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UCI: introdução ao estudo da medicina Tutoria: SP2: Por onde começar? Classificação, replicação, patogênese, comportamento clínico, diagnóstico e tratamento das arboviroses Dengue: o Classificação: Pertencem à família Flaviviridae, gênero Flavivirus, espécie dengue vírus, com quatro sorotipos (DENV-1, -2, -3 e -4). A partícula dos flavivírus mede de 40 a 60 nm de diâmetro, possui um capsídeo proteico com simetria icosaédrica, envolvido por um envelope lipídico onde estão inseridas pequenas proteínas de membrana e espículas de natureza glicoproteica. O genoma desse flavivírus é constituído por um RNA de fita simples com polaridade positiva (RNAfs+), ele codifica três proteínas estruturais (capsídeo, C; prM, M; envelope, E), e sete proteínas não estruturais (NS1- NS2A-NS2B-NS3-NS4A-NS4B- NS5) responsáveis pelas atividades reguladoras e de expressão do vírus, incluindo biossíntese, virulência e patogenicidade. As proteínas NS são responsáveis pela replicação do RNA viral e também auxiliam na montagem viral e na evasão da resposta imune do hospedeiro DEN-1: Pouco agressivo . DEN-2: Agressão ao fígado, causando discretas alterações dos fatores de coagulação e provocando hemorragia grave. DEN-3: Muito agressivo ao fígado, causando acentuadas alterações dos fatores de coagulação e provoca hemorragia gravíssima. DEN-4: Poucas informações sobre sua patogenicidade. o Replicação: A biossíntese tem início mediante a adsorção da partícula viral à célula hospedeira, os flavivírus podem utilizar múltiplos receptores presentes em alguns tipos celulares de diferentes hospedeiros para esse processo. Após a adsorção, a partícula é endocitada em vesículas recobertas por clatrina, e o nucleocapsídeo é liberado no citoplasma após a fusão do envelope viral com a membrana do endossoma. Essa fusão é dependente de pH e ocorre após mudança conformacional da proteína E. Depois da liberação do RNA genômico no citoplasma celular, ele serve como RNAm e é traduzido em uma poliproteína que é clivada gerando proteínas não estruturais e estruturais. A replicação desse mesmo RNAg ocorre também no citoplasma, em associação a membranas celulares nos complexos de replicação viral, e começa com a síntese de uma fita de RNA complementar, com polaridade negativa (RNAc–), que serve como molde para a produção de novas fitas de RNA com polaridade positiva (RNAg). Essa reação é catalisada pela atividade RNA polimerase-RNA dependente (RpRd) da proteína NS5, em associação à protease/helicase NS3 e outras proteínas não estruturais. A proteína C e o RNA genômico formam o nucleocapsídeo, e a montagem da partícula viral ocorre nas proximidades do retículo endoplasmático, onde a partícula viral adquire o envelope com as proteínas E e prM já inseridas. As partículas são direcionadas através da via secretora para o complexo de Golgi, onde ocorre a clivagem de prM em M, e um rearranjo na proteína E, resultando na maturação da partícula viral. O transporte para a membrana plasmática é realizado por meio de vesículas que se fundem com a membrana celular, liberando as partículas por exocitose. o Patogênese: Os DENV podem ser transmitidos por Aedes aegypti e Aedes albopictus e são mantidos na natureza por meio de dois ciclos de transmissão horizontal: urbano, pela transmissão homem-mosquito- homem, e silvestre, pela transmissão macaco-mosquito- macaco, além da transmissão vertical em vetores Aedes. O período de transmissibilidade no homem pode ocorrer 1 dia antes do início da febre até o 6-9º dia da doença. Após o repasto com sangue de um indivíduo infectado, as fêmeas dos mosquitos se contaminam e os vírus se alojam em suas glândulas salivares, onde ocorre a biossíntese viral. Após 8 a 12 dias de incubação (PIE), essa fêmea é capaz de transmitir os vírus ao picar outro indivíduo suscetível, e o período de transmissibilidade perdura por toda a sua vida (6 a 8 semanas). As primeiras células infectadas são as células dendríticas na pele, onde ocorre a biossíntese inicial e posterior migração para os linfonodos. A seguir, o vírus atinge a corrente sanguínea (viremia) provocando a fase febril aguda (3 a 5 dias). Nesse período, o vírus pode ser isolado a partir de soro ou células mononucleares do sangue periférico do paciente. Resultando na ativação das células TCD4+ e TCD8+ por conta da expressão de proteínas na superfície das células dendríticas e macrófagos infectados, e a liberação de diferentes citocinas e interleucinas que desempenham papel importante. O IFN liberado pelas células T é responsável pela redução na atividade da medula óssea que tem como consequência a diminuição na produção de células sanguíneas. Assim, as primeiras características observadas em um paciente com dengue são as petéquias (pontos hemorrágicos) espalhadas pelo corpo e plaquetopenia, seguida por leucocitose. Da corrente sanguínea, os vírus são disseminados a órgãos como fígado, baço, linfonodos regionais, medula óssea, pulmão, coração e trato gastrointestinal. As lesões hepáticas são similares às da febre amarela, com necrose focal dos hepatócitos, tumefação, surgimento de células mononucleares com citoplasma acidófilo e vacuolizado, hiperplasia e necrose hialina de células de Kupffer. Na medula óssea observa-se depressão dos elementos medulares, que melhora à medida que a febre diminui. Acredita-se que alguns fatores sejam determinantes para o agravamento da doença e a reinfecção por um segundo sorotipo do DENV ocorre porque as células de memória decorrentes da infecção prévia por outro sorotipo rapidamente começam a sintetizar anticorpos que reagem, mas não neutralizam os vírus. Os imunocomplexos formados são fagocitados por monócitos/macrófagos que são os principais sítios de biossíntese viral, com a infecção dessas células, há um aumento da produção de partículas virais que são liberadas, com formação de mais imunocomplexos. Esses complexos ativam o sistema complemento que, através da liberação de anafilatoxinas, leva ao aumento da permeabilidade vascular com extravasamento de plasma para os tecidos, coagulação intravascular e hipovolemia seguida de choque hipovolêmico. Estudos mostraram que a infecção pelos sorotipos DENV-2 e DENV-3 pode estar associada a casos graves da doença, sem necessariamente ter havido contato prévio com qualquer outro sorotipo, já os sorotipos DENV-1 e DENV-4 são relacionados com quadros mais brandos. Fatores genéticos do hospedeiro também podem ser determinantes para o agravamento do quadro clínico, como mutações em genes associados à suscetibilidade à doença, como o polimorfismos no gene HLA que está relacionado com proteção ou agravamento da doença, graças à resposta diferencial das células T que ocorre em cada caso, assim como a quantia de ICAM-3 (molécula de adesão intracelular-3 - > receptores de células dendríticas), ex: aumento da expressão desse receptor está