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6º COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS 
GT 3 - Marxismo e ciências humanas 
 
 
Controle e exploração dos escravos rurais na República Romana1 
Mestrando José Ernesto Moura Knust (PPGH-UFF/NIEP-MARX/CEIA-UFF) 
 
Entre os séculos II e I a.C., a Itália romana testemunhou importantes 
transformações na economia rural. Uma complexa interação de processos históricos 
levou ao desenvolvimento de novas relações de produção no campo. O império romano 
havia se estendido por todo o Mediterrâneo através de uma mobilização militar cada vez 
mais longa de uma parcela da população de cidadãos cada vez maior, numa proporção 
nunca superada por qualquer outra sociedade pré-capitalista. Repetidos sucessos 
militares permitiram que os romanos trouxessem para a Itália enormes quantidades de 
riquezas, nas formas de moedas, tesouros saqueados e escravos2. 
A elite romana investiu parte desta nova riqueza em gastos ostentatórios e 
políticos em Roma e outras cidades italianas. Esses gastos permitiram novas 
oportunidades de sustento nas cidades tanto para homens livres como escravos nas mais 
diversas atividades, atraindo população para estes centros urbanos. Isto fez crescer o 
mercado consumidor de alimentos, especialmente na capital. Roma foi uma metrópole 
grandiosa, com uma população excepcional para uma cidade pré-industrial. A existência 
de tal mercado consumidor inevitavelmente influenciaria as áreas produtoras que 
tivessem disponibilidade de acesso a ele. O crescimento da demanda de alimentos 
gerado pelo crescimento do mercado urbano romano foi atendido em parte pela 
importação de alimentos sob formas de taxas das províncias, mas também estimulou 
intensificação, expansão e mudança de estratégias na produção agrícola em diversas 
áreas, especialmente na Itália3. 
 
1 Esta comunicação integra a mesa coordenada proposta sob o título “A Anatomia do Macaco: Marxismo 
e Pré-Capitalismo”. 
2 Keith Hopkins, Conquerors and Slaves Sociological Studies in Roman History. London, Cambridge 
University Press, 1978, p.29-47. 
3 Neville Morley, Metropolis and Hinterland. The City of Rome and the Italian economy (200 B.C. – 
A.D. 200). Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 
 2
Os ganhos da expansão imperial estimularam uma concentração de riqueza 
exorbitante e inédita4. Ao ficarem mais ricos, os membros da elite romana investiram 
parte considerável de suas riquezas em terras agricultáveis na Itália, pois as 
possibilidades de adquirir e preservar riqueza através da produção manufatureira ou do 
comércio eram limitadas e, principalmente, arriscadas, dado o nível de desenvolvimento 
das forças produtivas5. Essa elite concentrou a propriedade da terra muitas vezes 
desalojando camponeses cidadãos. Muitos destes camponeses expulsos de suas terras 
migraram para a cidade de Roma, para aproveitar as oportunidades que lá surgiam ou 
para aderir ao exército, ou, ainda, migraram para a recém aberta planície do norte da 
Itália, estabelecendo um novo campesinato romano nas áreas conquistadas na Itália pela 
expansão imperial6. Este processo não significou a extinção do campesinato tradicional 
italiano, como algumas interpretações foram acusadas de afirmar. Os camponeses 
permaneceram um setor fundamental da economia romana, mesmo em áreas onde 
predominavam as grandes propriedades escravistas da elite. Estes camponeses eram, 
inclusive, importantes para tais propriedades escravistas, por fornecerem mão-de-obra 
sazonal nos períodos de maior exigência de trabalhadores7. 
Porém, a expansão de um novo padrão de exploração da terra e da mão-de-
obra, baseada no trabalho escravo e na venda de uma parte importante da produção 
tanto para os crescentes mercados das tropas e das cidades, em especial Roma, como 
para o recém aberto mercado das elites provinciais é o grande dínamo das 
transformações sociais no campo romano. A arqueologia rural atesta um amplo 
adensamento da ocupação do meio rural iniciado no século II a.C. ligado ao surgimento 
de edifícios rurais de médio e grande porte8, e data deste período, o início do século II 
a.C., o mais antigo tratado de que temos conhecimento sobre a agricultura escrito em 
latim – e provavelmente mesmo o primeiro a ser escrito, já que não existem quaisquer 
referências a textos latinos deste gênero anteriores. É o De Agri Cultura, escrito por 
 
