM – Organização Militar ONG - Organização Não-Governamental PBA – Plano Básico Ambiental PNM – Programa Nuclear da Marinha PROSUB - Programa de Desenvolvimento de Submarinos da Marinha do Brasil RASC – Responsabilidade Ambiental e Social Corporativa RSC – Responsabilidade Social Corporativa RIMA – Relatório dos Impactos Ambientais SEA – Secretaria Estadual do Ambiente SEP – Secretaria Especial de Portos SERLA - Superintendência Estadual de Rios e Lagoas SF – Senado Federal SMA - Secretaria de Meio Ambiente SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza TBL – Triple Bottom Line TEO – Tecnologia Empresarial Odebrecht UC – Unidade de Conservação UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro Usiminas - Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais VR – Valor de Referência 2BFO - Too Big to Fail Organization xv SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 18 1.1 Considerações Gerais e Identificação do Problema ............................................... 18 1.2 Relevância do Estudo ............................................................................................18 1.3 Delimitação do Estudo ........................................................................................... 21 1.4 Questões do Estudo .............................................................................................. 22 1.5 Objetivos do Estudo ............................................................................................... 22 1.6 Organização do Estudo ......................................................................................... 23 2 REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................... 24 2.1 Sustentabilidade e Responsabilidade Ambiental e Social Corporativa ................... 24 2.1.1 Definição dos conceitos ..................................................................................... 24 2.1.2 Motivadores para o empenho em Sustentabilidade e RASC .............................. 27 2.1.3 Desafios associados à incorporação das práticas de RASC e Sustentabilidade 34 2.2 Stakeholders .......................................................................................................... 35 2.2.1 Conceito de Stakeholders .................................................................................. 35 2.2.2 Gestão de Stakeholders ..................................................................................... 38 2.2.2.1 Análise das relações entre Stakeholders............................................................ 39 2.2.2.2 Engajamento de Stakeholders ........................................................................... 43 2.2.3 Gerenciamento das Expectativas dos Stakeholders ........................................... 44 2.3 Síntese da Revisão Bibliográfica ........................................................................... 48 3 MÉTODO ...................................................................................................................... 50 3.1 Definição do Site e do Tema .................................................................................. 50 3.2 Estratégia de Pesquisa .......................................................................................... 51 3.3 Organização das Atividades .................................................................................. 51 3.4 Coleta de Dados .................................................................................................... 52 3.5 Análise dos Dados ................................................................................................. 55 4 CONTEXTUALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO ....................................................... 60 4.1 Responsabilidade .................................................................................................. 60 xvi 4.2 Histórico ................................................................................................................ 60 4.3 Localização............................................................................................................ 63 4.4 Justificativas para a realização do empreendimento .............................................. 67 4.5 Gestão ambiental e social no empreendimento ..................................................... 71 5 ANÁLISE .................................................................................................................... 106 5.1 Motivadores para as ações de RASC no Empreendimento ................................. 106 5.2 Identificação dos Stakeholders do PROSUB, os principais impactos percebidos, suas demandas e expectativas em relação ao empreendimento.................................... 110 5.2.1 Marinha do Brasil .......................................................................................... 112 5.2.2 DCNS ........................................................................................................... 121 5.2.3 Construtora Norberto Odebrecht (CNO) ....................................................... 121 5.2.4 Governo e Sociedade Civil ........................................................................... 140 5.2.5 Comunidades ............................................................................................... 146 5.2.6 Colaboradores do Empreendimento ............................................................. 158 5.2.7 Financiadores ............................................................................................... 161 5.2.8 Órgãos Reguladores ..................................................................................... 161 5.2.9 Organização Não-Governamental ................................................................ 169 5.2.10 Fornecedores ............................................................................................... 176 5.2.11 Mídia ............................................................................................................ 179 5.3 Avaliação do Posicionamento e Prioridade dos Stakeholders .............................. 183 5.4 Análise do Relacionamento entre os Stakeholders do PROSUB ......................... 186 6 CONCLUSÃO ............................................................................................................. 202 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 208 APÊNDICE ........................................................................................................................ 216 Apêndice 1 Roteiro de Entrevista ................................................................................. 216 Apêndice 2 Escopo do Empreendimento ..................................................................... 216 ANEXOS ............................................................................................................................ 