associado a diminuição da biossíntese do sorotipo DENV-2. Com a extensão da lesão hepática, em decorrência da propagação viral nos hepatócitos, há comprometimento dos fatores de coagulação que, associados à inibição da maturação de megacariócitos, podem evoluir para um quadro hemorrágico grave. Outros fatores considerados são a liberação de mediadores químicos depois de destruição de monócitos/macrófagos infectados que resultam no aumento da permeabilidade vascular com extravasamento de plasma e posterior coagulação intravascular; o aumento da virulência do agente após passagens sucessivas em mosquitos e seres humanos; pessoas com doenças crônicas (diabetes ou hipertensão); crianças que apresentam a sintomatologia da doença estão mais propensas ao desenvolvimento do quadro grave do que adultos, entre outros. o Comportamento clínico: A infecção pelos DENV varia de uma síndrome viral inaparente -> branda -> febre da dengue-> dengue clássica -> doenças hemorrágicas graves. O período de incubação da dengue é de 2 a 7 dias. Na febre clássica da dengue a manifestação clínica começa abruptamente com febre, cefaleia, dor retro-orbital, congestão conjuntival, dor lombossacral, mal-estar, prostração, anorexia, náusea, disgeusia e pode ocorrer erupção maculopapular na epiderme. Podem ser observadas manifestações hemorrágicas, como epistaxe, gengivorragia, sangramento gastrointestinal, sangramento vaginal e hematúria, e doenças graves como hepatite fulminante, falência dos órgãos, extravasamento vascular com hipovolemia, cardiomiopatia e encefalopatia. O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do extravasamento (inicia com 4 ou 5 dias com intervalo entre 3 e 7 dias), e geralmente é precedido por sinais de alarme. O período de extravasamento plasmático e choque leva de 24 a 48 horas, podendo levar o paciente ao óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou a sua recuperação rápida, após terapia antichoque apropriada, como a reposição de fluidos e eletrólitos e administração de plasma e concentrado de plaquetas. O choque prolongado e a consequente hipoperfusão de órgãos resultam no comprometimento progressivo destes, bem como em acidose metabólica e CID, que podem causar hemorragias graves e diminuição de hematócrito agravando ainda mais o choque. Alguns pacientes podem evoluir para choque sem evidências de sangramento espontâneo ou prova do laço positiva, salientando que o fator determinante das formas graves da dengue é a alteração do endotélio vascular com extravasamento plasmático, o que leva ao choque devido a hemoconcentração, hipoalbuminemia e/ou derrames cavitários. Podem ocorrer alterações cardíacas graves, manifestando-se com redução de fração de ejeção e choque cardiogênico; Síndrome da angústia respiratória, pneumonites e sobrecargas de volume com desconforto respiratório; e hemorragia massiva sem choque prolongado, quando é do aparelho digestivo, é mais frequente em pacientes com histórico de úlcera péptica ou gastrite, assim como também pode ocorrer devido a ingestão de ácido acetilsalicílico (AAS), anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) e anticoagulantes. O grave comprometimento orgânico, como hepatites, encefalites ou miocardites pode ocorrer sem o concomitante extravasamento plasmático ou choque. As miocardites por dengue são expressas principalmente por alterações do ritmo cardíaco, inversão da onda T e do segmento ST com disfunções ventriculares, podendo ter elevação das enzimas cardíacas. Elevação de enzimas hepáticas de pequena monta (50% dos casos) pode evoluir para comprometimento das funções hepáticas, expresso pela elevação das aminotransferases em 10x o valor máximo normal + aumento no tempo de protrombina. Alguns pacientes podem ainda apresentar manifestações neurológicas, como convulsões e irritabilidade no período febril ou na convalescença resultando em meningite linfomonocítica, encefalite, síndrome de Reye, polirradiculoneurite, polineuropatias (síndrome de Guillain-Barré) e encefalite. A insuficiência renal aguda é pouco frequente e geralmente cursa com pior prognóstico. De acordo com os níveis de gravidade, a OMS classifica a dengue em: Dengue sem sinais de alerta; Dengue com sinais de alerta (dor abdominal, vômito persistente, acúmulo de fluido, sangramento das mucosas, letargia, aumento do volume do fígado, aumento do hematócrito e diminuição das plaquetas); e Dengue grave (extravasamento de plasma, levando ao choque ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, sangramento grave ou sinais de disfunção orgânica como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central). Fase febril: A primeira manifestação é a febre que tem duração de dois a sete dias, geralmente alta (39 °C a 40 °C), de início abrupto, associada à cefaleia, à adinamia (fraqueza muscular), às mialgias (dor muscular), às artralgias (dor nas articulações) e a dor retroorbitária (atrás dos olhos). O exantema (irritação na pele espalhada pelo corpo) está presente em 50% dos casos, é predominantemente do tipo máculo-papular, atingindo face, tronco e membros de forma aditiva, plantas de pés e palmas de mãos, podendo apresentar-se sob outras formas com ou sem prurido, frequentemente no desaparecimento da febre. Anorexia, náuseas e vômitos e diarreia podem estar presentes. Após a fase febril, grande parte dos pacientes recupera-se gradativamente com melhora do estado geral e retorno do apetite. Fase crítica: Esta fase pode estar presente em alguns pacientes, podendo evoluir para as formas graves. Tem início com a defervescência (diminuição) da febre, entre o terceiro e o sétimo dia do início da doença, acompanhada do surgimento dos sinais de alarme. Dengue com sinais de alarme: A maioria dos sinais de alarme é resultante do aumento da permeabilidade vascular, a qual marca o início do deterioramento clínico do paciente e sua possível evolução para o choque por extravasamento de plasma. Dengue grave: As formas graves da doença podem manifestar-se com extravasamento de plasma, levando ao choque ou acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, sangramento grave ou sinais de disfunção orgânica como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central (SNC). Derrame pleural e ascite podem ser clinicamente detectáveis, em função da intensidade do extravasamento e da quantidade excessiva de fluidos infundidos. A dengue grave pode evoluir para choque, hemorragias graves e disfunções graves de órgãos. Choque: O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido através do extravasamento, o que geralmente ocorre entre os dias quatro ou cinco (com intervalo entre três a sete dias) de doença, geralmente precedido por sinais de alarme.O período de extravasamento plasmático e choque leva de 24 a 48 horas. O choque na dengue é de rápida instalação e tem curta duração. Podendo levar o paciente ao óbito em um intervalo de 12 a 24 horas