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Copyright © 2013 by Múcio Mansur Furtado Edição e Coordenação Luiz José de Souza Setembro Editora – Junho 2013 Capa Foto: Stilton Autor: Long Clawson Dairy, Inglaterra Diagramação AC&R Artes Revisão do Autor 1ª Edição – junho de 2013, São Paulo, SP, Brasil Tiragem de 1.000 exemplares SETEMBRO EDITORA Rua Domingos Lopes da Silva, 890 conj. 402 Portal do Morumbi CEP 0563941-030 – São Paulo – SP – Brasil Tels.: 11 2307 5561 / 3739 4385 e-mail: luiz.souza@revistalaticinios.com.br 2013 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em banco de dados e sistema similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão escrita do autor. SETEMBRO EDITORA São Paulo – Brasil 2013 Queijos Especiais Múcio Mansur Furtado, Ph.D. Apresentação Esse negócio de escrever livro... onde começa...? onde termi- na...? Vai saber!! Pois com a gente, que é mineiro, as coisas sim- plesmente acontecem, parece que já estavam ali faz tempo... e que nunca vão embora de nós mesmos... Imagi- ne você a complicação na cabeça da gente, de inventar de escrever um livro sobre Queijos Especiais... numa ter- rinha abençoada onde todo queijo... é espe- cial!! E foi neste furdúncio danado que entrei quando, eu suspeito, por obra de alguns pálidos e sussurrantes espíritos escandinavos, me decidi por escrever este livro que você, tranqüilo e na paz do santo Deus, tem agora em suas mãos... Pois é... lá em Minas, onde nasci, tem dessas coi- sas, esses trens que marcam a vida da gente... lá nas Minas Geraes tem muita pinga, é verdade... mas tem “pingo” também... sim senhor, “pingo”! Desses que gotejam, por desconcertantes, minuciosas eternidades... pois que esses recônditos mineiros guardam suas magias, quebrantos e encan- tos... embutidos em alquimias quase medievais e insondáveis segredos coloniais... pois é, foi alí mesmo que nasceu, sabe-se lá como, o impene- trável “pingo”, aconchegado em seu berço de cuité... embalado por sinfo- nias de ocultas cascatas na portentosa serra da Canastra... enfeitado com sempre-vivas nas altitudes do Serro, alí pelos costados de Diamantina, onde mais de um bandeirante, entre delírios de turmalinas, se perdeu... ve- lado na serra do Salitre por queijeiros de fala mansa e olhar enviesado.... Gota a gota, nas frescas, silenciosas madrugadas do verão ou no frio úmido do inverno mineiro, lá vem deslizando o “pingo”... pachorrento, suave... escapando lentamente de cada queijo em abundancia de fermentação por sabe Deus que micróbios estranhos... Tímidos uns, ousados outros... mas astutos, matutos todos, em sua microscópica mineirice...! Nas profundezas do cristalino fluido, embriagados em seus desarvorados festins de carboi- dratos, azedos e rabujentos lactobacilos se dividem em eterno desdém... enquanto que roliços lactococos espreitam, ciosos e ansiosos, distraidos dissacarideos em fugaz transição molecular... e é assim, gente minha, que o “pingo” antes verdoso, cheiroso e doce, agora multiplicado, cindido e povoado, se apresenta em roupagens de alta acidez e deprimentes pH`s... Levado pelas sagradas mãos de ressabiados queijeiros, com suas manhas e caprichos de perdidas gerações, lá vai o garboso “pingo” inundar de co- lonias globais o fresco leite das manhãs mineiras... Na vetusta bancada, talhada no melhor jacarandá das matas de outrora, repousam singelas for- mas, benzidas em misteriosas rezas por sisudos reverendos com suas em- boloradas batinas de antanho... Nelas, o sal cristalino e grosso abençoa o novo queijo, alvo em seus frescores de inocencia... e dele segue gotejante, jacarandá afora, o “pingo”, em sua perene ciranda de nascer, fermentar e renascer, rumo ao cuité de seus segredos... E é por isso, minha gente, que quaisquer queijos feitos nestas minhas doces Geraes de encantamentos e lendas eternas, serão sempre Queijos Especiais... Múcio Mansur Furtado Carrancas, MG, Maio de 2013 Agradecimentos Quero expressar meu mais sincero agradecimento a Zacarias Karacristo, Presidente Regional da DuPont Nutrition & Health para a América do Sul e África Sub-Saariana, a Daniela Eduardo, Diretora de Marketing (Dupont N& H) para a América do Sul e África Sub-Saariana, a José Roberto Fer- nandes, Gerente de Vendas Brasil (Dupont N&H) e a Aparecido Silveira (Marketing Communications, Dupont N&H), pelo apoio oferecido para a concretização deste livro, “Queijos Especiais”. Sem o patrocínio de minha empresa DuPont e sem o decisivo apoio destas pessoas, este livro não teria sido publicado. Obrigado, de coração, por permitirem que eu continue a dividir meu conhecimento com os queijeiros de toda a América Latina. Agradeço ainda aos inúmeros amigos laticinistas, de tantas fábricas e países, que me enviaram muitas das fotos que ilustram este livro. Por ques- tões de privacidade não pude dar-lhes o devido crédito nas preciosas fotos enviadas. Prefácio Sinto-me privilegiado, com orgulho e até mesmo emoção com o convite do Múcio para prefaciar seu 10° livro. Apresentar esta grandiosa obra ao leitor é uma incumbência da mais alta responsabilidade, especialmente em se tratando de um assunto que desperta fascínio e admiração em muitas pessoas, em especial naquelas que militam na área de queijos. O segmento dos assim chamados “queijos especiais” vem tendo um crescimento crescente no mercado de queijos brasileiro, ganhando desta- que nas gôndolas dos supermercados e lojas de delicatessens e estão hoje mais presentes à mesa dos brasileiros. Segundo a ABIQ (Associação Bra- sileira das Indústrias de Queijo), o mercado de queijos especiais vem cres- cendo numa média de 10% a cada ano. Hoje temos opções nacionais e importadas, sendo que o mercado interno contribui com aproximadamente 95% dos queijos especiais consumidos no Brasil, produção essa que origi- na principalmente das regiões Sul e Sudoeste de Minas Gerais. O livro consta de 8 (oito) capítulos, onde são enfocados as caracterís- ticas e os fundamentos da fabricação de vários tipos de queijos, incluindo queijos com formação de gás, com abordagem das fermentações propiôni- cas e aromáticas, e caracterização dos micro-organismos relevantes nessas fermentações. Parte relevante da obra é dedicada aos queijos elaborados com adição de fungos. Aqui são reportados os queijos Roquefort, Gorgonzola e Azul, elaborados com mofos internos; Camembert e Brie, elaborados com mofos externos e os chamados “queijos híbridos”, elaborados com mofos internos e externos, como o Saga, o Cambozola e o Bleu de Bresse. Outras categorias de queijos são abordadas, tais como queijo Cheddar e suas principais variedades; queijos estabilizados (delactosagem da massa), abordando o processamento de Saint Paulin e Camembert; queijos mo- les de casca lavada, notadamente Reblochon, Raclette e Taleggio e suas tecnologias de produção; queijos brandos do tipo Argentino (Cuartirolo), com abordagem dos queijos Cremoso, seu processo de fabricação e pontos críticos no processo e queijo Port Salut, finalizando com os queijos de leite de cabra maturados por fungo, do tipo Chabichou e Saint Maure e todos os aspectos envolvendo suas fabricações. Conheço o Múcio desde o seu nascimento, afinal, ele é meu irmão mais novo. Apresentá-lo como profissional não é uma tarefa muito difícil: com- petente em tudo o que faz, dedicado ao extremo em suas tarefas, habilidoso na maneira de tratar os “queijos” e portador de uma mente brilhante e de uma organização incrível. Como pessoa, ele é extremamente carismático, atencioso e consegue cativar a simpatia de todos ao seu redor. Suas pales- tras e cursos, sempre com auditório lotado, encantam a todos os presentes, sejam eles entendidos no assunto ou completamente leigos. Em qualquer parte desse país onde se trabalha com leite e se faz queijos, o seu nome é referência e sempre muito bem reverenciado. Como irmão, não há palavras que possam expressar toda sua grandeza. Semprefoi o orgulho de todos em nossa família. Quando papai o enca- minhou para a “Cândido Tostes” não poderia imaginar o alcance de sua aspiração. Sempre com esmero e dedicação ele mergulhou completamente no mundo dos queijos. Todos agradecem ao nosso velho e sábio pai! Os laticinistas espalhados por todo esse rincão agradecem! Anos de estudo e dedicação aos queijos o levou a várias partes do mundo, entre caminhos e estradas, onde pôde compartilhar conhecimentos com velhos e experientes queijeiros, aprendendo a simplicidade da arte e a ciência dos queijos. Este livro se constitui num trabalho de elevado nível técnico-científico que permitirá a todos os “queijeiros” desse Brasil afora resolver os proble- mas relacionados à tecnologia dos queijos especiais e a dar a oportunidade a todos aqueles que amam “queijos” de poder desfrutar desse fascinante produto. Faça boa leitura e aproveite! Mauro Mansur Furtado, Ph.D. Universidade Federal de Viçosa Índice Parte 1 - Queijos com Formação de Gás 19 Introdução 19 Fermentação propiônica 20 1 - Fatores externos 21 2 - Fatores físico-quimicos 27 Características relevantes dos micro-organismos propiônicos 29 A fermentação aromática 30 Características relevantes dos micro-organismos aromáticos 31 Principais fatores afetando a fermentação aromática 32 Elaboração do queijo Gruyère (estilo brasileiro) 36 Introdução 36 Composição média esperada (maturado) 37 Processo básico de elaboração 38 Pontos críticos do processo 42 Parte 2 - Queijos com Mofos Internos 45 Azuis: fundamentos 45 Roquefort x Gorgonzola x Azul: denominações 46 Os mais conhecidos tipos de queijos Azuis 47 Fundamentos da fabricação de queijos Azuis 50 O Penicillium 50 Culturas láticas 52 Teor de gordura do leite 53 O branqueamento da massa 56 Homogeneização do creme ou do leite 54 Coagulação do leite 55 Corte da coalhada 56 Tratamento da coalhada após o corte 57 Fermentação dos queijos frescos 60 pH do queijo fresco 61 