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1 A PARTICIPAÇÃO DA PUBLICIDADE NA FORMAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA NA SOCIEDADE DE CONSUMO Autor: Éder Rafael de Araújo Orientador: José Luiz Guimarães Fomento: PIBIC / CNPq / Unesp RESUMO:Este trabalho tem como objetivo estudar como o mercado do entretenimento e a publicidade atuam como formadores de saberes, valores e conhecimentos e analisar, no âmbito da subjetividade, como os conteúdos dessas propagandas atuam na construção de formas de ser e agir. A publicidade é um dos artefatos que estão inseridos em um conjunto de instâncias culturais comportando em si uma pedagogia e currículos que produzem valores e saberes, regulam condutas e modos de ser apresentando modelos a serem seguidos e re-produzindo identidades. Neste estudo amparamo-nos na Teoria das Representações Sociais utilizando também teorias de comunicação centradas no receptor para avaliar os processos pelos quais a criança edifica sua identidade, constrói suas representações e objetiva em seu cotidiano os saberes construídos pelas diversas instâncias sociais. Foram analisados casos de propagandas que refletem cenas do cotidiano escolar e sua regulação pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, este trabalho, fruto de um estudo em andamento fomentado pelo PIBIC/CNPq/Unesp, busca identificar os valores e conteúdos presentes nessas propagandas e como eles concorrem ou colaboram na formação de um sujeito de conhecimento e de direitos, objetivo primordial da educação escolar. 2 A PARTICIPAÇÃO DA PUBLICIDADE NA FORMAÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA NA SOCIEDADE DE CONSUMO Éder Rafael de Araújo1 Orientador: José Luiz Guimarães Curso de Psicologia da Universidade Estadual Paulista – Unesp – Campus Assis Este trabalho tem como objetivo estudar como o mercado do entretenimento e a publicidade atuam como formadores de saberes, valores e conhecimentos e analisar, no âmbito da subjetividade, como os conteúdos dessas propagandas atuam na construção de formas de ser e agir. A publicidade é um dos artefatos que estão inseridos em um conjunto de instâncias culturais comportando em si uma pedagogia e currículos que produzem valores e saberes, regulam condutas e modos de ser apresentando modelos a serem seguidos e re-produzindo identidades. Neste estudo amparamo-nos na Teoria das Representações Sociais utilizando também teorias de comunicação centradas no receptor para avaliar os processos pelos quais a criança edifica sua identidade, constrói suas representações e objetiva em seu cotidiano os saberes construídos pelas diversas instâncias sociais. Foram analisados casos de propagandas e sua regulação pelo Conselho Nacional de Auto- Regulamentação Publicitária, CONAR, bem como propagandas direcionadas à crianças em exibição nos intervalos dos programas infantis. Neste trabalho, fruto de um estudo em andamento fomentado pelo PIBIC/CNPq/Unesp, buscamos identificar os valores e conteúdos presentes nessas propagandas e como eles concorrem ou colaboram na formação de um sujeito de conhecimento e de direitos, objetivo primordial da educação escolar. 1 E-mail: elrafera@yahoo.com.br 3 Originalmente, propaganda deriva de Congregatio de Propaganda Fides, congregação criada em 1622, em Roma e que tinha como tarefa cuidar da propagação da fé. Em tradução literal o termo quer dizer “Congregação da fé que deve ser propagada”. (SANDMANN, 1993). Tal é a relação da origem com o atual papel do que chamamos propaganda que, segundo o jornal “Financial Times” as marcas são “A Nova religião” dizendo que tais marcas “são aquelas vinculadas a crenças fortes e idéias originais (...) que possuem a paixão e o dinamismo para mudar o mundo e para converter as pessoas à sua maneira de pensar, por meio de comunicações de alto nível”2 Essa definição semântica está ligada ao papel da propaganda contemporânea que, num contexto de mercado, convence, seduz, converte novos adeptos consumidores, não só de seus produtos e marcas, mas de uma série de valores ligados a eles. O discurso publicitário, todavia, constitui-se ...de um conjunto de recursos oferecido pela tecnologia, resultando em uma manifestação feita por diferentes linguagens, composta de uma organização de sentido em que as manifestações sígnicas se somam e se confundem para completar seu plano de expressão. (...) pois a junção de uma linguagem a outra e suas relações resultam em reforços persuasivos (...)Dessa forma o discurso publicitário (...) [é] o conjunto de características lingüísticas que contribuem para produzir o texto. Tem as características específicas da sociedade na qual se insere, e depende da situação em que ele é produzido, revelando o funcionamento cultural e manifestando valores decorrentes das relações históricas, sociais e ideológicas. (CECCATO, 2004 p. 13, 20) A principal característica do discurso publicitário é o uso da retórica, já que se trata de um discurso