ou a sua recuperação rápida, após terapia antichoque apropriada. Podem ocorrer alterações cardíacas graves (insuficiência cardíaca e miocardite). Hemorragias graves: Em alguns casos pode ocorrer hemorragia massiva sem choque prolongado e este sangramento massivo é critério de dengue grave. Disfunção grave de órgãos: O grave comprometimento orgânico, como hepatites, encefalites ou miorcardites pode ocorrer sem o concomitante extravasamento plasmático ou choque. Alguns pacientes podem ainda apresentar manifestações neurológicas, como convulsões e irritabilidade. o Diagnóstico: Seu diagnóstico vai depender de fatores clínicos e possíveis exposição ao vírus. O diagnóstico consiste em isolamento viral, detecção do antígeno e do ácido nucleico viral e sorologia para a pesquisa de anticorpos. Os materiais de escolha para o isolamento são o sangue, soro ou plasma (3-5º dia da doença). A inoculação pode ser feita via injeção intratorácica em mosquitos, inoculação no cérebro de camundongos ou em culturas de células de mosquito, seguida da identificação por IF empregando anticorpos monoclonais tipo- específicos. O antígeno procurado geralmente é a proteína NS1 por ser altamente conservada entre os sorotipos. Pode ser detectado no soro dos pacientes por meio de imunoensaios, mas esse método perde a sensibilidade quando a infecção é secundária devido à interferência dos anticorpos heterólogos, sendo necessária a utilização de outra forma de diagnóstico. A RT-PCR convencional ou em tempo real tem sido aplicada no diagnóstico rápido da infecção. A partir do 5o dia de sintoma a testagem pode ser feita a partir de exames laboratoriais que visam a detecção de IgG e IgM. De acordo com o MS do Brasil, considera-se caso suspeito de dengue todo paciente que apresente doença febril aguda, com duração máxima de 7 dias, acompanhadade pelo menos dois dos sinais ou sintomas como cefaleia, dor retro-orbitária, mialgia, artralgia, prostração ou exantema, associados ou não à presença de sangramentos ou hemorragias, com história epidemiológica positiva, tendo estado nos últimos 15 dias em região com transmissão de dengue ou que tenha a presença do Aedes aegypti. Todo o caso suspeito de dengue deve ser notificado à Secretaria de Vigilância Epidemiológica (SVE) municipal ou estadual, sendo imediata a notificação dos casos mais graves da doença. o Tratamento: Não há tratamento específico para a dengue. O tratamento é sintomático, consistindo em hidratação e emprego de antitérmicos e antieméticos. Não utilizar AAS, medicamentos contendo dipirona (ocasionar erupções na pele), AINE contendo ibuprofeno, diclofenaco, nimesulida, cetoprofeno (risco de efeitos colaterais como hemorragias digestivas e reações alérgicas). O paracetamol, recomendado para o tratamento dos sintomas como dor e febre, a metoclopramida e a bromoprida podem ser utilizados como antieméticos. Nos casos mais graves, é importante a reposição de fluidos e eletrólitos, administração de plasma e concentrado de plaquetas. Febre amarela: o Classificação: Pertencem à família Flaviviridae, gênero Flavivirus, espécies Yellow fever virus com único sorotipo. Tem a mesma estrutura do vírus da Dengue o Replicação: Igual a da dengue o Patogênese: O vírus é mantido na natureza por meio de dois ciclos de transmissão horizontal: silvestre (macaco-mosquito-macaco) e urbano (homem-mosquito-homem). No ciclo silvestre, a transmissão é feita por intermédio de mosquitos, dos gêneros Haemagogus, Sabethes e Aedes. Nesses casos também ocorre a transmissão transovariana (vertical) no mosquito. O homem suscetível pode ser infectado ao penetrar em áreas de florestas e tornar-se uma fonte de infecção para o mosquito Aedes aegypti ao retornar às áreas urbanas. Dessa forma, com a infecção do mosquito, tem-se a manutenção urbana do vírus por meio da transmissão mosquito-homem. Tanto o A. aegypti quanto o A. albopictus proliferam dentro ou nas proximidades de habitações, em recipientes contendo água limpa, e possuem o hábito de picar durante o dia. O vírus penetra pela pele, após inoculação pelo mosquito-fêmea infectado, ocorrendo a biossíntese inicial nos linfonodos regionais. Então dissemina-se, via corrente sanguínea, a outros órgãos (fígado, rins, medula óssea, sistema nervoso central, coração, pâncreas, baço e linfonodos), onde ocorre a propagação viral e necrose celular (lesões maiores no fígado e no rim). O fígado mostra-se aumentado e encontram-se alterações como necrose médio-zonal dos lóbulos hepáticos, esteatose e degeneração eosinofílica dos hepatócitos denotando a lesão hepática devido à apoptose das células; a formação dos corpúsculos intracitoplasmáticos de Councilman e dos corpúsculos intranucleares de Torres; a biossíntese viral nas células de Kupffer leva à diminuição na taxa de formação de protrombina e à icterícia; entretanto, uma resposta inflamatória é ausente ou fraca. Os rins apresentam-se aumentados com edema intersticial e discreto infiltrado inflamatório mononuclear; o epitélio tubular pode apresentar desde degeneração turva até franca necrose devido à coagulação sanguínea. Além da lesão tecidual provocada pela propagação viral, o processo de coagulação intravascular disseminada (CID) também pode desempenhar importante papel na fisiopatologia da doença. o Comportamento clínico: O período de incubação varia de 3 a 6 dias (até 10 a 15 dias), também pode variar desde infecções assintomáticas (50% dos casos) até quadros graves e fatais. O quadro clínico clássico caracteriza-se pelo surgimento súbito de febre alta e contínua, cefaléia intensa e duradoura, inapetência, náuseas e mialgia. O sinal de Faget (bradicardia + febre alta) pode ou não estar presente. Na forma leve, o quadro clínico é autolimitado com febre e cefaléia com duração de 2 dias. Na forma moderada o paciente apresenta, por 2 a 4 dias, sinais e sintomas de febre, cefaléia, mialgia e artralgia, congestão conjuntival, náuseas, astenia e alguns fenômenos hemorrágicos como epistaxe, e pode haver subicterícia, involuindo sem complicações ou sequelas. As formas graves (15-60%) podem ter evolução rápida para óbito (20-50% dos casos), nesse caso a cefaleia e a mialgia ocorrem em maior intensidade, acompanhadas de náuseas e vômitos frequentes, icterícia e pelo menos oligúria ou manifestações hemorrágicas, como epistaxe, hematêmese e metrorragia. Classicamente, os casos de evolução grave podem apresentar um período de remissão dos sintomas de 6 a 48 horas entre o 3o e 5o dia de doença, seguido de agravamento da icterícia, insuficiência hepatorrenal e CID, o paciente pode involuir dos sintomas em uma semana. Forma leve/moderada: Maioria dos casos (depois da forma assintomática). Febre, cefaléia, mialgias, icterícia leve, náuseas, vômitos. Pacientes apresentam plaquetopenia, elevações nas transaminases e bilirrubinas normais nos exames laboratoriais.Desidratação Forma grave: Sintomas acima somados