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Glaura Morais Paroneto Maria Soledade Gomes Borges Marilia de Dirceu Cachapuz Daher Denise Rodovalho Scussel Jaqueline Oliveira Lima Zago Maria Célia Borges Dalbério Maria Emília Loyola Vânia Machado de Sene O projeto político‑pedagógico Processos históricos da educação brasileira © 2016 by Universidade de Uberaba Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Universidade de Uberaba. Universidade de Uberaba Reitor Marcelo Palmério Pró-Reitor de Educação a Distância Fernando César Marra e Silva Editoração Produção de Materiais Didáticos Capa Toninho Cartoon Edição Universidade de Uberaba Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central UNIUBE P943 O projeto político-pedagógico: processos históricos da educação brasileira / Glaura Morais Paroneto ... [et al.]. – Uberaba: Universidade de Uberaba, 2016. 356 p. : il. ISBN 1. Educação. 2. Educação – História. I. Paroneto, Glaura Mo- rais. II. Universidade de Uberaba. CDD 370 Denise Rodovalho Scussel Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba – Uniube. Graduada em Pedago gia com habilitação em Supervisão, Administração e Educação Especial. É gestora e docente do curso de Pedagogia na Universidade de Uberaba. Glaura Morais Paroneto Mestra em Educação Magistério Superior pelo Unit. Especialista em Pedagogia Clínica pela Unaerp e em Metodologia e Didática do Ensino pelas Faculdades Claretianas. Graduada em Pedagogia pela Fista. Integrante da Equipe do GAPP (Grupo de Apoio Pedagógico e Pesquisa), coordenadora do curso de especialização em Docência Uni versitária da Uniube. Jaqueline Oliveira Lima Zago Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduada em Educação Escolar pela Faculdade Politécnica de Uberlândia. É pedagoga da Divisão de Apoio Técnico Pedagógico da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e roteirista convidada dos cursos de Pedagogia e Engenharia de Produção EAD (2009). Maria Célia Borges Dalbério Doutora em Educação/Currículo na PUC-SP. Mestra em Educação na UFU. Especia lista em Fundamentos da educação, Metodologia Ensino Superior e Psicopedagogia. Leciona nos cursos de extensão e pós-graduação na formação de professores. É do cente no Ensino Superior na UFTM, Uberaba-MG. Pesquisadora e líder de grupo de pesquisa sobre Formação de professores (GPEFORM). Autora de Sobre as autoras artigos nacionais e internacionais, capítulos de livros e dos livros Neoliberalismo, Políticas Educacionais e a Gestão Democrática na Escola Publica de qualidade e Metodologia Científica: desafios e caminhos, Editora Paulus, 2009. Maria Emília Loyola Psicóloga, Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba, Especialista em Psicopedagogia pela Uniminas. Atua na área clínica em Uberaba. Maria Soledade Gomes Borges Mestra em Educação pela Universidade de Uberaba – Uniube. Especialista em Orien tação Educacional e Planejamento Educacional e Mestra em Educação pela Uniube. Graduada em Pedagogia, piano e licenciada em música. É professora do curso de Pe dagogia e coordenadora pedagógica da Pró-Reitoria de Ensino Superior da Uniube. Marilia de Dirceu Cachapuz Daher Mestra em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Graduada em Pedagogia pela Universidade de Uberaba – Uniube. Professora do curso presencial da Universidade de Uberaba, coordenadora do desenvolvimento operacional e pedagógico do ensino a distância da Universidade de Uberaba. Vânia Machado de Sene Graduada em Pedagogia – Faculdades Integradas de Uberaba, graduada em Admi nistração Escolar e Magistério das Matérias Pedagógicas pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ituverava e Supervisão Escolar 1 o grau – Faculdades Integradas de Uberaba. Sumário Apresentação .............................................................................................................VII Capítulo 1 Caminhos para democratização da escola: a metodologia do projeto político-pedagógico ............................................. 1 1.1 Projeto político-pedagógico – conceitos básicos .................................................... 5 1.3.1 A autonomia enquanto princípio do projeto político-pedagógico ................ 17 1.2 O que um projeto político-pedagógico não pode ser ............................................ 13 1.3 Finalidades do projeto político-pedagógico ........................................................... 13 1.4 Pressupostos do projeto político-pedagógico ...................................................... 20 1.5 Componentes do projeto político-pedagógico ...................................................... 21 1.6 O papel do currículo na sustentação de projetos político-pedagógicos ............... 27 1.6.1 Como está a prática de nossas escolas? ................................................... 28 1.7 A construção coletiva de um projeto político-pedagógico de intencionalidade emancipatória ......................................................................................................... 34 1.7.1 Como a participação de todos os envolvidos no processo poderá ser efetivada? .................................................................................................... 36 1.7.2 Dificultadores para a efetivação do projeto político-pedagógico ................ 41 1.8 A avaliação no contexto do projeto político-pedagógico ...................................... 43 1.8.1 Ponto de partida ........................................................................................... 44 1.9 Conclusão .............................................................................................................. 47 Capítulo 2 Políticas educacionais, globalização, neoliberalismo e tecnologia ........................................................................... 53 2.1 O mundo tecnológico ..............................................................................................56 2.1.1 Fases das revoluções científicas e tecnológicas .........................................58 2.1.2 O mundo do trabalho e as tecnologias ........................................................60 2.1.3 O impacto das novas tecnologias na educação ..........................................62 2.2 Neoliberalismo ........................................................................................................71 2.2.1 Como a economia era organizada a partir da Idade Média (séculos XI a XV)? .......................................................................................................................71 2.3 Globalização ...........................................................................................................79 2.4 Políticas públicas educacionais brasileiras ...........................................................85 2.4.1 Avaliações externas do ensino público brasileiro ........................................95 2.5 Continuando a reflexão ...........................................................................................96 Capítulo 3 Projeto politico-pedagógico frente à gestão escolar ........107 3.1 A construção do projeto político-pedagógico, a gestão escolar e suas implicações para a prática educativa ...................................................................1093.2 O conselho escolar ou colegiado .........................................................................130 3.2.1 O conselho de classe ............................................................................... 133 3.2.2 A associação de pais e mestres .................................................................134 3.2.3 O grêmio estudantil ....................................................................................138 3.3 A construção do projeto político-pedagógico ........................................................141 3.4 Dificuldades e obstáculos na concretização do projeto político-pedagógico ......146 3.5 O projeto político-pedagógico também requer avaliação ....................................151 3.6 O projeto político-pedagógico e a discussão da qualidade em educação ..........152 3.7 O projeto político-pedagógico como possibilidade de romper com o projeto (neoliberal) de exclusão .......................................................................................161 Capítulo 4 Planejamento de ensino e avaliação ............................... 175 4.1 O planejamento de ensino no cotidiano da prática docente ................................177 4.2 A importância do planejamento na escola ............................................................179 4.3 Seleção e organização dos conteúdos ...............................................................185 4.4 Seleção e organização de procedimentos de ensino .........................................186 4.5 Seleção dos procedimentos de avaliação ...........................................................188 4.5.1 Finalidades da avaliação ............................................................................190 4.5.2 Mudar a avaliação é difícil? ........................................................................192 4.6 Construção do plano, da prática docente e do saber discente ...........................193 4.7 Planejamento didático ou de ensino ....................................................................194 4.7.1 Tipos de planejamentos .............................................................................196 4.8 Etapas do planejamento de ensino ......................................................................197 4.9 Os componentes básicos do plano de ensino .....................................................198 4.10 Plano de aula ......................................................................................................202 4.10.1 Esboço de um plano de aula na concepção de Celso Vasconcellos (2000) ................................................................................ 