4 Aldo Schiavone, Uma História Rompida. Roma Antida e Ocidente Moderno. São Paulo: Edusp, 2005. 
5 Peter Brunt, Social Conflicts in the Roman Republic. New York: The Norton Library (Ancient Culture 
and Society Series), 1971, p.20-23. 
6 Hopkins, op.cit. p.48-56, Peter Garnsey, Cities, Peasants and Food in Classical Antiquity. Essays in 
social and economic history. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p.98. 
7 John Evans, “Plebs Rustica”. American Journal of Ancient History, 5, 1980, p. 23-26, René Martin, 
Familia Rustica: les esclaves chez les agronomes latins. In: Actes du Colloque 1972 sur l’esclavage. 
Annales littéraires de l’Université de Besançon, Paris: Les Belles Lettres, 1974, p.220-222. 
8 Norberto Guarinello, Ruínas de uma Paisagem: Arqueologia das casas de fazenda da Itália Antiga (VIII 
a.C. – II d.C.). PPGAS – USP (Tese de Doutorado), 1993, p.110-115. 
 3
Marco Pórcio Catão, eminente homem público de seu tempo9. Este texto foi 
amplamente utilizado por historiadores como fonte para o estudo da realidade rural 
italiana. Recentemente, uma matização importante desta utilização vem sendo 
apregoada, pois não podemos pensar em tal tratado como um retrato fiel da realidade 
rural de sua época10. De qualquer maneira, tomando-se os devidos cuidados, o texto de 
Catão continua a ser uma fonte importantíssima para o estudo das relações de produção 
escravistas na Itália romana. 
O fato mais marcante no texto de Catão é a caracterização deste novo tipo de 
exploração da terra e da mão-de-obra em torno do conceito de uilla rustica. Trata-se de 
uma propriedade de porte médio, que não excedesse as possibilidades de investimentos 
do proprietário (Catão, De Agri Cultura I.3). A produção estava voltada para produzir o 
máximo daquilo que fosse necessário internamente sem recorrer a compras e também 
daquilo pudesse ser vendido: para Catão o proprietário deveria ser sempre um vendedor, 
nunca um comprador (Agr.II.7). A mão-de-obra fixa da propriedade era escrava, mas, 
como dissemos, o campesinato vizinho era uma importante fonte de mão-de-obra em 
momentos de maior necessidade de trabalho, como a colheita (Agr.I.2)11. 
A uilla rustica descrita por Catão não é administrada pessoalmente por seu 
proprietário, pois este, além de possuir mais de uma propriedade, precisa viver na 
cidade para dar conta de seus interesses políticos12. Esta administração se dá através da 
chefia de um escravo de confiança, o uilicus. Catão praticamente não aborda o tema da 
mão-de-obra fora do âmbito das obrigações deste uilicus, isto é, este escravo é a figura 
central na organização do trabalho rural, sendo o elo hierárquico entre as ordens 
senhoriais e a execução desta pelos trabalhadores. Através das listas de obrigações que 
este uilicus deve seguir presentes no texto de Catão, podemos refletir sobre as 
preocupações na relação com os trabalhadores rurais, especialmente os escravos, que 
norteiam a reflexão da classe proprietária romana acerca das relações de produção 
agrárias. 
 