a icterícia intensa, manifestações hemorrágicas (hematêmese - sangue no vômito), oligúria e diminuição da consciência, albuminúria. Plaquetopenia intensa e aumento da creatinina, além de elevação importante das transaminases nos exames laboratoriais. As formas mais graves podem cursar também com insuficiência hepática e renal Forma maligna: Íctero-hemorrágica-renal. Sintomas já descritos, mas de maneira muito intensificada. Sintomas clássicos de falência hepato-renal (anúria, icterícia) o Diagnóstico: O diagnóstico da febre amarela pode ser feito por isolamento e identificação viral, pesquisa de anticorpos e detecção do ácido nucleico. O material de escolha para isolamento viral é o sangue ou soro do paciente (4º dia da doença). A biópsia de fígado durante a doença é contraindicada devido a casos de hemorragia fatal. O sangue ou soro podem ser inoculados em culturas de células de animais e em culturas de células de mosquito, camundongos recém-nascidos ou intratoracicamente em mosquitos. A identificação pode ser feita por testes sorológicos, como teste de neutralização (TN), inibição da hemaglutinação (HI), fixação de complemento (FC), imunofluorescência (IF) e ensaio imunoenzimático (EIA). A sorologia produz resultados bem definidos quando realizada em pacientes expostos pela primeira vez a um flavivírus. No entanto, quando a pessoa foi exposta anteriormente a outro flavivírus, a reação é rápida e intensa em função da memória imunológica prévia. Nesse caso, os níveis de anticorpos heterólogos são iguais ou mais elevados que os específicos, dificultando a interpretação das reações sorológicas. Pode-se realizar a sorologia pareada empregando TN, HI ou FC, assim como a pesquisa de anticorpos específicos da classe IgM por IF ou EIA. Para a detecção do ácido nucléico viral no sangue do paciente, pode ser utilizada a reação em cadeia da polimerase associada à transcrição reversa (RT-PCR) convencional ou em tempo real e a hibridização em microarranjos. o Tratamento: Não existe tratamento específico para a febre amarela. Nas formas leves e moderadas, o tratamento é sintomático, à base de paracetamol, na cefaléia; e antieméticos, nos casos de vômitos. Não devem ser utilizados anti- inflamatórios e ácido acetilsalicílico (AAS). Nas formas graves, o paciente deve ser atendido em unidade de terapia intensiva para o tratamento das insuficiências hepática e renal, e hemorragias. Nos casos de sangramentos graves, o uso de plasma fresco ou sangue total deve ser imediatamente indicado. Quando houver insuficiência renal, a diálise pode ser necessária. Zika vírus: o Classificação: O ZIKV possui RNA de fita simples de polaridade positiva (RNAfs+) e pertence à família Flaviviridae, gênero Flavivirus. O ZIKVapresenta apenas um sorotipo; duas linhagens, a africana e a asiática; e três genótipos bem identificados: oeste africano, leste africano e asiático. O vírus introduzido nas Américas foi derivado da linhagem asiática. Os surtos recentes de ZIKV foram marcados pelo surgimento de um fenótipo mais agressivo apresentando neurotropismo, que pode ser evidenciado pela associação da infecção por ZIKV com os casos de microcefalia e a síndrome de Guillain-Barré, por conta de substituições de aminoácidos que podem estar relacionadas ao aumento da virulência e ao desenvolvimento do fenótipo neurotrópico. o Replicação: A biossíntese do ZIKV ocorre no citoplasma celular e se inicia com a adsorção da proteína do envelope a moléculas receptoras presentes nas células suscetíveis, como TIM-1, TIM-4, Axl e Tyro 3, configurando a suscetibilidade celular para esse patógeno. Em seguida à internalização, o ambiente acídico do interior do compartimento endossomal promove alterações na conformação das glicoproteínas do envelope viral, levando à fusão entre o envelope do vírus e a membrana do endossoma. O RNA genômico (RNAg) liberado é imediatamente processado pelos ribossomas no retículo endoplasmático, desse processamento resulta uma proteína precursora que é subsequentemente clivada por proteases virais e celulares em sete proteínas não estruturais e três proteínas estruturais. A biossíntese do ZIKV implica em rearranjo do RE da célula hospedeira, que se torna um sítio adequado à propagação viral. A proteína não estrutural NS1 é indispensável para a promoção do remodelamento do RE, contribuindo para a formação de invaginações, no interior das quais se acredita que ocorra a síntese do RNA negativo intermediário, complementar (RNAc–). Em seguida, as moléculas de RNA+ recém sintetizadas brotam para o lúmen dessa organela. Enquanto as membranas convolutas estão provavelmente envolvidas com a maturação da poliproteína, as vesículas observadas parecem constituir um local para a amplificação do genoma viral. Finalmente, as partículas virais passam pela fase de maturação complementada pela furina, e são transportadas rumo ao limite da membrana plasmática, antes do brotamento. o Patogênese: O ZIKV é transmitido principalmente por vetor artrópode, além de vias de transmissão horizontal como a sexual e a sanguínea, e também a transmissão vertical. O ZIKV é transmitido por culicídeos hematófagos, principalmente os mosquitos do gênero Aedes spp., sendo a espécie Aedes aegypti associada ao estabelecimento das epidemias em área urbana. A transmissão sexual pode ser caracterizada nos casos de contaminação de pessoas residentes, em áreas livres do vetor, que tiverem relações sexuais com pessoas que retornaram de áreas endêmicas. A maioria dos casos de transmissão sexual envolveram pessoas infectadas apresentando sintomatologia. Os estudos epidemiológicos revelaram um aumento da incidência dos casos de ZIKV em gestantes durante o surto, o que pode ser ocasionado pela transmissão sexual. Estudos complementares devem ser realizados para determinar se a infecção ascendente pela vagina facilita a infecção do feto em comparação à infecção adquirida pela picada do mosquito, ou se as duas vias de transmissão combinadas facilitam o desenvolvimento da síndrome congênita associada à infecção pelo ZIKV (SCZ). A transmissão vertical do ZIKV é observada em 30% das gestantes infectadas, sendo sintomática ou assintomática e pode ocorrer em qualquer trimestre da gestação. Sabe-se que as células de Hofbauer são infectadas. A transmissão não sexual pessoa a pessoa foi reportada somente uma vez, através do contato com fluidos corporais de um paciente grave, altamente virêmico. A possibilidade de transmissão do ZIKV nas transfusões sanguíneas durante as epidemias não pode ser descartada, pois a viremia é observada em mais de 28% dos casos, sendo observada em 3% de casos assintomáticos. O ZIKV parece permanecer infeccioso na urina, considerando que alguns estudos mostraram o isolamento do vírus a partir desse espécime clínico. O ZIKV pode ser detectado no leite materno e a infecção de neonatos pela amamentação foi sugerida em dois casos clínicos. A