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A noção de princípio no Comentário à Física de Tomás de Aquino 
 
The notion of principle in Thomas Aquinas' Physics 
 
 
Maria Clara Pereira e Silva1 
 
 
Resumo: O objetivo deste texto é analisar a noção de princípio em Tomás de Aquino, 
notadamente no Comentário à Física, Livro I, lição 1. Para tanto, inicialmente, deve-se 
estabelecer o sentido mais geral de princípio, a saber, aquilo a partir do que algo procede. 
Decorre desta compreensão que, princípio pode ser dito em dois contextos, quais sejam, no 
contexto do conhecimento e, também, no contexto da ontologia. No primeiro caso, no contexto 
do conhecimento, se diz princípio no interior da constituição da ciência. No segundo caso, no 
contexto da ontologia, por sua vez, princípio é dito como constituinte do ente ou como causa 
eficiente da constituição do ente. Ocorre que Tomás de Aquino emprega indistintamente a 
noção de princípio. À primeira vista, a noção de princípio, uma das noções gerais da ciência, 
parece vaga por corresponder à constituição da ciência e do ente simultaneamente. 
 
Palavras-chave: Ciência Natural. Princípio. Tomás de Aquino. 
 
Abstract: The aim of this paper is to analyze the notion of principle to Thomas Aquinas, 
notoriously on Physics, I, 1. To do so, initially we must establish the most general meaning of 
principle that is, that by which something came from. By this, principle may be said in two 
contexts, the context of knowledge and, also, the context of ontology. In the first case, in the 
context of knowledge, we say principle in the core of the constitution of science. In the second 
case, in the context of ontology, principle may be said to constitute the being or to be the 
efficient cause of the constitution of the being. However, Thomas Aquinas uses the notion of 
principle indistinctly. At first sight, the notion of principle, one of the general notions of 
science, seems vague, because it corresponds to the constitution of science and the constitution 
of the being simultaneously. 
 
Keywords: Natural Science. Principle. Thomas Aquinas. 
 
 
*** 
 
O objetivo deste artigo é analisar a noção de princípio no interior do Comentário à 
Física, Livro I, lição 1. O livro da Física inicia a consideração acerca da ciência natural, 
enquanto as especificidades da ciência serão investigadas nos livros subsequentes2. Para 
uma compreensão adequada da noção de princípio não podemos ignorar a ordem 
adotada para o tratamento da ciência, uma vez que o critério de organização e divisão 
 
1 Graduanda em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Bolsista CNPq. 
Orientador: Prof. Dr. Márcio Augusto Damin Custódio. E-mail: pemariaclara@gmail.com 
2 Eis os livros em sua ordem de apresentação ou aprendizado: Physica, De caelo, De generatione, De 
Meteororum, De mineralibus, De anima. Cf. Comentário à Física de Aristóteles, I parte, Licão 1, número 
4. Doravante citada deste modo: In Phys., I, 1, n. 4. 
mailto:pemariaclara@gmail.com
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dos livros da ciência da natureza3 diz respeito, segundo Tomás, à própria constituição da 
ciência natural. São três as etapas que perfazem a constituição da Física: (I) 
estabelecimento das noções gerais da ciência, (II) do sujeito da ciência e (III) do objeto 
da ciência. 
No que se refere à primeira etapa de constituição da ciência Tomás escreve: 
 
Neste livro o Filósofo estabelece primeiro o proêmio, onde mostra a 
ordem de investigação da ciência natural. Primeiro mostra que 
convém começar pela consideração dos princípios. Segundo que entre 
os princípios convém começar pelos princípios mais universais. 
Primeiro expõe o seguinte argumento. Em todas as ciências que 
versam sobre os princípios, causas ou elementos, o conhecimento da 
ciência procede da cognição dos princípios, das causas e dos 
elementos. A ciência que trata da natureza possui princípios, 
elementos e causas. Logo, nela convém começar pela determinação 
dos princípios.4 
 
