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1 O PAPEL ATRIBUÍDO À EDUCAÇÃO PELA IGREJA CATÓLICA N O PROCESSO DE RESTAURAÇÃO: A AÇÃO DO PADRE JÚLIO MARI A, 1891- 1897 Peri Mesquida - Programa de Pós-Graduação em Educação - PUCPR. Resumo A Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, publicada em 1891, a Carta Pastoral do Episcopado Brazileiro ao Clero e aos Fiéis, dos Bispos do Brasil, de 1890 e a Encíclica Quanta Cura, do Papa Pio IX, de 1864, foram os documentos que serviram de apoio e de instrumentos de ação do Padre Julio Maria na sua “cruzada” missionária e pedagógica em favor da Restauração da Igreja. Sua peregrinação pelas regiões Sul e Sudeste do Brasil, pregando por meio das Conferências da Assunção, a necessidade de se resgatar a força missionária e educativa da Igreja foi de enorme importância para o processo de Restauração. O Padre Julio Maria foi, ainda, um dos poucos clérigos católicos a perceber que, na época, o Brasil passava por um processo de acomodação do modo de produção capitalista e a Igreja cumpriria a sua missão na medida em que se colocasse a serviço dos mais humildes, em particular, se ela ouvisse o Sermão da Montanha e fizesse eco ao mandamento de Jesus Cristo de “ir a todo o mundo ensinando toda criatura”.Isto é, na medida em que ela se investisse da sua vocação docente. Palavras-chave: educação; igreja; missão; restauração; ensino. Introdução A proclamação da República, em 1889, poria fim a sessenta e sete anos de monarquia e, ao mesmo tempo, aproximaria o Brasil, no que diz respeito à forma do sistema político, dos demais países do Continente. O Brasil, a exemplo dos Estados Unidos da América, passaria a ser juridicamente, uma federação republicana, sob o 2 regime democrático, isto é, de soberania popular, segundo a visão de mundo liberal. Esta segue a célebre formula de Montalembert, retomada por Cavour por ocasião do discurso proferido no Congresso Católico de Malines, Bélgica, em 1863: “Uma igreja livre num Estado livre”. Dessa maneira, o decreto de 7 de janeiro de 1890, estabelece a separação das duas instituições, ou aparelhos, o aparelho político e aparelho religioso. Dois meses e meio depois, no dia 19 de março de 1890, os onze bispos católicos no Brasil assinaram uma Pastoral Coletiva, redigida, ao que tudo indica, por D. Macedo Costa que, alguns meses mais tarde, apresentou, também, o documento intitulado “Alguns pontos de reforma da Igreja do Brasil”. Na Carta do Episcopado Brazileiro ao Clero e aos Fiéis, título dado à Pastoral Coletiva acima nomeada, os signatários afirmam que a Igreja “não cessa de acentuar a distinção entre os dois poderes e de proclamar a independência da sociedade civil na órbita das suas atribuições temporais...Assim, se a Igreja se mostra extremamente zelosa de sua independência nas coisas espirituais, nela encontra também o Estado o mais extremo propugnador de sua autonomia e de seus direitos nas coisas temporais”(Episcopado Brazileiro, p. 23). E, após reconhecer que o “Brasil não é mais uma potência católica” (p.37), interrogam: “o que fazer neste caso concreto, neste novo regime, neste novo modus vivendi que nos é imposto pela força das circunstâncias, no período conturbado e incerto que vamos atravessando?” Foi precisamente no contexto da proclamação da República e da separação dos “dois poderes” que Júlio César de Morais Carneiro, advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, vereador em Rio do Sul e promotor público em Mar de Espanha, Minas Gerais, resolve, após ficar viúvo de segundas núpcias, retirar- se para o seminário de Mariana e preparar-se para o sacerdócio, adotando, o codinome de Julio Maria. Concluído o curso no seminário, com cinqüenta e quatro anos de idade, ele será o primeiro padre redentorista brasileiro. De 