infecção apresenta um período de incubação (PI) de 3 a 14 dias nos seres humanos. Após o PI, se desenvolve a infecção aguda que é caracterizada por um breve período de viremia (título moderado -> sangue, saliva, suor, lágrima, urina, sêmen, fluido vaginal e leite materno), o qual coincide com o aparecimento dos sintomas. Contudo, a excreção do vírus nesses fluidos ocorre por um período curto, o sêmen e a urina apresentam maior carga viral quando comparados com o soro. Na urina e no sêmen, o vírus pode permanecer com altos títulos por períodos prolongados. No homem, o vírus pode permanecer no sêmen por 30 dias, essa permanência aponta para a possibilidade de infecção persistente do vírus em certos órgãos, como os testículos. Em algumas gestantes, o vírus permanece realizando a biossíntese na placenta e no tecido cerebral do feto e o vírus pode ser detectado no líquido amniótico, nas células do cordão umbilical e placenta, nos casos de comprometimento do sistema nervoso central o vírus também pode ser detectado no liquor. Nas gestantes, o período de viremia e excreção do vírus na urina também é mais longo. Embora o tempo de surgimento e duração dos anticorpos de classe IgM não tenha sido precisamente definido, os dados observados para outros flavivírus sugerem que a IgM começa a ser detectada em média no 7o dia após infecção, e permanecem na circulação por até 5 a 6 meses. A produção de anticorpos neutralizantes da classe IgG, geralmente ocorre após o surgimento de IgM e persiste por anos a décadas. As células dendríticas e endoteliais são sugeridas como alvo para propagação primária do vírus, sendo a infecção adquirida pela rota mais comum, através da picada das fêmeas dos mosquitos. A partir do sítio primário, o vírus é disseminado pela corrente sanguínea, alcançando o útero, testículos, cérebro e outros órgãos. O tropismo para células nervosas em diferenciação já foi comprovado e está associado a um fenótipo teratogênico. Células provenientes de diferentes órgãos e tecidos se mostraram permissivas à infecção pelo ZIKV, tais como: rins, fígado, pulmões, ovários, testículos, próstata, tecido muscular, tecido nervoso e retina. A presença do ZIKV no liquor de adultos e neonatos confirma a capacidade de transposição da barreira hematoencefálica e infecção do SNC. A seletividade da barreira hematoencefálica é mediada pela monocamada de células endoteliais, as quais permanecem aderidas pelas junções coesas e as junções endoteliais aderentes, que controlam o tráfego de leucócitos e a permeabilidade de solutos. Estudos in vitro demonstram que o vírus é capaz de infectar as células endoteliais da barreira hematoencefálica e atravessar a monocamada, sem dano que interfira significativamente na permeabilidade seletiva dessa monocamada. Dessa forma, sugere- se que a invasão do SNC pelo ZIKV seja realizada através da transcitose, a passagem das partículas virais diretamente pelas células endoteliais, pela infecção das células da monocamada, com liberação basolateral ou pela permeabilidade de monócitos infectados. Uma vez transposta a barreira hematoencefálica, o vírus pode infectar astrócitos e micróglias, levando à liberação de mediadores da inflamação como IL- 6, IL-1b e IL-10 e TNF-a, TNF-g, que influenciam na expressão das proteínas de junções, aumentando a permeabilidade da monocamada. A maneira pela qual o sistema imunológico não consegue detectar o vírus e permite que ele atravesse a placenta pode ocorrer pela participação das células de Hofbauer que possuem capacidade de migração, disseminação e contato com o compartimento fetal. A possibilidade de propagação viralno tecido placentário é sustentada pela observação de um aumento da carga viral nesse tecido em comparação com a carga viral detectada no sangue da gestante. Um estudo demonstrou que a infecção adquirida no 1o trimestre de gestação apresenta um risco 30 vezes maior de comprometimento do feto, pois contém mais receptores para o vírus e ainda não possui interleucinas. o Comportamento clínico: A maioria das infecções causadas pelo ZIKV se manifesta de forma assintomática (50-80%). Na forma sintomática, o paciente apresenta febre baixa, exantema, artralgia, mialgia e conjuntivite; a doença é autolimitada e se não houver complicações, o paciente evolui para cura em 7 dias. As complicações são raras, mas quando acontecem podem evoluir para casos graves e até fatais. A associação da infecção pelo ZIKV com a síndrome de Guillian-Barré (SGB) foi descrita pela primeira vez durante a epidemia na Polinésia Francesa em 2013. A SGB é caracterizada por paralisia flácida generalizada, com característica autoimune, que geralmente é precedida de uma infecção. Os sintomas geralmente iniciam entre 5 e 10 dias após a infecção precedente. Três formas da SGB são descritas: polirradiculoneuropatia aguda desmielinizante inflamatória (AIDP); neuropatia axonal motora aguda (AMAN) e neuropatia axonal motora e sensorial (AMSAN). Esses subtipos são associados à atuação de anticorpos contra os gangliosídeos da membrana plasmática dos axônios. Os anticorpos recrutam os macrófagos e estes se posicionam entre os axônios e as células de Schwann, mantendo a integridade da bainha de mielina, mas interrompendo a condução de sinais. Os pacientes apresentam fraqueza generalizada, a maioria perde a capacidade de andar eé preciso o uso de ventilação mecânica (25%). A recuperação é lenta, mas os pacientes, geralmente, restabelecem a capacidade motora. Estima-se que a SGB associada ao ZIKV ocorra na proporção de 2 a 3 casos por 10.000 infecções. Antes da detecção do surto de ZIKV, o número de bebês nascidos com microcefalia no segundo semestre de 2015 aumentou consideravelmente, quando comparado com relatos históricos, principalmente na Região Nordeste do Brasil. Considerando a situação epidemiológica, em novembro de 2015 a OMS confirmou a relação entre infecção por ZIKV e malformações congênitas em neonatos, com a maioria dos casos desenvolvendo microcefalia e/ou ventriculomegalia. A infecção durante a gravidez pode ser transmitida ao feto e causar malformações sistêmicas graves, resultando na SCZ. Os componentes estruturais da SCZ modificados são a morfologia craniana, anomalias cerebrais e oculares, bem como contraturas congênitas; já os componentes funcionais estão relacionados às sequelas neurológicas. Morfologia craniana: microcefalia grave, suturas cranianas sobrepostas, osso occipital proeminente, pele redundante do couro cabeludo e comprometimento neurológico Anomalias cerebrais: diminuição do córtex cerebral; padrões anormais dos giros; aumento de espaços fluidos (ventriculomegalia ou extra- axial); calcificações subcorticais; anomalias do corpo caloso; diminuição da substância branca; e hipoplasia do vérmis cerebelar Anomalias oculares: anomalias estruturais – microftalmia, coloboma; catarata; e anomalias posteriores – atrofia coriorretiniana, manchas