Na passagem supracitada, Tomás explicita o modo de investigação da ciência 
natural: o início da sua investigação parte dos princípios, mais especificamente, das suas 
noções gerais. As noções gerais sobre as quais a ciência natural versa dizem respeito aos 
princípios, causas e elementos5. Nessa medida, o conhecimento de uma ciência que trata 
dos princípios, causas e elementos, só pode ser alcançado quando conhecemos essas 
noções gerais. Desta forma, a investigação deve ser iniciada pelos princípios, de 
maneira ordenada, partindo dos princípios mais universais, uma vez que, se é próprio da 
razão ordenar6e toda ciência reside na razão7, a ciência ordena ao proceder avançando 
dos primeiros princípios e causas até os elementos, que são as causas mais próximas ao 
seu objeto. Assim, aplicando às noções gerais, que constituem a primeira etapa de 
investigação, poderemos determinar o objeto e o sujeito da ciência, que correspondem 
às etapas subsequentes. 
A noção de “princípio” é entendida por Tomás do seguinte modo: “Princípio é 
aquilo a partir do que algo procede”8. Podemos notar que por muitas vezes ‘princípio’ e 
‘causa’ parecem ser tomados um pelo outro, uma vez que, segundo Tomás, “toda causa 
 
3 Segundo Tomás, formulado e estabelecido por Aristóteles 
4Cf. In Phys., I, 1. n. 5. 
5“Como diz o Filósofo na Physica I, supomos que conhecemos uma coisa quando conhecemos as 
primeiras causas, os primeiros princípios, até os elementos”. (5Proêmio ao De Caelo, Livro I. Doravante 
citado como In DCM, I, prooemium, n. 1). 
6Cf. In DCM, I, prooemium, n. 1 
7Cf. In Phys., I, 1. n 1. 
8ST, Ia, q. 33, a. 1, resp. 
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pode ser dita ‘princípio’, e todo princípio, ‘causa’.9” Porém nos livros da Física Tomás 
apresenta três princípios e quatro causas. ‘Princípio’ é dito isto que é primeiro. O que é 
primeiro é constitue a coisa, por isso princípio é dito constituinte da coisa, é intrinseco 
à ela. Os princípio das coisas naturais são: a matéria, a forma e a privação10, esta última 
porém é dita princípio por acidente, na medida em que está é sempre em relação à forma 
e à matéria. Assim, privação é dita privação de matéria, ou privação de forma. A causa 
porém, acrescenta algo ao princípio, não sendo somente intrínseca mas também 
extrinseca à coisa, não é dita somente primeira, mas também aquilo a partir do que se 
segue o ser do posteirior, sem o qual o posterior não se seguiria. As causas não são 
somente mateiral e formal, mas também eficiente e formal.11 
Ocorre que, sendo ‘princípio’ uma das noções gerais da ciência natural este se 
configura como fundamental da para a determinação do sujeito e do objeto da ciência 
da natureza, sem os quais a diversificação das ciências especulativas12 seria obscura e 
imprecisa. É possível depreender a afirmação anterior do seguinte excerto: “Sendo a 
Physica, cuja exposição iniciamos, o primeiro tratado da ciência natural, em seu começo 
é preciso determinar qual é o objeto e o sujeito da dita ciência.”13Tomás afirma que no 
começo da ciência natural é preciso estabelecer o objeto desta, ou seja, o assunto 
principal demonstrado14 pela ciência15. Além disso, é preciso estabelecer o sujeito 
(subiectum), isto é, aquilo cuja existência é considerada como evidente, logo, aquilo que 
prescinde de demonstração na consideração da ciência natural. É evidente que as coisas 
naturais, das quais a ciência natural trata, são aquelas que possuem como princípio a 
 