Salga do queijo 61 Tratamento com anti-fúngico 63 Perfuração dos queijos 64 Evolução do pH na maturação 65 Condições da maturação 66 Fenômenos bioquímicos durante a maturação 67 Ação proteolítica 67 Ação lipolítica 68 Como reconhecer um bom queijo Azul 69 Principais defeitos dos queijos Azuis 70 Queijo com pouco mofo ou com má distribuição do mofo na massa 71 1) Massa compactada, sem olhaduras mecânicas ou biológicas 72 2) Mofo com baixa atividade 73 3) Leite é pasteurizado em temperaturas muito elevadas 73 4) Enformagem da massa morna 74 5) Falta de um minimo de ventilação interna da massa 74 6) Excesso de sal na casca 75 7) Temperatura de maturação baixa demais 75 8) Insuficiente produção de ácido 75 Crescimento excessivo de mofo 75 Formação de limo na casca 76 Crescimento de mofos contaminantes na casca 77 Ausência do mofo P. roqueforti na região periférica 79 Mancha de coloração creme na região central 80 Mofo predominantemente na região periferica, com cremificação na região central 81 Queijo excessivamente ressecado 82 Queijos que trincam na perfuração 83 Queijo mofado porém sem sabor 84 Contaminação interna 85 Contaminação externa com outras espécies de Penicillium 86 Áreas internas sem crescimento de mofo 87 Massa “semi-cozida (queijo “pratificado”) 88 Massa “arrepiada” ao corte 89 Apenas metade da massa com crescimento de mofos 89 Gosto saponificado 90 Sabor amargo 90 Gosto de terra 92 Queijo amoniacal 93 Exudação de gordura ou separação de água 93 Filete de mofo crocante 94 Amarelamento do mofo 95 Zona descolorida nos pontos de crescimento do mofo 95 Presença de toxinas no queijo 96 Penicillium roqueforti e penicilina 96 Tecnologia das principais variedades de queijos Azuis 96 1 - Queijo Roquefort 96 A lenda 96 A proteção da lei 97 Roquefort e Queijo Azul 99 O Queijo Roquefort: características 100 As cavernas de Roquefort 100 O mofo Penicillium roqueforti 102 A fabricação com leite cru 103 O leite de ovelha 103 A fabricação do Roquefort 105 A maturação nas cavernas de Roquefort-sur-Soulzon 107 2 - Queijo Danablu 109 Características 109 Fabricação 110 3 - Gorgonzola Italiano 111 Características 112 Fabricação 112 Preparo do leite 112 Corte da coalhada 113 Retirada e enformagem da coalhada 113 Salga do queijo 114 Maturação do queijo 115 4 - Blue Cheese (Queijo Azul americano) 117 Características 117 Fabricação 117 5 - Queijo Stilton 120 Características 120 Fabricação 121 6 - Bleu D’Auvergne 126 Características 126 Fabricação 126 Utilização e controle de fermentos propagados na fabricação do queijo Azul 128 Avaliação diária da atividade do cultivo aromático (potencial de formação de CO2) 130 O uso de ejetor de vapor na fabricação do queijo Azul no Brasil 131 O sistema 131 Características do processo e dos queijos obtidos 132 Queijo Azul (fabricação no Brasil, antigo “Gorgonzola”) 135 Elaboração 136 Fermentação 138 Salga 141 Tratamento com anti-fúngicos 142 Perfuração e maturação 145 Pontos críticos da fabricação e maturação 147 Parte 3 - Queijo Cheddar e Variedades 147 Introdução 147 Principais variedades de Cheddar 149 A padronização do leite 150 Umidade no extrato seco desengordurado 150 Salga 151 Embalagem e maturação 152 Fluxograma tipico da fabricação 153 Principais defeitos e correções 155 Excesso de aberturas mecânicas 155 Massa com manchas 155 Queijo com gosto amargo 156 Queijo tendendo a borrachento, sem consistência cerosa 156 Queijo pastoso demais e ácido 156 Parte 4 - Queijos com Mofos Externos 157 Introdução 157 Características do Camembert 157 Características do Brie 159 Camembert e Brie: fundamentos 160 Fases: influências do pH 160 Variedades de Penicillium 161 Preparação do leite 162 Corte da coalhada 163 Tratamento da coalhada no tanque 164 Enformagem 164 Fermentação e pH 165 Salga e efeitos do sal 165 Secagem dos queijos antes da pulverização 167 Pulverização do mofo 167 Cultivos complementares para a fabricação do Camembert 168 1 - Geotrichum candidum 169 Características principais 169 Atuação no queijo Camembert 170 2 - Leveduras 171 Maturação do Camembert e Brie 172 Modificações na maturação 174 Intercâmbios entre a casca e o centro do queijo 176 A formação de amônia e amoníaco 177 Como reconhecer um bom Camembert 178 Tecnologia dos queijos Camembert e Brie 178 Camembert da Normandia: histórico 178 A denominação Camembert 180 O Camembert francês: características 181 Os queijos Camembert e Brie: aspectos práticos do processo 183 1 - Introdução 183 2 - Composição média esperada (Camembert francês, curado, 5 - 6 semanas) 184 3 - Fases da fabricação 184 Coagulação e agitação da massa 184 Enformagem e fermentação 185 Salga e maturação 186 Pulverização do Penicillium camemberti 187 Maturação e embalagem 188 4 - Pontos críticos da fabricação 189 Queijo Brie 190 Características 190 Fabricação 190 Principais defeitos dos queijos Camembert e Brie 190 1) Pêlo de gato 191 2) Pele de sapo 195 3) Mofo verde-azulado contaminante 198 4) Casca descolando 202 5) Massa seca 204 6) Crescimento insuficiente de mofo 205 7) Crescimento excessivo de mofo 206 8) Formação de gosto amargo 206 9) Sabor amoniacal 208 10) Casca avermelhada coberta por mofo ralo 208 11) Massa escorrendo facilmente em queijos já maturados 209 12) Pontos escurecidos nas bordas do queijo 210 13) Pontos marrons escuros ou acinzentados na casca 210 14) Queijo com sabor de cogumelo 211 O tratamento das câmaras e equipamentos contaminados 211 Limpeza de prateleiras, grades e formas 212 Tratamento de câmaras 212 1 - Sanitização das câmaras de maturação por pulverização 212 2 - Fumigaçãocom formaldeído e permanganato 212 Outros cuidados básicos 213 Queijos mofados híbridos 214 Introdução 214 Características e fundamentos 214 Fabricação 216 Coagulação e corte da coalhada 216 Salga e pulverização 217 Maturação 218 Parte 5 - Queijos Estabilizados 219 A relação entre lavagem da massa (delactosagem) e pH do queijo 219 Classificação 221 1) Queijo estabilizado 222 2) Queijo solubilizado 222 O queijo Saint Paulin: origens 222 Processo de elaboração do Saint Paulin 223 Queijos mofados de massa estabilizada ou solubilizada 227 Características 228 Fabricação do queijo Camembert estabilizado 229 Fermentos e coagulação 229 Corte da massa e delactosagem 230 Enformagem e fermentação 230 Salga e pulverização 231 Maturação 232 Parte 6 - Queijos de Casca Lavada 233 Definição 233 Fundamentos da elaboração dos queijos moles de casca lavada 234 Etapas importantes do processo 235 Reblochon 239 Introdução 239 Fabricação do Reblochon 240 Fermentos e coagulação 240 Agitação e enformagem 241 Fermentação e salga 242 Tratamento da casca e maturação 243 Queijo Raclette 244 Introdução 244 Fabricação do Raclette 245 Fermentos e coagulação 245 Agitação da massa e prensagem 246 Fermentação e tratamento da casca 246 Queijo Taleggio 248 Introdução 248 Fabricação do Taleggio 249 Fermentos e coagulação 249 Agitação e ponto 250 Fermentação e salga 250 Tratamento da casca e maturação 251 Parte 7 - Queijos Brandos Argentinos 253 Apresentação 253 Problemas mais comuns 254 Queijo Cremoso 255 Introdução 255 Processo de elaboração (similar, para o Cuartirolo) 256 Fermentos e coagulação 256 Agitação e enformagem 256 Salga e estocagem 257 Pontos críticos do processo 258 Queijo Port Salut 259 Parte 8 - Queijos de Leite de Cabra Maturados por Fungos 261 Introdução 261 Características especiais do leite de cabra 263 A coagulação do leite de cabra: processos 264 Alguns tipos de queijos de leite de cabra 265 1) Queijo tipo Chabichou 265 Fabricação do Chabichou pelo processo de coagulação enzimática 266 2) Queijo tipo Sainte-Maure 266 Fabricação do Sainte-Maure pelo processo de coagulação lática 267 Lista de cultivos e outros produtos Danisco recomendados para cada tipo de queijo abordado neste livro, com respectivas dosagens 270 Epílogo 273 Bibliografia 276 19 Queijos com Formação de Gás Parte 1 Queijos com Formação de Gás Introdução A fabricação de queijos com olhaduras é uma tarefa difícil de ser executada, com precisão e regularidade. Não é exatamente complexo elaborar um queijo com olhos em um dado dia do ano, ou da semana. Às vezes, fatores imponderáveis ajudam e dentre eles, a própria sorte. Mas não se pode contar somente com a sorte para fabricar queijos, e muito menos queijos com fermentação propiônica, pois estes estão entre os mais complicados para elaboração. O grande desafio, então, é fabricar queijos com olhaduras de boa qualidade, de forma constante e regular, com boa previsibilidade. Queijos especiais 20 A formação de gás em queijos se dá através de dois processos bem conhecidos: a fermentação propiônica, sobre o lactato de cálcio (mais comum nos queijos ditos Suiços, como o Emmental e o Gruyère) e a fermentação aromática, sobre o ácido cítrico (mais comum nos queijos semi-duros, como o Gouda e o Edam). Os dois processos são muito di- ferentes, tanto no que se refere ao volume de gás produzido, bem como ao sabor e aroma resultantes nos queijos. Fermentação propiônica Comparada à fermentação aromática, a fermentação propiônica é mais simples, mas ainda assim pode apresentar algumas dificuldades para ocorrer. Para entender melhor estas dificuldades, as mesmas po- dem ser explicadas através de duas diferentes abordagens: Fatores externos a controlar: l Existência de leite de ótima qualidade, sem psicrotróficos e baci- los butíricos l Existência de “câmara quente” para incentivar a fermentação e produção de gás l Contar com sistema de pré-prensagem e de prensagem realmente eficientes l Dispor de cultivos produtores de gás, de qualidade assegurada l Processo tecnológico adequado Fatores físico-químicos a controlar: l massa com baixo potencial redox (bem compactada) l massa com pH na faixa adequada mínima para um bom desen- volvimento da cultura l queijo com teor de sal adequado l massa com o teor de umidade correto Se houver um bom controle desses parâmetros, o que exige de fato muita dedicação e disciplina, haverá melhor chance de se obter uma grande porcentagem de queijos que possam ser classificados como de “primeira qualidade”. Os fatores mencionados podem ser apresentandos em mais deta- lhes, considerando que são pontos críticos neste processo. 