1891 até 1897 o Padre Júlio Maria percorrerá os Estados das regiões Sul e Sudeste realizando conferências de esclarecimento e de aquecimento da fé, baseado, em especial, nas Encíclicas Rerum Novarum, do Papa Leão XII (15 de maio de 1891), e Quanta Cura/Syllabus, do Papa Pio IX (08 de dezembro de 1864), esta última acompanhada do Silabo (“Repertório dos principais erros da nossa época”). Neste texto estamos utilizando a edição da 3 Rerum Novarum, de 1977 (Edições Paulinas), e a edição de 1951, da Quanta Cura (Editora Vozes). Júlio Maria percebeu, com clareza, que o país vivia um momento importante de “acertos” no modo de produção, cujos reflexos foram a proclamação da República, a separação da Igreja do Estado e a política econômica do governo republicano. Por isso, Júlio Maria irá pregar contra “o despotismo do capital que deverá se sujeitar às leis da eqüidade; exigir dele não só a caridade, mas a justiça a que tem direito o trabalho; dignificar o trabalhador; cristianizar a oficina; levar, no ensino os postulados da consciência humana às fábricas onde a máquina absorve o homem...”. Qual o remédio para os males da Igreja e do povo brasileiro? “O ensino – eis o grande remédio - a grande necessidade do momento atual...a maior de todas as obras da caridade paroquial é ensinar os ignorantes”, portanto, “já é tempo que se ensine e que se estude”, escrevia ele na sua Memória sobre A Religião Durante o Império (JÚLIO MARIA,1950, p., 78). Para Júlio Maria, seria tempo de se estudar para compreender a situação em que se encontrava o País e de ensinar para salvar o povo do jugo dos soberbos (“donos do capital”), por meio da construção de uma consciência clara da realidade e da capacidade de se ver livre da escravidão a que o povo estava submetido pela ignorância. A educação seria, ao mesmo tempo, escudo e lança. Arma de combate e defesa contra os males que assolavam o povo católico. 1. Julio Maria: Esboço biográfico O padre Julio Maria, cujo nome era Júlio César de Moraes Carneiro, natural de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, nasceu em1850 e faleceu em 1916. Com vinte anos de idade iniciou o curso de ciências jurídicas, na Faculdade de Direito de São Paulo, o qual terminou em 1875. Trata-se de um período de efervescência política no Brasil, pois ocorria a “questão religiosa”, e o partido republicano havia sido criado, contando entre seus fundadores bacharéis que haviam sido formados na mesma Faculdade em que ele estudara, e freqüentado a Loja Maçônica “América” na qual o então estudante de Direito, Júlio César, foi também iniciado (1871). Ao que tudo 4 indica, sua entrada na maçonaria deveu-se ao fato de que ali os republicanos discutiam sobre o futuro do país, não mais como monarquia, mas como república democrática. De acordo com documento que se encontra no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana (MG) (Processo de generi et moribus: processo que investiga a naturalidade e filiação de um candidato às ordens religiosas e sua isenção de impedimentos canônicos. De moribus investiga por meio de depoimentos de terceiros e banhos a conduta moral do candidato às ordens), contendo os autos do processo que respondeu em 1890 para sua aceitação no ministério da Igreja, consta sua declaração de que fora levado a se iniciar na Loja América por “motivos políticos e desejoso de fazer discursos democráticos”. Portanto, teve como “irmãos” Saldanha Marinho, Rangel Pestana, Ruy Barbosa, os irmãos Manoel e Prudente de Moraes Barros, que cursaram a mesma Faculdade de Direto que ele na qual todos receberam uma formação liberal e democrática. Ao ficar viúvo de segundas núpcias, em 1889, portanto, no mesmo ano da Proclamação da República, começou a refletir sobre sua vida e aderiu ao catolicismo como praticante: “Caí, como São Paulo, do meu cavalo e encontrei, depois de um golpe vertiginoso e louco, o meu caminho de Damasco” (JULIO MARIA, 1950, p. 8). Em 1890 entrou no Seminário redentorista e foi ordenado sacerdote, em 1891. Sua intenção como pregador do Evangelho, era “discutir,propagar, trabalhar e combater pela fé”. Como essa era a missão que tomara para si, Dom Silvério Gomes Pimenta, Coadjutor de Mariana, não hesitou em nomeá-lo Missionário Apostólico, em 1895. Dois anos depois, iniciou suas Conferências da Assunção, percorrendo o Sul e o Sudeste do Brasil, de Juiz de Fora, Minas Gerais, ao Rio Grande do Sul. Suas conferências, ao todo trinta e duas, despertaram ciúmes e até a ira. Respondeu a processos por heresia, chamado de “padre rebelde que se tem prestado a instrumento de tantas paixões...fazendo propaganda contra a nossa religião”(JULIO MARIA – CARTA, 1899). No entanto, padre Julio Maria percebe Deus como “Deus das Ciências” e defende a “harmonia da fé com a razão, pois...Santo Tomás, e como ele, os Alberto Grande, Boaventura, Scott, Hallés, Bacon, por aceitarem os dados da fé, nunca repudiaram os da razão e da ciência” (JULIO MARIA, Discurso 1900). 5 Portanto, Padre Júlio Maria já havia superado, no final do século XIX, a discussão sobre a incompatibilidade entre ciência e fé. Para ele, O fato da revelação se prova como qualquer fato histórico; neste exame a razão não deriva senão de si mesma: ela é livre de pôr em ação todas as regras, todas as exigências da crítica mais vigorosa. É unicamente à luz da evidência e da certeza histórica que ela reconhece o caráter divino das origens do cristianismo. Os mistérios da fé ficam incompreensíveis, sem dúvida, como os enigmas absolutamente transcendentes da ciência; eles são de sua natureza insondáveis, mas a razão pode certificar-se que eles não encerram nenhuma contradição lógica, nenhuma incompatibilidade real com qualquer certeza científica (JULIO MARIA, 1988, p. 276). Com essa visão da relação entre fé e ciência, Julio Maria escutava os ecos das palavras do Papa Leão XIII e se colocava em choque com o clero brasileiro conservador, pondo em relevo a importância do saber e, conseqüentemente, da educação. Tocado pela visão iluminista de mundo, provavelmente aprendida na Loja América e na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, Júlio Maria não renegava os sentimentos democráticos e liberais, defendendo a idéia de que a “igreja precisa se aproximar do povo” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1898), pois a “Igreja não só aceita a forma democrática, como a reconhece harmônica com os princípios essenciais do cristianismo e os ensinos da doutrina católica”. Ensino que deveria se constituir em uma estratégia de ação a fim de que a doutrina fosse difundida, a ignorância superada e a Igreja assumisse um lugar preponderante na vida nacional. 2. JÚLIO MARIA: A EDUCAÇÃO COMO ESCUDO E LANÇA. A visão que o Padre Júlio Maria tinha do momento pelo qual a sociedade estava passando era de um democrata, pois, para ele, seguindo a Carta do Episcopado Brazileiro, a separação da Igreja do Estado concedia à Igreja a liberdade para que ela cumprisse a missão para a qual fora vocacionada por Jesus Cristo: salvar os homens, ensinando-os. A rigor, a Igreja, agora livre do poder secular e, conseqüentemente, do padroado, poderia atender às exigências de Roma e exercer a missão. Esta liberdade é 6 reconhecida pela Carta do Episcopado Brazileiro ao Clero e aos Fiéis: “...tal como está redigido, o decreto assegura à Egreja Catholica no Brazil certa somma de liberdades como ella nunca logrou no tempo da monarchia”(1890, p. 48). Júlio Maria Acreditava que a autoridade tendo, com a República passado das classes às massas e o futuro pertencendo como pertence à democracia, uma