9 De principiis naturae cap.III. Doravante citado como DPN. 
10 DPN, cap II. 
11 Por não se configurar como objetivodeste artigo não trataremos propriamente da noção de “elemento”, 
este que é: “isso a a partir do que a coisa é primeiramente composta, e está nela, e não é dividida segundo 
a forma”. DPN, cap III; 
12 As ciências especulativas são, segundo Tomás: a Metafísica, a Matemática e Física. Cf.:Expositio super 
librum Boethii De Trinitate, questão 5, artigo 1, resposta. Doravante citado assim: IBDT, q. 5, a. 1, resp 
13In Phys., I, 1, n. 1. 
14 (Cf. Summa theologiae, I parte, questão 2, artigo 2, resposta. Doravante citada deste modo: ST, Ia, q. 2, 
a. 2, resp.). No contexto do tratamento da scientia naturalis existe a discussão sobre o modo da 
demonstração, ou seja, a demonstração indutiva e a dedutiva, cf. ELDERS, 2013, p. 724-726. 
15 É interessante notar que Reitan defende, influenciado por Weisheipl, uma leitura da filosofia de Tomás 
guiada, porém inovadora, pela estrutura de pensamento aristotélico; Houser, por sua vez, demonstra que 
em muitos pontos Tomás se afasta da estrutura do pensamento aristotélico e toma partido de uma leitura 
de filósofos árabes para constituir as suas obras. Esta maneira de começar a analisar a ciência, por 
exemplo, assemelha-se mais ao modo como Avicenna o fez no seu livro sobre os princípios da natureza, 
enfatizando o sujeito e o objeto da ciência; do que o modo como Aristóteles inicia a sua investigação 
passando rapidamente por estas duas etapas da constituição da ciência. ( Cf. REITAN, 1991, p.182) (Cf. 
WEISHEIPL, 1965.) (Cf. HOUSER, 2013.) 
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natureza, que é ela mesma, princípio de movimento; segue-se, portanto, que o sujeito da 
Física, deve ser o ente móvel. 
O texto da Physica, segundo Tomás, trata (agitur)16 do “ens mobile simpliciter”17 
ou “mobiliinquantum est mobile”18 como seu sujeito. Nesse sentido, este “tratamento”, 
se referindo ao ens ou ao mobile, não pode ser demonstrativo, pois “nenhuma ciência 
prova seu sujeito”19,uma vez que ele é tomado como evidente. O que a ciência natural 
tenta demonstrar é que todo móvel é corpo. Este, porém, não é o objeto das demais 
ciências especulativas, embora todas tenham como fim a verdade, cada qual se põe a 
demonstrar um objeto distinto e é nesta medida que se constituem como diversas 
ciências. Assim, as ciências são divididas pelos diferentes objetos que consideram, não 
são distinguidas, no entanto, por qualquer diferença dos objetos, “mas de acordo com 
aquelas [diferenças] que competem, por si, aos objetos na medida em que são 
objetos20”, ou seja: a diversificação das ciências deve ser feita segundo os critérios 
próprios aos objetos na medida em que são ‘especuláveis’, ou objetos de ciência. 
Tomás escreve que: “Ao especulável, que é o objeto da ciência especulativa, 
compete algo da parte da potência especulativa e algo da parte do hábito de ciência pelo 
qual o intelecto é aperfeiçoado21” O intelecto é aquele que detém a potência 
especulativa e, sendo o intelecto é imaterial, só apreende o que não é dotado de matéria 
individuada. Deste modo, a relação do especulável com a matéria é relevante. Além 
disso, ao que se refere à ciência, a ciência trata do que é necessário, não sendo possível 
fazer ciência de acidentes. Uma vez que “todo necessário é imóvel”22 a relação do 
especulável com o movimento também é relevante. Assim, as ciências serão divididas 
mediante a aplicação ou separação de seus objetos em relação à matéria e o movimento. 
Esta relação pode ser atestada mediante uma certa dependência que pode se dar segundo 
o ser e/ou segundo a definição do especulável, como Tomás expõe no início do 
Comentário à Física: 
 
O que deve ser conhecido, portanto, na medida em que toda ciência se 
encontra no intelecto, pelo qual algo se torna inteligível em ato, é 
aquilo que de algum modo é abstraído da matéria; conforme as coisas 
 
16Cf. In DCM, I, prooemium. 
17“Ente móvel absolutamente”.(In Phys., I, 1, n. 4). 
18“Móvel enquanto é móvel”.(In DCM, I, prooemium, n. 3). 
19In Phys., I, 1, n. 4 
20 IBDT, q. 5, a. 1, resp. 
21 IBDT, q. 5, a. 1, resp. 
22 IBDT, q. 5, a. 1, resp. 
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se constituem de modo diverso no que diz respeito à matéria, tais 
coisas pertencerão a diferentes ciências. Ademais, uma vez que toda 
ciência é constituída por demonstração, e visto que a definição é o 
termo médio da demonstração, é necessário que dado os modos 
diversos da definição, as ciências sejam diversificadas.23 
 
 
Segue-se que, segundo o trecho, toda ciência investiga um objeto, porém, como 
toda ciência reside no intelecto, é através das diferentes relações dos objetos com a 
matéria que se pode diferenciar as várias ciências. Isso porque, para conhecer as coisas, 
é necessário que haja uma operação intelectual pela qual a materialidade das coisas seja 
abstraída. Existem, porém, segundo Tomás, três diferentes operações intelectuais que 
correspondem a uma tríplice distinção das coisas, por meio das quais as ciências serão 
divididas. Quanto mais inteligível for o objeto da ciência mais nobre ela será. 
Podemos notar a hierarquia de nobreza das ciências, mediante o modo de se 
definir, pelo excerto seguinte: 
 