204 Capítulo 5 História da educação brasileira ........................................ 211 5.1 Período de 1500 a 1930 ...................................................................................... 214 5.1.1 Brasil colônia – 1500 a 1822 .....................................................................215 5.1.2 Brasil Império – 1822 a 1889 ..................................................................... 240 5.1.3 República velha ou primeira República – 1889 a 1930 ............................ 246 5.1.4 Resumindo ................................................................................................ 252 5.2 Período 1930 a 1964 ............................................................................................254 5.2.1 O pensamento pedagógico – 1930 a 1964 ................................................258 5.2.2 Resumindo ..................................................................................................263 5.3 Período de 1964 a 1975 .......................................................................................264 5.3.1 Resumindo .................................................................................................266 5.4 Dos anos 80 a 90 do século XX aos dias atuais .................................................267 5.4.1 O pensamento pedagógico ........................................................................269 5.5 Conclusão .............................................................................................................272 Capítulo 6 O panorama histórico e social das décadas de 80 e 90 do século XX e sua relevância para a construção da escola democrática ...................................................................... 275 6.1 Iniciando nosso diálogo ........................................................................................277 6.2 O significado de democracia ...............................................................................278 6.3 Os anos 80 do século XX e a educação escolar .................................................280 6.4 Os anos 90 do século XX e a educação escolar .................................................286 6.5 Conclusão .............................................................................................................290 Capítulo 7 A história da Educação Infantil no Brasil ..........................297 7.1 A história da infância e da Educação Infantil no Brasil ....................................... 303 7.1.1 Texto 1: A criança (RCNEI – 1998) ........................................................... 303 7.1.2 Texto 2: Capítulo 1 – Buscando origens, encontrando raízes .................. 306 7.1.3 Texto 3: Capítulo 2 – Educação Infantil: dos conceitos, da história e das políticas públicas ....................................................................................... 317 7.2 Conclusão ............................................................................................................ 334 Dando continuidade aos estudos, neste livro você encontrará duas partes: “O projeto político-pedagógico” e “Processos históricos da educação brasileira”. Vamos iniciar o estudo da primeira parte, “O projeto político-pedagógico”, com o ca pítulo “Caminhos para a democratização da escola: a metodologia do projeto político -pedagógico”, identificando o principal instrumento para a construção de uma escola democrática e de qualidade: o projeto político-pedagógico. Nessa perspectiva, tentare mos compreender sua metodologia, conhecendo seus principais conceitos, a finalidade da sua elaboração por todos os envolvidos no processo educativo e sua relação com o currículo. Abordaremos, também, alguns dificultadores que essa metodologia encontra e o processo de avaliação. A seguir, você estudará o capítulo “Políticas educacionais, globalização, neoliberalismo e tecnologia”, que propõe reflexões sobre as mudanças que estão acontecendo nos últimos anos. Apesar de sermos afetados por essas mudanças, nem sempre temos uma análise crítica dessa realidade. Para que tenhamos condição de tomar decisões e saber quais interesses as nossas ações educativas estão favorecendo, é preciso que saibamos as implicações de fenômenos como a globalização, as medidas neoliberais e os avanços tecnológicos e como eles modificam o nosso cotidiano, nossas práticas de trabalho e a política educacional. No capítulo “Projeto político-pedagógico frente à gestão escolar”, estudaremos sobre a gestão escolar democrática, buscando destacar a importância da gestão colegiada na construção e execução do projeto político-pedagógico da escola. Serão aborda das, também, as questões da democracia e da participação na escola, bem como os pressupostos que orientam a elaboração de tão importante documento, com vistas à reestruturação do espaço escolar para a melhoria da qualidade de ensino. Esse capítulo enriquecerá nossos conhecimentos sobre o projeto Apresentação X UNIUBE político-pedagógico na gestão democrática, visando colaborar para que você vislumbre a inserção desse projeto em uma discussão mais ampla, que é a da gestão escolar democrática, para a intervenção adequada na prática educativa. Para tanto, será proposta uma discussão sobreos conceitos de democracia, gestão e projeto político-pedagógico, a fim de que compreendamos a relação entre eles e como podemos aperfeiçoá-los para melhoria da qualidade da escola e do ensino. Ao final desta parte do livro, no capítulo “Planejamento de ensino e avaliação”, você encontrará o embasamento para a elaboração de planejamentos de ensino. Esse capítulo visa também despertar a consciência da necessidade da construção de uma prática docente inovadora e crítica, e da importância da participação de todos nessa atividade, para a efetivação satisfatória da aprendizagem. Na segunda parte – “Processos históricos da educação brasileira” –, iniciamos os estu dos com o capítulo “História da educação brasileira”. Nesse capítulo, vamos dirigir nossa atenção para a sociedade colonial brasileira e tentar entender o tipo de educação que essa sociedade gerou. Procuraremos observar o avanço da dominação capitalista e que, apesar da emancipação política, o Brasil ainda conserva a dependência econômica, social e cultural que se constituiu nas relações estabelecidas entre as diferentes classes e interesses ao longo de sua história. Perceberemos, também, os anseios nacionalistas de desenvolvimento e a solução imperialista para o progresso. Em seguida, teremos o capítulo “O panorama histórico e social das décadas de 80 e 90 do século XX e sua relevância para a construção da escola democrática”. O estudo deste capítulo tem como finalidade apresentar o panorama histórico, político e social entre os anos 70 e 90 do século XX. Trata-se de um período de transição democrática e de abertura política e, por isso, a possibilidade de instauração de novas relações entre o Estado e a sociedade civil. Sendo assim, a autora destacará alguns acontecimentos governamentais e sociais importantes que influenciaram direta ou indiretamente na configuração, na função social da escola, nas práticas pedagógicas e de gestão da escola atual. Finalizando essa parte, você encontrará o capítulo “A história da Educação Infantil no Brasil”, em que vamos enumerar fatos que UNIUBE XI demonstram como as mudanças sociais estão afetando a concepção de infância no Brasil. Nesta unidade, vamos ainda identificar os fatos que marcaram a história da educação infantil no Brasil e explicar as modificações ocorridas na consolidação de uma proposta pedagógica, para essa educação, como parte de um processo histórico. Jaqueline Oliveira Lima Zago Introdução Caminhos para democratização da escola: a metodologia do projeto político‑pedagógico Capítulo 1 Neste capítulo, trataremos de um dos principais instrumentos para a construção de uma escola democrática e de qualidade: o proje- to político‑pedagógico (PPP). Na tentativa de compreender sua metodologia, vamos abordar os principais conceitos veiculados, a fi nalidade da sua elaboração por todos os envolvidos no processo educativo, a relação do projeto com o currículo vivido na escola e como eixo sustentador de sua efetivação. Não deixaremos de abordar alguns difi cultadores dessa metodologia e também o pro- cesso de avaliação necessário e, ainda, a emancipação da escola frente às amarras burocráticas e tecnicistas que ainda permeiam o universo educativo. A sua postura refl exiva será muito importante para o sucesso de sua aprendizagem. Veja na Figura 1 algumas indagações que norteiam a nossa abor- dagem neste capítulo. Uma escola, ao responder a essas e outras questões, está respon- dendo à sociedade a que veio e o que pretende, ou seja, está efe- tivamente divulgando qual é a sua proposta pedagógica por meio do seu projeto político-pedagógico. Na realidade, ao fazer isso, a escola está planejando a sua atua- ção, o seu vir a ser no mundo onde está inserida. Nesse sentido, planejar as atividades da escola contribui para o cumprimento ou não da sua função social. A forma como a escola elabora e aplica suas atividades traduz as suas intenções em re- lação ao homem, à sociedade e ao mundo em que ela vive. Igual- 2 UNIUBE mente, explicita os seus valores, a sua missão, delineia o perfil de homem que pretende formar e a sua responsabilidade social. Assim, compromete-se eticamente, posiciona-se à frente de todas as necessidades humanas, sintonizando-se com esta ou aquela filosofia. Vamos refletir sobre todas essas