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Os 6 argumentos de quem não pratica a atenção Farmacêutica

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Os 6 argumentos de quem não pratica a 
atenção Farmacêutica 
 
 
 
Por Egle Leonardi 
 
 
Você, farmacêutico que atua no varejo, é daqueles que engrossam o coro dos 
que têm medo de exercer a atenção farmacêutica em sua plenitude, com receio 
de errar na execução? A pergunta pode até parecer jocosa para muitos... mas 
saiba que há um contingente de profissionais que evita a prática da atenção 
farmacêutica por alguns motivos facilmente compreensíveis. Se você é um 
deles, vai se reconhecer. Entenda as alegações: 
1. Eu não ganho nada a mais com a prática da atenção farmacêutica; 
2. Não há espaço na minha farmácia para isso; 
3. Meu chefe não permite e por não ser farmacêutico, não compreende a 
importância da prática; 
4. Não é a política de atendimento em minha rede que tem um perfil mais voltado 
para drugstore; 
5. Meu foco é apenas a dispensação de medicamentos e cadastro no SNGPC - 
não me sobra tempo para mais nada; 
6. A margem de erro - acerto e o retorno desse acerto não compensa o risco; 
 
Já os que aplicam a atenção farmacêutica 
em seus estabelecimentos discordam 
totalmente desses argumentos. Há um 
consenso entre eles: é uma prática simples 
e lucrativa, se feita com critérios e métodos! 
 
Antes de entrar nos detalhes da execução, vale a contextualização do tema. As 
atividades de atenção farmacêutica - seja na drogaria ou na farmácia de 
manipulação - foram regulamentas por várias legislações. A inicial é a RDC 44, 
de 2009. Relembre alguns trechos dela: 
Art. 63 - A atenção farmacêutica deve ter como objetivos a prevenção, detecção 
e resolução de problemas relacionados a medicamentos, promover o uso 
 
 
racional dos medicamentos, a fim de melhorar a saúde e a qualidade de vida dos 
usuários... §1º Para subsidiar informações quanto ao estado de saúde do usuário 
e situações de risco, assim como permitir o acompanhamento ou a avaliação da 
eficácia do tratamento prescrito por profissional habilitado, fica permitida a 
aferição de determinados parâmetros fisiológicos e bioquímicos do usuário, nos 
termos e condições desta Resolução. 
Art. 64 - Devem ser elaborados protocolos para as atividades relacionadas à 
atenção farmacêutica, incluídas referências bibliográficas e indicadores para 
avaliação dos resultados. §1º As atividades devem ser documentadas de forma 
sistemática e contínua, com o consentimento expresso do usuário. 
Art. 68 - A atenção farmacêutica domiciliar consiste no serviço de atenção 
farmacêutica disponibilizado pelo estabelecimento farmacêutico no domicílio do 
usuário. Na prática, a atenção farmacêutica, seja na drogaria ou na farmácia de 
manipulação, segue os mesmos parâmetros de legislação. O farmacêutico deve 
manter registro de todas as suas atividades, seja orientação, intervenções ou 
qualquer tipo de informação tecnocientífica. 
Na drogaria: o farmacêutico deve diferenciar a assistência prestada no balcão 
da atenção farmacêutica. No caso de atenção farmacêutica, ele deve ter um 
acompanhamento sistemático e documentado com todos os parâmetros que a 
legislação pede. Por esta atenção o profissional pode ser remunerado. O 
atendimento deve ser feito em local privativo, garantindo ao cliente sigilo total 
das informações pessoais. Se for necessário para prever ou manter a saúde do 
cliente, o farmacêutico poderá prescrever medicamentos que se façam 
necessários, de acordo com a legislação do exercício profissional vigente. 
Na farmácia de manipulação: o farmacêutico pode prestar as mesmas 
atividades, registro e documentações efetuadas na drogaria, com a diferença 
das medicações a serem prescritas (se necessárias). Não pode envolver 
substâncias que exijam o acompanhamento clínico e o diagnóstico prévio de um 
médico. 
 
Além da RDC 44/09, a atividade está prevista 
na Resolução/CFF 546, de 21 de julho de 
2011; Resolução 586, de 29 de agosto de 
2013; Lei Federal 9.120, de 26 de outubro de 
1995; Resolução/CFF 585, de 29 de agosto 
de 2013; e a Lei 13.021/13. 
 