Existem algumas coisas cujo ser depende da matéria e não podem 
definir-se sem ela; existem outras em cuja definição não entra a 
matéria sensível apesar de não poderem existir senão nela. [...] Outras 
coisas não dependem da matéria nem segundo o ser nem segundo a 
razão.24 
 
Ao investigar a relação dos entes com a matéria poderemos diversificar as 
ciências da seguinte maneira: 
 Compete à Metafísica uma operação intelectual de composição e divisão25 porque 
trata das coisas que não dependem da matéria nem segundo o ser nem segundo a 
definição. Como o intelecto visa conhecer o próprio ser do objeto e este ser não depende 
da matéria nem segundo o modo como se encontra na natureza, nem segundo o modo 
em que é compreendido no intelecto, o intelecto pode operar separando. O intelecto 
abstrai, portanto, o que é de acordo com o próprio ser da coisa: uma vez que a coisa é 
imaterial, separa toda a materialidade. A Metafísica é qualificada como uma ciência 
nobre por tratar de entes inteligíveis, estes especuláveis não necessitam da matéria para 
existir, assim como também não necessitam da matéria para serem definidos. 
 
23In Phys., I, 1, n. 1. 
24 In Phys., I, 1, n. 1. 
25 Cf. IBDT, q. 5, a. 3, resp. 
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À Matemática compete a operação de abstração da forma da matéria sensível26, 
uma vez que trata das coisas que dependem da matéria segundo o ser, mas não segundo 
a definição. Isto é, uma vez que o especulável da ciência matemática depende da 
matéria segundo sua natureza, e o intelecto almeja conhecer a natureza da coisa, não 
pode operar separando a materialidade. Caso operasse deste modo, não conheceria 
realmente a natureza do objeto, uma vez que separaria a materialidade que é parte 
constituinte da natureza do objeto e, assim, não conheceria sua natureza por completo e 
não seria possível constituir conhecimento científico acerca do especulável. A 
Matemática, pois, opera abstraindo a forma da matéria do seguinte modo: uma vez que 
os acidentes dependem da substância eles sobrevêm, segundo Tomás, em uma ordem 
determinada onde “primeiro lhe advém a quantidade, depois a qualidade, depois as 
afecções e o movimento”27. Acontece que o primeiro acidente, a quantidade, não 
depende da matéria sensível, podendo ser inteligida na matéria antes que sejam 
inteligidas as qualidades sensíveis da matéria. É deste modoque a Matemática pode 
operar abstraindo a forma da matéria. 
Enfim, à Ciência Natural, ou à Física, compete a operação de abstração 
propriamente dita, uma vez que abstrai o universal do particular ao tratar de todas as 
coisas que dependem da matéria segundo o seu ser e também segundo sua definição. Ou 
seja, uma vez que a dependência do especulável em relação à matéria se dá em ambos 
os contextos: ontológico, porque a matéria faz parte da natureza da coisa, e cognitivo, 
porque a matéria também faz parte da definição da coisa, sem a matéria não poderíamos 
definir isso que encontramos aqui e agora. Assim, o intelecto deve operar separando o 
que há de universal nos particulares em vias de desconsiderar os acidentes e considerar 
o que é por si. 
Como a ciência se encontra no intelecto e o seu objeto não se encontra nele, 
tornando necessário que um processo de abstração seja desencadeado para que algum 
conhecimento seja formado, devemos investigar os entes em duas perspectivas 
diferentes, o ontológico e o cognitivo. Isto porque as noções abstraídas pela ciência 
natural podem ser consideradas de acordo com elas próprias, ou seja, sem o movimento 
e a matéria indicada, da maneira como são no intelecto; e também na medida em que se 
referem às coisas das quais seja referencial, ou seja, no movimento e na matéria. É por 
meio deste duplo modo de consideração das coisas naturais, que em determinados 
 