21 1 - Fatores externos a - Existência de leite de ótima quali- dade, sem psicrotró- ficos e sem bacilos butíricos Queijos com olha- duras exigem um cer- to tempo de matura- ção, que pode chegar a 2 ou 3 meses no caso de um Gruyère ou Emmental. Durante este período, vários fenô- menos bioquímicos ocorrem, em benefício da formação das caracterís- ticas essenciais do queijo. Entretanto, se houver contaminação do leite com os micro-organismos mencionados, o processo de cura pode se tornar desastroso. n Micro-organismos psicrotróficos, como do gênero Pseudo- monas, quando em número muito elevado no leite (acima de 300 mil UFC/mL) provocam perdas de rendimento (devido á degradação de fraçoes caseinicas no leite, enquanto este é mantido a frio- a fração K da caseina é a mais atacada e pode levar à desestabilização do lei- te, também conhecida como coagulação doce, vista às vezes em leite UHT) ou formação de componentes, como o ácido butírico, que con- ferem o sempre mencionado sabor “ardido” no queijo. Este sabor nao deve ser confundido com o “picante” de certos queijos duros, pois é desagradável e anula os efeitos benéficos da formação de componentes aromáticos desejáveis. Este problema está diretamente relacionado à estocagem prolonga- da, sob refrigeração, de um leite de má qualidade microbiológica seja ainda na fonte de produção (fazendas e sítios) ou na fábrica, em silos. n Bacilos butíricos são extremamente danosos, pois nao preci- sam estar em alta contagem no leite, para arruinar uma fabricação. Considera-se que entre 500 e 1.000 esporos de Clostridium butirycum por mL de leite já são suficientes para inchar um queijo, alterar seu odor e sabor. Estão presentes na silagem, no esterco, no ambiente dos currais, no pó da estrada, entre outros, e podem contaminar facilmente o leite na ordenha ou no transporte. Como são termoresistentes, a pas- teurização não eliminará os butíricos e eles estarão no leite no tanque, Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 22 no momento da coagulação. Começam a se manifestar, geralmente, quando o queijo vai para uma câmara “quente” para acelerar o fenôme- no de produção das olhaduras. O combate e a prevenção, são de dificil execução. A maior garantia é a produção de um leite limpo, o que requer um bom serviço de cam- po e anos de trabalho duro em sua implantação, não sendo portanto uma medida de “curto” ou “médio” prazo. O uso de nitratos, em que pese ser legal, é de eficiência duvidosa, pois é dependente de pH , teor de sal e potencial redox do queijo. A remoção dos esporos através de degerminadoras tem sido cada vez mais aplicada, e tem se mostrado bem sucedida, em que pese o alto custo do processo para plantas que operam menor volume de leite. b - Existência de “câmara quente” para incentivar a fermentação e pro- dução de gás A chamada “câ- mara quente” é peça fundamental em um esquema de elabora- ção de queijos com olhos. Não raramente algumas fábricas se arriscam em elaborar um Gruyère ou um Gouda sem dispor dessa câmara, apelan- do ao uso de ambien- tes comuns, a 10 ou 12°C, que fazem com que o fenômeno de formação dos olhos aconteçade forma muito mais lenta. Basta recorrer aos tra- dicionais conhecimentos da física e lembrar-se de que os gases tendem a se expandir quando submetidos ao calor. Como o CO2 formado nas fermentações gasosas encontra-se dissolvido na água do queijo sob a forma de H2CO3 (ácido carbônico), ele só se converte em uma olhadu- ra expandindo a matriz caseínica, buscando seu próprio espaço. Sob baixas temperaturas (como, por exemplo, entre 5 e 10°C) uma grande quantidade de H2CO3 pode se encontrar dissolvida na água e o quei- jo se mantém “cego”. Mas, quando o queijo é levado para a “câmara 23 quente” (entre 16 e 22°C, dependendo do queijo e de sua consistência) o índice de dissolução dos gases na água diminui drasticamente, e o CO2 se expande na matriz caseinica formando um olho ou um conjunto de olhaduras. A câmara deve estar por volta de 80 a 85% de umidade relativa (no ar) e o queijo aí permanece de 2 a 5 semanas, em função da intensidade desejada na formação de gases. c - Contar com sistema de pré-pren- sagem e de prensa- gem realmente efi- cientes Apenas por olhar um queijo com olha- duras exposto em um supermercado, pode- -se observar o mais comum dos defeitos: olhaduras de todos os tamanhos, mas predominantemente pequenas, irregula- res, espalhadas pelo queijo, e com maior frequência na região mais próxima à cas- ca. Às vezes, podem ser vistas olhaduras em formas de “casca de noz”, situadas uma dentro da outra, sem brilho e enrugadas inter- namente. Eventualmente, nota-se também o problema de queijos que apresentam um lado bonito, com olhos regulares e outro lado, ou uma zona específica, cheia de olhos irregulares, quase sempre muito peque- nos. Este é o já conhecido e decantado problema dos micro-núcleos na massa, gerando essa irregularidade na distribuiçao e formato dos olhos. Quando o queijo é pré-prensado ou prensado nas formas, a pressão aplicada tem a função de consolidar os grãos em forma de uma massa bem compactada, sem fissuras ou aberturas “mecânicas”. Quanto me- nor o grão, quanto mais elevada a temperatura de cozimento da mas- Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 24 sa, e quanto maior a pressão e mais rapidez em sua aplicação, maior é a chance de se obter uma massa muito homogênea e fechada. Mas na maioria das vezes, não é isso que acontece. Por falhas no sistema de pré- -prensagem e prensagem, ou por demora no processo (os grãos se res- friam e perdem coesão), a massa passa a apresentar centenas ou milhares de micro-núcleos, que são orifícios microscópicos, invisíveis a olho nú. Não se trata da conhecida “olhadura mecânica” facilmente visualizada quando se corta um queijo. Os micro-núcleos também podem se originar no excesso de bombeamento do leite, quedas bruscas no tanque, gerando espuma ou incorporando ar à massa. Outra causa comum é a massa mal cortada, originando grãos de tamanho irregular, que não se secam (no tanque) nem se soldam (na prensagem) de forma homogênea. Assim, quando ocorre a super-saturação do H2CO3 na massa, duran- te o período de “câmara quente”, o gás liberado “caminha” pelo queijo, em busca de um ponto mais débil onde poderia iniciar sua expansão, extendendo a massa ao redor e formando uma olhadura ovalada ou arredondada, brilhante e regular. Ou seja, há necessidade de alguns micro-núcleos na massa, que permitam a formação regular de olhadu- ras. Há evidencias de que seriam necessários em torno de 200 micro- -núcleos por quilograma de um queijo duro para haver uma boa distri- buição de olhos na massa. Mas o que ocorre mais frequentemente, é o surgimento de um excesso de micro-núcleos, para onde converge o gás Olhaduras irregulares resultantes de micro-núcleos 25 formado. Como são abundantes, acabam se formando numerosos olhos pequeninos, que são indesejáveis no queijo. A regra clássica em quei- jos com olhos é: poucos olhos e grandes, e não numerosos e pequenos. A correção deste problema é dificil, pois requer controle detalhado de diversas fases do processo. Se uma prensa é mal dimensionada ou mesmo mal construída, como ocorre frequentemente, este problema torna-se crônico. d - Poder contar com cultivos produtores de gás, de qualidade assegurada De acordo com estudos feitos na França e na Suiça, são neces- sárias cerca de 150.000 bactérias propiônicas (Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii) por mL de leite, no momento da co- agulação, para que se tenha uma fermentação propiônica adequada, com formação de gás suficiente para produzir os olhos. Em geral, o volume de gás produzido é mais do que suficiente, e mesmo conside- rando o que se perde pela casca do queijo, e o que fica sob a forma de H2CO3 dissolvido na água do queijo, sobra gás na fermentaçao pro- piônica. O mesmo não pode ser dito sobre a fermentação aromática, que ocorre por meio de micro-organismos mesófilicos que fermentam a lactose e os citratos. Neste caso, o volume de gás produzido pode ser insuficiente para formar olhaduras no queijo. Atualmente, há cultivos propiônicos dispo- níveis no mercado, que podem assegurar uma excelente fermentação. É necessário utilizar a dose recomendada, para se atingir o núme- ro crítico na inoculação do leite, conforme já citado anteriormente. Em algumas regiões, existe abundância de uma flora autóctone, que passa ao leite e daí para o queijo. Boa parte da flora propiônica é termoresistente. Não é incomum encontrar-se fábricas que elaboram queijos de estilo Suiço sem adição de cultura propiônica e ainda assim, produzem queijos com belas olhaduras e sabor típico. Os cultivos propiônicos podem se apresen- tar como liofilizados ou congelados. Ambos formatos funcionam bem. Atualmente sabe-se que há duas vias metabólicas usadas por di- Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 26 ferentes cepas do Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii para produzir gás e outros componentes no queijo. Uma delas, a clássi- ca, utiliza como substrato principal o ácido lático (lactato) e produz gás e ácido propiônico, além de outros componentes. A outra, chamada Via do Aspartato, conjuga a fermentação do ácido aspártico com o ácido lático, gerando mais gás, porém sem formar ácido propionico. Com isso, esta última via produz muito mais olhaduras do que a primeira e sabor adocicado menos intenso. O ideal é trabalhar com um cultivo propiônico que reúna as duas vias