9 Desconhece-se a data exata de composição desta obra. A teoria mais sólida é a de que o livro trata-se de 
uma compilação de pequenas anotações de Catão sobre suas propriedades juntamente com alguns 
capítulos escritos para compor a obra, cf. Jasper Carlsen, Vilici and Roman estate managers until AD 284. 
(Analecta Romana Instituti Danici). L'Erma di Bretschneider, 1995, p.17. Catão viveu entre 234 e 149 
a.C.. 
10 Fábio Duarte Joly, FábioJoly, Libertas Opus Est. Escravidão e Cidadania à Época de Nero. São Paulo: 
Programa de Pós-Graduação em História Econômica – USP, (Tese de Doutorado), 2006, p.43. 
11 Cf. Said El Bouzidi, “La conception de Villa Rustica chez Caton. Entreprise Agricole où simple ferme 
rurale?” Gerión, 21, n.1. 2003, p.174 e Martin, op.cit., p.220-222. 
12 Egón Maróti, “The vilicus and the villa-system in ancient Italy”. Oikumene, 1, 1976, p.110 
 4
A importância fundamental da figura do uilicus cria uma mais que 
compreensível preocupação com a subordinação e obediência deste para com o senhor. 
Obviamente, a organização do trabalho só efetivará uma eficiente exploração dos 
trabalhadores se o uilicus se submeter ao que o senhor ordenou, agindo de maneira 
obediente e não autônoma, que se reflete em diversas obrigações listadas por Catão 
(Agr. V.3-5) 
Percebemos, também, uma grande preocupação nestas listas quanto a 
qualificações morais do uilicus e a retidão em suas atitudes, para que o escolhido para o 
cargo seja digno de tal incumbência e sirva de exemplo para outros trabalhadores. Esta 
preocupação se reflete tanto em ordens sobre o comportamento do uilicus (ter bom 
caráter, não se dar a determinadas práticas religiosas, etc.) quanto em ordens na relação 
entre uilicus e os outros trabalhadores (demonstrar reconhecimento com aqueles que 
ajam de maneira correta, punir com o castigo correto aqueles que cometerem faltas). 
Esta presença maciça de preocupações morais muitas vezes foi enfatizada por autores 
que pretendiam contrapor estas à existência de considerações mais elaboradas de cunho 
econômico13. Pretende-se com isso destacar os limites ou até mesmo a impossibilidade 
de desenvolvimento econômico na antiguidade. 
 Em sua obra clássica, A Economia Antiga, Finley pretende demonstrar que 
não havia um setor econômico independente na sociedade antiga. Valores fundamentais 
aristocráticos inibiriam a participação das elites em certas atividades econômicas, e isto 
teria comprometido o desenvolvimento econômico da antiguidade. Existiria uma forte 
mentalidade aquisitiva, mas não uma mentalidade produtiva14. Assim, para Finley, seria 
impossível pensar em uma racionalidade estruturando o discurso dos agrônomos latinos 
acerca da organização do trabalho rural. Pelo contrário, estes autores, segundo o próprio 
Finley, nunca iriam além de observações rudimentares baseadas no senso comum. 
Porém, acredito que tal oposição é equivocada. A obra de Catão é estruturada a 
partir de uma ótica moralista “conservadora”, sendo a agricultura valorizada como a 
forma de obter rendimentos mais digna segundo o costume dos antepassados. Porém, 
Catão afirma que a agricultura não é somente a forma mais digna, mas a forma mais 
segura de se obter rendimentos (Agr. Prefácio). A partir disto, Catão associa 
intimamente qualidades morais, trabalho eficiente e ganhos retirados da agricultura. Isto 
é, aspectos morais são vistos como fundamentais para a eficiência da realização do 
 