232 Anexo 1 Bases de pesquisa utilizadas no Portal CAPES: ........................................... 232 Anexo 2 Exemplar Comunicado quinzenal para a Comunidade ................................. 233 xvii Anexo 3 Documento de solicitação de cessão de terreno para desenvolvimento de atividades de fortalecimento da pesca artesanal ............................................................ 234 Anexo 4 Material de divulgação do Programa Acreditar ............................................. 235 Anexo 5 Documento da APAIM de solicitação de compensação pelos impactos causados às atividades relativas à pesca artesanal ....................................................... 236 Anexo 6 Projeto da APLIM para sustentabilidade da pesca, dos pescadores e dos moradores da Ilha da Madeira ........................................................................................ 239 Anexo 7 Documento de Licença Prévia do PROSUB ................................................. 242 Anexo 8 Informações de licenciamento do PROSUB ................................................. 246 Anexo 9 Documento de Licença de Instalação do PROSUB ...................................... 247 Anexo 10 Programas socioambientais desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca de Itaguaí ....................................................................... 251 Anexo 11 Layout detalhado do empreendimento .......................................................... 256 Anexo 12 Malhas amostrais para identificação das áreas contaminadas ..................... 257 Anexo 13 Áreas contaminadas e níveis de profundidade afetados ............................... 258 Anexo 14 Área de descarte do material contaminado ................................................... 259 Anexo 15 Áreas diretamente afetadas pelo empreendimento ....................................... 260 18 1 INTRODUÇÃO 1.1 Considerações Gerais e Identificação do Problema O conceito de sustentabilidade baseia-se na ideia de que as empresas não podem mais agir como entidades econômicasisoladas, que operam sem impactos para toda a sociedade e para o ambiente em que se insere. Vários setores industriais estão reconsiderando ações a serem tomadas sobre questões de sustentabilidade, porque cada vez existem mais pressões políticas, sociais, bem como tecnológicas e financeiras, que exigem medidas para o desenvolvimento do negócio com base em sustentabilidade. É amplamente conhecido, atualmente, que a sociedade extrai do meio ambiente mais recursos do que a capacidade de renovação do mesmo, portanto, essa diferença entre o que é retirado e o que é renovado começa a alarmar organizações e comunidades de todo o mundo. Por outro lado, instituições econômicas também são capazes de promover desenvolvimento e crescimento, além de criação de novas tecnologias e provisão de financiamento para ações socioambientais que possam ajudar na recuperação do meio ambiente e na sustentação das comunidades locais. A própria sociedade exerce pressão crescente sobre as empresas para que estas tenham maior cuidado na exploração do ambiente e para que desenvolvam soluções inovadoras que visem à melhoria de fatores sociais e ambientais articulados ao crescimento econômico das organizações. Nesse sentido, é essencial que os gestores de empreendimentos saibam identificar e gerir seus stakeholders, de forma a poder entender suas necessidades e os impactos que causam para eles, além de poder atuar de forma mais integrada com os mesmos. Assim, a integração da questão da sustentabilidade à estratégia de negócios torna-se cada vez mais presente no cotidiano de organizações que buscam o crescimento, atuando de forma mais equilibrada nas dimensões social, ambiental e econômica. 1.2 Relevância do Estudo Apesar das variadas fontes de pressão sobre as organizações, para que atuem de maneira mais ambiental e socialmente responsável e de forma ativa e 19 integrada à gestão de seus stakeholders, muito pouco foi estudado academicamente sobre este tema no Brasil. A partir de pesquisas no Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior), realizadas em 08/12/2011, pode-se obter os resultados apresentados do Quadro 1.1 ao Quadro 1.4, para a busca de produção textual de artigos acadêmicos sobre os temas “sustentabilidade” e “stakeholders”. Quadro 1.1 Busca de palavras-chave em português, em temas multidisciplinares, na base CAPES: Palavra-chave sustentabilidade Campo título Bases Indicadas Temas Multidisciplinares Registros 182 Palavra-chave sustentabilidade + stakeholders Campo título Bases Indicadas Temas Multidisciplares Registros 1 Quando a busca foi refinada para as áreas de conhecimento de “Ciências sociais aplicadas”, os resultados encontrados foram ainda menores: Quadro 1.2 Busca de palavras-chave em português, em temas de Ciências sociais aplicadas, na base CAPES: Palavra-chave sustentabilidade Campo título Bases Indicadas Temas Ciências sociais aplicadas Registros 5 Palavra-chave sustentabilidade + stakeholders Campo título Bases Indicadas Temas Ciências sociais aplicadas Registros 1 No entanto, quando foram utilizados os mesmos termos em inglês, os resultados foram muito mais significativos, indicando que a literatura internacional sobre o tema é bem mais vasta que a nacional: 20 Quadro 1.3 Busca de palavras-chave em inglês, em temas multidisciplinares, na base CAPES: Palavra-chave sustainability Campo título Bases Indicadas Temas Multidisciplares Registros 12193 Palavra-chave sustainability + stakeholders Campo título Bases Indicadas Temas Multidisciplares Registros 29 Quando as buscas foram realizadas para a área de conhecimento de “Ciências sociais aplicadas”, os resultados foram pouco distintos dos anteriores, ainda bem mais expressivos que os resultados referentes à produção textual brasileira: Quadro 1.4 Busca de palavras-chave em inglês, em temas de Ciências sociais aplicadas, na base CAPES: Palavra-chave sustainability Campo título Bases Indicadas Temas Ciências sociais aplicadas Registros 12193 Palavra-chave sustainability + stakeholders Campo título Bases Indicadas Temas Ciências sociais aplicadas Registros 29 No anexo Bases de pesquisa utilizadas no Portal CAPES:, podem ser visualizadas as bases de periódicos que foram utilizadas pelo Portal CAPES para a realização das pesquisas divulgadas anteriormente. Nesse sentido, a relevância acadêmica do presente trabalho reside em sua contribuição para o segmento dos estudos em sustentabilidade, responsabilidade ambiental e social corporativa (RASC) e gestão de stakeholders. Este segmento de estudo mostra-se carente, como pôde ser visto através da pesquisa acima, no que se refere à produção científica e acadêmica, principalmente no Brasil. Além disso, os temas discutidos nesta dissertação representam preocupações que estão se tornando cada vez mais relevantes não só no país, como no mundo, quanto à 21 complexidade da implantação de empreendimentos sustentáveis e aos seus impactos, tanto ao meio ambiente como à sociedade. A relevância deste estudo para as organizações que atuam na implantação de grandes empreendimentos consiste na contribuição através da apresentação de teorias úteis ao entendimento sobre o tema sustentabilidade e a orientações para decisões futuras acerca das ações e direcionamentos sobre RASC e gestão de stakeholders. A pesquisa também se mostra relevante para estudiosos do assunto e para executivos que atuem ou queiram atuar na implantação de grandes empreendimentos, quanto para aqueles que busquem mais informações sobre práticas de sustentabilidade corporativa e gestão de stakeholders, independentemente do setor analisado. Dessa forma, possibilitar um melhor entendimento sobre a incorporação de conceitos e práticas de sustentabilidade na implantação de um grande empreendimento brasileiro pode ser amplamente benéfico para diferentes públicos. 