metabólicas em uma só cultura. e - Processo tecnológico adequado no tanque Há muitas variáveis no trabalho em tanque, que poderiam ser abor- dadas. Mas há tres delas que são particularmente importantes e cruciais para o sucesso da operação: n Tamanho do grão no corte Tem grande importância, pois influencia no teor de umidade final do queijo. A umidade do queijo afeta diretamente sua consistência e textura, pois regula a intensidade da proteólise primária e secundá- ria. Queijos mais úmidos tendem a curar mais rapidamente e se forem úmidos demais, tendem a formar olhaduras “colapsadas” (ovaladas de- mais, quase fechadas). Por outro lado, a eclosão de uma olhadura em um queijo depende essencialmente da super-saturação do gás na água do queijo. Queijos mais úmidos requerem muito mais gás para saturar a água embebida na matriz caseiníca e por isso, tendem a apresentar olhos mais numerosos e menores, enquanto que queijos mais secos, apresentam via de regra menos olhos, porém bem maiores. n Lavagem (delactosagem) da massa O teor de lactose da massa tem impacto direto na quantidade de ácido lático presente no queijo e por consequência, em seu pH. Queijos com fermentação propiônica devem apresentar pH acima de 5,25 e de preferência por volta de 5,35 a 5,40 cerca de 24 hs após o processamen- to em tanque. Daí a importância crítica de se lavar a massa, para ajustar o teor residual de lactose nos grãos. Comumente, o processo de delac- tosagem compreende a retirada de um considerável volume de soro (de 30 a 40%) que é substituido por água (de 20 a 40%), que também pode ser usadapara iniciar o cozimento da massa. n Ponto da massa (umidade final do queijo) O ponto da massa tem o mesmo impacto na qualidade da fermen- 27 tação propiônica, por influenciar também o teor final de umidade do queijo. O ponto da massa é dificil de definir, em termos teóricos. O tempo de agitação da massa no tanque é variável, pois é afetado pelo tamanho dos grãos no corte e, sobretudo, pela intensidade do aque- cimento. O cozimento pode atingir temperaturas de até 53°C para os queijos mais secos (umidade entre 38 e 40%), ficando por volta de 45°C nos queijos de umidade intermediária (41 a 43%). Certamente o tamanho dos grãos e sua firmeza no ponto, terão influência sobre o número de micro-núcleos na massa, o que afetará a distribuição das olhaduras no queijo. 2 - Fatores físico-químicos l massa com baixo potencial redox (bem compactada) l massa com pH na faixa adequada mínima para um bom desen- volvimento da cultura l queijo com teor de sal adequado l massa com o teor de umidade adequado a - massa com baixo potencial redox (bem compactada) Micro-organismos propiônicos são anaeró- bicos e só crescem bem em ausência de oxi- genio. Assim, para que encontrem essas con- dições no queijo, este deve ser feito de forma que a massa se apresente bem compactada, sem olhos mecânicos ou aberturas. Normal- mente estas condições são obtidas através do corte da massa em grãos bem pequenos, aquecimento a uma temperatura mais elevada (em geral, de 42 a 52°C) e uma boa agitação no tanque. O fator mais importante é a pren- sagem, incluindo-se aí a pré-prensagem da massa. Devem ser feitas rapidamente (para que a massa não se resfrie) e com pressão adequada (que pode variar de 80-100 lbs/pol2 na pré-prensagem, e entre 40 e 80 100 lbs/ pol2 na prensagem nas formas). Se a massa é bem fechada, quase nao apresentará oclusão de ar (oxigênio) e com isso, seu Eh (potencial de oxi-redução) será baixo o suficiente para permitir uma boa fermentação propiônica. Queijos com Formação de Gás Enformagem e prensagem: fase crítica na formação de micro-núcleos Queijos especiais 28 b - massa com pH na faixa adequada Este é um dos pontos mais críticos, em se tratanto de fermentação propiônica. Micro-organismos como o Propionibacterium freudenrei- chii subsp. shermanii não se desenvolvem bem em pH um pouco mais ácidos. Um queijo com 24 hs, deve apresentar pH entre 5,25 e 5,35 para que tenha uma boa e rápida fermentação propiônica. Na Europa, é comum adotar-se pH de até 5,40 no queijo, 24 hs após sua elaboração, resultando em processos de formação de olhaduras bem mais rápidos. Entretanto, para fazer uso deste parâmetro, deve-se assegurar da exis- tência de leite de ótima qualidade, sem presença notável de bacilos butíricos. A delactosagem da massa (lavagem) é o meio mais eficaz de se garantir o pH necessário no queijo. c - queijo com teor de sal adequado Micro-organismos propiônicos são sensíveis ao sal, embora cres- çam lentamente em queijos com até 1,5% de sal. O ideal é que os queijos apresentem no máximo 1,0% de sal (na França e Suiça, os queijos Emmental apresentam apenas cerca de 0,7% de sal). Não se pode usar o teor de sal como um meio de prevenir crescimento de bacilos butíricos nestes queijos, pois igualmente seria inibida a flora propiônica. Ademais, queijos com teor reduzido de sal tem seu sabor adocicado típico mais ressaltado. Assim, mesmo formas com cerca de 40 a 50 kg, não devem ser salgadas em salmoura por mais de 48 horas. d - massa com o teor de umidade adequado O processo de formação de olha- duras, inicia-se com a formação do gás dióxido de carbono (CO2). Este gás ime- diatamente se dissol- ve na água do quei- jo, formando ácido carbônico (H2CO3). A olhadura só surge quando há uma super- -saturação do ácido carbônico na água. A solubilidade do gás na água diminui com o aumento da temperatura 29 Esse fenômeno é acelerado pela remoção do queijo para uma “câma- ra quente”. O fenômeno pode ser bastante afetado pelo teor de umida- de do queijo. Obviamente, queijos com mais umidade, necessitam de mais gás para haver uma super-saturação do ácido carbônico na água. Na prática, observa-se que queijos mais úmidos, formam olhos mais numerosos, porém menores enquanto que queijos com menor teor de umidade, formam poucos olhos, porém maiores. Para um queijo como o Emmental recomenda-se uma umidade (em 24 hs) entre 38 e 41%, enquanto que para um Gouda ou Estepe seria em torno de 42 a 44%. Características relevantes dos micro-organismos propiônicos Os micro-organismos propiônicos pertencem à classe das Actino- bacteria, ao gênero Propionibacterium e são bacilos curtos, Gram+, não formam esporos e crescem somente em baixas concentrações de oxigênio (variam de anaeróbicas a aerotolerantes). Ocorrem natural- mente no rúmen e no intestino de ruminantes, no solo e na silagem. Dentre muitas espécies pode se citar Propionibacterium acidipro- pionici, Propionibacterium jensenii, Propionibacterium thoenii. As principais espécies de uso em laticínios são Propionibacterium freu- denreichii subsp. freudenreichii e Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii. O pH ideal de crescimento é entre 6,0 e 7,0 (mas podem crescer, ainda que muito lentamente, nos limites extremos de pH: 4,6 até 8,5). Sendo mesófilos, a temperatura ideal de crescimento é de 30°C, mas podem crescer a 12°C, havendo registros de cepas crescendo a 4°C. Há uma grande variedade de cepas de bactérias propiônicas e mui- tas estão disponíveis comercialmente. Estas cepas apresentam dife- renças sutis em suas atividades metabólicas, mas de grande importân- cia no resultado final da fermentação propiônica. Elas não crescem em leite e mesmo em meio de cultura contendo lactato de sódio o tempo de geração é longo, de 7 a 10 horas. No início da maturação do queijo as contagens são ainda baixas, da ordem de 105 UFC/grama. Mas após meses de maturação, as contagens podem chegar a 108–109 UFC/grama. Apesar da divergência entre alguns estudos, considera-se que a maior parte das cepas é termoresistente, sobrevivendo à temperatura Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 30 de pasteurização (72°C/15 s). Na Suíça às vezes se usa uma termi- zação do leite, a 60-63°C por 2 a 10 segundos, que preserva a inte- gridade da flora propiônica endógena. Seria o mesmo caso do uso de ejetor de vapor no Sul de Minas, no Brasil que, sendo apenas uma termização, também preservaria eventuais espécies termolábeis da flora propiônica nativa. Variações são observadas entre diferentes espécies e mesmo entre cepas da mesma espécie, e é fato notório que bactérias propiônicas são muito sensíveis ao sal. Em geral queijos como o Emmental possuem baixo teor de sal, quase sempre inferior a 1,0%. A fermentação aromática Esta fermentação é tipica dos queijos semi-duros ou de massa la- vada, cujos representantes mais conhecidos são o Gouda e o Edam holandeses, e o Danbo e Tybo dinamarqueses. São queijos com teor de umidade mais alto do que o Emmental ou Gruyère, apresentam menos olhaduras de tamanho menor. Sua maior complexidade reside no fato de que depende de vários micro-organismos para ocorrer, e a produção de gás em si é muito influenciada pelo teor de citrato do leite e do queijo, o qual pode variar substancialmente. Assim, consi- dera-se que é uma fermentação com razoável incidência de irregula- ridade e grande variabilidade, o que tende a comprometer o sucesso do processo. Certamente é devido às dificuldades de se controlar a intensidade da formação de gás neste processo que há uma crescente tendência em se uti- lizar, no Brasil, cul- tivos propiônicos em queijos como o Gouda, Bola e o Es- tepe, o que aumenta a chance de se obter olhaduras regulares. Entretanto, o uso de tal recurso leva à des- caracterização dos queijos menciona- dos, distanciando-os ainda mais de seus originais europeus. Fermentação aromática descontrolada pode afetar a textura 31 Característicasrelevantes dos micro-organismos aromáticos O termo “cultivos aromáticos” refere-se às tradicionais culturas estilo “Flora Danica”, antigamente conhecidas ainda por outras de- nominações. O nome antigo mais comum era cultura BD, que fazia referencia à presença de dois micro-organismos produtores de gás e aroma, na época então chamados de Streptococcus diacetylactis e Leuconostoc cremoris (este último era conhecido por Betacoccus cre- moris – daí o nome BD antigo, por Betacoccus e Diacetylactis). Atu- almente as culturas que produzem olhaduras em queijos semi-duros de estilo holandês ou dinamarquês, são conhecidas por culturas LD e são compostas basicamente de quatro espécies de micro-organismos, sendo 2 do grupo “O” (Lactococcus lactis subsp. lactis e Lactococ- cus lactis subsp. cremoris) e 2 do grupo aromático (Lactococcus lac- tis subsp. lactis biovar. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris). Estas culturas são denominadas tecnicamente por “indefinidas e complexas” e há razões para isso. São complexas porque na realidade são cultivos “selvagens”, nos quais teoricamente há presença dos 4 micro-organismos já mencionados. Sabe-se atualmente que é possível a presença de algumas outras espécies de micro-organismos mesófilos homo ou heterofermentativos, o que leva à complexidade da cultura. Já são também conhecidas como culturas indefinidas devido à virtual impossibilidade de se definir com precisão qual a participação percen- tual de cada espécie no cultivo. Em resumo, há consideráveis variações no balanço e equilíbrio entre as diversas espécies e cepas, o que pode resultar em comportamente irregular desses cultivos na fabricação de queijos. Já se perdeu no tempo de onde foram isoladas as primeiras culturas aromáticas, mas o mais provável é que tenha ocorrido na Es- candinávia (Dinamarca) e na Holanda, a partir de queijos semi-duros, de massa lavada, elaborados com leite cru e apresentando excelente perfil de aroma e sabor, além de algumas olhaduras lisas e ovaladas. Certamente o queijo Gouda e o queijo Danbo tiveram importante papel nesta já antiga história. São chamadas de culturas aromáticas porque os micro-organismos Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis e Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris podem fermentar o ácido cítrico pre- sente no leite ou no queijo, produzindo diacetil, um componente vo- Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 32 látil, muito aromático e principal responsável pelo aroma típico dos queijos feitos com culturas DL. Pela fermentação do ácido cítrico ambos micro-organismos produ- zem CO2, o gás responsável pela formação de olhaduras em queijos tradicionais como o Gouda e o Edam holandeses, o Danbo, Tybo e Elbo dinamarqueses, assim como em algumas variedades desses quei- jos produzidos sob diversas denominações em muitos países latino- -americanos. Ao contrário do Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diace- tylactis o micro-organismo Leuconostoc mesenteroides subsp. cre- moris pode também fermentar a lactose com produção de gás carbô- nico, o que o caracteriza como heterofermentador. Normalmente a flora aromática compõe apenas uma minoria da cultura DL (cerca de 10 a 20%), onde predomina a parte homofermentadora (“O”), e nesta última sempre há predominância de Lactococcus lactis subsp. cremo- ris (cerca de 70-75%) sobre Lactococcus lactis subsp. lactis (cerca de 5 a 10%). Estas culturas são cultivadas juntas e por isto há variações constantes nestes percentuais, o que leva também a varia- ções na performance das culturas, espe- cialmente no tocante à formação do gás dióxido de carbono (olhaduras) e de aro- ma (diacetil). Principais fatores afetando a fermentação aromática A fermentação aromática leva à formação de olhaduras no queijo, mas apresenta maiores dificuldades para se realizar de forma unifor- me, se comparada à fermentação propiônica. Uma série de fatores Olhos regulares e lisos podem resultar da fermentação aromática controlada 33 pode influenciar a performance da flora e a formação de olhaduras através da fermentação de citratos: 1. Teor de citrato do leite O leite contém uma pequena quantidade de citratos, cerca de 0,25% (ou aproximadamente 8 a 10 mM). Este teor pode variar ao longo do ano (de 0,15 a 0,30%), tendendo a diminuir quando o gado está em re- gime de pastagem. Nesta época, o teor mais reduzido de citrato do leite pode influenciar negativamente na formação de olhaduras. 2. Teor de Manganês e de Magnésio do leite Na via de metabolismo do ácido cítrico para a formação de diacetil e dióxido de carbono, ocorre a hidrólise de citrato para oxaloacetato, e a enzima citrato liase requer a presença dos minerais Manganês (Mn++) e Magnésio (Mg++) que formam complexos com o citrato, facilitando sua degradação. Dependendo da alimentação do rebanho, o leite pode apresentar variações nos teores destes elementos, provocando altera- ções no processo de formação de olhaduras. 3. Teor residual de citrato do queijo O teor residual de citrato do queijo, além da influência óbvia do teor de citratos do leite, é influenciado pela intensidade de lavagem da mas- sa (delactosagem) durante a fabricação. Citratos são solúveis e assim são facilmente removíveis da coalhada. Normalmente um queijo estilo Gouda, 24 hs após a fabricação em que se usou uma cultura LD, con- tém de 250 a 500 mg de citratos/kg e cerca de 1.300 mg/kg se a cultura usada for L (mais lenta). Nestes níveis, há boas chances de formação de olhos regulares mais tarde, durante o período de cura. 4. Composição da cultura As culturas LD são compostas por pelo menos 4 espécies de mi- cro-organismos, admitindo-se até que entre os do gênero Leuconos- toc possa haver além de Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris (o mais comum), Leuconostoc mesenteroides subsp. dextranicum e Leuconostoc lactis. Os percentuais de cada espécie podem mudar bastante, devido a variações no processo de fermentação. Considere- -se ainda que Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis decompõe o citrato cerca de 3 vezes mais rápido do que Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris, sendo que o crescimento inicial deste só começa em pH por volta de 5,6 (crescimento ideal em pH 5,4), enquanto que o primeiro inicia o metabolismo do citrato em pH 6,2. Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 34 Ambos podem fermentar a lactose com produção de ácido lático, mas Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetylactis é 2 vezes mais rápido. Quanto mais rápido for o abaixamento do pH do queijo, mais rápida será a degradação do citrato. Para controlar este fenômeno, tão logo o pH esteja por volta de 5,7 os queijos podem ser resfria- dos imediatamente em água gelada, o que paralisa a fermentação e, consequentemente, aumenta a capacidade de dissolução do CO2 no queijo, evitando a formação de olhos irregulares e muito numerosos. 5. Incorporação de ar e de N2 no leite Quando se estuda com mais detalhes a fermentação aromática, al- guns fatos podem parecer surpreendentes. Em queijos com fermenta- ção aromática, o substrato principal é o citrato, sendo que a lactose tem um papel muito menor. O queijo Gouda fresco, por exemplo, contém cerca de 9 mmol de citrato/kg o que pode gerar aproximadamente 18 mmol de CO2/kg, muito abaixo do ponto de saturação (à 14°C) e, por- tanto, insuficiente para formar olhos. Mesmo quando a lactose residual é fermentada por Leuconostoc mesenteroides subsp. cremoris, ape- nas cerca de 3 a 4 mmol de dióxido de carbono são formados. Assim, conclui-se que outros gases como o Nitrogênio (N) e o Oxigênio têm participação fundamental no processo. A lei de Dalton, que afirma que a pressão total é a soma das pres- sões parciais de todos os componentes, é aplicável nesse caso. O leite contém ar (de 55 a 95% saturado com ar, à 30°C), resultante da orde- nha, bombeamentos diversos, agitação, etc. O oxigênio con- tribuiria pouco para a formação da pres- sãototal, pois seria gradualmente con- sumido nas diversas reações metabólicas conduzidas pelo fer- mento lático. Entre- tanto, o N permanece e contribui definitiva- mente para a pressão total necessária para formar uma olhadura. Aumentando a temperatura, aumenta a expansão do gás, que eleva a pressão 35 Queijos com Formação de Gás 6. Textura e formação de micronúcleos na massa Além da necessidade de outros gases junto ao CO2 para se formar a olhadura, parece definitivamente comprovado que também é neces- sária a presença de micronúcleos na massa já prensada. Esta teoria foi formulada inicialmente por Clark, em 1918, e perdura até hoje, como explicação para a formação de olhos em queijos como o Emmenthal, aplicando-se também aos queijos semi-duros de estilo holandês e di- namarquês 7. Pressão da olhadura e pressão atmosférica Queijos como o Gouda ou Prato, se embalados à vácuo não pos- suem casca, mas a embalagem exerce uma contra-pressão que impede uma perda total de gás pela difusão na massa. Foi estimado que seria necessário uma pressão de cerca de 0,3 bar acima da pressão atmosférica (1 bar), ou seja, uma pressão à partir da olhadura de cerca de 1,3 bar para que bons olhos se formem no quei- jo. A pressão parcial do CO2 (à 14°C) é estimada em apenas 0,64 bar, o que é insuficiente para formar a olhadura; explica-se desta forma a vital necessidade da pressão parcial do N (à 14°C) que contribuiria com cerca de 0,78 bar, gerando uma pressão total de aproximadamen- te 1,40 bar, mais do que suficiente para gerar olhaduras num queijo semi-duro. Compreende-se assim que variações naturais na pressão atmosférica de certas regiões podem de fato influenciar na formação de olhaduras (dependendo das condições de fabricação, uma variação de apenas 0,2 bar na pressão atmosférica pode ser determinante no sucesso do processo). Na Holanda considera-se que um bom queijo Gouda deve apresentar cerca de 10 olhaduras por 100 cm2 de uma superfície cortada aleatoriamente ou uma olhadura em cada 5 cm3 de queijo. 