questões, buscando compreender a função da escola e quais são os componentes que estão envolvidos nesse processo. Figura 1: Questões norteadoras para a elaboração de um projeto político- -pedagógico. Iniciaremos nosso estudo enfocando como se constrói um projeto político -pedagógico, considerando uma frase de Pau- lo Freire (1983, p. 54), que diz: “Planejamento é produção de teoria; de teoria do educador.” Portanto, não se planeja no vazio. E a escola sempre teve como característica ser um espaço de produção e divulgação de conhecimentos. Sabe- -se que faz isso por meio do trabalho de pessoas em torno deste objetivo. Até pouco tempo, a organização desse planejamento não era pensada de forma democrática. Cada um tinha um papel já definido: o diretor administrava, o professor dava aulas, os pais deixavam o aluno na porta da escola, o aluno aprendia (ou não), e, no caso da escola pública, o governo subsidia- UNIUBE 3 va os custos desse processo. O planejamento limitava-se ao trabalho docente, ou seja, o que e como ensinar do ponto de vista do professor. A ação da escola de ma neira geral era empírica, os problemas eram pensados e resolvidos na medida em que iam aparecendo. A relação da escola com a comunidade praticamente não existia de forma dialógica. A escola fazia o que achava que devia, a comunidade ou se adequava ou era marginalizada por ela. O currículo e os programas escolares eram ditados por uma ideologia que não induzia a parti- cipação dos atores principais. Não se fazia uma avaliação sistêmica ou pro- cessual. A avaliação desde a sala de aula priorizava os aspectos quantitati- vos dos re sultados. Avaliação sistêmica É uma avaliação em larga escala desenvolvida pelos sistemas de ensino e que visa subsidiar políticas públicas na área educacional. Em cada momento, desde a sua concepção, a escola teve um valor atribuído, ora como um sinônimo de mudança, de ruptura, ora como mantenedora de um sistema. Tal qual como a conhecemos hoje, foi construída lentamente, em um cenário de disputas e adequações. Foi com a necessidade de democratizar as relações na escola como um exemplo para convivência em sociedade que surgiu a necessidade de gerir a escola sob uma perspectiva democrática. Nessa perspectiva, reconhecemos na elaboração do projeto político-pedagógico o caminho da democratização na e da escola, pois sugere a participação de todos os envolvidos no processo educativo. Na tentativa de compreender esses aspectos, vamos refletir sobre a função de uma escola que se propõe a estabelecer sua função democrática, porém com recursos mais efetivos, resultantes de movimentos educacionais e pesquisas que têm norteado a construção de novos paradigmas. Entender o seu processo ambivalente, que ora oferece as mesmas oportunidades a todos, ora exclui. Essa escola, dialética e muitas vezes controversa, que procura a igualdade de oportunidades na diversidade de direitos, 4 UNIUBE que é palco de lutas e disputas de poder, tão marginalizada e ao mesmo tempo necessária na construção do seu projeto educativo, é o foco de nosso estudo neste capítulo. Objetivos No final deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • reconheça o significado do projeto político-pedagógico no contexto da educação escolar; • identifique o projeto político-pedagógico como instrumento de demo cratização da escola; • distingua os pressupostos que orientam a construção do projeto político -pedagógico; • reconheça o projeto político-pedagógico como meio favorecedor do cumprimento da função social da escola; • identifique o currículo como componente do projeto político--pedagógico. Estruturamos este capítulo da seguinte maneira: uma fundamentação teórica para primeiramente conhecer os principais elementos de um projeto político -pedagógico, a relação estreita com o currículo escolar, e, para compreender a finalidade ou a necessidade de fazer este trabalho, propor alguns caminhos para a sua construção e implementação. Por fim, a necessidade de refletir sobre os conflitos e tensões que permeiam este processo e sugerir alguns mecanismos de avaliação. Esperamos assim suscitar muitas indagações, pois o que move o nosso tra balho não são as respostas. UNIUBE 5 1.1 Projeto político-pedagógico – conceitos básicos 1.2 O que um projeto político-pedagógico não pode ser 1.3 Finalidades do projeto político-pedagógico 1.3.1 A autonomia enquanto princípio do projeto político-pe dagógico 1.4 Pressupostos do projeto político-pedagógico 1.5 Componentes do projeto político-pedagógico 1.6 O papel do currículo na sustentação de projetos político-pe- dagógicos 1.6.1 Como está a prática de nossas escolas? 1.7 A construção coletiva de um projeto político-pedagógico de intencionali dade emancipatória 1.7.1 Como a participação de todos os envolvidos no processo poderá ser efetivada? 1.7.2 Dificultadores para a efetivação do projeto político-pe dagógico 1.8 A avaliação no contexto do projeto político-pedagógico 1.8.1 Ponto de partida 1.9 Conclusão Esquema Projeto político‑pedagógico – conceitos básicos1.1 O conceito de projeto é muito amplo. Segundo Ferreira (2009, p. 46), o termo projeto tem as seguintes definições: 1. Ideia que se forma de executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio. 2. Empreendimento a ser realizado dentre de deter minados esquema. 3. Redação ou esboço preparatório ou provisório de um texto; 4. Esboço ou risco de obra a se realizar; plano. 5. Plano geral de edificação. 6 UNIUBE Como explica Veiga (1997, p. 12), o termo projeto “vem do latim projectu, particípio passado do verbo projecere, que significa lançar para diante”. Uma perspectiva de ação que o ser humano utiliza que visa modificar no futuro uma situação do presente, seja na solução de problemas, seja na construção de novos conhecimentos, de qualquer forma uma ação intencional, criativa e dinâmica. Um projeto é revestido de intencionalidade, abre um campo de possibilidades, de alternativas e novas vivências. Segundo o estudioso Vasconcellos (1995, p. 52), o termo projeto: [...] implica sempre na memória lançada para frente, é um exercício prospectivo, uma vez que organizamos algo que está por vir, mas que tem como referência o caminho já percorrido e, mais ainda, o ponto e as circunstâncias em que se está. Projetamos quando temos a nossa frente algo que queremos e para trás algo que nos dá referência. Várias áreas utilizam o termo projeto no seu cotidiano. Como exemplos, um projeto ar quitetônico, um projeto de pesquisa, um projeto de trabalho. Pode ser aberto e ousado, envolver múltiplas dimensões, impulsionado pelo novo, ou algo mecânico e procedimen tal, uma técnica burocratizada, descontextualizada. Tanto um projeto arquitetônico como um empresarial procuram prever um caminho tendo em vista construir algo novo, seja um produto ou um serviço. No projeto de uma casa, por exemplo, várias questões ficam abertas apenas com a elaboração do projeto arquite tônico. São necessários outros projetos específicos que vão compor o projeto maior que é construir uma casa: o elétrico, o hidráulico, a previsão de custo, a gestão do tempo, ou seja, o projeto inicial implica em vários outros subprojetos, previsões, ações. Segundo Gadotti (apud VEIGA, 1997, p. 18), todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar -se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. UNIUBE 7 Qual é o seu projeto de vida? Descreva o que você gostaria de fazer, de executar. Tente escrever baseando-se nos questionamentos: o quê? Quando? Onde? Como? PARADA PARA REFLEXÃO O que achou dessa experiência? Você costuma planejar o seu dia a dia? Observe que, assim como planejamos alguma coisa na nossa vida pessoal, as organizações também devem planejar as suas ações. Em particular na escola, no espaço da ação-reflexão -ação, este trabalho pode ser evidenciado. Procure lembrar -se do seu tempo de estudante. Como era o espaço onde estudava? Quais eram os seus objetivos mais evidentes? Em algum momento de sua trajetória como aluno você ouviu falar de projeto político- -pedagógico? PARADA PARA REFLEXÃO O termo projeto político-pedagógico é relativamente novo em educação. É uma nova forma de pensar a educação. Ele pode ser considerado a coluna vertebral da escola. É a partir dele que poderemos efetivar um ensino de melhor qualidade, garantir maior autonomia administrativa e pedagógica e atender às demandas locais. É um instru mento político, filosófico e teórico-metodológico que norteia as práticas da instituição e que leva em conta sua trajetória histórica, sua missão, visão de mundo, de homem e educação, objetivos gerais e específicos. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação, comprometendo seus atores e autores. Sozinho, o projeto político-pedagógico não conseguirá prever todas as ações e inten ções da escola. Serão as outras dimensões do planejamento que, interligadas, poderão retratar a escola nos mais variados ângulos. 