pigmentares focais da retina e hipoplasia ou atrofia do nervo óptico Contraturas congênitas: artrogripose múltipla congênita e pés torcidos unilateral ou bilateral Sequelas neurológicas: deficiências motoras; deficiências cognitivas; hipertonia ou espasticidade; hipotonia; irritabilidade ou choro excessivo; tremores e sintomas extrapiramidais; disfunção de deglutição; deficiência visual; deficiência auditiva; e epilepsia. o Diagnóstico: O diagnóstico clínico e laboratorial é dificultado pois existe uma semelhança de sintomas com as demais arboviroses e a homologia estrutural dos flavivírus, que gera uma expressiva reação cruzada nos testes sorológicos. Segundo recomendação do MS do Brasil um paciente é considerado suspeito de infecção pelo ZIKV se apresentar exantema maculopapular pruriginoso acompanhado de um dos sinais ou sintomas: febre; hiperemia conjuntival/conjuntivite não purulenta; artralgia/poliartralgia e edema periarticular. A confirmação do caso por diagnóstico laboratorial deve ser realizada para comprovação de circulação do ZIKV ou nos casos que merecem mais atenção, como gestantes, idosos, casos graves/óbitos e crianças na primeira infância. Os métodos diretos que detectam a partícula viral devem ser priorizados, uma vez que os métodos indiretos para procura de anticorpos apresentam baixa especificidade em populações previamente expostas aos flavivírus. A metodologia que utiliza a reação em cadeia da polimerase associada à transcrição reversa (RT-PCR) e suas variações constituem a forma mais confiável de diagnóstico, pois apresentam sensibilidade, especificidade, custo e operacionalidade compatíveis com a rotina dos laboratórios de análises clínicas. Com o objetivo de diminuir a variabilidade no desempenho dos testes realizados foram desenvolvidos kits de diagnóstico para detecção do RNA do ZIKV simultaneamente a outros arbovírus prevalentes (dengue e chikungunya), conferindo agilidade para a rotina de diagnóstico diferencial dessas arboviroses. A imuno-histoquímica é uma ferramenta muito importante para avaliação da transmissão vertical e para estudos de necrópsia. Através dessa técnica foi possível claramente demonstrar o antígeno do ZIKV nas células de defesa da placenta e nos tecidos fetais provenientes do cérebro, fígado, rim, coração e pulmão. O teste de neutralização por redução de placas (PRNT) avalia a presença de anticorpos neutralizantes no soro. O PRNT apresenta maior sensibilidade quando comparado aos imunoensaios. Contudo, a dificuldade de operação, o tempo para realização e a necessidade de manipulação de partículas virais infecciosas limitam a utilização desse teste na rotina de diagnóstico. Mesmo apresentando alta probabilidade de reação cruzada, kits para detecção de anticorpos IgM e IgG contra ZIKV, baseados em EIA, estão comercialmente disponíveis. Os resultados obtidos nesses testes sorológicos devem ser interpretados com cautela. Amostras inconclusivas podem ser confirmadas por PRNT. o Tratamento: Não existem antivirais específicos para ZIKV, recomenda-se que o paciente realize repouso, aumente a ingestão de líquido e retorne à unidade de saúde caso apresente sensação de formigamento de membros ou alteração no nível de consciência. Para casos de dor e febre pode ser administrado paracetamol ou dipirona; o uso de ácido acetilsalicílico não é recomendado. O uso de anti- histamínico também é preconizado. Chikungunya: o Classificação: O CHIKV é um arbovírus pertencente ao gênero Alphavirus da família Togaviridae. As partículas virais possuem envelope lipoprotéico contendo espículas de glicoproteínas virais, capsídeo de simetria icosaédrica e medem cerca de 60 a 70 nm de diâmetro. O genoma é constituído de RNA de fita simples de polaridade positiva (RNAfs+). A RNAg codifica uma poliproteína precursora de quatro proteínas não estruturais (NSP1- NSP4). O RNA subgenômico (RNAsg) 26S se torna uma poliproteína precursora das proteínas estruturais: a proteína de capsídeo (C); duas glicoproteínas de envelope (E1 e E2) e dois pequenos peptídeos denominados E3 e 6k. A análise filogenética da proteína de envelope E1 inicialmente identificou a existência de três genótipos distintos: África Ocidental (WA, Western Africa), África Oriental/Sul/Central/ (ESCA, East/South/Central Africa) e Ásia. Até o início da epidemia do Oceano Índico, durante os surtos de CHIKV em seres humanos, o principal vetor identificado foi o Aedes aegypti, mas também pode ser feita pelo A. albopictus.o Replicação: A biossíntese inicia com a adsorção da espícula viral ao receptor celular. Alguns receptores celulares têm sido implicados nesse processo tais como DC-SIG, L-SIGN, sulfato de heparana, laminina e integrina. O vírus entra na célula por endocitose mediada por clatrinas. Após a endocitose, o ambiente ácido do endossoma desencadeia alterações conformacionais na proteína de envelope E1 que vai mediar a fusão do envelope com a membrana do endossoma com subsequente liberação do nucleocapsídeo no citoplasma celular. Na fase inicial da biossíntese, o RNAg serve como RNAm para a tradução da poliproteína precursora das proteínas não estruturais. A replicação do RNA ocorre via síntese de uma fita de RNAc–, que é usada como molde para a síntese do RNAg e para a transcrição do RNAm subgenômico (RNAmsg) 26S a partir de um promotor interno. Durante o transporte, e provavelmente antes de chegar à superfície da célula, pE2 é clivada por furinas ou furinas-like em E2 e E3. Paralelamente, os capsídeos e RNA+ formados no citoplasma migram em direção à membrana citoplasmática. A montagem do vírus é direcionada pela ligação eletrostática do nucleocapsídeo ao RNA próximo à membrana citoplasmática. A partícula viral sai da célula por brotamento pela membrana citoplasmática adquirindo o envelope glicolipoproteico. o Patogênese: Na África, o vírus é zoonótico e mantém um ciclo silvestre envolvendo primatas selvagens e diversas espécies de mosquitos. O ciclo urbano é mantido pela transmissão homem-mosquito-homem. A transmissão do vírus entre seres humanos, na África, permanece quase exclusivamente rural, com impacto moderado na saúde pública. Em geral, a infecção humana pelo CHIKV é frequentemente confundida com outras doenças; as infecções são frequentemente assintomáticas; e a população africana é constantemente exposta ao CHIKV, mantendo níveis elevados de imunidade. Nessa situação, o vírus pode ser detectado fortuitamente durante levantamentos sorológicos, visto que possui grau elevado de reação cruzada com outros arbovírus. Nos países asiáticos o CHIKV é transmitido primariamente por mosquitos, com um ciclo epidemiológico similar ao da dengue: ausência de animal reservatório, transmissão homem-mosquito- homem, e grande potencial epidêmico. Essas epidemias parecem resultar da migração do CHIKV para ecossistemas contendo população densa e não imune juntamente com densidade elevada dos