missão é imposta ao clero, o qual não é um instrumento de reino ou um apoio dinástico, mas uma força social, que deve se fazer sentir por meio da pregação e do ensino ( JULIO MARIA, 1981, p. 5). Mais uma vez, Julio Maria repetia o pensamento do episcopado brasileiro expresso na Carta de 1890: Entre nós a oppressão exercida pelo Estado em nome de um pretenso padroado foi uma das principais causas do abatimento da nossa Egreja, do seu atrophiamento quase completo. Era uma proteção que nos abafava...Agora, não podemos nos calar nem os Ministros ficarem indifferentes: Ide e ensinae! Brilhe a vossa luz aos olhos dos homens(p. 46 e 70) Contudo, se o ensino era importante para fazer da massa ignorante um povo organizado, era também fundamental para esclarecer o espírito das elites, das classes dirigentes. Por isso, “instruamos a mocidade” (JULIO MARIA, 1950, p. 240- 241), recomendava. A rigor, para Júlio Maria, a República deu “em matéria religiosa, liberdade à Igreja. Não desaproveitemos desta; procuremos, pois, no terreno legal a modificação das leis, a reforma do ensino...pois, o padre é um reformador social”. Portanto, se a Igreja agora “livre” da tutela do Estado, precisa exercer sua missão esta deverá ocorrer a partir da influência a ser exercida sobre a legislação brasileira no sentido de realizar a reforma que possibilitasse à igreja desenvolver o processo de restauração por meio da ação educativa. E, o Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum, havia conclamado o clero católico a “aceitar o direito constituído e combater a legislação que se afigura contra a missão da Egreja”. Infelizmente, naquela época, para o Padre Julio Maria, “o clero não tinha nenhum valor social e político, nem ele pesa, como deveria acontecer, na balança da opinião” (JULIO MARIA, 1950, p. 241-242, 249). No entanto, a Igreja deveria influenciar uma reforma da legislação, em particular, a legislação do ensino, como queriam também os protestantes 7 (MESQUIDA, 1994). Mas, se o clero não podia exercer influência direta porque já não pesa na “balança da opinião”, podia ao menos fazê-lo por meio das suas orações, elevando “prece à Nossa Senhora para que inspire os parlamentares no sentido de que saibam tirar da obra de D. Bosco os princípios e as idéias que devem ser adotadas na legislação sobre o ensino e a educação das novas gerações”(JULIO MARIA, 1950, p. 170). Acreditava o Padre Julio Maria que o período da República não pode deixar de ser o período do combate – a Igreja precisa cristianizar a oficina e levar o ensino cristão, os supremos postulados da consciência humana, “às fábricas, onde a máquina absorve o homem...” (JULIO MARIA, 1950, p. 248). Portanto, Julio Maria percebia com bastante clareza, a nova realidade que o modo de produção capitalista estava construindo tanto nos países centrais quanto nas nações periféricas do sistema. Na realidade, para ele, era fundamental Mostrar aos pequenos, aos pobres, aos proletários que eles foram os primeiros chamados pelo Divino Mestre, cuja igreja foi logo, desde seu início, a igreja do povo, na qual os grandes, os poderosos, os ricos também podem entrar, mas se têm entranhas de misericórdia para a pobreza; sujeitar o despotismo do capital às leis da eqüidade; exigir dele, não só a caridade, mas a justiça a que tem direito o trabalho, dignificar o trabalhador; levar o ensino cristão, os supremos postulados da consciência humana às fábricas, onde a máquina absorve o homem, não lhe deixando tempo senão de ganhar dinheiro, queimar carvão, ou aperfeiçoar a raça dos animais...convidar francamente, sem hipocrisia política, nem covardia religiosa, a democracia ao banquete social do Evangelho...Unir a Igreja ao povo (1950, p. 247). Para Julio Maria, cabia à Igreja lutar em favor dos oprimidos, pois era esta a sua vocação original. E, não somente isso: a Igreja precisava, no cumprimento da sua missão salvifíca, “sujeitar o capital às leis da eqüidade” cristã e exigir justiça dignificando, assim, o trabalhador. Por isso, a visão da realidade social, política e econômica que o Padre Julio Maria demonstrava ter, prenunciava, de certa forma a “opção preferencial pelos pobres” exarada no Concílio Vaticano II, de 1963 e nos Concílios de Medellín e Puebla. 