8 UNIUBE Uma questão verificada no momento de elaboração do projeto da escola pode ser desdobrada até o planejamento didático do professor. Por que afirmamos isso? Uma escola que planeja junto, participativamente, tem mais condições de efetivar o seu projeto de educação. Entretanto, desde a sua concepção até os dias atuais foram atribuídos ao projeto político-pedagógico funções, conceitos que o deixaram em uma situação muitas vezes desconfortável, pois achava-se que ele solucionaria velhos problemas da escola. Quando as primeiras escolas começaram a elaborá-lo, seguindo uma orientação ex pressa em lei, a comunidade escolar pensou que a partir daquele momento estavam sendo garantidos os princípios de uma escola democrática e emancipatória. Mas não foi isso o que aconteceu em muitas escolas. O projeto simplesmente foi engavetado após a sua elaboração e perdeu o sentido de transformação de uma realidade que precisava urgentemente ser modificada. Hoje, muitos educadores, quando se referem ao projeto político- -pedagógico, o fazem com descaso, como sendo mais uma árdua tarefa solicitada por órgãos superiores e que, após uma discussão não suficientemente profunda, muitas vezes estéril, será redigido pela equipe pedagógica da escola, ou mesmo por terceiros. Vamos ver o que dizem alguns autores sobre o projeto político-pedagógico: O projeto pedagógico é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma metodologia de trabalho que possibilita ressignificar a ação de todos os agentes da instituição (VASCONCELLOS,1995, p. 143). Trata-se de um instrumento que permite clarear a ação educativa da instituição educacional em sua totalidade. O projeto pedagógico tem como propósito a explicitação dos fundamentos teórico-metodológicos, dos COMPARANDO UNIUBE 9 objetivos, do tipo de organização e das formas de implementação e de avaliação institucional [...] dá o norte, o rumo, a direção (VEIGA, 2001, p. 13). Deve ser compreendido como instrumento e processo de organização da escola (LIBÂNEO, 1985, p. 125). É teórico, é metodológico, mas é uma reflexão consciente sistemática e organizada, uma metodologia de trabalhoe que pode vir a ser uma ressignificação da atuação de todos os envolvidos no processo educativo (pedagogos, professores, pessoal auxiliar da administração e toda a comunidade escolar) (VEIGA, 1997, p. 13 -14). Muitas vezes, ao observarmos diferentes projetos político- pedagógicos de diferentes escolas, quase não notamos a sua identidade, percebemos o uso de uma mesma linguagem. A função social da escola, o tipo de homem que se pretende formar, a educação ideal para o homem ideal na escola ideal, permeada de jargões pedagógicos sem sentido. Palavras muito belas, porém sem significado, sem singularidade. Mesmo em fase de construção, apenas um ritual burocrático desprovido de significado para aquela comunidade. Você já atua em alguma escola? Em caso positivo, verifique como foi elaborado o projeto político-pedagógico, quem participou, quando foi feito. Pesquise na Internet relatos de experiência sobre a elaboração de um projeto politico-pedagógico. Você identifica alguma semelhança, alguma diferença? PARADA PARA REFLEXÃO Leia A construção possível do projeto político-pedagógico da escola: um relato de experiência a partir do esforço coletivo, de Mark Clark Assen de Carvalho, Maria de Fátima Miranda de Lima e Jorge Fernandes da Silva, os SAIBA MAIS 10 UNIUBE quais narram a construção de um projeto político-pedagógico para escolas de educação infantil e de ensino fundamental em Rio Branco, Acre. Disponível em: <http://www.isecure.com.br/anpae/322.pdf >. Você observará que cada escola apresenta uma singularidade. Em muitas escolas, o projeto é o norteador das ações, enquanto em outras é tratado como um documento frio e estéril. É a forma de conceber o projeto político-pedagógico que traduz os meios de democratizar as relações na escola, definir concepções de homem, de mundo, de educação. Estabelecer metas, perfis do egresso, meios para executar uma proposta. Atender às diferenças, atuar na diversidade, garantir a qualidade. Definir princípios, divulgar a sua missão. Por isso um projeto é singular, é de cada unidade escola. Vai depender de qual realidade a escola está inserida, sob quais perspectivas delineia o seu papel, e com quais recursos, parcerias e apoio pode contar. Não é o fato de uma instituição possuir um projeto político-pedagógico que vai garantir as bases democráticas de sua atuação. É a forma como o grupo dessa instituição elabora, executa e avalia a sua proposta pedagógica que vai implicar autonomia e participação ou mera justaposição de planos. IMPORTANTE! Vasconcellos (2002, p. 169) apresenta uma relevante definição quando escreve que o projeto político-pedagógico é o plano global da instituição e implica enquanto pro cesso elaboração e realização interativa, pois expressa sua identidade, suas opções. Compreende em sua essência o papel fundamental da escola, e, como sabemos que é produzir conhecimentos em forma de ensino é preciso considerar como esse ensino se efetivará em aprendizagens significativas. Compreender o projeto político-pedagógico é explicitar concepções educativas, ideológi cas, visão de homem, de mundo e de educação. UNIUBE 11 Construir o projeto político-pedagógico é propor uma metodologia de trabalho que contemple ações emancipatórias da organiza ção da escola como um todo, em suas especificidades, níveis e modalidades. Para Veiga (2001, p. 110), é um instrumento de trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira, por quem, para chegar a que resultados. Explicita uma filosofia e har moniza as diretrizes da educação nacional com a realidade da instituição, traduzindo sua autonomia e definindo seu compromisso com a clientela. Além disso, o projeto é concebido como um instrumento de controle, por estar atrelado a uma multiplicidade de mecanismos operacionais, de técnicas, de manobras e estratégias que emanam de vários centros de decisões e de diferentes atores, mas por isso mesmo é dialético, pois vive o conflito desse processo contraditório de emancipação e regulação, que busca a complexidade, mas reduz a prática cotidiana em teoria não vivida. O projeto político-pedagógico é: • um plano global da escola; • um documento de registro do caminho escolhido pela escola para efetivar suas intenções; • o conjunto de decisões da escola; • um mapa de orientação para as ações educativas (VEIGA, 1997, p. 14). SINTETIZANDO... Enfim, o projeto político-pedagógico é um meio para a construção da identidade e da organização do trabalho escolar. Por isso é único, pois não existem duas realidades iguais, e é a criatividade da coletividade na escola, no enfrentamento de suas questões, que dará singularidade ao projeto político-pedagógico. Para Veiga (2001, p. 11), a concepção de um projeto pedagógico deve apresentar características tais como: • ser processo participativo de decisões; 12 UNIUBE • preocupar-se em instaurar uma forma de organização de trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições; • explicitar princípios baseados na autonomia da escola, na solidariedade entre os agen tes educativos e no estímulo à participação de todos no projeto comum e coletivo; • conter opções explícitas na direção de superar problemas no decorrer do trabalho educativo voltado para uma realidade específica; • explicitar o compromisso com a formação do cidadão. O projeto político-pedagógico diz respeito à concepção de escola, baseia -se na refle xão de uma instituição que define e assume uma identidade, serve de referencial para as ações do todo da escola, implica na existência de um conjunto de condições que sem as quais se torna apenas mais um formulário a ser preenchido e só se firmará na concepção democrática de elaboração, ou seja, se responder aos anseios do grupo daquela instituição nos mais diferentes aspectos. Não é apenas perpassado por senti mentos, emoções e valores. É um processo de construção coletiva fundada no princípio da gestão democrática e que reúne diferentes vozes, dando margem para a construção da hegemonia da vontade comum (VEIGA, 2001). É necessário que se afirme que a discussão do projeto político- -pedagógico exige uma reflexão acerca da concepção da educação e sua relação com a sociedade e a escola, o que não dispensa uma reflexão sobre o homem a ser formado, a cidadania e a cons ciência crítica (VEIGA, 2001, p. 13). O projeto político-pedagógico é um instrumento de planejamento que facilita a conquista da autonomia escolar na medida em que totaliza as relações sociais, econômicas, políticas e ideológicas expressas na sociedade. SINTETIZANDO... UNIUBE 13 O que um projeto político‑pedagógico não pode ser1.2 Tão importante como registrar o que pode ser o projeto político- -pedagógico para a conquista da autonomia administrativa e pedagógica da escola é definir o que ele não deve e não pode ser. Em seu trabalho, Veiga faz questão de ressaltar que o projeto pedagógico não se reduz à dimensão pedagógica, nem muito menos ao conjunto de projetos e planos isolados de cada professor em sua sala de aula (VEIGA, 2001, p. 11). Assim sendo, o projeto político e pedagógico não é apenas um documento elaborado para ser arquivado ou enviado para as autoridades educacionais no sentido de cumprir mais uma obrigação e uma exigência legal. É um processo de mudança daquilo que precisa melhorar na prática educativa e a criação de uma identidade, que pode ser capaz de concretizar os anseios e as necessidades dos sujeitos educativos. Finalidades do projeto político‑pedagógico1.3 Nos dias atuais, qual é a função social da escola? A que ou quem ela atende? Que tipo de homem pretende formar para qual sociedade? Qual é a relação dessa escola com a sociedade onde está inserida? Essas questões, que são a base da construção do projeto político- pedagógico, conti nuam sendo atuais, necessárias e pertinentes. Para Rodrigues (2003, p. 55 -56), [...] a escola tem por função preparar o indivíduo para o exercício dacidadania moderna, para a modernidade. Isso significa formar o homem capaz de conviver em sociedade em que se cruzam interve- niências e influências mundiais da cultura, da política, da economia, da ciência e da técnica. É importante ressaltar que o projeto não tem fim nele mesmo, mas é um processo contínuo com finalidades explícitas, tais como: 14 UNIUBE Quando é de fato elaborado por todos que efetivamente participam do processo edu cativo, organiza a escola de modo que se trabalhe dentro