mosquitos transmissores que se alimentam principalmente de sangue humano. Os seres humanos servem como reservatórios para o vírus durante os períodos epidêmicos, mas fora desses períodos os principais reservatórios são os macacos, roedores, aves e possivelmente outros vertebrados não identificados. o Os alfavírus podem ser divididos em dois grupos: os vírus associados a encefalite (predominantemente os alfavírus do Novo Mundo) e os vírus associados a exantema e poliartrite (os vírus do Velho Mundo). Dentre as espécies de alfavírus, seis podem causar comprometimento das articulações em seres humanos: os vírus chikungunya e O’nyong-nyong (África Central), rio Ross e floresta de Barmah (Austrália e Pacífico), Sindbis (cosmopolita) e Mayaro (América do Sul). Embora o CHIKV seja membro do grupo dos vírus artritogênicos, durante os surtos recentes foram documentados casos de meningoencefalite (primariamente em neonatos) e doença hemorrágica. Diferentemente dos alfavírus encefalogênicos, que infectam neurônios, o CHIKV parece infectar as células do estroma do sistema nervoso central e as células do plexo coróide. Após a transmissão, o ciclo de biossíntese viral ocorre nos fibroblastos da pele com disseminação por via sanguínea para outros tecidos, incluindo fígado e articulações. Durante a fase aguda, a carga viral atinge 108 partículas/mℓ de sangue, e a concentração plasmática de interferon tipo I é de 0,5 a 2 ng/mℓ, acompanhada de forte indução de outras citocinas pró- inflamatórias e quimiocinas. Infecções assintomáticas ocorrem em aproximadamente 15% dos indivíduos infectados. o Comportamento clínico: O período de incubação é de 3 a 7 dias, a fase prodrômica não existe, pois o início da infecção é abrupto e coincide com a viremia, com sintomas de febre alta (> 39oC) e bifásica acompanhada de calafrios por 2 a 3 dias, seguido de remissão por 4 a 10 dias e retorno da febre por 1 a 2 dias, cefaleia, dor nas costas, poliartralgia (87-98%) e fadiga. A dor é predominantemente poliarticular, bilateral, simétrica e ocorre principalmente nas articulações periféricas (tornozelos, punhos e falanges) e algumas das grandes articulações (cotovelos e joelhos), e pode ocorrer edema das articulações (25 a 42%). A mialgia (46-59%) sem miosite tem sido observada predominantemente nos braços, coxas e panturrilhas. As manifestações cutâneas (40-50%) aparecem no início da doença, e consistem de exantema macular ou maculopapular predominantemente no tórax e face e desaparecem em 3 a 4 dias sem sequelas, e pode estar acompanhado de prurido generalizado (25%). Grande variedade de lesões cutâneas e de mucosas foram descritas durante a doença aguda: hipermelanose, hiperpigmentação, fotossensibilidade, dermatite esfoliativa, vesículas, bolhas, lesões vasculares, lesões semelhantes ao eritema nodoso, exacerbação de dermatoses preexistentes como psoríase e ulceração de mucosa. Sintomas digestivos (15-47%) como diarreia, vômito, náusea ou dor abdominal ocorrem edurante a fase aguda da doença. Pode ocorrer incapacitação ou limitação das atividades normais (60%), cansaço (47%) e até impacto psicológico. A fase aguda da doença é caracterizada por viremia elevada com duração média de 7 dias e alterações sanguíneas como linfopenia pronunciada e/ou moderada trombocitopenia, leucopenia, enzimas hepáticas elevadas, anemia, creatinina elevada, creatino-cinase elevada e hipocalcemia. A evolução da doença se dá com o estágio viral (1 a 4 dias), associado ao decréscimo da viremia, seguido de rápida melhora da apresentação clínica e o estágio convalescente (5 a 14 dias) associado a viremia não detectável e lenta recuperação clínica. A IgM aparece nos primeiros 2 a 5 dias e pode persistir por várias semanas a 3 meses. A IgG pode aparecer durante as primeiras semanas de evolução e persistir por anos, proporcionando forte imunidade antiviral que evita sintomas clínicos no caso de uma segunda infecção. Uma variedade de outros sintomas clínicos foi observada na fase aguda da doença como conjuntivite, neurorretinite, iridociclite, miocardite, pericardite, pneumonia, tosse seca, linfoadenopatia, nefrite, hepatite e pancreatite. Após a doença aguda alguns pacientes apresentam recidiva ou sintomas persistentes, como artralgia ou dores do músculo esquelético, manifestações reumáticas como artrite reumatoide e espondiloartropatia, febre, fadiga, cefaleia, neuropatia, desordens cerebrais, danos neurossensoriais, disestesia e/ou parestesia, síndrome carpal, tarsal ou cubital, desordens digestivas, exantema, alopecia, prurido, síndrome de Raynaud, rigidez das articulações, bursite, tenossinovite e sinovite, com ou sem efusão. O tempo de duração dos sintomas tardios varia entre pacientes de 30 dias até 2 anos. A infecção do SNC pelo CHIKV foi relatada desde a década de 1960, complicações neurológicas (25%) como convulsões foram observadas mais frequentemente em pacientes com histórico de epilepsia e/ou naqueles com histórico de alcoolismo. Outras complicações neurológicas registradas foram: encefalopatia, encefalite, síndrome de Guillain-Barré, encefalomielorradiculite ou hemorragia cerebral subaracnoide. Sinais hemorrágicos como sangramento nasal e gengival são raros (1-7%) e na maioria dos casos não estão associados a anormalidades de coagulação ou trombocitopenia. As causas de óbito mais comum são cardíaca, falência múltipla de órgãos, hepatite tóxica, encefalite, dermatitebolhosa, falência respiratória, falência renal, pneumonia, infarto agudo do miocárdio, doença cerebrovascular, hipotireoidismo ou septicemia. Em crianças as manifestações clínicas da febre chikungunya são mais específicas e, embora as manifestações reumatológicas sejam menos frequentes, as crianças são grupo de risco para manifestações atípicas ou graves. As principais características clínicas da doença nas crianças são: alta prevalência das manifestações dermatológicas (hiperpigmentação, eritema generalizado, exantema maculopapular e lesões vesiculobolhosas) e complicações neurológicas (encefalite, convulsões, síndrome meníngea e encefalopatia aguda). Outras características clínicas descritas incluem desordens digestivas (diarreia), cianose periférica e manifestações hemorrágicas. A transmissão vertical foi observada exclusivamente em mulheres apresentando viremia no período pré-parto. O parto cesariano não apresentou efeito protetor. Doença grave foi observada em 53% dos recém-nascidos e consistiu principalmente de encefalopatia com sequelas persistentes em 44% dos casos. Outras complicações incluíram convulsões, síndrome hemorrágica, desordens hemodinâmicas, complicações cardiológicas (hipertrofia do miocárdio, disfunção ventricular, pericardite, dilatação da artéria coronária), enterocolite necrotizante ou manifestações dermatológicas. Fase Aguda ou Febril: A fase aguda ou febril da doença é caracterizada principalmente por febre de início súbito e surgimento