1.3 Delimitação do Estudo A presente pesquisa consiste em um estudo de caso sobre a estratégia, os planos e as práticas de sustentabilidade socioambiental e RASC geridas no Programa de Desenvolvimento de Submarinos – PROSUB – da Marinha do Brasil (MB). Vale salientar que os trade-offs econômicos e financeiros do investimento socioambiental no empreendimento não foram objeto de estudo desta pesquisa. O estudo tem como foco a perspectiva e posicionamento dos diferentes stakeholders frente às ações e decisões gerenciadas pelo consórcio gestor (ICN – Itaguaí Construções Navais) para a implantação do empreendimento. No tocante à delimitação temporal, o estudo sobre o empreendimento e a pesquisa de campo foram realizados entre setembro de 2010 e agosto de 2011. Já a pesquisa de matérias e artigos divulgados na mídia sobre o empreendimento foi realizada até o mês de julho de 2011. Assim, é importante clarificar que a análise do empreendimento compreende apenas parte da implantação do PROSUB, pois focará apenas em suas etapas iniciais. Por se tratar de um estudo de caso, a presente pesquisa não procura fazer inferência de seus resultados para todos os 22 empreendimentos e companhias do setor, já que resultados de estudos de caso não constituem amostra representativa de uma população. 1.4 Questões do Estudo Este estudo busca responder à seguinte questão: Quais os desafios da incorporação de sustentabilidade na implantação de grandes empreendimentos no Brasil? Para responder a esta pergunta, outros questionamentos surgem como fomento à reflexão para o estudo do caso PROSUB: 1) Quais os motivadores para as ações de sustentabilidade e RASC por parte da gestão do empreendimento? 2) Quem são os stakeholders do empreendimento? 3) Qual a classificação dos stakeholders e seu grau de prioridade para o consórcio gestor do empreendimento? 4) As ações de sustentabilidade e RASC do empreendimentoestão alinhadas às demandas e expectativas dos stakeholders? 5) Como se dá o relacionamento entre os diferentes stakeholders do empreendimento? 1.5 Objetivos do Estudo O principal objetivo da presente pesquisa consiste em refletir sobre a natureza dos desafios associados à incorporação de sustentabilidade na implantação de grandes empreendimentos no Brasil. Neste contexto, como objetivos específicos para o estudo do PROSUB, pretende-se: analisar as diferentes relações entre os stakeholders do PROSUB no que tange às decisões e ações de sustentabilidade gerenciadas pelo consórcio empreendedor; entender, junto à gestão responsável, os principais motivadores para as ações de RASC e sustentabilidade relacionadas ao empreendimento; identificar os stakeholders do empreendimento; 23 classificar o grau de prioridade dos stakeholders para a gestão do empreendimento; identificar as demandas e expectativas dos diferentes stakeholders para a gestão do empreendimento; refletir sobre os desafios, dilemas e os desdobramentos estratégicos para o consórcio empreendedor frente aos esforços de gerenciamento das relações com os diferentes stakeholders do PROSUB e suas implicações para a implantação do empreendimento. 1.6 Organização do Estudo Este trabalho é composto por seis capítulos. O primeiro capítulo corresponde à introdução, com apresentação dos objetivos, da delimitação e das questões de estudo. O capítulo dois apresenta a revisão de literatura, que busca fundamentar o estudo com os conceitos mais relevantes sobre sustentabilidade, RASC, teoria e gestão de stakeholders. Não é objetivo desta pesquisa apresentar um resumo de toda a literatura revista, porém apontar um encadeamento das abordagens conceituais mais importantes para a análise da pesquisa. São apresentadas as abordagens teóricas da sustentabilidade e de RASC, que pressupõem a gestão estratégica de negócios baseada nas dimensões ambiental, social e econômica. O terceiro capítulo descreve o método de pesquisa. O quarto capítulo contextualiza o empreendimento e de sua forma de gestão. A análise dos dados obtidos é explorada no capítulo cinco, com o detalhamento analítico de cada stakeholder, para responder às questões levantadas na seção dos objetivos específicos. E o sexto, e último, capítulo apresenta a conclusão da pesquisa. 24 2 REVISÃO DE LITERATURA Considerando que a questão principal deste estudo diz respeito à natureza dos desafios associados à incorporação da sustentabilidade na implantação de grandes empreendimentos no Brasil, é preciso, primeiramente, entender os conceitos de sustentabilidade e RASC, assim como os de gestão de stakeholders. Dessa forma, a seção um deste capítulo discorrerá sobre os conceitos de Sustentabilidade e RASC. Já a segunda seção abrangerá os principais conceitos e metodologias de gestão de stakeholders. Vale ressaltar que, embora grande parte das teorias mencionadas neste capítulo faça referência a “empresa” ou ”firma”, no presente estudo será empregado o mais abrangente termo “organização”, dado que a questão de sustentabilidade perpassa todos os tipos de entidades socioeconômicas e não somente aquelas com fins lucrativos. 2.1 Sustentabilidade e Responsabilidade Ambiental e Social Corporativa Segundo Mintzberg (1984), historicamente, a corporação era controlada pelos seus proprietários na busca de objetivos econômicos. Mas com o shareholding se tornando disperso, o controle do proprietário enfraqueceu e, à medida que a corporação cresce, suas ações econômicas começam a ter consequências sociais. A corporação gigante passou a ter um controle implícito crescente por seus gerentes e o conceito de responsabilidade social – a consideração voluntária de interesses públicos sociais junto com os interesses privados econômicos – surgiu para oferecer a base da legitimidade de suas ações. 