Sobre o medo de errar 
 
 
Para o professor de Ética e Atendimento Farmacêutico do ICTQ, Adauto Luiz 
dos Santos, como a primeira regulamentação mais explícita veio pela Anvisa 
(RDC 44/09) muitas drogarias e farmácias ficaram sem saber como iriam ser 
fiscalizadas. “Bem, essa dúvida paira até hoje, tanto nos órgãos fiscalizadores 
(vigilância sanitária e CRF) como entre os proprietários dos dois segmentos 
(drogaria e farmácia de manipulação). Na prática, todos têm medo de errar, seja 
na fiscalização ou na execução... são poucos estabelecimentos que praticam a 
atenção farmacêutica de forma correta”. 
Ele diz que as grandes redes de drogarias ainda não estão sabendo aproveitar 
essa ferramenta, talvez por falta de visão comercial ou somente um desinteresse 
e desconhecimento sobre a capacidade do profissional farmacêutico. “Os 
hospitais também passaram por isso. Atualmente, os grandes já sabem o valor 
da atenção farmacêutica. As pequenas redes de drogarias que trabalham de 
forma séria e responsável com a saúde da população já estão fazendo a 
diferença... Já as farmácias de manipulação têm várias desvantagens... de 
trabalhar com substâncias puras, fiscalização constante, e a classe médica que 
ainda vê o farmacêutico como concorrente e não como parceiro na atenção e 
promoção da saúde da população”, fala o professor. Ele diz que, infelizmente, 
muitos profissionais ainda não perceberam como é importante a atenção 
farmacêutica nas farmácias, drogarias e em vários segmentos que envolvem 
medicamentos. 
Relatos de quem pratica e não pratica a Atenção Farmacêutica 
A farmacêutica auditora da Unimed Manaus, que já atuou no varejo, Marina 
Lima, acredita que debater a prescrição farmacêutica não é uma tarefa fácil, até 
mesmo por se tratar de um assunto novo para todos, apesar de a orientação 
sempre ter sido uma atribuição clínica. “Na prática, isso acontece com menos 
frequência do que deveria. O mercado ainda se encontra tímido para a atenção 
farmacêutica, apesar das demandas individuais da sociedade. O povo brasileiro 
clama por mais cuidado na saúde. Acolher esse pedido é um grande desafio, 
mas também uma oportunidade única para que o farmacêutico possa assumir 
um papel relevante nas ações em busca de uma melhoria da saúde da 
população”, defende ela. 
O conselheiro do CRF-SC e proprietário da Farmácia Batista - Farma&Farma, 
em Joinville (SC), Laércio Batista Júnior, é um praticante e defensor da atenção 
farmacêutica em seu estabelecimento. Aliás, ele comenta que a maior 
rentabilidade em sua farmácia é a prestação de serviços. 
Ele mantém local reservado para isso, a sala do farmacêutico (consultório), sala 
de aplicação, sala de colocação de brincos. “Esses serviços são prestados 
desde 1990, mas foi implementada a atenção farmacêutica em sala distinta a 
partir de 2000, quando retornei do Chile, de um curso de farmácia clínica”, 
relembra. 
Para Batista Junior, o farmacêutico ainda não descobriu o potencial e 
necessidade do serviço, não sabe o valor do seu conhecimento, ou seja, não 
 
 
sabe como cobrar pelos serviços prestados. É uma área ainda obscura com 
poucos profissionais trabalhando (qualificados) e que tem um potencial imenso. 
O estímulo para a prática da farmácia clínica surgirá quando o farmacêutico 
receber pelo serviço prestado. 
 
 
Do outro lado está a farmacêutica Priscilla 
Néris, que atua na Farmácia Permanente, 
em João Pessoa (PB) e na Farmácia Néris, 
em Santa Rita (PB). Ela não pratica a 
atenção farmacêutica porque não há espaço 
nem condições para isso nos 
estabelecimentos onde trabalha. O que é 
comum no seu dia a dia é a prática da 
orientação farmacêutica, feita no balcão 
mesmo. 
 
Embora não receba apoio em seu local de trabalho, ela acha que o conceito é 
um grande passo para a profissão e para o farmacêutico, que tem papel 
ampliado dentro do conceito de saúde. “No entanto, na prática, ainda vigora o 
modelo de farmácia como estabelecimento unicamente comercial, mas em 
algumas grandes redes já observamosuma mudança de visão desse conceito. 
Ainda estamos engatinhando, até porque é necessário um tempo para que nós, 
farmacêuticos, possamos nos especializar para fornecer um serviço seguro e de 
qualidade”, comenta ela. 
Priscilla tem a convicção de que absolutamente tudo vai passar por adequação, 
do profissional ao estabelecimento. Os usuários estão cada vez mais exigentes 
com relação ao atendimento e ao conforto. Serviços rápidos como aferição da 
pressão arterial, medição de glicemia capilar, nebulização, dentre outros, vão se 
tornar mais usuais permitindo que o próprio paciente acompanhe sua condição 
de saúde numa periodicidade maior, aumentando seu controle e diminuindo os 
riscos. 
Serviços mais avançados e especializados vão fazer a diferença na qualidade 
de vida desse paciente, como o acompanhamento clínico pelo farmacêutico, 
dentro da drogaria, com hora marcada, numa sala adequada, solicitando 
exames, fazendo tabelas de acompanhamento, mensurando fatores externos, 
fornecendo orientação necessária para o bom uso dos medicamentos e estando 
atento a interações medicamentosas, principalmente em indivíduos polifarmácia, 
como idosos. “Sem falar que, com essa relação farmacêutico/usuário, podemos 
 