26 Cf. IBDT, q. 5, a. 3, resp. 
27 Cf. IBDT, q. 5, a. 3, resp. 
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momentos enfatiza o contexto ontológico e em outro momento enfatiza o contexto do 
conhecimento. Deste modo, através de noções imóveis e sem matéria particular a 
ciência pode investigar coisas móveis e materiais. 
Estes dois contextos gerais em que os princípios da ciência natural podem ser 
empregados, quais sejam, o (I) contexto da ontologia, e o (II) contexto da cognição.28 
podem ser subdivididos em (I.a) princípio como “certas naturezas completas [...] como 
os corpos celestes”29 e (I.b) “princípios que não são em si mesmos naturezas completas, 
mas somente princípios de naturezas” como “[...] a forma e a matéria do corpo 
físico”30.No contexto da cognição: (II.a) princípio das ciências31; (II.a.1) princípios 
primeiros e (II.a.2) princípios segundos32. 
No contexto da ontologia os princípios são designados por Tomás como ‘comuns 
por causalidade’33. Estes princípios são coisa reais, comuns no sentido, e não na 
cognição, que afetam vários ou todos os corpos. Estes são os princípios demonstrados 
pela ciência natural, e como o mundo é dividido em esfera supra e sublunar, em uma 
ordem hierárquica, assim também podemos dividi-los em dois. (I.a) As naturezas 
completas em si são os corpos celestes. Estes causam o movimento dos corpos 
terrestres, uma vez que as esferas supralunares contém as esferas sublunares. Assim 
como o todo é mais perfeito do que a parte e, assim como se o todo se move, a parte, 
invariavelmente, também se encontrará em estado de movimento, a hierarquia dos 
corpos é evidente. 
(I.b) As naturezas que não são completas em si mesmas: a matéria, a forma e a 
privação. É a partir desta interação entre potência e ato, substância e acidente, que 
Tomás postula os três princípios ontológicos que especificaremos a seguir: 
Ato é aquilo que é, potência aquilo que pode vir a ser34. Algo em potência tem a 
possibilidade de vir a ser, porém, o fato de possuir esta disposição não garante que isto 
venha a ser. Assim, ele necessita da operação de outro que já é em ato. O ato, pode ser 
entendido de duas maneiras, a primeira é: como a própria operação, a atualização da 
 
28HOUSER, 2013, p. 578. 
29Expositio super librum Boethii De Trinitate, questão 5, artigo 4, resposta. Doravante citado assim: 
IBDT, q. 5, a. 4, resp. 
30 IBDT, q. 5, a. 4, resp. 
31In Phys., II, 1 
32Cf. WEISHEIPL, 1965, p. 27, nota 3. 
33 Houser demonstra (em HOUSER, 2013, p. 585) que esta divisão entre princípios, feita por Tomás, 
deriva de Avicena, que separava os princípios em (I) Individuais, (II) Comuns, (II.a) Proposições (II.b) 
Definições. 
34DPN, p. 39. “Algumas coisas podem ser, embora elas não sejam, enquanto outras de fato são. Aquilo 
que pode ser se denomina ser em potência; aquilo que já é se denomina ser em ato.” 
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coisa. Na medida em que é a própria operação, pertence à forma da coisa35. Forma é 
atual36, é o que dá a existência às coisas. Nessa medida ato é entendido como ato 
substancial, porque pertence à forma substancial. A forma substancial é aquela que, por 
si, dá o ser das coisas, o ser incondicionado37 e, por prover a existência (per se) é 
subsistente. A alma intelectual é subsistente, para Tomás, porque é forma substancial, 
ou seja, é um princípio de ordem substancial e também quididativa38. Ela não se 
relaciona apenas à existência do ser, mas também à sua essência. A forma substancial é 
entendida como o princípio de existência substancial.39 
A segunda maneira de se entender ato, é como ato acidental, este ato pertence à 
forma acidental. Esta forma é atual de maneira que não fornece o ser condicionado40, 
mas certo ser, ou seja, é princípio de uma existência acidental41. Esta forma não é causa 
da existência do ente, mas é causa de uma nova qualidade quididativa do ente, a 
aquisição de um acidente da coisa42. Ambas as formas substancial e acidental fornecem 
o ser das coisas, a ordem entre elas é de maneira que, a substancial é a primeira. A 
acidental só é capaz de existir na medida em que já existe a substância43. A existência 
do ser provém de sua forma substancial, e é a partir dessa existência que surge a 
possibilidade de acidentes do ser existirem, provenientes de formas acidentais. 
Tendo analisado as duas maneiras de se entender ato e forma, podemos retomar a 
análise acerca da potência e, por conseguinte, da matéria. A potência, assim como o ato, 
pode ser entendida de duas maneiras, visto que o ser pode estar em potência 
positivamente ou e em potência negativamente. Na primeira maneira, a potência 
positiva, se o ser é em potência, substância e acidente também podem ser em potência.44 
 