das metas e objetivos que se pretende atingir. Todo mundo participa e sabe por que e para que estão trabalhando, quais as metas que se pretende atingir. Afinal, nossa ação deve ser intencional e con duzir a resultados satisfatórios, mesmo considerando a diversidade e a complexidade que rege o nosso dia a dia. Todos na escola se sentem responsáveis por tudo o que acontece; o projeto dá vida ao currículo prescrito, transformando -o em algo concreto. Ele dá o norte, o rumo, a direção: Figura 2: As finalidades do projeto político-pedagógico. Ao elaborar a sua proposta de projeto político-pedagó- gico, uma escola está escrevendo o seu destino, construindo sua história, se preparando para o futuro. Está com os pés no chão, mas vislumbra o horizonte e enxerga possibilidades. É um instrumento clarificador da ação educativa da escola em sua totalidade. Construir um projeto pedagógico significa enfrentar o desafio da mu dança e da transformação, tanto na forma como a escola organiza seu processo de trabalho pedagógico como na gestão que é exercida pelos interessados, o que implica o repensar da estrutura de poder da escola (VEIGA, 2001, p. 12 -15). Você sabe quais são os problemas mais evidentes da escola pública? Não é difícil identificar os problemas, não é mesmo? No entanto, de nada vale pensar nes ses problemas, se eles não estiverem dentro do critério de governabilidade da escola. O problema da remuneração dos professores é um problema real, que afeta substan cialmente as relações na escola e a qualidade do ensino. É preciso engajamento e reflexões profundas, porém, não podemos solucionar este problema sob o ponto de vista da escola, por exemplo. UNIUBE 15 Um problema da escola é aquele que ela se propõe a resolver. IMPORTANTE! A escola se converte em aparelho para resolver a questão da fome, da crise social, do de semprego, da saúde da segurança... Chega a tal ponto essa definição, que todos aceitam que a criança vai para a escola por causa da merenda (RODRIGUES, 2003, p. 55). O que este autor aponta é que à escola são atribuídas as mais diferentes funções e é um trabalho crítico-reflexivo da equipe da escola identificar o que de fato deve ser tratado pela escola. Muitas vezes aparecem, nas discussões da elaboração do projeto político-pedagógico, questionamentos como: • crianças desinteressadas; • família que não participa da vida escolar dos seus filhos. São problemas reais, mas podem ser enxergados a partir da ótica da governabilidade da escola. Não podemos resolver o problema da família a partir do ponto de vista social, mas podemos contribuir para a redução dos impactos sobre a escola. Veja os mesmos problemas sob a ótica da governabilidade da escola: • os conteúdos escolares, a metodologia de ensino-aprendizagem, os recursos didá ticos pedagógicos não estão despertando o interesse dos alunos; • a escola não tem conseguido trazer os pais para participar mais da vida escolar dos seus filhos. Agora, por essa ótica, estamos falando de problemas da escola e podemos propor ações para melhorar o problema, substanciando o caráter pedagógico do projeto, pois orienta e subsidia a ação educativa e, sobretudo, permite o diálogo consistente com a comunidade e com os É uma questão que envolve outras instâncias de partici pação. O que deve ser previsto no projeto são formas de incentivar essa participação e formação dos profissionais da educação e o seu engajamento em questões mais amplas, como a profissão docente, por exemplo. 16 UNIUBE órgãos dirigentes, rompendo com as relações burocráticas que existem no interior da escola. Traz a possibilidade de todos se unirem em torno de algo comum, edificando as relações e emancipando as ações. Percebeu a diferença? Uma coisa é vislumbrar o que interfere no processo educativo. A outra é perceber o que é de fato função da escola. Nesse sentido é que notamos o caráter político do projeto pedagógico, pois está in timamente articulado ao compromisso sociopolítico com interesses reais e coletivos da população majoritária (VEIGA, 2001, p.13). Como é feito a partir de reflexões substanciais, criam-se os espaços que geram momentos de correlação de forças em volta de problemas, impasses e contradições, (re)elabora conceitos e (des) constrói ideias. Potencializa o trabalho colaborativo e desvela concepção que respaldamposturas submissas e reprodutivas. É político no sentido de compromisso da escola com a formação do cidadão necessário para o tipo de sociedade em que vivemos e é pedagógico porque possibilita a efetivação dessa intenção que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Define as ações educativas da escola, visando a efetivação de seus propósitos e sua intencionalidade (VEIGA, 2001, p.15). Assim sendo, a dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica (SAVIANI apud VEIGA, 1997, p. 13). O projeto político-pedagógico visa à qualidade de todo o processo educacional. E por que tem esse objetivo? Porque fundamenta-se nos princípios de igualdade, qualidade, gestão democrática, liberdade, autonomia e valorização docente. • Igualdade se refere a condições para acesso e permanência e requer mais do que a expansão quantitativa de vagas, mas prevê expansão com a manutenção da qualidade. • Qualidade nos aspectos técnicos e políticos. Técnico quando enfatiza os instrumentos e os métodos, e os políticos, voltados para os fins, valores e conteúdos. • Gestão democrática é o repensar da estrutura de poder do sistema EXPLICANDO MELHOR UNIUBE 17 educativo no qual a escola está inserida e o seu âmbito interno, o diálogo, a autonomia pedagógica e administrativa. • Valorização docente faz referência à previsão da formação, inicial e continuada, condições de trabalho que provê recursos didáticos, físicos e materiais para o exercício do professor, a questão da dedicação integral, que seria a dedicação exclusiva do professor na escola, evitando que pule de escola em escola para garantir uma remuneração mais digna, redução do número de alunos por sala, dentre vários outros aspectos. • Autonomia responde ao princípio da liberdade. É a relação entre a comunidade escolar com um contexto social mais amplo (VEIGA, 1997, p. 22). Logo, a educação escolar não pode ser pensada como algo neutro em relação ao mundo, mas como algo que produz, na sua própria dinâmica, caminhos diferenciados para ação social concreta em função de interesses e necessidades dos próprios edu candos (RODRIGUES, 2003, p. 23). 1.3.1 A autonomia enquanto princípio do projeto político‑pedagógico Um dos princípios fundamentais da escola, e, portanto, do projeto político- -pedagógico é o princípio da autonomia. Você sabe o que significa autonomia? A autonomia relaciona-se com liberdade, autogoverno e independência. Para a escola é um princípio político que se refere ao seu direito e a sua capacidade de regulamentar e de gerir, nos termos da lei, os seus mais diferentes assuntos. Segundo Veiga (2001, p. 15 -16), [...] a autonomia é, pois, questão fundamental numa instituição educativa envolvendo quatro dimensões básicas, relacionadas e articuladas entre si: administrativa, jurídica, financeira e pedagógica. Essas dimensões implicam direitos e deveres e, principalmente, um alto grau de compromisso e responsabilidade de todos os segmentos da comunidade escolar. 18 UNIUBEFigura 3: Dimensões da autonomia da escola. A autonomia administrativa é a capacidade da escola de elaborar e gerir seus planos, programas e projetos. A jurídica diz respeito à possibilidade de a escola elaborar suas próprias normas e orientações escolares, como por exemplo formas de acesso. A autonomia financeira pode ser total ou parcial, mas, se relaciona com a administração de pessoal e de orçamento. A autonomia pedagógica consiste na liberdade de ensino e pesquisa e se relaciona com as suas concepções enquanto identidade, função social, clientela, organização de tempos e espaços, avaliação entre outros. Vamos recapitular o que falamos até aqui? Analise os aspectos a seguir, e aponte em qual, ou quais, a escola tem autonomia para gerir de forma total ou parcial: • critérios de avaliação da aprendizagem dos alunos; • número de alunos por turma; • critérios para seleção de alunos; • salário/remuneração dos profissionais da educação; • escolha dos livros didáticos dos componentes curriculares; • merenda escolar: o que fazer, como, quando... AGORA É A SUA VEZ UNIUBE 19 Observe que, além das dimensões apontadas por Veiga (2001, p. 22), a autonomia também tem a dimensão de ser total parcial ou nula. Depende do que rege a legislação do sistema educacional no qual a escola está inserida. O importante é concluir que, de maneira geral, a autonomia da escola é relativa segundo a própria LDB e a conquista por um espaço maior dependerá do que a equipe da escola articulará naquilo em que é capaz de gerir. A escola não é apenas um espaço onde se reproduzem as relações sociais e os valores dominantes, mas é onde o confronto, a resistência e a proposição de inovações podem produzir rupturas de práticas estagnadas e a junção da concepção e a execução. O planejamento feito por quem realmente realiza o trabalho, a teoria vinculada com a prática, a avaliação como parte do processo, a participação de todos os envolvidos estreitando compromissos éticos e estéticos: essa é a finalidade do projeto político -pedagógico nos compromissos teóricos e filosóficos firmados para a democratização, tanto dos espaços, como das relações interpessoais. Mas o que autonomia tem a ver com democratização? Se a autonomia significa compromissos firmados socialmente, a democratização da escola deve ser entendida [...] como ampliação das oportunidades educacionais, difusão dos conhecimentos e sua reelaboração crítica, aprimoramento da prática educativa escolar visando à elevação cultural e científica das camadas populares, contribuindo, ao mesmo tempo, para responder às suas necessidades e aspirações (melhoria de vida) e à sua inserção num projeto coletivo de mudança da sociedade (LIBÂNEO, 1985, p. 12). Enquanto espaço, [...] deve ser uma escola onde os professores trabalham de maneira organizada, em que as concepções opostas ou divergentes podem se manifestar; onde os alunos, os pais e a comunidade podem ter a capacidade ou a possibilidade de apresentarem suas alternativas, críticas, observações e sugestões (RODRIGUES, 2003, p. 61). 