8 E, ao acentuar a importância do ensinocristão (leia-se católico) como arma de combate, Julio Maria trilhava o caminho aberto pela Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, quando estabelece que A Igreja ao se contentar com indicar o caminho que leva à salvação, ela conduz a esta e aplica por sua própria mão ao mal o conveniente remédio: ela dedica-se toda a instruir e a educar os homens segundo os seus princípios e a sua doutrina, cujas águas vivificantes ela tem o cuidado de espalhar, tão longe e tão largamente quanto lhe é possível (1977, p. 24). Seguidamente, nos seus escritos, aparece a palavra combate (talvez Julio Maria estivesse pensando no apóstolo Paulo que combateu “o bom combate”), seja para dizer que o que “nos falta é a resolução para o combate”, seja para incitar o clero a não se deixar vencer pela indolência e se lançar na luta de cristianização da República, por meio do ensino. Portanto, a educação é uma arma de combate da qual a Igreja deve fazer uso para se fazer presente na sociedade e cumprir a sua missão. Sua leitura da história da Igreja no Brasil levava-o a ter em alta conta a importância do ensino, pois “as primeiras ordens religiosas que se estabeleceram no Brasil, depois dos jesuítas (1549), os beneditinos, os franciscanos capuchinhos, etc., sempre deram, como os inacianos, grande importância ao ensino” (JULIO MARIA, 1950, p. 38). Dessa maneira, ele irá dar loas ao Caraça (Colégio católico fundado em Minas Gerais no século XVIII), “esse santuário célebre, de cujas aulas têm saído, há tantos e longos anos, tantos brasileiros que lhe devem, em todas as posições sociais, a primeira cultura do espírito, e os primeiros preparos do coração” (Idem, p. 119). A nação que agora se rejuvenesce, com a República, “cujo primeiro vagido político foi o Grito do Ipiranga”, depende das ordens religiosas as quais “pela difusão de idéias e sentimentos cristãos, com o clero regular e secular, com suas aulas”, fortalecem a nação (JULIO MARIA, 1950, p. 134). Durante o Império os Imperadores (D. Pedro I e D. Pedro II) exerceram o direito do padroado que Portugal havia recebido dos Papas Leão X e Julio III, em 1514 e 1550, respectivamente. O Imperador, a partir de 1843, fez do padroado um verdadeiro regalismo, podendo abrir e fechar seminários, aceitar ou não as bulas papais (placet), nomear ou não bispos, alem de o Estado ser o depositário das rendas da Igreja: “o regalismo invadiu tudo, apoderou-se de tudo, de tudo serviu-se, leis, 9 códigos, ministérios, câmaras, assembléias, para manietar e oprimir a Igreja” (JULIO MARIA, 1950, p. 145), enfraquecendo sua atividade apostólica, que não foi de todo debilitada porque as ordens monásticas mantiveram-se firmes na educação da juventude: A única compensação ao enfraquecimento cada vez maior das ordens monásticas no Brasil foi o devotamento com que certas congregações estrangeiras, a dos Lazaristas, a dos Jesuítas, a dos Salesianos e, mais tarde, já iniciado o novo regime político, a dos Redentoristas, vieram a entregar- se aos árduos trabalhos da educação da juventude (JULIO MARIA, 1950, p. 165). Portanto, a educação como escudo na defesa da fé sustentada pela Igreja católica no Brasil no momento em que dava início o processo de restauração. Se durante o Império a Igreja estava enfraquecida, agora