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Geovana Sanches, TXXIV TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) DEFINIÇÃO O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do desenvolvimento neurológico, de apresentação variável, caracterizado por prejuízo persistente na comunicação e interação social, associado a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e/ou atividades. Apresenta impacto variável em múltiplas áreas do desenvolvimento, tais como o estabelecimento da subjetividade, relações pessoas, linguagem e comunicação, aprendizado, e capacidades adaptativas. EPIDEMIOLOGIA • 1% da população mundial • EUA o 1:150 em 2002 o 1:58 em 2014 • Aumento do número de casos relacionado pela normatização de critérios diagnósticos mais claros e precisos, maiores esclarecimentos profissionais e maior preparo nos centros de estudo • Maior prevalência em meninos o Meninos 4:1 Menina o Possível relação com TEA subdiagnosticado nas meninas • 30% dos pacientes têm deficiência intelectual • Relação com transtornos psiquiátricos e neurológicos o Retardo mental: 15 a 80% (média de 45%) o Epilepsia: 5 a 10% o Alterações frequentes: visão, audição, motora ETIOLOGIA O TEA é de etiologia multifatorial, envolvendo aspectos genéticos e ambientais. Genética • Alterações cromossômicas o Mais de 100 genes já foram identificados o Mais importante: cromossomos 7 e 15 (associados às síndromes de Prader-Willi e de Angelman) • Taxa de concordância de 60 a 90% em gêmeos monozigóticos • Chance 20x maior de uma criança com um irmão autista também ser afetada Ambiental Os fatores ambientais interagem com o genoma por mecanismos epigenéticos, podendo explicar os diferentes fenótipos presentes no TEA. • Idade parenteral avançada no momento da concepção • Prematuridade • Baixo peso ao nascer • Hipoxemia e isquemia pós-parto • Infecções e intoxicações fetais o Álcool o Tabaco • Exposição intraútero ao ácido valproico PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS • Dificuldade de comunicação • Dificuldade de socialização • Questões sensoriais o Sensibilidade tátil e/ou ao movimento (medo de altura) o Sensibilidade gustativa (seletividade alimentar) o Sensibilidade auditiva e/ou visual (luz intensa) o Procura sensorial e distraibilidade (pulos, produz barulhos estranhos) o Hiporresponsividade (não responde ao ser chamado) SUSPEITA DO TEA A suspeita do TEA se dá a partir da identificação de diferenças no comportamento e no DNPM das crianças autistas quando comparado àquelas que não apresentam o transtorno. Há diversos sinais sugestivos e de alerta que devem ser observados, auxiliando na suspeita clínica. Durante o atendimento, é especialmente importante atentar-se se a criança apresenta prejuízos na comunicação e socialização; interesses restritos; e comportamentos repetitivos e estereotipados. Sinais sugestivos no 1º ano de vida • Perda de habilidades já adquiridas • Não se voltar para sons • Não apresentar sorriso social • Baixo contato ocular e deficiência no olhar sustentado • Baixa atenção à face humana Geovana Sanches, TXXIV • Demonstrar maior interesse por objetos do que por pessoas • Não seguir objetos e pessoas próximas em movimento • Apresentar pouca ou nenhuma vocalização • Não aceitar o toque • Não responder ao nome • Imitação pobre • Baixa frequência de sorriso e restrito engajamento social • Fixação em estímulos sensório-viso- motores • Incômodo incomum com sons altos • Irritabilidade no colo e pouca responsividade no momento da amamentação • Distúrbio de sono Sinais de alerta 6 meses • Poucas expressões faciais • Baixo contato ocular • Ausência de sorriso social • Pouco engajamento sociocomunicativo 9 meses • Não faz troca de turno comunicativa • Não balbucia “mama/ papa” • Não olha quando chamado • Não olha para onde o adulto aponta • Imitação pouca ou ausente 12 meses • Ausência de balbucios • Ausência de gestos convencionais, como por exemplo abanar para dar tchau • Não fala mamãe e papai • Ausência de atenção compartilhada Em qualquer idade • Perda de habilidades Sintomas frequentes • Ecolalia • Isolamento • Não compartilha • Contato ocular intacto • Atraso ou ausência de fala • Rotinas • Estereotipias • Interesse por partes de brinquedos INSTRUMENTOS E ESCALAS Devido à grande neuroplasticidade dos primeiros dois anos de vida, quanto mais precoce o diagnóstico, mais rápido pode ser instituído o tratamento e melhores serão os resultados a longo prazo no funcionamento socioadaptativo. É por isso que o Departamento de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda aos pediatras e profissionais de saúde que trabalham com crianças da primeira infância que seja realizado em consulta a aplicação de instrumento de triagem de indicadores do TEA. Existem