35 Dizemos que o ato “pertence à forma da coisa” ao invés de “é a forma da coisa” porque só para a 
divindade se diz propriamente que “ato é forma”, (ato enquanto atualização). Ou seja, a operação divina, 
tem o “ato” enquanto o ser, isto é, a existência divina. Cf. SCG, I, 21-22. 
36 ST, Ia, q. 75, a. 6, resp. “Existência pertence à forma, que é atualidade, per se. Como resultado, a 
matéria adquire atual existência em virtude da forma que adquire, e a corrupção (da matéria) se dá em 
virtude da forma sendo separada do corpo.” 
37 Cf. ST, Ia, q. 76, a.4. 
38 HOUSER, 2012. p. 593: “A forma substancial é o princípio fundamental em ambas as ordens 
existencial e quididativa.” 
39 Cf. HOUSER, 2012. p. 596. 
40 Cf. ST, Ia, q. 76, a.4. 
41 Cf. HOUSER, 2012. p. 596. 
42HOUSER, 2012. p. 593: “A forma acidental é a causa do recebimento de uma nova característica 
quididativa pela substância, digamos, branco; porém esta forma não faz com que a substância exista.” 
43 HOUSER,2012. p. 591: “Acidentes existem porque a substância já existe, e a substância existe por 
causa da existência que provém do ser pela sua forma substancial” 
44 HOUSER, 2012, p. 591: “Uma vez que todo ser tem potências, ambos substância e acidente podem 
existir em potência” 
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Assim, o ser que está em potência para a substânciaé a matéria-prima. E o ser que está 
em potência para o acidente é o sujeito. 
Como a matéria-prima está em potência para a substância, não possui nenhuma 
atualidade, então, ela não existe45, não possui realidade. Aqui podemos notar o 
refinamento conceitual de Tomás, como tudo é conhecido pela forma, e a matéria-prima 
não possui forma alguma, ela não pode ser inteligida46, ou explicada47 por si. A única 
maneira de se definir matéria-prima é por comparação com a forma, já que, toda a 
definição é através da forma48.A matéria-prima é o que há de mais básico e fundamental 
para a mudança e, como não possui existência, não pode ser gerada ou corrompida49, 
assim, não pode ser entendida como um ente, é potência pura, não contendo atualidade 
alguma. 
Já o sujeito, é potência para existência acidental50. Como vimos, o acidente só 
existe porque a substância é anterior a ele, portanto, assim como a matéria-prima, o 
sujeito é potência para a existência. Mas não para a existência substancial, como a 
matéria-prima, e sim, para existência acidental, uma vez que já possui alguma 
atualidade, o sujeito não é potencialidade pura. 
Quanto ao contexto da cognição, os princípios são designados por Tomás como 
princípios das ciências. Uma vez que a ciência se encontra no intelecto, seus princípios 
devem ser cognitivos e não ontológicos. Os princípios das ciências são chamados por 
Tomás de (II) princípios comuns por predicação, visto que são predicados das coisas 
naturais, e também podem ser encontrados em várias ou todas as coisas. Estes princípios 
devem ser aceitos pelo filósofo, porque são os meios usados para demonstrar as 
conclusões científicas. 
 