20 UNIUBE Para Veiga (1997, p. 23-26), o projeto político-pedagógico é que garantirá a efetivação desses princípios, desde que: • levante os problemas da instituição; • vislumbre possibilidades de enfrentamento desses problemas; • mostre a realidade imediata; • enquanto processo, seja o articulador da coletividade; • articule essas ações em torno de objetivos comuns; • levante os recursos ou possibilidade deles; • expresse a utopia filosófica de um coletivo de educadores; • seja a própria ação da comunidade escolar na direção de um projeto; • defina as ações educativas e as características necessárias à escola para o cumpri mento dos seus propósitos e sua intencionalidade. É essa reflexão que dará ao projeto o seu pressuposto filosófico. Pressupostos do projeto político‑pedagógico 1.4 De acordo com Veiga (2001, p. 19-23), são três os pressupostos norteadores do projeto político-pedagógico: pressupostos filosófico- -sociológicos, epistemológicos e didático-metodológicos (ver Figura 4). Esses pressupostos se relacionam e se efetivam com um diálogo constante com a comunidade e a definição da atuação de cada instância que se relaciona com o seu contexto. Por isso, o projeto político- -pedagógico exige profunda reflexão sobre as finalidades da escola, assim como a explicação do seu papel social, a clara defini ção dos caminhos, formas operacionais e ações a serem empreendidas por todos os envolvidos com o processo educativo. Seu processo de construção aglutinará crenças, convicções, conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e científico, constituindo-se em compromisso político e pedagógico coletivo (VEIGA, 2001, p. 19-23). UNIUBE 21 Figura 4: Pressupostos norteadores do projeto político-pedagógico. Uma atitude democrática neste processo é importante, mas talvez não seja suficiente. É preciso legitimar métodos democráticos de definições e escolhas, que vão desde a questão do livro-didático, organização de eventos culturais ou de atividades esporti vas e recreativas, mas que implicam diretamente nas concepções de educação que permeiam o universo da sala de aula e qualquer espaço da escola. Afinal, ambiente de aprendizagem vai além da sala de aula. Componentes do projeto político‑pedagógico 1.5 Os componentes do projeto político-pedagógico, segundo Veiga (1997, p. 22-32), en volvem, pelo menos, sete elementos constitutivos (Figura 5). Esses elementos são definidos quando: • um movimento de luta em prol da democratização da escola não esconde as dificul dades e os pessimismos da realidade 22 UNIUBE educacional, mas não se deixa levar por esta, procurando enfrentar o futuro com esperança em busca de novas possibilidades e novos compromissos; Figura 5: Elementos constitutivos do projeto político -pedagógico. • suas definições são um movimento constante para orientar a reflexão e ação da escola; • os elementos se voltam para a inclusão a fim de atender a diversidade de alunos, sejam quais forem sua procedência social, necessidades e expectativas educacionais; • expressam uma utopia cheia de incertezas ao comprometer-se com os desafios do tratamento das desigualdades educacionais e do êxito e fracasso escolar; • elaborado, executado e avaliado, o projeto coletivo e integrador requer o desenvolvi mento de um clima de confiança que favoreça o diálogo, a cooperação, a negociação e o direito das pessoas de intervirem na tomada de decisões que afetam a vida da instituição educativa e de comprometerem-se com a ação (VEIGA, 1997, p. 11-33). UNIUBE 23 Essa autora chama a atenção ainda para aspectos importantes do projeto político -pedagógico quando acredita que a concepção de educação que não pensa globalmente a escola a partir de vários ângulos, mas principalmente vista de baixo, em uma relação pedagógica, profissional e social de horizontalidade, deixa de priorizar, com isso, os princípios a que se propõe uma escola pública e gratuita, destinada e comprometida por todos os envolvidos no processo educativo como: professores, equipe técnica, alunos, seus pais e a comunidade como um todo. Vejamos como esses elementos se articulam no projeto: • Finalidades da escola – referem-se aos efeitos pretendidos e almejados. • Estrutura organizacional – refere-se à estrutura administrativa e pedagógica da escola. A administrativa é que prevê a alocação e gestão dos recursos humanos, físicos e financeiros e abrange todos os elementos de natureza física, tais como o estado de manutenção do prédio e das instalações e equipamentos; os materiais didáticos, mobiliário, distribuição das dependências e espaços livres, limpeza, ven tilação e iluminação. A estrutura pedagógica determina a ação das estruturas ad ministrativas organizando as funções educativas para que a escola atinja de forma efetiva as suas finalidades. Refere-se também às interaçõespolíticas, às questões de ensino-aprendizagem e às de currículo. • Currículo – um item importante na constituição do documento que abrangerá as formas de transmissão e de assimilação e expressará uma dada cultura, não sendo um instrumento neutro. Como vimos anteriormente, é por essa razão que a sua de finição requererá reflexão crítica, que interprete tanto as suas implicações no âmbito da cultura dominante, quanto no da cultura popular. • Tempo escolar – é o calendário, o horário de aulas, o mínimo de aulas por professor da escola. Ordena o tempo: determina o início e o fim do ano letivo, prevê os dias letivos, as férias, os períodos em que o ano se divide, os feriados cívicos e religiosos, as datas reservadas à avaliação, os períodos para reuniões técnicas e colegiadas, fixa o número de horas por semana etc. • O processo de decisão – é promover uma revisão periódica das atribuições espe cíficas e gerais e os procedimentos burocráticos 24 UNIUBE da escola. Definição de priorida des e responsabilidades, além do fluxo dos procedimentos. Para que seja definido coletivamente, há necessidade de mecanismos institucionais de participação de todos os envolvidos com o processo educativo da instituição escolar. Para tanto, sugerem -se a instalação de processos eletivos de escolha de dirigentes e regras de rotatividade nos cargos; colegiados com representação dos diversos segmentos da comunidade interna e externa; processos coletivos de avaliação continuada dos serviços escolares. • Relações de trabalho – é garantir no projeto político-pedagógico que as relações de trabalho sejam baseadas em atitudes de: solidariedade, reciprocidade e participação coletiva; em oposição às relações regidas pelos princípios de divisão do trabalho, fragmentação e controle hierárquico. • Avaliação – é o elemento que descreverá como serão feitos o acompanhamento e a avaliação da escola e envolverá três momentos: descrição e a problematização da realidade escolar; compreensão crítica da realidade descrita e problematizada; proposição das alternativas de ação-momento de criação coletiva. Cada um desses itens responderá a questões como as descritas no Quadro 1 a seguir. É preciso cuidado na construção desse projeto. As palavras devem representar o que de fato pensa a escola, seus princípios e seus valores. IMPORTANTE! Não existe um modelo de projeto político-pedagógico. Cada escola ou sistema de ensino estrutura o seu projeto de acordo com a formatação que melhor atenda aos objetivos do trabalho. Podemos estruturá-lo da seguinte forma: • introdução; • histórico da escola; • diretrizes gerais para o desenvolvimento metodológico do ensino; UNIUBE 25 • diretrizes gerais para os processos de avaliação da aprendizagem e da escola como um todo, com as respectivas indicações de sistemática e periodicidade; Quadro 1: Questões acerca dos elementos constitutivos do projeto político-pedagógico • Como a escola prepara, culturalmente, os indivíduos para uma melhor compreensão da sociedade em que vivem? • Como a escola forma o indivíduo para a participação política que abrange direitos e deveres da cidadania? • Como a escola prepara os alunos para uma vida produtiva, capaz de se valer efetivamente das oportunidades econômicas e ocupacionais? • Como a escola promove o desenvolvimento intelectual, emocional, integral do aluno? Finalidades da escola • Que tipo de gestão está sendo praticada? • O que queremos e precisamos mudar na Escola? • Qual o organograma previsto e qual está sendo praticado? • Quem constitui o organograma previsto e qual é a sua lógica interna? • Quais as funções educativas predominantes? • Como são vistas a constituição e a distribuição da autoridade nessa área? • Quais são os fundamentos regimentais e como estão sendo praticados? Estrutura organizacional • Como garantir que as relações sejam permeadas pelos princípios de solicdariedade, reciprocidade e participação coletiva? Relações de Trabalho • O que é avaliação? • Qual instâncias do processo avaliativo? • Quais as perspectivas que nos orientam? Avaliação • Quais são as aprendizagens significativas que atendem ao tipo de homem que desejamos formar? • Como esse currículo pode significar a garantia de construção de uma escola diferenciada? • Quais são as referências