13 Moses Finley, A Economia Antiga. Porto, Afrontamento, 1984, p.22. 
14 Idem, Ibidem, p.77-81. 
 5
trabalho rural. Catão pretende que seu uilicus tenha qualidades morais, e que estas 
sejam exemplo para o resto dos trabalhadores, não apenas por causa de valores 
estritamente morais, mas também porque relaciona estas qualidades com a eficiência e a 
produtividade no trabalho. 
A preocupação com a eficiência no trabalho, relacionada ou não com aspectos 
morais aparece em diversas das obrigações listadas por Catão ao seu uilicus: fazer os 
trabalhadores cumprirem bem e com facilidade suas obrigações para afastá-los daquilo 
que é mal e alheio (Agr. V.2)., trabalhar bem e ser o primeiro a acordar e o último a 
dormir, para servir de exemplo (Agr. V.5), e cuidar para que sua esposa faça tudo aquilo 
que é necessário para a chegada do senhor (Agr. CXLIII), por exemplo. O uilicus deve, 
também, controlar estes trabalhadores, não só em um sentido estritamente moral, como 
já vimos, mas também coibindo brigas entre eles e verificando, no momento de trancar a 
casa, se todos estão em seus devidos lugares (Agr. V.2 e V.5). 
Desta forma, para Catão, é fundamental que este uilicus seja alguém digno de 
confiança e submisso às ordens senhoriais, mas também alguém que controle (tanto no 
aspecto moral como produtivo) os trabalhadores ao mesmo tempo em que serve de 
exemplo (novamente, tanto moral como produtivo). O uilicus deve manter a ordem 
entre os trabalhadores e, principalmente, fazê-los manter a retidão em seus atos através 
do foco no trabalho. Este aspecto é central no pensamento catoniano acerca da 
organização do trabalho. Seja através do exemplo, seja através da punição correta, o 
uilicus deveria manter seus subordinados dentro de uma rígida disciplina que associa 
retidão moral e eficiência no trabalho. O que acontece na construção conceitual que 
estrutura estas idéias de Catão, não é a invasão de conceitos moralizantes sobre o 
aspecto produtivo, mas uma associação entre estes dois campos. 
Ou seja, os desenvolvimentos das relações de produção e das formas de 
intercâmbio transformaram a realidade da agricultura italiana, e tais transformações 
impuseram aos proprietários romanos problemas que precisavam ser resolvidos e 
possibilidades que poderiam ser aproveitadas. A experiência histórica desta classe 
proprietária a levou a desenvolver estratégias de organização do trabalho agrícola, mas 
tais estratégias foram construídas e refletidas dentro de um contexto ideológico 
específico, que serviu de arcabouço conceitual ao mesmo tempo em que moldou e deu 
sentido a estas estratégias. A presença de preocupações moralizantes no texto de Catão 
não demonstra um baixo desenvolvimento de preocupações com a exploração da mão-
 6
de-obra rural, mas sim uma ideologia específica acerca desta exploração, em 
desenvolvimento concomitante com o das novas relações de produção escravistas. 
Em meados do século I a.C., por volta da década de 50, nos deparamos com 
um novo tratado sobre a agricultura do qual temos conhecimento do texto completo: a 
De Re Rustica do erudito Marco Terêncio Varrão15. Os processos de transformações da 
realidade rural italiana, que no século II a.C. começavam a tomar formas mais definidas, 
já se encontravam muito mais desenvolvidos no século I a.C.. A população urbana na 
Itália continuava a crescer, principalmente na capital16; o imperialismo romano 
consolidava-se sobre a Península Ibérica com a supressão da revolta de Sertório e sobre 
o Mediterrâneo Oriental com a derrota do rei Mitrídates do Ponto, além da conquista da 
Gália com as campanhas de Júlio César. A ocupação rural atingiu seu apogeu, com 
inúmeros edifícios encontrados pela Arqueologia tendo sua construção datada para este 
período, assim como reformas e ampliações em edifícios de construção mais antiga. 
Possuem a mesma datação, também, a implementação de custosos equipamentos para o 
beneficiamento da uva em diversos edifícios rurais17. Além disso, são datadas desta 
época as ânforas de tipo Dressel 1, usadas pelos mercadores romanos para transportar 
vinho no período final da República e encontradas por arqueólogos nas mais diversas 
regiões, da Inglaterra ao norte da África, mas principalmente na Gália, o que demonstra 
a expansão da produção de vinhas voltadas para a mercantilização e do consumo destas 
nas províncias durante este período18. 
O aspecto mercantil da produção também aparece mais desenvolvido em uma 
comparação entre os tratados de Catão e Varrão. Neste último autor, por exemplo, 
desaparece a relação com a vizinhança ainda baseada na prestação de serviços mútuos, 
pessoais ou comunitários que ainda pode ser percebida no autor anterior. Varrão 
descreve uma agricultura intensiva e uma pecuária em grande escala, uma economia 
rural dinâmica e produtiva, voltada para o mercado19. Desta maneira, no tocanteàs 
relações de produção percebidas no texto de Varrão, podemos esperar um 
desenvolvimento maior das preocupações no tocante à exploração do trabalho dos 
 