de intensa poliartralgia, geralmente acompanhada de dores nas costas, rash cutâneo (presente em mais de 50% dos casos) cefaleia e fadiga, com duração média de sete dias. Outras manifestações cutâneas também têm sido relatadas nesta fase: dermatite esfoliativa, lesões vesiculobolhosas, hiperpigmentação, fotossensibilidade, lesões simulando eritema nodoso e úlceras orais. Fase Subaguda: Durante esta fase a febre normalmente desaparece, podendo haver persistência ou agravamento da artralgia, incluindo poliartrite distal, exacerbação da dor articular nas regiões previamente acometidas na primeira fase e tenossinovite hipertrófica subaguda em mãos, mais frequentemente nas falanges, punhos e tornozelos. Fase Crônica: Após a fase subaguda, alguns pacientes poderão ter persistência dos sintomas, principalmente dor articular e musculoesquelética e neuropática, sendo esta última muito frequente nesta fase. o Diagnóstico: O isolamento do vírus é realizado por inoculação em cultura de células de mosquitos ou de mamíferos, como culturas de células de rim de macaco, de rim de hamster, de embrião de galinha ou de pato e inoculação em camundongos recém-nascidos. As duas principais formas de diagnóstico são: detecção do RNA viral por reação em cadeia da polimerase associada à transcrição reversa (RT-PCR) e sorologia para pesquisa de anticorpos. A RT-PCR é útil durante a fase virêmica (0 a 7 dias). Em crianças, o vírus pode ser detectado no fluido das bolhas da erupção cutânea. Os métodos sorológicos como inibição da hemaglutinação (HI), fixação do complemento (FC), imunofluorescência (IF) e ensaio imunoenzimático (EIA) podem ser usados para a pesquisa de anticorpos. A IgM específica para o vírus pode ser detectada por EIA em média a partir do 2o dia da doença e persiste por várias semanas até 3 meses. A IgG específica é detectada na fase convalescente e persiste por anos. Contudo, a sensibilidade dos testes sorológicos é baixa, sendo possível que ocorra reação cruzada com outros arbovírus como o vírus Mayaro e o vírus O’nyong-nyong. o Tratamento: Não há ainda vacinas disponíveis contra o CHIKV, embora algumas candidatas tenham sido testadas em seres humanos. No momento, também não há antiviral disponível para o tratamento da febre chikungunya. Dessa forma, o tratamento é sintomático e baseado em analgésicos não salicilados e drogas anti-inflamatórias não esteroidais. Políticas públicas relacionadas ao controle de vetores Programa de Erradicação do Aedes aegypti (PEAa): criado em 1996 para o controle químico do vetor envolvendo a participação das esferas federal, estadual e municipal. No entanto, o programa visava pouco envolvimento da comunidade, sendo um dos motivos para seu insucesso, já que a população teve o papel de mera expectadora do programa, mantendo-se na dependência de ações previamente definidas pelo governo. Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD): criado em 2002 com o intuito de desenvolvimento de campanhas publicitárias para disseminação de informações e mobilização civil; fortalecimento da vigilância epidemiológica e entomológica para detecção de surtos precoces; ações de saneamento básico; integração das ações de controle da doença associadas com os Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programas de Saúde da Família (PSF); utilização de instrumentos legais que permitem a entrada em propriedades particulares abandonadas para a eliminação de criadouros; destinação adequada de resíduos sólidos; utilização de meios seguros para armazenamento de água e acompanhamento e supervisão das ações desenvolvidas. No período de 2003-2006, as suas metas (Reduzir a menos de 1% a infestação predial em todos os municípios; Reduzir em 50% o número de casos de 2003 em relação a 2002 e, nos anos seguintes, 25% a cada ano; e Reduzir a letalidade por febre hemorrágica de dengue a menos de 1%), não foram cumpridas em quantidade significativa dos municípios considerados prioritários pelo programa. Programa Nacional de Enfrentamento ao Aedes e a Microcefalia (PNEAM): criado pelo governo federal em 2015, devido aos graves problemas que a Zika pode ocasionar, assim visava o combate ao mosquito Aedes aegypti. O programa conta com o envolvimento de vários ministérios, dos governos federal, estadual e municipal, e da sociedade. Tem como proposta a intensificação de campanhas; inspeção de todos os domicílios e instalações públicas e privadas urbanas; e realização de visitas domiciliares de controle do mosquito bimestralmente. Reconhecer a epidemiologia com base nos bancos de dados oficiais: Dengue: Casos prováveis segundo Ano de notificação em Santa Catarina. Período 2014-2021. Masculino: 21.231. Feminino: 22.804. Casos autóctones: 38.089 o Mês de notificação (período 2014- 2021) - 44.054 casos totais notificados. Janeiro: 707 casos. Fevereiro: 2.486. Março: 6.752. Abril: 13.957. Maio: 13.476. Junho: 4.448. Julho: 839. Agosto: 260. Setembro: 164. Outubro: 163. Novembro: 232. Dezembro: 570 o Até a SE 24 de 2022 ocorreram 1.172.882 casos prováveis de dengue (taxa de incidência de 549,8 casos por 100 mil hab.) no Brasil. Em comparação com o ano de 2019, houve redução de 9,8% de casos registrados para o mesmo período analisado. Quando comparado com o ano de 2021, ocorreu um aumento de 195,9% casos até a respectiva semana. Para o ano de 2022, a Região Centro- Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 1.629,9 casos/100 mil hab., seguida das Regiões: Sul (983,9 casos/100 mil hab.), Sudeste (440,7 casos/100 mil hab.), Nordeste (284,8 casos/100 mil hab.), Norte (223,2 casos/100 mil hab.). Zika: Febre amarela: Entre julho de 2021 e junho de 2022 (SE 22), foram notificadas 1.267 epizootias suspeitas de FA, das quais 26 (2,1%) foram confirmadas por critério laboratorial. No mesmo período, foram notificados 576 casos humanos suspeitos de FA, dos quais 5 (0,9%) foram confirmados. A transmissão do vírus entre PNH foi registrada no Pará, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sinalizando a circulação ativa do vírus nesses estados e o aumento do risco de transmissão às populações humanas durante o período sazonal. Chicungunha: Até a SE 24 de 2022 ocorreram 122.075 casos prováveis de dengue (taxa de incidência de 57,2 casos por 100 mil hab.) no Brasil. Em comparação com oano de 2019, houve aumento de 35,1% de casos registrados para o mesmo período analisado. Quando comparado com o ano de 2021, ocorreu um aumento de 93,7% casos até a respectiva semana. Para o ano de 2022, a Região Nordeste apresentou a maior incidência (175,7 casos/100 mil hab.), seguida das Regiões Centro-Oeste (28,8 casos/100 mil hab.) e Norte (26,6 casos/100 mil hab.). Até o momento foram confirmados 23 óbitos para chikungunya nos estados, sendo que o Ceará concentra 78,2% (18) dos óbitos. Ressalta-se que 50 óbitos estão em investigação no País.
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