8. Temperatura de maturação do queijo A temperatura de maturação é um ponto crítico, pois tem influência preponderante na atividade da cultura e na expansão dos gases durante a formação das olhaduras. De acordo com as clássicas leis dos gases, a solubilidade do CO2 na fase líquida do queijo aumenta a medida em que se abaixa a temperatura de maturação, e vice-versa. Normalmente em queijos semi-duros como o Gouda, a primeira fase da maturação, cerca de 2 a 3 semanas, é feita à 10-12°C e em seguida os queijos pas- sam para uma câmara à 16-18°C, para acelerar o processo de formação de olhos. Queijos especiais 36 9. Grau de maturação e proteólise A formação da olhadura depende muito da elasticidade da massa. A elasticidade por sua vez, é determinada por fatores como o grau de proteólise e o índice de mineralização da massa. Um mínimo de pro- teólise é recomendado para que a massa tenha suficiente elasticidade, ou uma consistência dita “longa”. Torna-se difícil determinar quanto tempo seria necessário para obter tal degradação protéica, pois varia em função de fatores como a própria umidade do queijo, teor de sal, tipo e dosagem do coalho, pH inicial, cultivos e sua habilidade protéica e a temperatura de maturação do queijo 10. pH do queijo O grau de solubilidade do CO2 na fase líquida do queijo determina a rapidez com que vai se formar a olhadura. Tudo vai depender de quan- do a saturação vai ocorrer. Esta solubilidade pode variar com o pH do queijo, devido ao grau de ionização do ácido carbônico (H2CO3). Parte do ácido carbônico pode estar presente como HCO-3, que não contribui para o aumento da pressão parcial da olhadura. Em pH 4,8 cerca de 2% do H2CO3 está presente como HCO -3, em pH 5,2 cerca de 5% e em pH 5,6 pode chegar à 12%. 12. Teor de umidade do queijo A umidade de um queijo semi-duro varia de 42 a 45% e nesta faixa podem se obter queijos com boa formação de olhaduras. Como a for- mação da olhadura depende da saturação da umidade do queijo com H2CO3, quanto maior o teor de umidade de um queijo, maior será a dificuldade de se formar olhos de tamanho médio. A tendência será de formação de olhaduras menores e mais numerosas. Elaboração do queijo Gruyère (estilo brasileiro) Introdução Em muitos paises latino-americanos elaboram-se queijos de estilo Suíço, mas as características nem sempre correspondem àquelas dos queijos originais suiço. É o caso do queijo Gruyère no Brasil, do queijo Colonia no Uruguai, ou do Gruyerito, na Argentina, que na realidade nada têm a ver com o famoso Gruyère suíço, pois apresentam caracte- rísticas bem mais próximas daquelas de um queijo Emmental, apesar 37 de serem elaborados em tamanho e peso bem menores. A tecnologia aqui descrita é adaptada às condições latino-americanas de trabalho e o queijo resultante será suave, como é uma exigência dos mercados locais. Quanto à denominação do queijo, corresponde muito mais a um Emmental, pois não há o tratamento da casca com “la morge” ou “smear” (Brevibacterium linens) comum no Gruyére, e o queijo teria muitas olhaduras de bom tamanho e sabor suave e algo adocicado, sem apresentar o sabor mais acentuado, e a casca escura e ligeiramente en- rugada típicos de um verdadeiro Gruyère suiço ou francês. Composição média esperada (maturado) Parâmetro Composição Umidade 35-37% Sólidos Totais 63-65% Gordura 28-31 % Gordura no Extrato Seco 43-49% Sal (ideal) 0,6-0,8 % Sal (na prática) 1,0-1,4% pH 5,2-5,4 Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 38 Processo básico de elaboração l Selecionar o melhor leite que for possível, evitando-se leites de vacas sabidamente alimentadas com silagem e dando-se preferência a leites de vacas no pasto. Se possível, evitar o uso de leite refrigerado ou mantido a frio em silos (para se prevenir contra a presença eventual de micro-organismos psicrotróficos), ou seja, usar leite fresco, do dia. l Fazer uma rigorosa seleção do leite na recepção da fábrica. O teste VAS-PAR (teste simples de laboratório, que permite detectar presença de esporulados anaeróbicos no leite) deve ser um dos critérios para a seleção prévia do leite (com base num histórico prévio de vários meses de observação e análise rigorosas). l Outras provas podem e devem ser usadas em conjunto para se- lecionar o melhor leite: teste de alizarol a 76° GL e prova de redutase (Azul de Metileno) com mínimo de 4 hs de tempo de redução da cor. l Usar leite pas teur izado ,com teor de gordura em torno de 3,0 a 3,2 %. Levar em considera- ção o teor médio de caseina da região e estabelecer uma rela- ção histórica C/G (ca- seina/gordura). l Adição de água (pasteurizada) ao leite: na Suíça, é uma prática adotada em alguns processos e é recomendável, pois ajuda na delacto- sagem e controle do pH após 24 hs. Adicionar até 20% (recomendável entre 10 e 15%). Entretanto, é prática ainda pouco adotada no Brasil. l Temperatura de coagulação do leite: 32°C. l Uso de nitratos: evitar, sempre que possível. Caso seja necessário, não usar mais do que 10 g por 100 litros de leite. l O uso de lisozima é recomendável quando há real possibilidade da presença de bacilos butíricos no leite. Pode e deve ser usada, nesse caso, em combinação com o nitrato de sódio. l O uso de degerminadoras é altamente recomendável, sobretudo se as contagens de bacilos butíricos forem superiores a 10.000 por litro de leite. São eficientes na remoção de eventuais bacilos butíricos. 39 l Cloreto de calcio: aproximadamente 20 g/100 litros de leite. l Fermentos láticos: o queijo Gruyère requer uma tecnologia de per- fil de queijos duros, com temperaturas elevadas de cocção. Por isso o uso de cultivos termofílicos é necessário. Adicionar o cultivo produtor de gases (olhaduras), Propionibacterium freudenreichii subsp. freu- denreichii, que normalmente é liofilizado, na dose recomendada. Os fermentos acidificantes são a base de Lactobacillus delbrueckii subsp.lactis, Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus e Streptococcus sa- livarius subsp. thermophilus e Lactobacillus helveticus (em dose redu- zida, não mais do que 10% em relação aos outros fermentos). As doses são de acordo com a recomendação do provedor de cultivos, mas no geral são muito reduzidas: no máximo 0,5% dos cultivos termofílicos mais 0,05% de Lactobacillus helveticus (estas porcentagens referem-se a fermentos propagados e devem ser convertidas em doses correspon- dentes para cultivos concentrados de uso direto). l Coagulação: em cerca de 30 minutos, coalhada não muito firme. l Corte da coalhada: durante 3 a 5 minutos, até a obtenção de grão pequeno, cerca de 0,5 cm de aresta. l Agitação inicial: lenta, durante uns 10 minutos. l Repouso de uns 2 minutos e decantação da massa. l Dessoragem parcial: 35% do volume inicial do leite l Adição de água quente, entre 70 e 75°C: cerca de 20% sobre o volume inicial do leite. Na Suíça em geral não se faz nem a dessora- gem parcial e nem a lavagem da massa com água quente, mas quando se trabalha com leite de qualidade variável, os dois processos ajudam a evitar uma acidificação excessiva. l Segunda agitação: bem mais rápida e vi- gorosa, em conjunto com o aquecimento com- plementar da massa, com vapor na camisa do tanque. Aquecer lentamente, cerca de 1°C por minuto. Recomenda-se aquecer a 45-47°C no caso de um Gruyère de até 12 kg. Para queijos acima de 20 kg, é recomendável aquecer até 52°C, para firmar mais a massa. l Agitação final: atingida a temperatura final de cozimento, manter a agitação por cerca de 40 minutos, para enxugar e firmar bem o grão. Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 40 l O tempo médio total entre o corte da coalhada e o ponto da massa, será de cerca de 80 a 90 minutos. O pH do soro no ponto estará entre 6,30 e 6,40. l Ponto e dessoragem final: há variações nesse procedimento. No processo tradicional suíço, deixa-se repousar a massa por alguns minu- tos e ela é, então, “pescada” com tecidos (telas) especiais e transportada diretamente para as fôrmas. As fôrmas podem ser tradicionais, de ma- deira, com diâmetro ajustável, ou metáli- cas, mais comuns nos processos industriais. Em muitos paises, faz-se apenas uma pré-prensagem sob soro no tanque ou numa dreno-prensa, por cerca de 15 minu- tos, com aproximada- mente 60 a 80 lbs/pol2 de pressão. Em seguida a massa é cortada em grandes blocos e transportada para as fôrmas. l Enformagem: No Brasil, o tamanho mais comum refere-se a fôr- mas por volta de 12 kg. Os queijos devem ser enformados rapidamente, para se evitar o resfriamento da massa, em formas dotadas de panos ou dessoradores apropriados. l Viragens: são muito importantes na primeira hora, enquanto a massa se mantem mais aquecida. Fazer a primeira viragem em 20 mi- nutos, e a segunda meia hora mais tarde e uma terceira 1 hora depois, mantendo a pressão em cerca de 40 lbs/pol2 no início e subindo a 50 e depois 60 lbs/pol2 no final. O pH da massa ao final de 2 hs de prensagem deve estar ao redor de 5,80. l Os queijos podem ser mantidos por um total de 4 horas na prensa (soro que escorre nas fôrmas, com acidez entre 40 e 50°D) quan- do então se retiram os panos, e os queijos vol- tam às formas, onde ficam ao ambiente até o dia seguinte, sem sofrer prensagem. 