com a República, ela teria um campo aberto para realizar sua obra missionária, vendo-se livre de “um fardo que a abafava”, pois o novo regime “era incontestavelmente a liberdade restituída à Igreja brasileira depois de sua longa e triste escravidão” (JULIO MARIA, 1950, p. 220). Para Julio Maria, qual era o “remédio”, o tônico capaz de fazer a Igreja sair da letargia aproveitando da liberdade que lhe caíra nas mãos? O “ensino, eis o grande remédio – a grande necessidade do momento atual...a maior de todas as obras paroquiais é ensinar”(JULIO MARIA, 1950, p. 178). Afinal, a história da Igreja era a história do ensino e da instrução, pois, “quem senão a Igreja, em todas as épocas, instruiu o povo? A Igreja” (JULIO MARIA, 1988, p. 139). 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na Carta Pastoral do Episcopado Brazileiro, os signatários afirmam que a Igreja Não cessa de acentuar a distinção entre os dois poderes e proclamar a independência da sociedade civil na órbita das suas atribuições temporais...Assim, se a Igreja se mostra extremamente zelosa de sua independência nas coisas espirituais, nela encontra também o Estado o mais extremo propugnador de sua autonomia e de seus direitos nas coisas temporais” (CARTA DO EPISCOPADO BRAZILEIRO, 1890, p. 23). E, após reconhecer que “o Brasil não é mais uma potência católica” (p. 37), interrogam: “o que fazer neste caso concreto, neste novo regime, neste novo modus vivendi que nos é imposto pela força das circunstâncias, no período conturbado e incerto que vamos atravessando?” E, respondem: Apreciar a liberdade da Igreja em si, e a liberdade tal qual nos é reconhecida pelo decreto; apossados dessa liberdade...fazer votos e esforços para que ela se complete e se torne efetiva; cumprir com ânimo resoluto, firme... os nossos deveres cristãos na nova era que se inaugura para o Cristianismo católico no nosso caro Brasil” (p. 45). Finalmente, vendo-se livres de um fardo, o peso do padroado, “uma proteção que nos abafava”(p. 46), pretendem permanecer “um em Jesus Cristo, para a reforma dos nossos costumes públicos, para o levantamento moral do nível da nossa civilização aos olhos das outras nações, para a glória daquele Senhor Onipotente, árbitro supremo delas, que as eleva ou as abate conforme a retidão dos seus juízos”. Foi precisamente neste contexto que Julio Maria iniciaria sua caminhada apostólica de esclarecimento, de combate, em particular à apatia da igreja e ao positivismo, e de defesa de uma ação pedagógica ostensiva da Igreja, fundado, em particular, na Carta do Episcopado Brazileiro, de 1890 e na Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. Nesta Encíclica, o Papa procura orientar o clero a buscar nas massas populares católicas, em vias de obterem o direito de voto, “um contraponto para a política anticlerical praticada pela maioria dos governos” (LORENZETTI, p. 37), 11 reconhecendo ao mesmo tempo, a situação em que se encontrava a massa trabalhadora, explorada pelas relações de produção capitalistas. Julio Maria percebeu com clareza que o país vivia um momento de “acertos” no modo de produção, cujos reflexos foram a Proclamação da República, a separação da Igreja do Estado e a política econômica do governo republicano. A sua formação em Direito realizada na Faculdade de Direito de São Paulo em um período de efervescência política, com a criação do Partido Republicano, a fundação da Loja América e a Questão Religiosa, foi de grande importância para a construção de sua visão político-religiosa de mundo. A Carta Pastoral do Episcopado Brasileiro lhe dava um referencial teórico oficial e a Encíclica Rerum Novarum lançava luz para que ele refletisse sobre as questões relacionadas com o modo de produção. Daí que Julio Maria irá pregar contra “o despotismo do