2.1.1 Definição dos conceitos É válido destacar que a preocupação com os impactos ambientais e sociais de origem de atividades econômicas não é recente. Em 1987, o documento elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento “Our Common Future” ou “Relatório Brundtland”, como ficou mais conhecido, apresentou o conceito de sustentabilidade, através de um novo olhar sobre o desenvolvimento, definindo-o como o processo que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. O relatório propõe a conciliação dos objetivos econômicos com os 25 sociais e os ambientais e aponta para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões vigentes de produção e consumo. Outro autor importante neste tópico foi Carroll (1991), que divulgou uma das abordagens iniciais sobre o tema a partir de um modelo piramidal que entendia a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) como um conceito que poderia contar com quatro categorias. Na base da pirâmide, como mostra Figura 2.1 Pirâmide da Responsabilidade Social Corporativa- o autor propõe a “responsabilidade econômica”, através da produção de bens e serviços necessários à sociedade e que garantam a sobrevivência da empresa. No nível acima, é proposta a categoria da “responsabilidade legal”, por meio da qual se espera que as empresas alcancem seus objetivos sem deixar de atender a estrutura e as exigências legais promulgadas pelo governo. Acima há o nível da “responsabilidade ética”, que envolve comportamentos ou ações da empresa – pautados em valores de justiça, respeito e imparcialidade – esperados pela sociedade. No topo da pirâmide, encontra-se a “responsabilidade filantrópica”, que contempla ações voluntárias das empresas para promover o bem-estar humano e a qualidade de vida, podendo contribuir para projetos sociais. Figura 2.1 Pirâmide da Responsabilidade Social Corporativa- Fonte: Adaptado de Carroll (1991, p.4) 26 Anos mais tarde, Elkington (1998) lançou o conceito do Triple Bottom Line (TBL), ou Tripé da Sustentabilidade, que alertava sobre a necessidade de incluir as dimensões social e ambiental à dimensão financeira na análise da performance organizacional. Antes disso, na visão tradicional das organizações, o desempenho econômico-financeiro era o principal objetivo. Ao analisar a evolução histórica das organizações, pode-se perceber que, nas décadas que se seguiram à Revolução Industrial, as atenções das empresas estiveram voltadas para o capital industrial, sugerindo que os capitais humano e natural estavam disponíveis em tamanha abundância que não mereciam atenção como fatores restritivos do desempenho empresarial. Atualmente, entretanto, o padrão começa a mudar (Lemme, 2010). Assim, com a inserção do conceito do tripé da sustentabilidade, a sustentação dos resultados da empresa no longo prazo depende da conservação e desenvolvimento das diversas formas de capital, como o financeiro, o humano e o natural. Além disso, o conceito passou a transferir o foco da responsabilidade corporativa dos stockholders (acionistas) para os stakeholders (partes interessadas), como será explicado adiante. Sustentabilidade torna-se um tema cada vez mais relevante no meio organizacional. Todavia, Lemme (2010) atenta para o fato de que sustentabilidade corporativa não deve ser confundida com ações isoladas de caridade ou filantropia. Segundo o autor, o conceito de sustentabilidade corporativa é construído através da inserção dos aspectos socioambientais no modelo de negócios da empresa, de forma integrada à estratégia empresarial e à dinâmica operacional. Quando esta integração ocorre, a prática de sustentabilidade vai além da filantropia e persiste até mesmo em tempos de crise financeira, uma vez que faz parte do modelo de negócios da organização. Mais especificamente sobre a questão da filantropia, alguns autores, como Carroll (1991),já argumentavam que Responsabilidade Social Corporativa (RSC) inclui ações filantrópicas, mas não está limitada somente a elas. Porter e Kramer (2006) defendem que a filantropia ocorre devido à falta de integração entre as justificativas das empresas para ações de RASC e suas estratégias, de forma que cada uma cria uma racionalização genérica que não está amarrada à estratégia e às suas operações. O resultado geralmente é, segundo os autores, o desenvolvimento de atividades de filantropia, desconectadas da estratégia da empresa, que não 27 causem nenhum impacto significante, nem fortalecem a organização no longo prazo. Ademais, outra consequência dessa fragmentação causada por ações de filantropia desconexas é uma grande perda de oportunidades para as organizações. Um ponto relevante levantado por Porter e Kramer (2006) que pode ser resgatado para lidar com a falácia da filantropia refere-se ao fato de que as organizações deveriam escolher problemas sociais para gerenciar, uma vez que não podem resolver todos os existentes ou arcar com os custos de tentar fazê-lo. Ao invés disso, cada companhia deveria escolher questões que estão conectadas com seu negócio em particular. Assim, as outras questões deveriam ficar para as demais empresas, como ONGs e institutos governamentais, que pudessem estar melhor posicionados para atendê-las. Neste sentido, é relevante discorrer sobre os motivadores que levam as organizações a se empenharem no planejamento e execução das ações de RASC. 2.1.2 Motivadores para o empenho em Sustentabilidade e RASC Vários são os fatores que contribuem para a intensificação da preocupação com a sustentabilidade e RASC. A partir da revisão de literatura realizada, pode-se elencar os seguintes principais motivadores das ações de RASC por parte da gestão dos empreendimentos: 1) obrigação moral (Porter e Kramer, 2006); 2) sustentabilidade (Shrivastava, 1995; Porter e Kramer, 2006); 3) reputação (Shrivastava, 1995; Porter e Kramer, 2006; Lemme, 2010); 4) licença para operar (Porter e Kramer, 2006); 5) vantagem competitiva (Ulrich e Barney, 1984; Barney, 1991; Shrivastava, 1995; Porter e Kramer, 2006; Porter e Reinhart, 2007; Lemme, 2010); 6) crescimento e sucesso organizacional sustentável (Fleck, 2006, 2010a, 2010b). É importante ressaltar que tais categorias são uma proposta de classificação das diferentes motivações, mas não são categorias ortogonais e nem mutuamente excludentes, podendo por vezes haver interseções de motivações em uma mesma situação. Tais motivadores serão detalhados a seguir. Obrigação Moral De acordo com Porter e Kramer (2006), a obrigação moral, segundo a qual as empresas têm o dever de ser boas cidadãs e de “fazer a coisa certa”, é proeminente nas metas da Business for Social Responsability, a associação líder na questão nos 28 EUA. Os autores resgatam a definição utilizada em 1987, pelo primeiro ministro da Noruega – Gro Harlem Brundtland – para explicar a noção de desenvolvimento sustentável: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (p. 3). Sustentabilidade O princípio de sustentabilidade está alinhado com o que Shrivastava (1995) já defendia na década de 1990, isto é, o investimento em sustentabilidade ajuda na redução de riscos de esgotamento de recursos naturais, na melhoria da performance ecológica dos ecossistemas e das comunidades onde a empresa