que orientam a organização do nosso currículo? • Sob quais perspectivas organizaremos as aprendizagens? Currículo 26 UNIUBE • Como dimensionar o tempo de modo a cumprir a legislação e ao mesmo tempo garantir as aprendizagens dos nossos alunos? • Quais as perspectivas sobre o tempo e o espaço escolares que nos regem e fundamentam nossa prática? Tempo Escolar • Qual será o mecanismo institucional de participação nos processos decisórios da escola? • Qual método de escolha de representantes melhor atenderá aos principios de legitimidade da democracia? • o que será previsto para a alternância desses representantes enquanto garantia do processo democrático? O processo de decisão • objetivos gerais da escola; • caracterização do egresso, levando-se em conta o nível de ensino, se infantil, fun damental, médio, profissionalizante ou educação de jovens e adultos; • estrutura curricular, com ementas e bibliografia por série, ciclo ou de acordo com a organização do tempo e espaço escolar, especificando ainda a carga horária total e dimensionamento da carga horária por componente curricular. Cada um dos itens tem uma finalidade específica. Não podemos deixar de ressaltar a importância de que o projeto não deve ser apenas técnico ou metodológico, mas enquanto carta de intenções da instituição deve estar acessível para todos os públicos que tenham interesse em conhecer a escola e o que ela pretende. É inadmissível encomendar um projeto a terceiros nessa perspectiva. Não faz sentido, pois, mesmo que sejam educadores, estão fora do contexto. A escola pode buscar assessorias, mas a elaboração do projeto precisa ser obra comum dos envolvidos (VEIGA,1997, p. 38). Tão essencial como construir um projeto político-pedagógico próprio é cultivá-lo como fonte de inspiração criativa e crítica para cada professor no planejamento de sua aula, para cada pai que queira matricular o seu filho, para cada profissional do ensino que almeja fazer da sua prática um UNIUBE 27 exemplo de aprendizagem. Ele não deve nunca ser um depósito estático de ideias ou pretexto para não atuar de acordo com princípios de uma escola emancipatória, que pretende definir sua prática com liberdade, mas ao mesmo tempo garantindo a qualidade do seu que-fazer. Pelo exposto, considera-se que é a concepção dialética que servirá de pressuposto para o projeto político-pedagógico, pois é ela que considera o homem como síntese de múltiplas relações e o contexto socioescolar como instância privilegiada para a compreensão dos problemas educacionais. Você sabe o que isso quer dizer? É preciso sair de algum lugar para chegar a outro. O caminho conduzirá a escola aonde ela quer chegar. Não é um caminho qualquer porque não queremos chegar a qualquer lugar. É preciso considerar o “entorno”, olhar a “paisagem” e sentir o “clima”, enfim, aproveitar a viagem. 1.6 O papel do currículo na sustentação de projetos políti‑ co‑pedagógicos Vejamos o que o grande educador mineiro Neidson Rodrigues nos diz: “[...] o currículo são as janelas que estaremos abrindo para que a criança veja, não a janela, mas o mundo. Em um primeiro momento, ela verá a janela, mas não é a janela o objeto de minha visão e, sim, o mundo” (RODRIGUES, 2003, p. 71). O currículo é um dos elementos norteadores do projeto político-pedagógico. É no projeto que detalhamos como se organiza o processo de produção do conhecimento na escola. É também um dos elementos que mais geram polêmica no processo de construção desse projeto porque suscita questões importantes, tais como: Quem define o que e como a escola deve ensinar? Veiga (1997,p. 26) afirma que o currículo é um importante elemento constituído da organização escolar. Currículo implica, necessariamente, a interação entre sujeitos que têm um mesmo objetivo e a opção por um referencial teórico que o sustente. 28 UNIUBE Portanto, é uma construção social e reflete uma cultura e implica uma análise sobre quem ou o que o gere. Quando o currículo e sua inserção no projeto político-pedagógico da escola não estão claros para todos os envolvidos no processo educativo os conflitos internos emergem e a desarticulação reina. Ao elaborar o projeto pedagógico, a escola precisa levar em conta o seu trabalho como um todo e o da participação da sala de aula considerando o contexto social. Sendo assim, em que condições o currículo pode significar a garantia de construção de uma escola diferenciada? A partir do momento em que se definem os conhecimentos ne cessários para a formação integral do aluno, torna-se necessário identificar que ações precisam ser planejadas e realizadas pela escola para colocar em prática um currículo que contemple os objetivos da educação básica. Rodrigues (2003, p. 72) considera o currículo um instrumento através do qual a escola vai preparar o indivíduo para o exercício da cidadania. Para isso é preciso pensar no que é permanente, principal, secundário, central e periférico. No currículo há uma essencialidade que, se não for cumprida, descaracteriza a escola, comprometendo a função de preparação para a cidadania. 1.6.1 Como está a prática de nossas escolas? As escolas têm uma prática curricular muito restrita, pouco reflexiva, em formato de grade ou simplesmente listagem de conteúdos a serem trabalhados por cada disciplina estanque e sem diálogo entre áreas de conhecimento. É bem possível, por exemplo, que um conteúdo seja repetido em várias disciplinas, em vários anos diferentes, como o Verbo To Be, conteúdo do componente curricular de inglês. É o primeiro conteúdo da 5ª série do ensino fundamental e continua em todas as séries até o final do ensino médio. Além de restringir a autonomia da escola e do professor e o exercício da criatividade, não permite que a escola construa a sua identidade. Veiga (1997, p. 27) considera que a escola deve buscar novas formas de organização curricular, estabelecer uma relação aberta entre os conhecimentos, integrá-los em torno de uma ideia, de um problema, UNIUBE 29 de um desafio. Essa organização é chamada de currículo -integração e procura minimizar o isolamento e falta de coerência entre as distintas dis ciplinas curriculares e busca uni-las em uma visão mais transversal e transdisciplinar. Trazendo o estudo elaborado por Rodrigues (2003), vê-se que o ponto de partida para uma “educação necessária”, deve basear-se na realidade vivida pelos educandos, portanto os educadores não podem mais ignorar essa realidade que os alunos vivem e conhecem e traduzir em forma de currículo vivido pela escola. Reunir-se para discutir a concepção do currículo expressa na legislação e orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais é tarefa primordial da escola e um dos itens mais importantes dessa etapa de elaboração. O currículo deve abranger tudo o que ocorre na escola e o que envolve a aprendizagem dos alunos na escola e/ou em outros contextos. A Professora Ilma Veiga considera que orientar a organização curricular para fins emancipató- rios implica, inicialmente, desvelar as visões simplifica- das de sociedade, conce bida como um todo homogê- neo, e de ser humano, como alguém que tende a aceitar papéis necessários à sua adaptação ao contexto em que vive (VEIGA, 1997, p. 29). Dessa forma, o conhecimento escolar é resultado de fatos, conceitos e generalizações, sendo, portanto, o objeto de trabalho do professor. O planejamento curricular está adquirindo centralidade nas discussões das políticas públicas para a educação em todos os níveis de ensino. Esse processo se evidencia nas reformas curriculares ainda em curso (DCNs) e na avaliação sistêmica proposta pelo governo federal (Saeb, Enem, Enade). O que aluno aprende está no centro das discussões e implica necessariamente a política de desenvolvimento da nação. O dis curso proposto é da flexibilização escolar, e o professor é compreendido como agente do currículo. 30 UNIUBE Figura 6: A interligação entre as reformas curriculares e as avaliações sistêmicas. É claro que entre o proposto e o instituído há uma lacuna. O que de fato é pedagogica mente correto não se traduz em mecanismos de ação. Mesmo sendo os professores aqueles que conhecem a realidade da escola e, teoricamente, quem mais saberiam articular o conhecimento específico ao que é necessário, a discussão é pouco contem plada no processo de construção do projeto político-pedagógico. Muitas experiências demonstram o potencial criativo e reflexivo dos professores na inter pretação do currículo, na forma como transformam o conhecimento produzido em objeti vos educacionais, o que lhes garante o perfil de propositores curriculares. Esse currículo pode ser entendido como a visão dos seus próprios processos de ensinar e aprender, a dimensão dada a cada um desses processos, e que no contexto da escola integra saberes, objetivos, atividades e modos específicos de avaliar o desempenho escolar. Tal como nos diz Rodrigues (2003, p. 56), “a escola, por si, não forma o cidadão, a escola o prepara, o instrumentaliza, dá condições para que ele possa se formar e se construir”. Mas, para prepará-lo e instrumentalizá-lo, é necessário conhecê-lo. Para conhecê-lo, precisa de tempo e espaço para que a escola possa ser um centro de debates, de discussão, de ampliação dos valores da própria cultura, da própria civilização e do grupo social a que ela atende, permitindo, assim, uma integração dos valores tradicionais da sociedade, mas pela sua incorporação dos novos valores que, agora, são conquistados e transmitidos pela prática educacional. UNIUBE 31 A organização curricular voltada a fins emancipatórios implica inicialmente desvelar as visões sucintas de sociedade, entendida como um todo homogêneo, e de ser humano como alguém que está sempre apto a aceitar papéis