capital que deverá se sujeitar à lei da eqüidade”. Para ele, era fundamental que a Igreja exigisse do capital “não a caridade, mas a justiça a quem não tem direito ao trabalho”, pois assim estaria “dignificando o trabalhador” (JULIO MARIA, 1950, p. 121). Percebendo o perigo de o homem se tornar um “gorila amestrado”, como dizia Gramsci, conclama a Igreja a levar “os supremos postulados da consciência às fábricas, onde a máquina absorve o homem, não lhe deixando tempo senão de aperfeiçoar a raça dos animais” (Id. p. 121). Assim, a Igreja deverá convidar opressores e oprimidos, “francamente ao banquete social do evangelho, transfigurando-a no crisol da fé para que incorporetodas as classes à grande massa à qual compete hoje o predomínio que já não pode pertencer às dinastias, aristocracias ou burguesias” (p. 121). Julio Maria se identificava, assim, com o republicanismo, adotava (para muitos dos seus colegas perigosamente), consciente ou inconscientemente, o materialismo histórico e dialético como método de análise e se aproximava do Manifesto Comunista, de Marx e Engels. A ação da Igreja precisaria ser imediata e contundente, utilizando a ação pedagógica como elemento de formação de opinião e de recristianização da nação. Se o ensino estava de “tal sorte paganizado” que o próprio Imperador resolvera advertir o Ministério do Interior e Obras Públicas, responsável pela educação, sobre o estado em que se encontrava a instrução do Império” (JULIO MARIA, 1950, p. 100), acreditava Julio Maria que a situação do país estava caótica “porque a educação era materialista” 12 (no sentido do materialismo capitalista). Portanto, era urgente “educar o povo para assegurar a prosperidade da nação”. Julio Maria e os Bispos signatários da Carta de 1890, tinham uma visão bíblico-teológica do “divini magisteri” da Igreja: “o ensino da Igreja será para todos a regra imediata de fé, e quem não ouvir a Igreja, disse Jesus, segundo o Evangelho de Mateus 18.17 e Lucas 10.16, seja tido como pagão e publicano, pois quem a ouve, a mim me ouve”. Por isso “ide e ensinai a todas as nações, e eis que estarei convosco todos os dias até o fim dos séculos”. Portanto, na medida em que “a Igreja tem nos lábios a sílaba fulgurante, o Verbo de Deus, o seu primeiro poder é o magistério”. (Carta do Episcopado Brazileiro, 1890, p. 31). Julio Maria acreditava que “o homem é um ente ensinado”, por isso, a Igreja teria uma missão educativa e uma educação missionária. Esta com a finalidade de construir no povo uma consciência cidadã e resgatar, por meio das escolas paroquiais, do ensino primário e do ensino secundário, a ortodoxia católica; aquela, deveria se efetuar junto à elite, em particular a elite urbana, atraindo-a para as hostes da Igreja possibilitando que esta retome a hegemonia perdida. 13 REFERÊNCIAS 1. CARTA DO EPISCOPADO BRAZILEIRO. Ao clero e aos fieis da Egreja no Brazil. São Paulo: Typographia A Vapor de Jorge Seckler & Comp., 1890. 2. JULIO MARIA, Pe. O catolicismo no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1950. 3. JULIO MARIA, Pe. Conferências da Assunção. Aparecida, São Paulo: Editora Santuário, 1988. 4. LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum. São Paulo: Paulinas, 1968. 5. LORENZETTI, Romanização do catolicismo e educação no Brasil. Curitiba, PUCPR: Dissertação de Mestrado, 1998, inédita. 14 6. MESQUIDA, P. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil. Juiz de Fora/São Paulo: Edufjf/Editeo, 1994. 7. MESQUIDA, P. Educação e hegemonia católica no Brasil (1870 a 1890). In: Revista Diálogo Educacional, Vl. 2, Número 3, 2001. 8. PIO IX. Papa. Quanta cura/Syllabus. Petrópolis: Vozes, 1951. 9. VILLAÇA, A.C.O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
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