opera. De acordo com Porter e Kramer (2006), este princípio apela para interesses próprios, geralmente citando o “tripé” da performance econômica, social e ambiental. Em outras palavras, as empresas deveriam operar de modo a assegurar uma boa performance econômica de longo prazo, evitando comportamentos de curto prazo que são socialmente contestados ou perigosos para o ambiente. Tal preocupação com a sustentabilidade do ambiente é importante, porque corporações de sucesso precisam de uma sociedade saudável e do uso eficiente de recursos como terra, água, energia e outras fontes naturais, que as tornam empresas mais produtivas . De forma análoga, as sociedades também precisam de companhias de sucesso. Um dos grandes problemas nesse relacionamento é que tanto os líderes das empresas, quanto os da sociedade civil têm focado muito na fricção entre eles e não suficientemente nos pontos de interseção. As escolhas tomadas pelas duas partes deveriam beneficiar ambos os lados (Porter e Kramer, 2006). Reputação Já o argumento sobre a reputação da empresa busca os benefícios estratégicos, mas raramente os encontram (Porter e Kramer, 2006). Shrivastava (1995) defende que o empenho em sustentabilidade ecológica é bom para a imagem pública da empresa. Assim como na justificativa de licença para operar, o interesse sobre reputação também foca em atender o público externo. Ainda sobre a questão da reputação e imagem pública, sabe-se que o mercado acionário reage à divulgação de informações ambientais sobre as 29 empresas, o que pode ser percebido através do esforço cada vez maior das empresas nas publicações de relatórios de sustentabilidade (Lemme, 2010). Nesse sentido, a maioria das organizações, segundo Porter e Kramer (2006), responde com a publicação de relatórios específicos, no entanto, estas publicações raramente oferecem um panorama coerente sobre as atividades de RSC. Geralmente são informações sobre ações não coordenadas e iniciativas para mostrar a sensibilidade social da empresa. Ademais, as empresas também criam rankings de organizações em relação às suas performances de responsabilidade social. Mesmo com alguns questionamentos metodológicos, esses rankings atraem uma considerável publicidade e, como resultado, a responsabilidade ambiental e social corporativa está emergindo como prioridade para líderes de empresas por todo o mundo (Porter e Kramer, 2006). Licença para operar A abordagem “licença para operar”, segundo Porter e Kramer (2006), é muito mais pragmática, pois oferece uma maneira concreta para um negócio identificar questões sociais que importam para seus stakeholders e tomar decisões sobre elas. Todavia, na busca de satisfazer estes stakeholders, as empresas acabam cedendo o controle primário das suas funções de RSC para terceiros. Os autores alertam que o surgimento da responsabilidade social corporativa nem sempre ocorre de forma totalmente voluntária. Muitas empresas só aderiram a RSC depois de serem surpreendidas pelo posicionamento de pressão do público às ações as quais não julgavam ser da responsabilidade do negócio. Da mesma maneira, as regulamentações dos governos aumentaram a demanda por relatórios sobre responsabilidade social. Dessa forma, governos, ativistas e a mídia se tornaram adeptos à cobrança para que as companhias se responsabilizem pelas conseqüências sociais das suas atividades. A pressão para ações de responsabilidade ambiental e social corporativa claramente demonstra que os stakeholders externos estão procurando participar de empresas que se preocupam com questões sociais, o que pode se configurar um risco para as empresas que não apresentam tal preocupação. Porter e Kramer (2006) alegam que, enquanto as empresas estão cientes desses riscos, elas possuem pouco entendimento sobre o que fazer sobre isso. 30 Vantagem competitiva Outro motivador para as ações de RASC é que elas podem levar a vantagens competitivas do negócio. Ulrich e Barney (1984) propõem que o aumento das vantagens competitivas das organizações está relacionado com a dependência de recursos, a eficiência organizacional e as perspectivas populacionais das empresas. Segundo os autores, o ambiente contém recursos essenciais e escassos para a sobrevivência das organizações. Assim, as organizações devem trabalhar por dois objetivos inter-relacionadosem seu ambiente estratégico: adquirir controle sobre os recursos que minimizam a dependência de outras organizações e manter controle sobre os recursos que maximizam a dependência de outras organizações nelas mesmas. Da mesma forma, Barney (1991) afirma que as empresas obtêm vantagens competitivas sustentáveis com a implementação de estratégias que exploram suas forças internas, através de respostas às oportunidades do ambiente, enquanto neutralizam as ameaças externas e evitam as fraquezas internas. Além disso, uma empresa apresenta vantagem competitiva quando implementa uma estratégia de criação de valor que não está sendo implementada simultaneamente por um competidor atual ou potencial. Assim, para a vantagem competitiva ser sustentável, é necessário que outras empresas não sejam capazes de duplicar os benefícios da estratégia. Outro autor que contribui para o entendimento das vantagens competitivas como um motivador para o empenho em ações de sustentabilidade é Shrivastava (1995), que defende que existem muitos benefícios que podem motivar ações de sustentabilidade ecológica, tais como a diminuição de custos de operação com eficiência ecológica, reduzindo resíduos e reusando materiais. Destaca, ainda, que o número de consumidores “verdes” está crescendo e a organização que se antecipa pode criar uma estratégia ambiental única, tornando-se líder da indústria. O autor revela também que práticas de sustentabilidade ecológica permitem às empresas estarem à frente da curva de regulamentos. De acordo com Porter e Kramer (2006), a responsabilidade social deve ser pensada como a análise para a escolha do negócio da empresa, pois pode se caracterizar como uma fonte de oportunidades, inovações e de vantagens competitivas. Em linha, Lemme (2010) examina a relação entre sustentabilidade corporativa e geração de valor e afirma que as empresas, atualmente, estão 31 repensando suas práticas gerenciais, apresentando maior conscientização quanto às questões socioambientais, pois elas buscam entender até que ponto essas questões afetam suas atividades. Ainda no contexto de vantagens competitivas, Porter e Reinhart (2007) atentam ainda para o fato de que as organizações que persistirem em tratar as mudanças climáticas somente como uma questão de responsabilidade social, em vez de um problema de negócios, correm o risco de piores conseqüências. Isto porque os problemas ambientais apresentam-se como uma ameaça aos negócios. Uma firma que impacta muito o ambiente e produz emissões de carbono em excesso em suas operações, por exemplo, pode ser operacionalmente ineficaz, uma