41 l No dia seguinte o pH do queijo deve se situar entre 5,30 e 5,40, de preferência. O pH mais alto favorece muito a formação de olhos. l Salga em salmoura: fôrmas de 12 a 50 kg, salgar por apenas 24 horas. Fôrmas de mais de 50 kg, salgar por até 48 horas, em salmoura bem limpa e cristalina, a 10-12°C, com 19-20° Bé de concentração de cloreto de sódio. Virar os queijos na salmoura algumas vezes no período. l Secagem: em câmara fria, ou na própria sala de salga, por 24 horas, a 10-12°C. l Maturação em câmara fria: por um perío- do de até 2 semanas, entre 8 e 10°C, com umi- dade relativa do ar em cerca de 80%. Eventu- almente os queijos podem ser mantidos a 5°C neste período, para evitar a germinação de esporos butíricos, enquanto o sal se difunde no queijo, em direção à sua parte mais central. l Virar os queijos diariamente e, a cada 3 dias, passar um pano úmido nas faces lateral e superior do queijo, para limpar e tratar a casca. Este pano deve ser imerso em uma solução com cerca de 5-10% de sal, mais um agente anti- -fúngico (recomenda- -se uma solução de natamicina, com 2 a 5 g/litro). l Maturação em “câmara quente”: pas- sar os queijos a esta câmara, com 20-22°C, Prensagem: fator crítico em queijos com olhaduras Queijos com Formação de Gás Queijos especiais 42 umidade relativa do ar entre 80 e 85%. Os queijos serão mantidos neste ambiente por várias semanas (de 3 a 6 semanas, dependendo da rapi- dez e da intensidade da fermentação propionica). Virar os queijos com freqüência, a cada 3 dias, e limpar sua superfície com um pano ligei- ramente úmido. l Neste período os queijos mudam visivelmente seu aspecto exter- no, tornando-se mais abaulados, em um sinal claro da formação de gás no interior. Quando tocados com os nós dos dedos ou com um pequeno martelo, o som “oco” denuncia a presença de gás no interior do queijo (podendo ser as desejadas olhaduras regulares ou, igualmente, trincas e crateras). l Maturação final em câmara fria: retornar os queijos à câmara fria, entre 8 e 10°C, com umidade relativa do ar em cerca de 80%, para completar a proteólise e peptidólise, e formação final de aroma e sabor. A produção de gás nesta fase não é desejável (fermentação secundária). Nesta câmara os queijos podem ficar mais 8 semanas, ou até que sejam comercializados. l Eventualmente os queijos podem ser pintados com resinas espe- ciais (polímeros) transparentes e ter o rótulo colado em sua superfície. Pontos críticos do processo l Qualidade do leite (neste queijo, é item de extrema e crucial importância) l pH do queijo nas 24 horas (é outro item fundamental e decisivo) l Composição dos fermentos láticos l Grau de mine- ralização da massa (flexibilidade, “massa longa”). Sensibilidade e dedicação são essenciais na elaboração de queijos com olhos 43 l Boa presença da flora propionica, ativa e em quantidade suficiente. l Baixo teor de sal no queijo (para não inibir a flora propionica e o sabor típico) l Leite de vacas não-alimentadas com silagem. l Pré-prensagem e prensagem rápida e eficiente. l Teor de umidade do queijo nas 24 horas. l Período inicial de câmara fria (estabilização e solubilização da massa, flexibilidade) . l Período de “câmara quente” (formação das olhaduras) . Queijos com Formação de Gás 45 Queijos com moFos internos Parte 2 Queijos com Mofos Internos Azuis: fundamentos Quando se menciona um queijo com maturaçao provocada pelo crescimento interno de mofos, naturalmente se refere ao fungo Peni- cillium roqueforti, também conhecido por Penicillium glaucum, que é utilizado há seculos em todos os queijos Azuis conhecidos. O processo é relativamente simples, mas precisa atender a alguns requerimentos básicos para garantia de seu sucesso: l a massa deve apresentar muitas aberturas, biológicas ou mecânicas l o pH do queijo fresco deve ser bem ácido, entre 4,7 e 4,9 l o teor de sal pode variar de 2,0 a 3,0% l o queijo deve apresentar alto teor de umidade (cerca de 48%, nas 24 horas) l um alto teor de gordura no queijo é fundamental (acima de 30%) l a câmara de ma- turação deve ser mui- to úmida (> 95%) Pode-se dizer que um queijo Azul tem sua qualidade definida principalmente no processo de elaboração no tanque, já que a cura é relativamente simples e pequenas contamina- ções na casca não chegam a comprometer suas características, ao con- trário do que se passa com um queijo Camembert ou Brie. Queijos especiais 46 Roquefort x Gorgonzola x Azul: denominações O primeiro queijo Azul foi fabricado no Brasil, no Sul de Minas, pelo pioneiro dinamarquês Lief Kay Godtfredsen, fundador do an- tigoLaticínios Skandia, há muitas décadas. Na época, o queijo era chamado de tipo Roquefort, em função de ser maturado por Peni- cillium roqueforti, em imitação do célebre queijo francês. Só que este “Roquefort” era feito somente com leite bovino, já que na região não existia criações de ovelhas. Por muitas décadas, Godtfredsen (ou Godofredo) foi o único fabricante desse queijo no Brasil. Como o Roquefort francês goza de denominaçao de origem regulada interna- cionalmente, o nome só pode ser atribuido aos queijos feitos em áre- as delimitadas naquele país, e devidamente maturados nas célebres cavernas de Roquefort, no sul da França. Na década de 1970, devido a protestos do governo francês, cioso em preservar a denominação “Roquefort”, o queijo maturado por fungos esverdeados, passou a se chamar, no Brasil, tipo Gorgonzola. Essa nome é também indevido, já que se refere a um queijo, feito com leite de vaca no norte da Itá- lia, cuja denominação de origem é igualmente protegida por leis in- ternacionais. Assim, convencionou-se nos anos 1990, que dentro do âmbito do Mercosul, aqueles queijos que imitavam tanto o Roquefort como o Gorgonzola, seriam chamados de “Queijo Azul” (em referên- cia ao nome já usado em países como a França (Bleu d`Auvergne), Dinamarca (Danablu) ou Estados Unidos (Blue cheese). Assim, foi assumido que pela denominação genérica de queijo Azul são conhecidos aqueles queijos maturados pelo abundante crescimento inter- no de mofos verde-azulados do gênero Peni- cillium. O Queijo azul é considerado um dos queijos mais tradicionais e clássicos. É matu- rado por Penicillium roqueforti, também co- nhecido por Penicillium glaucum, que cresce internamente nas olhaduras do queijo (me- cânicas, em aberturas naturais da massa ou biológicas, resultantes da formação de gás). Devido a forte ação proteolítica e lipo- lítica do mofo, o queijo desenvolve sabor e 47 Queijos com moFos internos aroma pronunciados, e é considerado picante por uns ou pungente por outros. O queijo é maturado por períodos variando de 30 a 120 dias, em câmaras especiais, com alto teor de umidade relativa no ar. Quando cortado, apresenta veias azul-esverdeadas bem distribu- ídas na massa, caracterizadas pelo abundante crescimento interno do mofo. Os mais conhecidos tipos de queijos Azuis n Roquefort: este queijo está na origem de todos os outros com mofos internos. Trata-se de um queijo milenar e foi o primeiro queijo com mofos internos a ser fabricados. É fabricado com leite de ovelha, exclusivamente, no sul da França e é maturado nas cavernas naturais do vilarejo de Roquefort-sur-Soulzon. Seu sabor é inimitável e bem mais forte do que queijos similares feitos com leite de ovelha. O queijo se apresenta sob a forma de um cilindro de 18 cm de diâmetro por 9 a 10 cm de altura. O peso médio é de 2,6 kg. Tanto o diâmetro quanto a altura diminuem ligeiramente após a maturação do queijo, que varia de 2 a 3 meses. Internamente a massa se apresenta muito branca, devi- do a ausência de caroteno no leite de ovelha. O branco contrasta com as veias verde-azuladas, características do desenvolvimento do mofo Penicillium roqueforti nos orifícios da massa. A massa é firme, porém ligeiramente quebradiça e untuosa, especialmente em queijos de ma- turação mais avançada. O aroma é pronunciado, típico, sobretudo se o queijo for deixado por algumas horas à tem- peratura ambiente antes de ser consumido. O sabor às vezes doce, às vezes picante, é carac- terístico e inigualável. Quando bem maturado, sua massa desmancha-se no primeiro contato com a boca. O queijo se apresenta embalado em papel alumínio, quando vendido inteiro, e em pequenas porções embaladas em plástico hermético e transparente, quando vendido em fatias de peso variado. n Gorgonzola: trata-se de outro queijo milenar, fabricado com leite de vaca, no Vale do Po, na Itália. Apresenta características similares ao Roquefort, porém é mais amarelado, de sabor menos pungente e mais Roquefort: o mais famoso queijo Azul Queijos especiais 48 cremoso ou pastoso. De acordo com a técnica de elaboração, teor de gordura, tempo de cura, o tipo de fermento lático utilizado e caracte- rísticas do Penicillium roqueforti, podem-se distinguir 2 tipos de Gorgonzola: o doce, mais cremoso, com crescimento pouco acentuado de mofo, de coloração verde-amarelada e o picante, de massa grumosa quebradiça, com crescimento méido de mofos, de coloração verde-brilhante. n Stilton: é praticamente tão famoso quanto seus similares fran- cês e italiano. É fabricado com leite de vaca na Inglaterra, sobretudo nos condados de Leicestershire, Nottinghamshire e Derbyshire. Sua elaboração é muito peculiar, já que guarda alguma semelhança com o Cheddar (a massa é preparada em um dia e enformada no outro). Pode-se dizer que seria uma espécie de cruzamento entre o famoso Cheddar britânico e o Blue Cheese ou Gorgonzola. O queijo apresenta-se como um cilindro alto, com cerca de 23 cm de diâmetro, 37 cm de altura e peso aproxima- do de 5 a 7 kg. A casca, meio amarronzada, é seca, lisa ou enrugada (depende da cura), mas o interior é macio e mais amolecido nas regi- ões de maior crescimento de fungo. O sabor é muito forte, pois o queijo é tradicionalmente maturado por 3 meses. Antigamente o queijo não era perfurado, mas hoje isso é prática co- mum. Apresenta menos veias internas do que outros queijos similares, mas estas veias lhe são características, pois aparecem finamen- te distribuídas nos pontos de soldagem dos grãos. n Danablu: é o queijo Azul fabricado na Dinamarca; sua elabora- ção guarda semelhança com a do Roquefort e Gorgonzola, mas é co- mumente feito com adição de creme homogeneizado e tem maturação mais curta. Fabrica-se no Brasil um queijo Azul muito mais similar ao Danablu do que ao Gorgonzola, apesar de esta ter sido a denominação adotada para o queijo. Danablu é largamente exportado para diversos países. Uma característica marcante do Danablu é a homogeneização do creme com baixo teor de gordura (16 - 25%), que em seguida é Gorgonzola italiano: características