45 PASNAU, 2001. p.41: “Matéria-prima genuinamente não tem atualidade alguma. Uma potência pura 
não pode existir sem a atualidade, ou melhor, matéria-prima não existe, de maneira alguma, por si 
mesma” 
46 Matéria-prima não pode ser conhecida por si, porque tudo o que é conhecido é conhecido através de sua 
forma, enquanto matéria-prima é vista como sujeito de toda a forma 
47 PASNAU, 2001. p.41: “Para Tomás explicações em termo de matéria-prima são inconcebíveis; matéria 
pode ser explicada apenas na medida em que é atual. Longe de ser explicável, matéria-prima não é nem 
inteligível por si.” 
48DPN, c. 2, sec. 13: “E porque toda definição e entendimento vem através da forma, matéria-prima, em 
si, não pode ser entendida ou definida exceto através de comparação, como quando é chamada matéria-
prima quilo que é relacionado a toda forma e privação da maneira que bronze está relacionado à estátua e 
disforme.” 
49 PASNAU, 2001. p.43: “Matéria-prima, o que quer que seja, não é gerada nem corrompida, é a mais 
básica das coisas que fundamenta toda mudança. 
50 Cf. HOUSER, 2012. p. 596. 
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As conclusões científicas são demonstradas por meio da cognição. Assim, os 
princípios científicos são diferenciados mediante referência aos atos da mente, que (a) 
define e (b) forma proposições por meio das definições. Desta maneira, os princípios 
são divididos em (II.a.1) Noções fundamentais ou conceitos da ciência natural. São 
definições deduzidas de premissas. E em (II.a.2) proposições fundamentais51. Estas são 
premissas que incluem asserção de existência, e que estão em forma de proposição. 
Nota-se que a diferença entre os contextos de ontologia e cognição se encontra 
apenas no âmbito da ênfase. A fim de investigar de maneira própria os princípios da 
ciência natural, Tomás investiga-os tendo como referência dois modos de consideração, 
o do ser, e o do pensamento. Ou seja, as noções abstraídas podem ser consideradas 
como referentes às coisas das quais são noções, sendo estas coisas no movimento e na 
matéria, e também são consideradas de acordo com elas mesmas que, uma vez que já 
foram abstraídas e estão no intelecto, são sem movimento e sem matéria. Os princípios 
são os mesmo, porém, podem ser considerados em dois contextos diferentes. 
 
 
Referências 
 
HOUSER, R. E. Avicenna. Avicenna and Aquinas's De principiis naturae, cc. 1-3. The 
Thomist. 76, p. 577-610, 2012. 
REITAN, E. A. Aquinas and Weisheipl: Aristotle´s Physics and the Existence of God. 
Philosophy and the God of Abraham: Essays in Memory of James A. Weisheipl. p. 179-
190, 1991. 
PASNAU, R. Thomas Aquinas on human nature. (A philosophical study of Summa 
Theologiae, Ia, q75-89). Cambridge: Cambridge University press, 2001. 
TOMÁS DE AQUINO. Comentario a la Física de Aristóteles. Traducción, estudio 
preliminar y notas de Celina A. Lértora Mendoza. Colección de Pensamiento Medieval 
y Renacentista 21. Pamplona: Eunsa, 2001. 
______. Comentario al libro de Aristóteles sobre el cielo y el mundo. Introducción y 
traducción anotada de Juan Cruz Cruz. Colección de Pensamiento Medieval y 
Renacentista 34. Pamplona: Eunsa, 2002. 
______. De principiis naturae ad fratrem Sylvestrum, [ed. H.F. Dondaine]. Ed. 
Leon.,t.XLIII, Opuscula, vol.IV. Roma [Santa Sabina]: Editoridisan Tommaso, p.39-47, 
1976. 
______. Suma de Teologia (11 vols.). Trad. Alexandre Correia. Livraria Sulina 
Editora,1980. 
WEISHEIPL, J. A. The Principle Omne quod movetur ab aliomovetur in Medieval 
Physics. Isis, v. 56, n. 1, p. 26-45,1965. 
 
 
 
 
51Chamados por Aristóteles de suposições da ciência natural. (Cf. HOUSER, 2013, p.587.) 
A noção de princípio no Comentário à Física de Tomás de Aquino 
Vol. 7, nº 2, 2014. 
www.marilia.unesp.br/filogenese 107 
 
Agradecimentos 
 
 Agradeço à instituição CNPQ que incentivou a minha iniciação científica e concedeu-
me uma bolsa de estudos durantes este ano, sem a qual este trabalho não poderia ter sido 
realizado. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Márcio Augusto Damin Custódio que acreditou 
em mim desde o meu primeiro semestre de graduação, sem o seu empenho, sua atenção, e 
qualificação nunca teria superado minhas inúmeras falhas e fraquezas e, além disso, não 
vislumbraria uma carreira acadêmica pela frente. Também agradeço ao Prof. Evaniel Brás dos 
Santos, a quem devo grande parte deste artigo, pelo apoio, pela imensurável ajuda e pela 
amizade, assim como ao seu competentíssimo colega Prof. Matheus Pazos, sem os quais 
continuaria duvidando de mim mesma.

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