voltados a sua adaptação ao contexto em que está inserido. Entre o currículo proposto, o ideal e o que realmente acontece na escola existe um descompasso. Há um currículo em ação, que é um currículo real e que de fato acontece na escola, e um currículo oculto, ou que não está formalmente explicitado nos planejamentos, na proposta da escola, mas que de certa forma perpassa, o tempo todo, as atividades escolares, toda a gama de visões do mundo. As normas e os valores dominantes são passados aos alunos no ambiente escolar, no material didático e mais especificamente por intermédio dos livros didáticos, na relação pedagógica, nas rotinas escolares (VEIGA, 2001, p. 21). Tomado em uma visão crítica, esse controle social, segundo a autora, contribuirá para contestar e resistir a essa ideologia veiculada nos currículos escolares. A legislação educacional brasileira prevê dois eixos para o currículo: a Base Nacional Comum, que é obrigatória e definida pela União – com a qual se garante uma unidade nacional, de forma que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos mínimos necessários – e a Parte Diversificada, também obrigatória, mas que deve ser escolhida em cada sistema ou rede de ensino e em cada escola, pois diz respeito à sua singulari dade. São os conteúdos complementares, identificados na realidade regional e local. A interdisciplinaridade e a contextualização devem ser asseguradas na base nacional comum e integradas à parte diversificada, de acordo com as habilidades e competências previstas para a educação básica. É através da construção do projeto político-pedagógico da escola que a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada se integram. O currículo deve buscar a articulação entre os vários aspectos da vida com as áreas de conhecimentoe jamais poderá deixar de lado o contexto social, já que ele é histori camente situado e culturalmente determinado. Os conhecimentos devem se organizar de forma articulada para que a partir deles sejam selecionados os conteúdos de forma a contemplar a cultura local e os aspectos gerais. 32 UNIUBE Há várias formas de compor o currículo, mas os Parâmetros e as Diretrizes Curricu lares Nacionais indicam que os modelos multidisciplinar e pluridisciplinar, marcados por uma forte fragmentação, dominantes na escola brasileira, devem ser substituídos, na medida do possível, por uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar. O que seriam essas perspectivas? Figura 7: Eixos para a organização do currículo escolar. Figura 8: Perspectivas de composição do currículo escolar. UNIUBE 33 Estas duas últimas perspectivas exigem o comprometimento de toda a comunidade escolar em torno de uma concepção de educação mais integradora, viva e que contemple o que está previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, chamados temas transversais (Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual), e que, segundo o documento, dialogam com a base nacional comum. Precisamos de uma nova pedagogia de currículo que se baseie no diálogo e não so mente na transferência do conhecimento, que fortaleça o trabalho em equipe, porque esse é o modo de trabalhar no mundo real, e promova a igualdade de oportunidades educativas, contribuindo também para ampliar as fronteiras de conhecimento. A forma como isso será denominado pouco importa. O que vai fazer a diferença são as intenções educativas e o projeto geral do homem que a escola pretende formar, em uma visão que vai além do reducionismo técnico, mas com vista a ser um cidadão de um mundo globalizado, com altas definições tecnológicas e comunicacionais. Nessa perspectiva, o currículo deve ser um confronto de saberes. O currículo pleno (Base Nacional Comum mais Parte Diversificada) é algo a ser construído. E é através da contextualização que é possível relacionar disciplinas com o cotidiano dos alunos, com a realidade das escolas, com as características locais e regionais. Isso revela a identidade de cada escola e garante a sua autonomia pedagógica. Todos esses aspectos devem ser discutidos em um constante repensar de relações democráticas e horizontais no interior da escola. Como formar um indivíduo autônomo e democrático, participante da vida social, se a escola, que é o local de vivência e convivência dessas questões, não viver as condições reais de vida social democrática e autônoma? PARADA PARA REFLEXÃO 34 UNIUBE É preciso conceber o currículo enquanto construção coletiva, que envolve não apenas o sistema no qual a escola se insere, mas que pressupõe alterações substanciais em relação ao que é hoje realizado nas escolas. A participação, a integração, o conheci mento da legislação da comunidade escolar é que irão definir a proposta curricular da escola, a qual é parte do projeto pedagógico da unidade. Isso significa exercer o caráter autônomo não necessário para a convivência escolar; isso significa tornar -se coautor, responsável em primeira instância pelo que está sendo proposto historicamente. Ao invés de simples executora, a escola torna -se a produtora e aquela que garante os conhecimentos necessários a verdadeira prática cidadã. É preciso tempo para que os educadores aprofundem seus conhe cimentos sobre os alunos e sobre o que estão aprendendo. Preciso tempo para acompanhar e avaliar o projeto político-pedagógico em ação. É preciso tempo para os estudantes se organizarem e criarem seus espaços para além da sala de aula (VEIGA, 1997, p. 30). A comunidade escolar, diante disso, tem um papel fundamental: construir permanente mente o seu projeto político-pedagógico em consonância com os saberes que a cada dia se transformam, trazendo outras necessidades para o ambiente escolar. Para isso, deve prever na sua proposta a formação contínua de professores e o constante diá logo com pais e comunidade externa, para que o currículo expresso seja efetivamente desenvolvido em função dos grandes objetivos previstos no projeto. 1.7 A construção coletiva de um projeto político‑pedagógico de intencionalidade emancipatória Ilma Alencastro Veiga, em um dos momentos de sua reflexão sobre o projeto político -pedagógico, assim comenta: Construir um projeto pedagógico significa enfrentar o desafio da mu dança e da transformação, tanto na forma como a escola organiza o seu processo de trabalho pedagógico como na gestão que é exercida pelos interessados, o que implica o repensar da estrutura de poder da escola (VEIGA, 2001, p. 15). UNIUBE 35 Existem várias formas de construir o projeto político-pedagógico da escola. Optamos por seguir a recomendação de Veiga (2001, p. 23-30), quando informa que existem três atos que, embora distintos, são interdependentes, denominados pela autora de: Ato Situacional, Ato Conceitual e Ato Operacional. Figura 9: Ato situacional, ato conceitual e ato operacional. Essa autora ainda ressalta que a avaliação e o acompanhamento devem seguir todos os atos de forma a corrigir eventuais distorções. O planejamento da escola deverá ser feito pelas pessoas que dela fazem parte. Pais, profissionais da educação, alunos, ou seja, diferentes pessoas, com diferentes olhares e, portanto, objetivos, e que na coletividade, na sua singularidade, contribuem para a elaboração 36 UNIUBE desse projeto. Supõem-se assim uma reflexão e uma discussão crítica sobre os problemas da sociedade e da educação de maneira geral e, particularmente, do ponto de vista da escola, buscando a transformação dessa realidade. 1.7.1 Como a participação de todos os envolvidos no processo poderá ser efetivada? Veiga (2001, p. 13) reforça ainda que a escola é uma organização orientada por finali dades, controladas e permeadas pela questão do poder e que para que a construção do projeto seja possível não é necessário convencer os professores, a equipe escolar e os funcionários a trabalhar mais, ou mobilizá-los de forma espontânea, mas propiciar situações que lhes permitam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma coerente. O grande avanço que o projeto político-pedagógico trouxe é justamente o caráter par ticipativo. Antes dele, tínhamos planejamentos elaborados pela direção da escola, ou ainda pelo sistema de ensino, na melhor das hipóteses, pela equipe técnica da escola. Essa realidade vem sendo alterada, pois, pelo menos da parte inicial, toda a comuni dade participa. Delineia, assim, outra feição do planejamento escolar, pois passa a ser responsabilidade de todos. Esse perfil do projeto faz com que a escola vivencie a tão promulgada gestão demo crática. A gestão democrática implica primeiramente o repensar da estrutura de poder da escola, tendo em vista sua socialização. A socialização do poder propicia a prática da participação coletiva, que atenua o individualismo da reciprocidade, que supera a expressão da auto nomia, que anula a dependência de órgão intermediário que elabora políticas educacionais tais quais a escola é mera executora (VEIGA, 1997, p. 18). Já Rodrigues (2003) considera que o processo de participação se dá em nível individual, na medida em que os indivíduos adquirem conhecimento e se propõem a enfrentar uma determinada realidade, e também em nível UNIUBE 37 coletivo, pela interferência organizada dos indivíduos para mudá-la, pois o conhecimento produz alterações nos modos de sentir e de se inserir na realidade. A principal característica de uma escola que se diz autônoma é a participação. Através dela é conseguida a partilha de poder na definição dos rumos da escola, e certa liber dade em relação à solução de problemas cotidianos e à gestão de recursos financeiros a ela destinados. Deste ponto é importante frisar que muitas escolas se dizem de- mocráticas porque definem junto
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