 
até encaminhar ao médico desse paciente um relatório de acompanhamento no 
período entre uma consulta e outra, para que ele avalie sua evolução e melhora 
entre as consultas. Enfim, as possibilidades de evolução dos serviços 
farmacêuticos são muitas. Eu acredito que há um retorno financeiro certo para 
as empresas e para os profissionais que ocupam esse espaço. Claro, de forma 
consciente e estudando muito, sempre”, diz a farmacêutica. 
Métodos e ferramentas 
Para Santos, quando se fala de método, ferramenta e exercício, fica tudo muito 
vago, porque a atenção farmacêutica atualmente está diretamente ligada à 
prescrição farmacêutica, que ainda é novidade, para as farmácia e drogarias. 
“Ainda estamos encontrando, no meio de tantas informações e obrigações, uma 
atenção farmacêutica sistemática, que exige uma anamnese correta, um bom 
conhecimento em semiologia e que nos leva a uma prescrição”. Ele vê que todos 
os farmacêuticos realmente sérios e responsáveis estão fazendo o certo e se 
atualizando em cursos de especialização e extensão. As legislações vigentes 
dão certo direcionamento, mas ainda não há um método e ferramentas 
específicas para a atenção farmacêutica segura e correta - não por deficiência, 
mas por ainda estar sendo criada experiência nesta área da classe farmacêutica. 
De acordo com Priscilla, o método a ser utilizado na atenção farmacêutica deve 
seguir a abordagem geral do método clínico. “Acredito que a metodologia mais 
utilizada no Brasil seja o Método Dáder que, assim como outros métodos, 
fornece ferramentas de procedimentos e abordagens ao paciente para 
realização de um atendimento clínico adequado. Aqui estamos nos 
desenvolvendo com base nos Estados Unidos e em outros países, que é 
conhecido como Pharmaceutical Care", ressalta ela. Existe uma sequência 
lógica para a forma como isso deve ser feito: 
- coletar e organizar os dados do paciente; 
- identificar os medicamentos que estão sendo utilizados; 
- revisar a farmacoterapia com foco nos resultados a serem obtidos; 
- identificar possíveis problemas relacionados à farmacoterapia, dentre outros. 
 
“O mais importante é saber que devemos 
estar sempre focados na efetividade do 
tratamento, na necessidade real do paciente 
e em sua segurança com relação ao uso dos 
medicamentos”, comenta a farmacêutica. 
 
 
 
 
A título de curiosidade, o Método Dáder de Acompanhamento 
Farmacoterapêutico propõe um procedimento concreto, no qual se elabora um 
estado de situação objetivo do paciente. Deste, derivam-se as intervenções 
farmacêuticas correspondentes, nas quais cada profissional clínico 
conjuntamente com o paciente e seu médico decidem o que fazer em função dos 
conhecimentos e condições particulares que afetam cada caso. O procedimento 
contempla as seguintes fases: 
- Oferta do Serviço 
- Primeira Entrevista 
- Estado de Situação 
- Fase de Estudo 
- Fase de Avaliação 
- Fase de Intervenção 
- Resultado da Intervenção 
- Novo Estado de Situação 
- Entrevistas Sucessivas 
Além do Dáder, há outras metodologias para a atenção farmacêutica, como o 
método clínico, Pharmacotherapy WorkUp e Therapeutic Outcomes Monitoring 
(TOM). 
Batista Junior defende que cabe ao farmacêutico buscar informação e 
qualificação para implementar a atenção farmacêutica. As ferramentas podem 
ser construídas em relação às necessidades. Ele defende que cada um construa 
um modelo, pois não são necessários os modelos prontos. “Para tanto, é 
necessário começar, experimentar e buscar esse conhecimento. Como qualquer 
outro profissional, ele deve se especializar”, fala. 
A atenção farmacêutica é a mais pura ação e compromisso do farmacêutico com 
a saúde da população. É a prática em promover a saúde nas drogarias e 
farmácias, mas sem investimento não há retorno. Santos diz que ver a farmácia 
como estabelecimento da saúde não é transformar esse segmento comercial em 
obra de caridade, mas em um estabelecimento onde se compra medicamento e 
se tem informação, acompanhamento, monitoramento e confiança sobre a 
saúde.

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