15 A exata data da composição do texto da De Re Rustica por Varrão é um tanto controversa. Na 
introdução o autor afirma ter oitenta anos ao escrever a obra, o que nos daria como data de composição o 
ano de 36 a.C.. Porém, Martin argumenta, a meu ver de maneira convincente, que tal data marcaria 
apenas a junção de dois livros posteriores a um livro I composto anteriormente, por volta da década de 50, 
cf. Martin, op.cit., p.223. 
16 Morley, op.cit. 
17 Guarinello, op.cit. p.163-169. 
18 Idem, Ibidem, p.162-163. 
19 Idem, Ibidem, p.161. 
 7
escravos e outros trabalhadores da uilla. Porém, o desenvolvimento do mercado para os 
produtos agrícolas italianos não foi o único processo histórico a influir nas 
preocupações de Varrão em seu texto. 
Entre 135 e 70 a.C., três revoltas escravas de proporções épicas ocorreram 
dentro do Império Romano, sendo as duas primeiras na Sicília e uma, a famosa rebelião 
de Espártaco, na região de Cápua, sul da Itália, não muito distante da capital romana. A 
magnitude exata destas revoltas é tema de alguns debates, mas ninguém chega a negar 
que foram rebeliões de impacto imenso, envolvendo ao menos dezenas de milhares de 
escravos e que impressionaram durante muito tempo a elite romana20. Varrão escreveu 
seu texto menos de vinte anos depois do fim da última dessas revoltas, provavelmente a 
mais impactante delas para a elite romana, e podemos identificar certas preocupações 
com o controle dos escravos que, acredito, derivam do medo de novas revoltas. 
A figura do uilicus também tem muito destaque no texto varroniano, mas em 
passagens importantes de prescrição sobre a mão-de-obra, como o capítulo 17 do livro I, 
cede espaço para um termo mais genérico sobre a chefia, praefectus, que designa todos 
aqueles escravos incumbidos de algum cargo de chefia. Ao falar destes praefectus, 
Varrão demonstra a preocupação de que os escravos escolhidos para estas posições 
tenham certas características que permitam uma chefia que estimule a produtividade, 
que seja fiel ao senhor e que seja aceita pelos subordinados, sendo esta última a de 
maior destaque no texto (Varrão, De Re Rustica 1.17.4-5). Varrão considera que três 
características são fundamentais para a aceitação da chefia pelos outros trabalhadores: 
experiência no trabalho (exerceriam a chefia aqueles que melhor conhecem o trabalho a 
ser realizado), idade mais avançada (os mais velhos seriam mais bem vistos em 
posições de chefia) e moderação nos castigos (um chefe não deveria punir com 
chicotadas se o mesmo resultado pudesse ser obtido com as palavras). 
Esta ênfase dada por Varrão na questão da autoridade dos chefes sobre seus 
subordinados e, especificamente, a preocupação com a moderação nos castigos pode ser 
mais bem compreendida quando analisamos a visão da elite romana sobre as causas das 
revoltas escravas. Por influência do estoicismo, difundiu-se entre os meios letrados 
romanos a concepção de que o modo injurioso com que alguns senhores temerários 
haviam tratado seus escravos teria sido a razão para as rebeliões servis (e.g. Diodoro da 
Sicília, Biblioteca Histórica 34/35.2). Além disso, a autoridade dos chefes escravos 
 
20 Keith Bradley, Slavery and Rebellion in the Roman World. 140-70 b.C. Indiana University Press, 
Blooming and Indianapolis, B.T. Batsford LTD, London, 1989, p.64. 
 8
servia como elemento de mediação entre escravos e senhores, garantindo o exercício da 
violência e a ordenação do trabalho ao mesmo tempo em que manteria o senhor num 
relativo distanciamento do excesso de violência21. 
Mas as preocupações de Varrão com as relações de produção ficam mais 
claras na parte final deste capítulo 17 (R.R. I.17.5-7). Neste trecho, Varrão afirma que é 
necessário manter os escravos satisfeitos, esforçados, aplicados ao trabalho, ligados a 
terra com boa vontade e fieis ao senhor através da concessão de certos incentivos 
materiais (generosidade nos alimentos e vestimentas, garantia de um pecúlio) ou 
“psicológicos” (generosidade nos descansos, tratamento com consideração). 
Há nessa passagem, portanto, a preocupação em criar entre os escravos uma 
postura produtiva e fiel ao senhor, através de uma postura benigna do senhor com 
relação aos seus escravos. Esta postura benigna, idealizada por Varrão, porém, nos 
mostra claramente os conflitos das relações de produção escravistas na Itália romana de 
seu tempo. A preocupação em estimular a produtividade do trabalho escravo através de 
incentivos materiais ou psicológicos, e não simplesmente pela coerção física, tem duas 
explicações: primeiro, como já dito, o medo de novas revoltas entre a elite romana 
estava intimamente ligado à idéia de que as revoltas foram causadas pelo mau 
tratamento dado aos escravos por senhores temerários; e, segundo, o tipo de trabalho 
desempenhado por esses escravos, principalmente a plantação de vinhas e olivas e a 
fabricação do vinho e do óleo, requeria habilidades específicas e possibilitava em 
grande escala a sabotagem, o que forçava os senhores a certas concessões no conflito 
diário destas relações de produção22. 
Além disso, os principais “incentivos” que Varrão enumera para a criação 
destas posturas de produtividade e fidelidade servem, em si, como meio de controle de 
fugas e revoltas da escravaria. Por exemplo, Varrão afirma que os chefes (praefectus) 
devem possuir esposas que lhes dêem filhos, pois desta forma eles se tornam mais 
firmes no trabalho e mais presos à terra (R.R.I.17.5). Isto é, o próprio benefício que 
serve de incentivo, a criação de uma família, serve ao mesmo tempo de mecanismo de 
controle. A melhor socialização possibilitada pelas relações de parentesco torna, para o 
escravo em cativeiro, mais custosa a ruptura com a exploração escravista, seja via fuga, 
seja via insurreição. 
 