vez que está desperdiçando recursos e incorrendo em custos desnecessários que certamente crescerão. Desse modo, aplicar práticas de RASC aos negócios pode ser o diferencial para manter a competitividade da organização. Para algumas companhias, a abordagem à mudança climática pode ir além da eficácia operacional e se transformar em eficácia estratégica. Neste caso, estas firmas, no processo de abordagem sobre mudanças climáticas, acharão oportunidades para realçar ou estender seus posicionamentos competitivos, criando produtos que explorem a demanda induzida pelo clima; reestruturando suas indústrias para tratar de questões climáticas de forma mais eficaz; ou inovando nas atividades afetadas pelas mudanças climáticas para produzir uma genuína vantagem competitiva (Porter e Reinhart, 2007). Crescimento e sucesso organizacional sustentável Por fim, outro motivador para o empenho em ações de RASC pode ser inferido a partir de Fleck (2009). Para a autora, o cuidado com o ambiente é um dos cinco desafios para alcançar o crescimento e sucesso organizacional sustentável. Isto porque a exploração do ambiente permite avaliar aspectos econômicos, sociais, políticos e tendências que podem impactar os negócios e conferir respostas antecipadas e proativas, ao invés de apenas reações defensivas e passivas. O desafio de navegação no ambiente propõe que é necessário lidar de maneira bem-sucedida com os vários stakeholders da organização em um ambiente dinâmico, bem como garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Tal desafio está relacionado à estratégia, em que a organização busca valor de duas formas distintas. Na primeira, a organização busca adaptar-se ao ambiente, o que 32 possibilita captar valor econômico a partir das iniciativas de criação de valor. Na segunda, a organização se esforça para capturar valor normativo, por meio da aquisição e manutenção de legitimidade organizacional (Fleck, 2009). A navegação no ambiente tem ainda duas dimensões complementares: exploração (scan) do ambiente e reação para pressões externas. A exploração do ambiente, de acordo com Fleck (2006), consiste em análise não enviesada e avaliação sistemática das condições atuais e futuras do ambiente em que opera ou considera operar. A exploração deve avaliar aspectos econômicos, sociais, políticos e tendências que podem impactar os negócios. Já a reação às pressões externas consiste em um repertório de respostas antecipadas e proativas, ao invés de apenas reações defensivas e passivas, que tendem a não contribuir muito para o crescimento, mas podem ser relevantes por um determinado período. Fleck (2010a) sugere que, embora a prática responsável seja a exceção no mundo dos negócios, a busca por um crescimento saudável engloba um conjunto de forças antagônicas que podem potencialmente ajudar que a organização não prejudique a si mesma e àqueles ao seu redor. É nesse contexto de busca pelo crescimento responsável que Fleck (2010b) propôe um modelo, conforme Figura 2.2, de condições precursoras do sucesso organizacional sustentável, que inclui razões instrumentais para perseguir a sustentabilidade ambiental. Argumenta que, quando preocupações de curto prazo prevalecem, mesmo os benefícios orientados ao longo prazo podem não motivar o gerenciamento para empenhar em ações de criação de valor no longo prazo. O modelo compõe-se de condições necessárias para o sucesso de longo prazo das organizações e desenvolve dois argumentos principais: 1) um ambiente natural sustentável é uma condição necessária para o sucesso organizacional sustentável; 2) o cuidado organizacional com a sustentabilidade ambiental pode ser instrumental em neutralizar a propensão das organizações de sucesso a declinar e o conseqüente fracasso organizacional. 33 Figura 2.2: Precursores do Sucesso Organizacional Sustentável Fonte: Fleck (2010b). Fleck (2010b) propõe que, no longo prazo, a sobrevivência organizacional depende da sustentabilidade do ambiente natural, pois a vida organizacional terminará em caso de falta de recursos naturais básicos. Dessa forma, as organizações podem ter dois papeis que as colocam em posição especial: como provedores ou restritores do progresso e do bem-estar socioeconômico, tanto por enfraquecer o ambiente natural, como por conceber soluções inovadoras para mitigar o declínio ambiental. Nesse sentido, elas devem estar envolvidas em assegurar a sustentabilidade do ambiente natural. Entretanto, esta questão não é tratada tão simplesmente, pois as motivações ambientais variam entre organizações. A autora argumenta também que, sob condições de crescimento, o declínio organizacional refere-se a políticas e práticas que atendam às necessidades de curto prazo do processo de crescimento, mas falham em abrir o caminho para a sobrevivência ao longo prazo da organização. A partir de toda a explanação anterior, pode-se perceber que não basta crescer, é preciso buscar o crescimento responsável caso queira empenhar em sucesso sustentável em longo prazo, o que reitera a importância do cuidado com o ambiente e os stakeholders nele presentes. 34 2.1.3 Desafios associados à incorporação das práticas de RASC e Sustentabilidade Muitosdesafios podem ser encontrados pelas organizações em rumo à sustentabilidade. Shrivastava (1995) aponta alguns, tais como: o alto nível de poluição decorrente de custos sedutores, porque os full costs ecológicos não são incorporados pela empresa e são deixados para as gerações futuras; os consumidores do mundo industrializado estão acostumados com o consumo insustentável e as corporações não têm recursos e nem interesse em mudar o padrão de consumo; além dos custos elevados e do pouco interesse das organizações na reestruturação de seus negócios para atender a padrões de sustentabilidade. Outro grande desafio é a vinculação da sustentabilidade ao modelo de negócios da empresa, de forma que se reflita na cadeia de valor e que esteja presente no planejamento e operação organizacional. Para tal, sugere-se a importância do desenvolvimento de um padrão de gestão sustentável, em que práticas sustentáveis sejam disseminadas ao longo da cadeia de suprimentos da empresa. Lemme (2010) aponta que algumas organizações ainda hesitam em inserir essas variáveis em seus processos decisórios, talvez pela ausência de associação clara entre aspectos socioambientais e o desempenho financeiro corporativo. Uma possibilidade neste sentido é a cooperação entre empresas, governos e cidadãos, podendo gerar eficiência com equidade, aproveitando melhor as oportunidades de progresso e reduzindo a possibilidade de arcar sozinha com os custos ambientais e sociais gerados de uma ação com responsabilidade conjunta. Mais um desafio à incorporação de práticas sustentáveis pode ser extraído de Mintzberg (1984), que alerta para a dificuldade da organização de atender os objetivos sociais e econômicos a ela atribuídos, pois muitas vezes estes estão desvinculados ou, até mesmo, em contraposição. Nem sempre o progresso e o bem- estar provenientes das atividades das organizações irão beneficiar simultaneamente todas as partes interessadas, portanto o desafio da organização configura-se no equilíbrio e gestão de seus diferentes stakeholders. 