marcantes Stilton, o famoso queijo Azul da Inglaterra 49 usado para padronizar a gordura (3,6 - 3,8%) do leite desnatado, que poderá ser pasteuri- zado ou apenas termizado (65°C por 15 mi- nutos). A homogeneização provoca a ruptura da membrana dos glóbulos de gordura, o que facilita a ação lipolítica do fungo na matura- ção (pode acelerar o processo), formando uma massa mais esbranquiçada que apresenta um excelente contraste com as veias esverdeadas do Penicillium roqueforti. n Blue: o Blue Cheese é elaborado no Estados Unidos, a partir de leite de vaca e creme homogeneizado; é comum que o leite seja tratado com peróxido benzóico, dióxido de titânio ou clorofila para descolorir a gordura. Sua tecnologia é similar a do Danablu e a do Gorgonzola. Apesar da semelhança com outros queijos maturados por fungos inter- nos, possui algumas características próprias. Com frequência adiciona- -se lipase de cordeiro ao leite, na intenção de se imitar o sabor do quei- jo Roquefort. Suas dimensões médias são de cerca de 10 cm de altura, 18 cm de diâmetro, pesando aproximadamente 2,7 kg. O teor máximo de umidade permitido, por lei, é de 46%, mas a maioria dos queijos contém entre 40 e 44% de umidade, 3% de sal e, no mínimo, 50% de gordura no extrato seco. n Bleu d’Auvergne: é o queijo Azul mais conhecido na França, sendo fabricado num processo parecido ao do Roquefort, porém com leite de vaca. O Bleu d’Auvergne é fabricado na região de Auvergne, próximo ao Maciço Central, comumente à partir de leite cru de ótima qualidade. O queijo não pode conter mais de 50% de umidade e deve apresentar no mínimo 40% de gordura no extrato seco. Os queijos apresentam aproximadamente 2,5 kg de peso, 20 cm de diâmetro e 8 cm de altura. Geralmente possuem grande intensidade de veias in- ternas, massa macia, bem “solúvel”, sem muita untuosidade. É feito com leite integral,não homogeneizado.Há na França ainda muitas outras variedades regionais de queijos Azuis, como o Bleu de Caus- ses, Fourme d`Ambert, etc. Queijos com moFos internos Queijos especiais 50 Fundamentos da fabricação de queijos Azuis O Penicillium Trata-se de um mofo aeróbico, mas que pode suportar com facili- dade baixas concentrações de oxigênio e altos níveis de gás carbônico no queijo. Estas características facilitam seu crescimento exclusivo no queijo Azul, pois torna o meio muito mais se- letivo para o fungo. A composição aproxima- da de oxigênio no interior de um queijo Azul varia de 2,5 a 7,0% enquanto que o teor de gás carbonico estaria entre 21 e 41%. Assim, acre- dita-se que a tolerancia ao gás carbônico possa ser até mais importante do que uma necessida- de limitada de oxigênio, para o metabolismo e crescimento do Penicillium roqueforti no interior do queijo. Bastam 5% de oxigenio no interior do queijo para o crescimento do Peni- cillium roqueforti. Outra característica importante é a tolerância a larga variação de pH; apesar do pH ideal estar próximo de 4,0 o Penicillium tolera valo- res de 3,0 a 10,5 na escala de pH, em meios de cultivos especiais. Ob- viamente, em queijos estes extremos nunca são observados. É bastan- te resistente ao sal e para inibir completamente seu crescimento seria necessário um teor de sal de cerca de 15% na umidade do queijo (Aw - atividade de água minima = 0,83). A alta resistência do P. roqueforti ao sal tem sido usada para tornar o meio seletivo para seu crescimen- to no queijo. Mesmo Brevibacterium linens, que é também bastante resistente a sal (inibição de 85% em Aw = 0,92), não possui a mesma resistência que o P. roqueforti, o que explica o uso de alto teor de sal na casca para impedir a proliferação do B. linens, que pode avermelhar e melar a casca do queijo na fase intermediária da maturação. Os esporos (conídias) são adicionados ao leite, antes da coagulação, na grande maioria dos processos. No queijo a germinação dos esporos inicia-se entre 10 e 15 dias, dependendo de uma série de fatores (sal, pH, temperatura, aerobiose, inoculaçao, etc) e a partir daí o crescimen- to do fungo torna-se visível. A cor verde-azulada só aparece após a ger- O Penicillium roqueforti é o agente da maturação dos queijos Azuis 51 minação dos esporos nas aberturas internas da massa, pois os mesmos apresentam esta coloração típica. Algumas importantes características do Penicillium roqueforti ou glaucum: l necessitam pH baixo no queijo (4,7 a 4,9 nas 24 hs) para seu rápido crescimento l metabolisam o ácido lático para crescer: pH sobe já nas primei- ras semanas de cura l são fortemente proteolíticos e degradam a matriz caseinica, amo- lecendo o queijo. l são fortemente lipolíticos, hidrolisando triglicerídeos e liberando altos níveis de ácidos graxos no queijo. l extremamente halotolerantes (queijos Azuis em geral são bem mais salgados do que outros queijos) l crescem bem em baixas tensoes de O2 e toleram o CO2 bem mais que a maioria dos outros fungos. l umidade mais alta favorece muito l liberam ácidos graxos e componentes cetônicos no queijo (2-hep- tanona, 2-nonanona) l liberam aminoácidos, aminas e NH4, o que contribui para a rápi- da elevação do pH durante a maturação. n A seleção do mofo: o tipo de mofo a empregar é muito importante, pois há diver- sas variedades de P. roqueforti, com diferentes capacidades proteolíticas e lipolíticas que con- ferem coloração, corpo e sabor aos variados queijos Azuis. É comum o emprego de cul- turas comerciais, que apresentam diferenças importantes no tocante a coloração do fungo, velocidade de crescimento, bem como na atu- ação lipolítica e proteolítica durante a matu- ração. É crucial que o mofo se encontre em plena atividade; quando isto acontece, uma quan- tidade mínima é suficiente para se trabalhar com centenas de litros de leite. As culturas comerciais se apresentam liofilizadas e podem conter até 2 bilhões de conídias por grama. São geralmente vendidas em doses. Antigamente o mofo era cultivado na própria indústria, mas o risco de perda de atividade e contaminação Queijos com moFos internos A flora acidificante é fundamental para a fermentação da massa Queijos especiais 52 era grande e já não se adota este sistema. Além disso o uso de culturas comerciais não chega a onerar excessivamente o custo de um produto de alto valor agregado como o queijo Azul, e é uma garantia de homo- geneidade e sucesso no desenvolvimento do mofo no queijo. Quando o mofo é liofilizado, recomenda-se que seja hidratado em um pequeno volume de água, desde a véspera. n A adição do mofo: o mofo tanto pode ser adicionado ao leite quanto à massa após a dessoragem (na fabricação do Roquefort o mofo é adicionado à massa na própria forma, durante a enformagem). Não há consenso sobre as vantagens de um método sobre o outro, mas a adiçao ao leite é empregada pela grande maioria das industrias, uma vez que este método permite uma melhor distribuição dos esporos na massa. Na fabricação tradicional de Gorgonzola e Danablu, o mofo é adicionado ao leite, antes da coagulação. É provável ainda que a adição ao leite diminua os riscos de dessoragem excessiva da massa durante a permanência desta no fundo do tanque aguardando a enformagem (a adição do mofo à massa exige um tempo adicional de tratamento da mesma nesta fase). Sabe-se ainda que o mofo pode ser diluido em água esterilizada e mantido sob refrigeraçao por várias semanas para ultili- zação gradual, sem perda notável de atividade. Na realidade a hidrata- ção dos esporos é recomendada e deve ser feita pelo menos 24 hs antes de se usar os mofos verdes na elaboração, o que lhes confere mais ati- vidade desde o príncipio do processo. Como muitas fábricas elaboram diariamente pequenos volumes de leite em queijos Azuis e um envelo- pe é suficiente para até 10.000 litros de leite, a prática da diluição em 1 litro de água é comumente empregada no Brasil. Na forma liofilizada, estes fungos podem ser mantidos por 2 anos sob refrigeração (4 °C). Culturas láticas Tradicionalmente, as culturas láticas são mesofílicas, a base de Lactococcus lactis subsp. lactis e Lactococcus lactis subsp. cremoris, com atividade acidificante acentuada. Culturas do tipo LD também são frequentemente empregadas pois contêm, além das espécies já men- cionadas, Lactococcus lactis subsp. lactis biovar. diacetilactis e Leu- conostoc mesenteroides subsp. cremoris, que fermentam citratos com produção de gás carbônico, levando a obtenção de uma massa mais aberta, o que facilita o crescimento do mofo. Com a finalidade de abrir mais a massa algumas leveduras tam- bém podem ser usadas, como Candida valida ou Kluyveromyces sp., 53 que fermentam a lactose mesmo em presença de pouco oxigênio, ou são oxidantes em aerobiose, e podem produzir CO2 (fermentação al- coólica), além de componentes aromáticos. Outra levedura usada com frequência é Debaryomyces hansenii, que é estritamente aeróbica, bem resistente a sal e tem um papel de desacidi- ficar o meio, por metabolizar o ácido lático, favorecendo a atuação de enzimas do mofo. Na fabricação do Gorgonzola na Itália, é co- mum ainda o emprego de culturas termofílicas como Lactobacillus delbrueckii subsp. bulga- ricus e S. thermophilus, apesar da temperatura predominante da fabricação (30 °C) não ser a ideal para seu crescimento. O papel da cultura lática é muito importante na elaboração e nos primeiros dias de maturação: n 1) Produção de ácido lático em quantidade suficiente para pro- vocar uma acentuada desmineralização da coalhada (diminui seu efeito tamponante e modifica sua estrutura). A massa do queijo Azul não pode apresentar a mesma flexibilidade daquela de um queijo semi-duro, de massa lavada como o Prato ou Gouda. Para tanto precisa “perder” cálcio durante a elaboração, o que se consegue através de uma acentuada acidificação antes da enforma- gem. Assim, o controle de
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