vários instrumentos e escalas, sendo o mais utilizado o Modified Checklist for Autism in ToddLers (M-CHAT). Preconiza-se que ele seja aplicado entre 18 e 24 meses de vida, devendo ser respondido pelos pais e cuidadores. Escore M-CHAT O M-CHAT é um questionário referente ao desenvolvimento e comportamento da criança, sendo utilizado como um escore para triagem. Ao final do questionário, é fornecido um score de pontos que define o risco para autismo. Crianças com baixo risco devem manter o acompanhamento de rotina com o pediatra; já aqueles de alto risco, ou seja, aquelas com resultados superiores a 3 (falha em 3 itens no total) ou em 2 dos itens considerados críticos (2,7,9,13,14,15), devem ser diretamente encaminhadas para avaliação formal por técnicos de neurodesenvolvimento. Aquelas com risco intermediário são elegíveis para a segunda etapa do questionário, com a aplicação da entrevista de seguimento (M- CHAT-R/F), que visa obter informações adicionais sobre as respostas de risco. Conforme o resultado, há reclassificação da criança em baixo ou alto risco. Geovana Sanches, TXXIV Outras escalas • ADI-R (Autism Diagnostic Interview Revised) • CARS (Childhood Autism Rating Scale) • GARS (Gilliam Autism Rating Scale) • ADOS - G DIAGNÓSTICO O diagnóstico do TEA é clínico baseado na observação clínica direta e ocorre em média aos 4 ou 5 anos de idade. É de extrema importância que ele seja precoce, tendo em vista que o diagnóstico tardio causa prejuízo no desenvolvimento global da criança É muito importante a revelação diagnóstica, pois a qualidade das informações pode repercutir positivamente na forma que os familiares enfrentam o problema. Critérios diagnósticos: DSM-5 Para conclusão do diagnóstico, a criança deverá se enquadrar nos critérios do DSM-5, considerando a presença atual ou história prévia dos déficits na comunicação e na interação social em múltiplos contextos. Critérios diagnósticos: DSM-5 Critério A Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos): 1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais 2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso de gestos, a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. 3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequara contextos sociais diversos, a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares. Deve-se especificar a gravidade atual, com base em prejuízos na comunicação e padrões de comportamento restritos e repetitivos. Critério B Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos): 1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos (p. ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas). 2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente) 3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos). 4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento). Deve-se especificar a gravidade atual, a qual se baseia em prejuízos na comunicação social e em padrões de comportamento restritos e repetitivos. Geovana Sanches, TXXIV Critério C Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida). Critério D Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente. Critério E Esses distúrbios não são mais bem explicados por deficiência cognitiva ou atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual e TEA costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível do desenvolvimento. Dificuldades para o diagnóstico do TEA em meninas • Presença de masking o Característica de mascarar e camuflar aspectos e/ou comportamentos sociais neurodivergentes o Tentativa de se “encaixar” na sociedade neurotípica o É mais comum em meninas o Exemplos § Disfarçar estereotipias (rabiscar folha ou manipular objetos ao invés de fazer o movimento de vai e vem com o corpo) § Ensaiar interações sociais • Meninos x meninas o Meninos têm maior dificuldade em externalização, como problemas de conduta e hiperatividade o Meninas tem mais problemas de internalização, como ansiedade e depressão, além de melhor interação social e habilidades na linguagem • Diagnosticadas erroneamente como tendo transtornos psiquiátricos • Estudos, questionários e escalas feitos majoritariamente direcionados para os meninos Classificação de gravidade Os sintomas são variáveis, sendo importante classificar as crianças quanto à gravidade de cada um dos aspectos do TEA. De acordo com o nível de apoio, necessário, classificamo-nos em: • Nível 3: exige apoio muito substancial. Por exemplo: grande limitação, fala ininteligível e/ou inflexibilidade de comportamento associado a grande sofrimento com mudanças; • Nível 2: exige apoio substancial. Por exemplo: prejuízos sociais aparentes mesmo na presença de apoio, com limitação em iniciar interação social e/ou movimentos repetitivos que aparecem com frequência