de “convencimento”, mais que isso, num discurso de “fazer crer” que nos torna fiéis à marca, ao produto, à propaganda e aos seus conteúdos. Segundo Jacques Durand (1973) “se a publicidade tem um interesse cultural, é à pureza e à riqueza de sua estrutura 2 “Brand, the last template of capitalism”, publicado no Financial Times de 02/02/2001 e comentado pela Folha de S. Paulo de 04/03/2001, Caderno Mundo (“Publicitários dizem que marcas são nova religião”) 4 retórica que ela o deve, não ao que ela pode fornecer de informação verdadeira, mas a sua parte de ficção” (DURAND, 1973 p.19). É de estabelecer pontes entre o real e o fictício que a publicidade se coloca como vanguarda de arte na contemporaneidade. Arte porque se utiliza de recursos subjetivos, de itens e ícones culturais e principalmente porque cria não só novas formas de cultura, mas também um universo para si com elementos do mundo real. Somente no mundo mágico das propagandas, por exemplo, se é capaz de unir “sucesso e cigarro, ecologia e conjunto habitacional, margarina e saúde infantil, batom e beleza do eterno feminino. (...) é lá o lugar em que tudo compro e nada devo, e tudo sobra, nada falta. (...) os descontos anulam gastos e pagando, na verdade, economizo.” (ROCHA, 1995 p.32 apud PEREIRA, 2002 p. 81). É o produto que se encarrega de fazer essa transposição do mundo real com a fantasia. Através do uso do que se quer vender podemos ser transladados ao universo perfeito das imagens publicitárias. É ele (o produto) o encarregado de traduzir os elementos da propaganda e de dar novas significações de si e de nós mesmos. De outra monta também é através da publicidade que o produto massificado produzido em larga escala nos é revestido de pessoalidade, de humanidade, sendo associado ao sujeito. A publicidade se utiliza de um discurso de peculiaridade que leva o consumidor a estabelecer com o produto uma relação pessoal, como se o objeto houvesse sido criado especialmente para cada um de nós, individualmente. Através dos valores simbólicos atribuídos pelas propagandas são tecidas as relações entre produto e consumidor, é com o uso deles que o produto desperta em nós algo tão subjetivo quanto o desejo. Neste jogo de interação entre a propaganda e seu público há diversas formas de (con)fusão da realidade e do universo paralelo dos filmes publicitários que, ao mesmo 5 tempo em que são estruturadas pelo contexto cultural, são estruturantes do mesmo na medida em que refletem o que julgam ser o real, e às vezes apenas “querem” que assim o seja. Numa sociedade em constantes transformações tanto tecnológicas quanto sociais, a publicidade torna-se, por seu caráter efêmero, porta-voz de seu tempo, refletindo e modificando o caráter de sua época. Com investimentos de bilhões de reais, desenvolve técnicas cada vez mais eficientesvendo na sociedade de consumo e nos meios de comunicação de massa seu solo mais fecundo. O sucesso da publicidade está intimamente ligado ao uso de tecnologias de comunicação em massa, entre eles, e principalmente, a televisão. A própria idéia de uma TV aberta já se propunha, desde o seu início, ao uso dos subsídios dos anunciantes, sem os quais nenhuma emissora se sustenta. A mídia televisiva, então, caminha cada vez mais em direção aos interesses do mercado, deixando de ser um meio de comunicação e informação para tornar-se cada vez mais do entretenimento, da diversão, da distração. Com o progresso da TV, seu poder simbólico agigantou-se de tal maneira que podemos dizer que “Por trás de conceitos e enfoques como estes, há um único que os aglutina, o de ‘sociedade/cultura de consumo’. Esse é o denominador comum – explícito ou não – em cada uma das análises que procuram historicizar e caracterizar a cultura contemporânea, que também ganhou a conotação mais atual de ‘sociedade das imagens’.” (FONTENELLE, 2002 p.139) Com a expansão do acesso à Televisão, tanto ao aparelho quanto à programação das emissoras, a TV e a publicidade se tornaram poderosas instâncias criadoras de sentido, pulverizando os espaços tradicionais como família, escola, religião, culturas locais etc. A velocidade dessas transformações tem originado não só a transformação da cultura numa 6 cultura de mercado, onde os bens são os significados do cotidiano como também tem afetado nossos modos de percepção, de subjetivação e de compreensão da realidade. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos (...) A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia [nos] fornecem respostas...