35 2.2 Stakeholders Conforme visto anteriormente, de acordo com Fleck (2009), o desafio de navegação no ambiente propõe que é necessário lidar de maneira bem-sucedida com os vários stakeholders da organização em um ambiente dinâmico, bem como garantir a captura de valor e a legitimidade organizacional. Neste contexto, ressalta- se a importância de se realizar a gestão de stakeholders, a partir do entendimento do ambiente em que a empresa está inserida e da avaliação da influência que os atores deste ambiente têm sobre a empresa e como eles podem interferir no meio ambiente em que a empresa se insere. 2.2.1 Conceito de Stakeholders Na visão mais tradicional da empresa, no século XX, as organizações preocupavam-se em atender aos interesses dos stockholders e seu objetivo principal era o seu desempenho econômico-financeiro, conforme visto anteriormente. Essa percepção foi se alterando, pois as organizações passaram a entender que se relacionava com outros tipos de interesses e públicos e que seu desempenho social também é questionado. Com a mudança de percepção, o foco de atenção foi passando dos acionistas aos stakeholders (Oliveira, 2007). De acordo com Freeman (1984), stakeholders são todas as partes que influenciam ou são influenciadas direta ou indiretamente pelas ações ou pela realização dos objetivos de uma empresa. Na visão de Clarkson (1995), stakeholders são pessoas ou grupos que têm ou reivindicam propriedade, direitos, ou interesses na organização e suas atividades no passado, presente ou futuro. Donaldson e Preston (1995) assumem que stakeholders são pessoas ou grupos com interesses legítimos nos processos ou nos impactos das atividades da empresa. Embora o termo citado nestas teorias sejam “empresa” ou “firma”, no presente estudo será adotado o termo “organização”, que é o mais adequado para o estudo das entidades analisadas. A teoria dos stakeholders, de acordo com estes autores, é usada para identificar conexões, ou a falta de conexões, entre a gestão dos stakeholders e o atingimento dos objetivos corporativos tradicionais. 36 Figura 2.3 O modelo de stakeholders Fonte: Donaldson e Preston (1995). Nesse sentido, a noção de stakeholder aumenta as responsabilidades da empresa, já que inclui responsabilidades pelos impactos que gera aos grupos sobre os quais o seu empreendimento interfere. Desse modo, a organização passa a ser entendida como institução de múltiplos objetivos (Oliveira, 2007). Os stakeholders podem ser classificados como primários ou secundários (Wood, 1990; Clarkson, 1995). Os primários são aqueles que apresentam maior nível de interdependência com a organização e cuja participação contínua é crucial para que a empresa sobreviva sem problemas sérios. Exemplos de stakeholders primários são: proprietários, clientes, fornecedores, empregados, concorrentes. Clarkson (1995) acrescenta ainda neste grupo o que ele chama de stakeholders públicos: governo e comunidade, que oferecem infraestrutura e mercado para seus negócios e cujas leis e regulamentações devem ser obedecidas e para quem seus impostos devem ser revertidos. 37 Figura 2.4 Stakeholders Primários Fonte: Wood (1990). Os stakeholders secundários, de acordo com Clarkson (1995), são aqueles que não estão diretamente ligados às atividades econômicas da empresa, embora possam exercer influência sobre ela ou possam afetar seus negócios e atividades. No entanto, não são stakeholders essenciais a sua sobrevivência, tais como a mídia, as organizações sem fins lucrativos, os analistas financeiros, as instituições financeiras. Já Wood (1990) entende que o governo e a comunidade sejam stakeholders secundários, e não primários, conforme defendido por Clarkson (1995). Figura 2.5 Stakeholders Secundários Fonte: Wood (1990). 38 Outra forma de classificação dos stakeholders é entre internos - empregados, dirigentes e os acionistas – e externos - clientes, compradores ou consumidores, fornecedores, governo, grupos de interesse especiais, mídia, sindicatos de trabalhadores, instituições financeiras e competidores. Clarkson (1995) ressalta que a sobrevivência e sucesso organizacional dependem da habilidade dos gestores de criar riqueza, valores e satisfação suficientes para seus stakeholders primários. De forma análoga, a falha na retenção da participação de um stakeholder primário pela organização pode levar ao fracasso do sistema corporativo, como corroborado na proposta de Fleck (2010b). Neste contexto, a gestão de stakeholders torna-se central ao evitar que a organização caminhe para seu declínio. 2.2.2 Gestão de Stakeholders Na gestão dos stakeholders é importante analisar cada uma das partes interessadas para saber como traçar estratégias de ação adequadas. Wood (1990) defende que, para que um processo de análise de stakeholders seja efetivo, é necessário que ocorram: a) a identificação dos grupos de stakeholders e seus interesses; b) a avaliação das relações entre os grupos de stakeholders e a organização e entre eles próprios; c) a incorporação dos tempos e processos em mapas ilustrativos das mudanças nas composições e forças que influenciam os grupos de stakeholders da organização. Frooman (1999), em concordância com Wood (1990), defende que a análise dos stakeholders envolve a necessidade de responder a três questões: 1) Quem são eles? (questão que envolve os atributos dos stakeholders); 2) O que eles querem? (questão que se refere às finalidades e objetivos dos stakeholders); 3) Como eles vão tentar conseguir o que querem? (questão sobre os meios utilizados pelos stakeholders para conseguir o que querem). Na mesma linha, Oliveira (2007) argumenta que se deve perguntar duas questões sobre os stakeholders, para uma gestão mais adequada dos mesmos:a) Quem são exatamente os stakeholders? (para identificação dos stakeholders); 2) Eles devem ser tratados iguais? (diferenciação de tratamento, pois há distintos níveis de legitimidade, importância e poder entre os grupos de stakeholders). 39 As diferentes questões levantadas acima por autores diversos levam a pensar na necessidade de três diferentes etapas na gestão de stakeholders: 1) identificação dos stakeholders; 2) Análise do grau de relevância e prioridade dos stakeholders; 3) Planejamento das formas de gestão e engajamento de cada stakeholder. A primeira etapa pode ser bem direcionada pelo conteúdo apresentado na subseção 2.2.1 Conceito de Stakeholders. Já as etapas 2 e 3 são orientadas através de teorias que sugerem formas instrumentais, respectivamente, para analisar a relevância dos stakeholders (subseção 2.2.2.1) e para geri-los e engajá-los (subseção 2.2.2.2). 