e interferem no funcionamento do paciente • Nível 1: exige apoio. Por exemplo: dificuldade em iniciar interação social com respostas atípicas a aberturas sociais e/ou inflexibilidade causando prejuízo no funcionamento em alguns contextos. Fluxograma COMORBIDADES Até 70% dos pacientes com TEA apresentam algum outro transtorno associado, motivo pelo qual é preciso especificar a presença de comprometimento intelectual ou da linguagem concomitante, associação a outras condições médias conhecidas ou a outros transtornos mentais. Principais comorbidades associadas • Transtornos psiquiátricos o Ansiedade o Depressão o Comportamentos autolesivos o Tiques • TDAH Geovana Sanches, TXXIV • Deficiência intelectual (DI) • Déficit de linguagem • Alterações sensoriais • Doenças genéticas o Síndrome de Down o Síndrome do X Frágil o Síndrome de Angelman o Esclerose Tuberosa o Síndrome de Williams o Síndrome de Klinefelter (XXY) o Síndrome de Turner (X0) o Síndrome de Moebius o Fenilcetonúria o Hipomelanose de ITO • Transtornos gastrointestinais e alterações alimentares • Síndrome fetal alcoólica • Distúrbios neurológicos o Epilepsia o Distúrbios do sono • Comprometimento motor o Dispraxia (coordenação) o Alterações de marcha o Alterações motoras finas DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS • Déficit auditivo o Sempre deve ser descartado em pacientes com atraso na fala, por meio da realização de audiometria ou potencial evocado auditivo do tronco encefálico o Nesses casos, não há prejuízo na sociabilização e respondem a outros estímulos • Deficiência intelectual • Transtornos de linguagem o Interferem na socialização, mas não vêm acompanhados com gestos ou comportamentos repetitivos • TDAH • Transtornos de ansiedade e do apego reativo o Há melhora na comunicação e sociabilização nos locais em que os pacientes se sentem confortáveis e seguros • TOC • Esquizofrenia • Síndrome de Landau-Klener o Início entre 2 e 8 anos o Afasia de expressão, associado a síndrome epiléptica • Síndrome de Rett o Mutação no gene MECP2 de herança dominante ligada ao X, afetando especialmente meninas o Há repressão do desenvolvimento neuropsicomotor a partir dos 6 a 18 meses de vida, acompanhada de redução do crescimento do PC com microcefalia evidente aos 2 anos o Há comprometimento motor importante, com marcha atáxica, e desenvolvimento de movimentos estereotipados de mãos (contorcer das mãos), além de perda do envolvimento social e da linguagem CONDUTA A intervenção precoce é o padrão-ouro para o tratamento do TEA, incluindo diversas modalidades terapêuticas: • Estímulo do desenvolvimento social e comunicação • Proteger o funcionamento intelectual e diminuir danos • Melhorar a qualidade de vida • Estimular autonomia • Diminuir angústias da família Terapias Terapia cognitivo-comportamental A terapia cognitivo-comportamental intensiva iniciada antes dos 3 anos e direcionada para o desenvolvimento da linguagem parece ser eficaz em melhorar a capacidade de linguagem e a função social do paciente a longo prazo. Acompanhamento multiprofissional • Fonoterapia • Psicoterapia • Terapia ocupacional • Psicopedagogia • Professores especializados Intervenções dietéticas Não há estudos com resultados conclusivos acerca da exclusão de glúten e leite de vaca. Medicamentos A farmacoterapia é utilizada na minoria dos casos e de preferência em monoterapia. Aplica-se apenas para o controle de sintomas relacionados ao TEA (irritabilidade, hetero ou auto- agressividade) ou tratamento de comorbidades neuropsiquiátricas, como o TDAH e TOC. Geovana Sanches, TXXIV PROGNÓSTICO O TEA não é um transtorno degenerativo, podendo ocorrer aprendizagem e compensação dos sintomas ao longo da vida. Os sintomas são mais acentuados na primeira infância e nos primeiros anosde vida escolar, com ganhos no desenvolvimento ao final da infância, pelo menos em cercas áreas. A maioria dos pacientes apresentam melhora na adolescência, mas uma minoria vive e trabalha de forma independente na fase adulta. Os principais fatores prognósticos são a presença de deficiência intelectual e o comprometimento da linguagem associados. SÍNDROME DE ASPERGER Em 2013, a Síndrome de Aspergar foi incorporada pelo DSM dentro do espectro autista, na tentativa de não mais incentivar o uso da nomenclatura. Muitos acreditam que esses pacientes apresentavam um “autismo de alta performance”, mas isso é um mito, tendo em vista que o QI deles é variável assim como nos neurotípicos. Trata-se, na realidade, de um TEA com sintomas menos severos, no qual não há atraso na linguagem ou no desenvolvimento cognitivo. Associadamente, esses pacientes podem ter habilidades supranormais, o que deu origem ao mito supracitado.
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