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112-DANIELE-ALMEIDA-DUARTE

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PSICOLOGIA DO TRABALHO E PSICANÁLISE: UMA POSSIBILIDADE DE 
COMPREENSÃO DO SOFRIMENTO PSÍQUICO 
 
Daniele Almeida Duarte ∗ 
Mariana Devito Castro ∗ 
Francisco Hashimoto ∗ 
 
Resumo: É fato que o indivíduo, quando é impelido pela organização a reprimir seus 
desejos, sofre. Esse sofrimento é decorrente também de precárias condições de trabalho 
e pressões impostas por essa organização. Entretanto, nem sempre o sofrimento é 
prejudicial à saúde física e mental do trabalhador. Pelo contrário, ele pode representar 
um meio de o sujeito, através da sublimação, conferir uma nova significação ao 
trabalho, à medida que, quando levado à resolução de problemas dentro da organização, 
o sujeito tem a chance de alcançar um reconhecimento social de seu trabalho e se torna 
capaz de dominar suas angústias e, conseqüentemente, controlar seu sofrimento, 
salvando seu equilíbrio mental. Dessa forma, este estudo buscou compreender como a 
Psicologia do Trabalho, aliada à psicanálise, estruturou-se no decorrer da história, as 
repercussões do sofrimento para a vida do trabalhador (dotado de subjetividade e 
Desejo) e como a organização do trabalho interfere na saúde física e, principalmente, 
mental. Optou-se então por um estudo teórico embasado na Psicodinâmica do Trabalho, 
a qual propõe uma análise dinâmica dos processos intersubjetivos e interativos que se 
desenvolvem no ambiente de trabalho, do sofrimento criativo e patogênico que podem 
acometer o indivíduo, das estratégias de defesas individuais e coletivas, bem como de 
um novo conceito de saúde proposto por Dejours. Pôde-se observar que a história da 
Psicologia, construída no século passado, ainda se faz presente na atualidade quando, 
nas organizações, atende somente ao capitalismo e ignora o ser humano em sua 
completude. Assim, a Psicologia do Trabalho aponta duas vertentes: uma voltada às 
questões da Administração de Recursos Humanos e a outra, pela leitura da Psicologia 
Social e da Saúde Coletiva. Dentro desta última perspectiva, estudos têm colaborado 
para uma desalienação do indivíduo no trabalho e para a concepção de um ser humano 
que sofre, mas que pode se satisfazer quando a organização não o encarcera, e sim 
conjuga suas possibilidades com a demanda econômica e possibilita uma nova 
compreensão de saúde, como também sua promoção e manutenção. Dessa forma, o 
homem, sob o prisma psicanalítico, tem a liberdade e oportunidade de voltar o olhar 
para si mesmo e para as suas necessidades físicas e psicológicas, já que para Dejours 
(1993), o que importa não é eliminar o sofrimento, mas criar condições para que os 
próprios trabalhadores possam gerir seu sofrimento. 
 
 
 
∗ Aluna graduanda de Psicologia na Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp. E-
mail:danidupsico@yahoo.com.br. 
∗ Aluna graduanda de Psicologia na Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp. E-mail: 
mazinhadevito@yahoo.com.br 
∗ Livre Docente do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho na Faculdade de Ciências e 
Letras de Assis – Unesp. E-mail: franciscohashimoto@yahoo.com.br 
 
 
 