2.2.2.1 Análise das relações entre Stakeholders A fim de avaliar o grau de importância dos stakeholders para uma organização, uma forma de análise foi desenvolvida por Mitchell, Agle & Wood (1997). A classificação dos stakeholders – através da classificação da saliência dos mesmos, conhecida como “stakeholders salience”, ocorre com base na apresentação de um ou na combinação dos seguintes atributos: poder, legitimidade e urgência. O atributo de poder é definido como a habilidade do stakeholder de levar a organização a fazer algo que não seria feito até então. O poder pode ser coercitivo (através de força ou ameaça), utilitário (através de recursos materiais ou incentivos) ou normativo (por meio de influências simbólicas). O atributo de legitimidade é definido como uma percepção ou assunção geralmente aceita de que as ações de uma entidade são desejáveis ou apropriadas dentro de um sistema de normas, leis, crenças e definições em um contexto socialmente construído. A legitimidade pode ser de base individual, organizacional ou social. Já o atributo de urgência é definido como quando a necessidade de um stakeholder possui uma natureza sensível ao tempo ou quando este relacionamento ou pedido é importante ou crítico para um stakeholder, exigindo atenção imediata. Neste contexto, a saliência é o grau de prioridade com que os gestores atendem as demandas de diferentes stakeholders. Mitchell, Agle & Wood (1997) ressaltam que existe uma relação de interdependência entre os atributos, para que eles, de fato, tornem o stakeholder prioritário para a organização. O atributo de poder, por exemplo, adquire autoridade através da legitimidade e ganha exercício através da urgência. Já o atributo de legitimidade ganha direitos através do poder e voz por meio da urgência. Quanto ao 40 atributo de urgência, este quando combinado com pelo menos um dos outros dois atributos, ele já muda a prioridade do relacionamento do stakeholder com a organização. Quando combinado com poder, a urgência encoraja ação do stakeholder, e quando combinado com a legitimidade, promove acesso aos canais de tomada de decisão. Uma vez combinada com os dois outros atributos, a urgência leva à ação e ao reconhecimento recíproco entre stakeholder e organização. É relevante conhecer o grau de importância dos stakeholders para que as organizações saibam como definir suas estratégias de posicionamento e relacionamento, de forma mais eficaz e mais alinhada ao seu relacionamento com cada diferente stakeholders. E este modelo permite a análise da singularidade da relação com cada stakeholder e permite o desenvolvimento de uma percepção gerencial para explicar como os gestores devem priorizar as relações com os stakeholders. No modelo de Mitchell, Agle & Wood (1997), a combinação dos três atributos discutidos acima gera sete tipos diferentes de stakeholders, conforme exposto na Figura 2.6. Aqueles que apresentam apenas um dos atributos são classificados como stakeholders latentes e são subclassificados em: 1) adormecido, 2) discricionários ou 3) demandantes. Os que apresentam dois dos atributos são chamados de expectantes e passam a requerer um nível maior de atenção e foco das organizações. Eles podem ser subclassificados como: 4) dominante, 5) perigoso e 6) dependente. Já os stakeholders que apresentam os três atributos, poder, influência e urgência, estes são considerados como 7) definitivos e devem ser priorizados e atendidos imediatamente pela organização. Vale ressaltar que atores que não apresentam nenhum dos três atributos podem não ser considerados stakeholders, de acordo com os autores e, portanto, não requerem foco de atenção gerencial da organização. 41 Figura 2.6 Poder, legitimidade e urgência Fonte: Adaptado de Mitchell, Agle & Wood (1997). De acordo com a classificação na Figura 2.6 Poder, legitimidade e urgência, de Mitchell, Agle & Wood (1997), pode-se caracterizar cada um dos sete tipos de stakeholders: 1) o stakeholder adormecido seria aquele tem poder para impor sua vontade na organização, porém não tem legitimidade ou urgência e, assim, seu poder permanece em desuso, tendo pouca ou nenhuma interação com a empresa. A empresa deve conhecer esse stakeholder para monitorar seu potencial em conseguir um segundo atributo. 2) O stakeholder discricionário possui legitimidade, mas não tem poder de influenciar a empresa, nem alega urgência. Dessa forma, não consegue exercer pressão para engajar a organização a desenvolver um relacionamento ativo com este stakeholder. A atenção que deve ser dada a essa parte interessada diz respeito à responsabilidade social corporativa, pois são os potenciais recipientes de ações nesse sentido. 3) O stakeholder demandante tem como atributo mais importante a urgência. Sem poder e sem legitimidade, pode ser cansativo ou incômodo em suas demandas, porém não consegue exigir tanto da empresa, muitas vezes só atenção. Entretanto, deve ser monitorado quanto ao potencial de obter um segundo atributo. 4) O stakeholder dominante tem sua influência na empresa assegurada pelo poder e pela legitimidade. Caracteriza a coalizão dominante na empresa. Espera e recebe muita atenção dos gestores da organização. 42 5) O stakeholder perigoso possui poder e urgência, porém não existe a legitimidade. Assim, é um stakeholder coercitivo e possivelmente violento para a organização. 6) O stakeholder dependente tem demandas urgentes e legítimas, porém depende da tutela e do poder de outro stakeholder para ver suas reivindicações sendo levadas em consideração pelos gestores da organização. 7) O stakeholder definitivo possui poder, legitimidade e urgência. A organização deve dar atenção imediata e priorizada a esse stakeholder. O mais comum é que um stakeholder dominante migre para esta categoria ao possuir uma demanda urgente para a organização. Os autores enfatizam que a classificação dos stakeholders é dinâmica, podendo variar com o tempo, com o contexto em que se inserem os atores e com suas alianças estabelecidas. Assim, se houver mudança nos atributos dos stakeholders, deve-se reavaliar a classificação de saliência ou prioridade de cada um deles para os gestores da organização. Outra forma de análise das relações com os stakeholders pode ser realizada à luz de Lepak, Smith e Taylor (2007), no que se refere às relações de criação, captura, retenção e destruição de valor, tanto no âmbito organizacional, como no âmbito do indivíduo e da sociedade como um todo. A criação de valor na organização depende da quantidade de valor que é subjetivamente pensada pelo usuário pretendido (cliente), que é o foco da criação de valor, e que seja traduzida na vontade do cliente em trocar esse valor por uma quantia monetária. Os autores diferenciam os processos de criação e de captura de valor. A organização tem como propósito criar valor para seus stakeholders. Entretanto, cada stakeholder tem sua forma peculiar de
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