21 Silvia Hunold Lara, Campos da Violência. Escravos e Senhores na Capitania do Rio de Janeiro 1750-
1808. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1988, p.166. 
22 cf. Stefano Fenoaltea, “Slavery and Supervision in Comparative Perspective: A Model”. The Journal of 
Economic History, Vol. 44, No. 3, 1984, p.636-640. 
 9
Outro “incentivo” que apresenta esta mesma característica é a concessão de 
um pecúlio em forma de gado para os escravos, com a formação de uma “economia 
interna escrava” (termo cunhado no estudo do escravismo moderno23). Eduardo Silva e 
João José Reis, estudando realidade similar no contexto da escravidão brasileira, 
afirmam que o aspecto de segurança sobrepõe-se aos interesses em minimizar os custos 
de manutenção da força de trabalho, motivo que poderia ser apontado automaticamente 
ao se analisar a concessão de pequenos rebanhos ou pequenos cultivos aos escravos24. O 
mesmo pode ser percebido no texto de Varrão. A idéia de diminuir os custos de 
manutenção através desta concessão aparece, mas a ênfase recai nas posturas escravas 
estimuladas com tal concessão: aplicação, zelo e firmeza no trabalho, satisfação e boa 
vontade e lealdade ao senhor (R.R.I.17.5 e I.19.3). 
Robert Slenes buscou, em seu mais famoso trabalho sobre a escravidão 
brasileira, recuperar as esperanças e recordações construídas no cativeiro a partir da 
formação de uma economia interna e de famílias escravas, ao que ele chamou de “flor 
na senzala”25. Slenes não nega que tais instituições serviam como formas de controle 
social, mas ressalta que também permitiam a criação de espaços de resistência dentro da 
escravidão. Porém, acredito que vale lembrar uma velha metáfora que também envolve 
flores: 
 
O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para 
abandonarem uma condição que precisa deilusões. [...] A crítica arrancou as flores 
imaginárias dos grilhões, não para que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, 
mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote26. 
 
O que podemos aprender nesta passagem de Marx é que exatamente por 
garantir certas perspectivas para o escravo que a constituição de uma família ou a 
formação de uma economia interna consegue funcionar como um instrumento de 
controle social por parte dos senhores. 
 
23 Robert Slenes, Na senzala uma flor. Esperanças e Recordações na formação da família escrava – Brasil 
sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p.200. 
24 João José Reis e Eduardo Silva, Negociação e Conflito. A Resistência negra no Brasil escravista. São 
Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.29. 
25 Slenes, op.cit. 
26 Karl Marx, “Introdução à Critica da Filosofia do Direito de Hegel”. In: Crítica da Filosofia do Direito 
de Hegel. Boitempo Editorial, 2005, p.145-146. 
 10
Desta forma, podemos concluir que estes dois tratados nos dão a oportunidade 
de perceber uma lógica de exploração e dominação escravistas sendo construídas ao 
longo do desenvolvimento destas relações de produção durante os dois séculos finais da 
República Romana a partir da experiência histórica da classe dominante romana. 
	6º COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS

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