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Este estudo buscou compreender, através da Psicodinâmica do Trabalho, como a 
Psicologia do Trabalho, aliada à psicanálise, estruturou-se no decorrer da história, as 
repercussões do sofrimento para a vida do trabalhador (dotado de subjetividade e 
Desejo) e como a organização do trabalho interfere na saúde física e, principalmente, 
mental. Assim, a partir da abordagem psicanalítica proposta pela Psicodinâmica do 
Trabalho, buscou-se entender o que acontece com o indivíduo em sua relação com o 
trabalho, visto que tal referencial teórico propõe um estudo dinâmico dos processos 
intersubjetivos e interativos que se desenvolvem no ambiente de trabalho, o sofrimento 
criativo e patogênico que podem acometer o indivíduo, as estratégias de defesas 
individuais e coletivas, bem como um novo conceito de saúde proposto por Dejours. A 
Psicanálise fornece informações sobre o trabalho e os trabalhadores em geral, quando 
propõe um questionamento fundamental sobre qual seria o lugar do Desejo e do Sujeito 
no trabalho. Desta maneira, pretende-se averiguar a constituição do sujeito psicanalítico 
para entender quais meios podem colaborar para a promoção e manutenção da saúde do 
trabalhador e, conseqüentemente, a redução do sofrimento psíquico. 
Para compreender de que forma a organização vê o trabalhador faz-se necessário 
retomar a história da Psicologia do Trabalho e suas alterações ao longo de seu 
desenvolvimento, bem como averiguar as influências do pensamento capitalista para a 
concepção e saúde do trabalhador, uma vez que o surgimento do capitalismo histórico 
trouxe consigo a concepção de que o trabalho é algo essencial à vida do indivíduo. Por 
meio deste sistema econômico aparece a ascensão da racionalização, o acúmulo de 
capital e a hegemonia das categorias econômicas e sociais. Com isso, o trabalhador 
passou a ser visto mais como um objeto, como um meio de produção do que como um 
ser humano real e dotado de subjetividade (CHANLAT, 1993). Como conseqüência, 
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seu saber foi capturado e ignorou-se, além dos aspectos humanos, os aspectos 
psicológicos e fisiológicos das condições de trabalho. 
É válido mencionar que cada mudança ocorrida na Psicologia do Trabalho 
repercutiu de maneira diferente de acordo com o olhar estabelecido sobre o trabalhador 
e as relações deste com o mundo do trabalho. O mesmo aconteceu com a organização e 
os processos de trabalho, assim como seus significados para o homem e para a 
sociedade. 
Para demonstrar de maneira didática os caminhos percorridos pela Psicologia, 
utilizou-se como referência a Psicologia do Trabalho dividida em três faces, apresentada 
por Sampaio (1998). A primeira face, momento da consolidação da revolução industrial 
a partir do século XX, foi representada por Taylor, pertencente à Escola Clássica (ou 
Escola de Administração Científica), o qual promoveu uma ideologia administrativa que 
obteve um grande aumento da produção através de técnicas rigorosas de controle da 
organização do trabalho. Este movimento teve como princípio fundamental a divisão 
entre concepção e execução do trabalho. O francês Fayol instituiu um estilo de trabalho 
esquemático, bem estruturado, propondo uma divisão ainda mais intensa do trabalho e 
um controle mais rígido para aumentar a eficiência da empresa. Henry Ford estabeleceu 
a linha de montagem, marcada pela esteira. Superou Taylor porque não só eliminou os 
tempos mortos e os transformou em tempos produtivos, mas também submeteu o 
trabalho individual ao coletivo por determinação do ritmo da correia transportadora. Em 
oposição à escola Clássica de Administração surge a Escola das Relações Humanas no 
trabalho, que tinha como princípio a crença de que os fatores humanos influenciavam a 
produção. Acreditava-se que junto à organização formal convivia a organização 
informal (baseada nas relações de grupo e nas relações sociais não previstas em 
regulamentos e organogramas), a qual tinha a capacidade de alterar os resultados da 
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produção. Buscou-se na Escola das Relações Humanas um aumento da produtividade 
em decorrência da eliminação do conflito no interior da empresa. Dessa forma, a 
Psicologia orientava-se pelas diferenças individuais, pelo funcionalismo e pelo 
behaviorismo. Suas principais atividades eram voltadas para o aumento da 
produtividade, prestando trabalhos de consultoria e utilizando testes psicológicos. 
Uma crise gerada pelo modelo de desenvolvimento econômico fez com que as 
técnicas da Psicologia Industrial tornassem-se ineficientes e colaborou então, para o 
surgimento da Psicologia Organizacional, a segunda face. Foi necessária então uma 
alteração do objeto de estudo, ou seja, a passagem de foco dos postos de trabalho para 
um foco em que as estruturas das organizações pudessem ter espaço para serem 
discutidas e repensadas.Porém, uma completa ruptura não foi possível porque 
psicólogos ainda continuavam voltados para o problema da produtividade nas empresas, 
busca por desempenho e rendimento a curto prazo. Estudos sobre treinamento 
continuaram, porém desta vez atrelados ao desenvolvimento dos recursos humanos e 
não apenas à capacitação para o trabalho. Foram realizadas pesquisas sobre a motivação 
(englobaram os estudos sobre a satisfação e as teorias comportamentais passaram a ser 
supervalorizadas), Desenvolvimento Organizacional ligado ao Desenvolvimento 
Gerencial e a Arquitetura Social. 
Criar consciência do caráter instrumental que a Psicologia Industrial e a 
Psicologia Organizacional assumiram foi o começo para que se instaurasse um processo 
de transformação e possibilitaram a transição para a terceira face, a Psicologia do 
Trabalho. A partir do movimento da Escola Contigencialista da Administração, a 
Sociologia do Trabalho e a própria Psicologia do Trabalho, novas nuances foram 
percebidas e as propostas passaram a ter outro caráter, a compreensão do trabalho 
humano. Tudo o que anteriormente era visto como “funções” e “sistemas” das 
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organizações, passou a ser considerado como “políticas”, o que implicou não mais algo 
rígido e imutável, mas sim um resultado de ações de grupos de atores sociais nas 
organizações. Passam a ser consideradas as questões de poder, conflito e seus 
reguladores. Na terceira face, foi possível perceber o indivíduo como um ser dotado de 
desejo. A partir daí, autores como Dejours propõem uma metodologia de estudo do 
sofrimento humano pautada na abordagem psicanalítica e na intervenção do estilo 
pesquisa-ação. Dentro dessa concepção, a Psicologia do Trabalho se volta para a 
compreensão do fenômeno humano na situação de trabalho, abrindo espaço para refletir 
sobre a precarização das relações de trabalho e o sofrimento físico e psíquico do 
trabalhador advindo das pressões do meio. 
Dejours (1986, 1994) construiu um sistema teórico, através da Psicopatologia do 
Trabalho e da Psicodinâmica do Trabalho, que contemplou todas as dimensões do ser 
humano e avaliou o quanto a organização do trabalho influencia na obtenção de saúde e 
bem-estar. Para ele, mais interessante do que estudar as doenças psíquicas decorrentes 
das condições de trabalho é buscar conhecer e compreender as estratégias (de defesa, 
individuais e coletivas) encontradas pelos trabalhadores para equilibrarem sua instância 
psíquica e manterem-se na normalidade, haja visto que a maioria deles vivenciam esse 
estado. 
Na análise parcial do trabalho, pôde-se observar que a história da Psicologia do 
Trabalho, construída no século passado, ainda se faz presente na atualidade quando, nas 
organizações, atende somente ao capitalismo e ignora o ser humano (dotado de Desejo, 
afetividade e sofredor) para poder movimentar as engrenagens do sistema econômico 
que obedece a fins lucrativos. Esta representa uma das vertentes apontadas por Sato 
(2001), voltada às questões da Administração de Recursos Humanos. Nesta perspectiva, 
a Psicologia se atém às demandas da Administração e da Engenharia, conforme 
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anteriormente mencionado, e restringe-se à manutenção da força de trabalho, por meio 
dos trabalhos de seleção de pessoal, treinamento, avaliação de desempenho, entre 
outros. Essa é uma das perspectivas da Psicologia que é reconhecida e legitimada 
devido à sua aplicabilidade no mercado de trabalho. 
Já a outra perspectiva refere-se à abordagem fundamentada na Psicologia Social 
e na Saúde Coletiva. Através da Psicologia Social, embasada nos conceitos de 
identidade, interação social, percepção, cognição e subjetividade, entre trabalhadores de 
segmentos populares, busca-se refletir sobre os momentos de produção e da reprodução 
do trabalho (SATO, 2001). E ligada a essa possibilidade está a Saúde Coletiva, que tem 
como objeto de estudo a saúde do trabalhador e o direito à cidadania. Nesta perspectiva 
de Saúde Coletiva que se instaura, estudos têm colaborado para uma desalienação do 
indivíduo no trabalho, para a concepção de um ser humano que sofre, mas que pode se 
satisfazer quando a organização não o encarcera, mas conjuga suas possibilidades com a 
demanda econômica e possibilita uma nova compreensão de saúde, como também sua 
promoção e manutenção. 
É fato que o indivíduo, quando é impelido pela organização a reprimir seus 
desejos, sofre. Esse sofrimento é decorrente também de precárias condições de trabalho 
e pressões impostas por essa organização. Entretanto, nem sempre o sofrimento é 
prejudicial à saúde física e mental do trabalhador. Pelo contrário, ele pode representar 
um meio de o sujeito, através da sublimação, conferir uma nova significação ao 
trabalho, à medida que, quando levado à resolução de problemas dentro da organização, 
o sujeito tem a chance de alcançar um reconhecimento social de seu trabalho e se torna 
capaz de dominar suas angústias e, conseqüentemente, controlar seu sofrimento, 
salvando seu equilíbrio mental. É por isso que Dejours propõe como forma de 
intervenção não a eliminação do sofrimento, mas a elaboração de “condições nas quais 
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os trabalhadores pudessem gerir eles mesmos seu sofrimento, em proveito de sua saúde 
e, conseqüentemente, em proveito da produtividade” (DEJOURS, 1993, p.160). Assim, 
o homem, sob o prisma psicanalítico, tem a liberdade e oportunidade de voltar o olhar 
para si mesmo e para as suas necessidades físicas e psicológicas. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
CHANLAT, J. F. (coord). O indivíduo na Organização. Dimensões esquecidas. Volume 
I. São Paulo: Atlas AS, 1993. 
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio 
Vargas, 1999. 
_____________. A Loucura no Trabalho. Estudo da Psicopatologia do Trabalho. São 
Paulo: Oboré Editorial, 1987. 
_____________. Por um novo conceito de saúde. São Paulo, 1986, V. 14, Abril, Maio, 
Junho, nº 54, p. 7-11. 
DEJOURS, C; ABDOUCHELI, E; JAYET, C. Psicodinâmica do Trabalho. 
Contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. 
Coord: Maria Irene Stocco Betiol. São Paulo: Atlas AS, 1994. 
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Edição eletrônica da Obra Eletrônica de 
Sigmund Freud. Volume XXI. 
SAMPAIO, J. R. Psicologia do Trabalho em Três Faces. In: GOULART, I.B., 
SAMPAIO, J.R. (org). Psicologia do Trabalho e Gestão de Recursos Humanos: 
Estudos Contemporâneos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. 
SATO, L. A Construção do objeto da Psicologia do Trabalho a partir da leitura da 
Psicologia Social e da Saúde Coletiva. In: Programa e Caderno de Resumos do VII 
Colóquio Internacional de Sociologia Clínica e Psicossociologia. Belo Horizonte: 
UFMG, 07/2001.

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