(Woodward, 2000 apud Moreira, 2003 p.1210) A televisão nos fornece um “guia prático cultural” oferecendo modelos de comportamento, valores, informação e diversão, enfim, sentidos para os diversos símbolos espalhados ao nosso redor. Nessa perspectiva vemos que além de sua função retórica, a publicidade enquanto pertencente a um sistema midiático-cultural, exerce uma pedagogia cultural ao nos indicar o caminho a seguir. Thompson (1998) considera esse processo histórico de crescimento dos meios de comunicação como uma midiação, ou seja, o processo em que a produção e a transmissão de formas simbólicas (geradoras de representações sociais e que refletem as experiências e as visões de mundo) são cada vez mais mediadas pelas instituições e pelos aparatos técnicos da mídia. Isso implica que as manifestações culturais mais diversas só são reconhecidas depois de passarem por esses meios de comunicação. As próprias criações, os personagens e produtos da mídia e da publicidade se tornam bens culturais de alcance social cada vez mais amplo. Ambos os níveis interagem de forma que a mídia se torna ao mesmo tempo acontecimento, produção e divulgação cultural. Ivone Ceccato (2004) destaca a existência de uma diferença de estrutura (que tem efeitos sobre a as condições de atenção) e as qualidades de conteúdo (que tem efeito sobre as possibilidades de persuasão) como qualidades essenciais à uma propaganda. Quanto às 7 características estruturais, muito se modificou desde que Roland Barthes iniciou sua pesquisa com imagens publicitárias. A lógica da sociedade de consumo mudou o foco da propaganda para a venda de valores associados ao produto e, às vezes, nem isso. Parece que nos dias de hoje as propagandas perderam o foco do produto para vender o que quer que seja: imagens, valores, modelos de identificação. Por um lado, as mudanças na forma de se conduzir o anúncio tiveram a ver com as próprias modificações do meio publicitário que mudou seu modo de “persuadir”. Não mais se volta para a eficácia de um sabão em pó, mas para a tranqüilidade de poder deixar os filhos se sujarem, afinal, “se sujar faz bem” não mais para os hambúrgueres, mas para um estilo de vida fast food que se ergue sob o argumento mais sólido e indiscutível: Amo Muito Tudo Isso. Em algum lugar, portanto, perdemos o fim retórico da publicidade que antes diria como Toddynho é gostoso e faz bem à saúde e hoje o coloca como o “seu companheiro de aventuras” ressaltando que por onde for, Toddynho está com a criança, guiando-a para um mundo de fantasia e diversão que só acaba quando a caixinha do achocolatado está vazia, mas que pode voltar a qualquer momento, basta comprar outro. A mudança de posição e técnica persuasiva não fez com que a propaganda tivesse minorado seu poder simbólico. Antes intensificou-o na medida em que deixou de vender produtos para vender imagens e valores. Nesse momento intensifica-se também a função pedagógica da propaganda que se incumbe de ensinar a criança os valores, conceitos e conhecimentos que perpassam pela sociedade, interferindo no universo relacional mais básico. Com essa dinâmica, a propaganda reinventa modos de ser e dá papéis aos atores sociais da realidade, através da dramatização que lhe é peculiar. 8 Para encerrar, analisamos a campanha publicitária do biscoito trakinas cujo valor constante é o do cinismo e da mentira. A campanha é composta de um mesmo roteiro básico, percorrendo os seguintes passos: há uma proibição relacionada ao consumo do biscoito (não pode comer no quarto, não pode comer na sala de aula, etc.) podendo ser explícita ou implícita ou o acesso ao biscoito é mediado pelo adulto; essa proibição é quebrada pela criança que, nos casos em que o acesso é mediado, usa de alguma enganação para conseguir o biscoito; o adulto desconfia da trapaça e a questiona; a criança mente dizendo que não infringiu/trapaceou, mas no lugar de seu rosto aparece a face do biscoito acusando-o do fato. Percebe-se uma atitude extremamente cínica da criança e fica no ar a dúvida sobre se o adulto sabe que foi enganado ou não. Não se deve pensar que os meios de comunicação falem a indivíduos vazios ou a sociedades estáticas, a entidades fechadas, indefesas e que devem, portanto ser protegidas da má influência externa. Obviamente há limites para tal pensamento quando falamos em infância, pois embora a criança não seja desprovida de senso crítico há que se pensar: Que paradigmas tem a criança para julgar aquilo que está recebendo? BIBLIOGRAFIA ARIÈS, Philip. História Social da Criança e da família. Rio de Janeiro.Guanabara. 1986 CECCATO, Ivone. A propaganda sob o olhar crítico – genético e estilísco. Tese de Doutoramento em Letras. Unesp. Assis. 2004 FONTENELLE, Isleide A. O mundo de Ronald McDonald: Sobre a marca publicitária em socialidade midiática. São Paulo. Rev. Educação e Pesquisa vol. 28 n° 1 pp.137-149. jan./jun./2002 DURAND, J. ; METZ, C.; PÉNINOU,G. et. alli. A análise das imagens. Rio de Janeiro. Petrópolis: Vozes. Col. Novas Perspectivas em Comunicação. 1973 9 MOREIRA, Alberto S. Cultura midiática e educação infantil. Campinas. Rev. Educação e Sociedade vol.24 n° 85 pp.1203- 1235. dez./2003 PEREIRA, Rita Marisa R. Infância, televisão e publicidade: Uma metodologia de pesquisa em construção.Rio de Janeiro.Caderno de Pesquisa n°115 pp. 235-264.mar./2002 POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro. Graphia.1999 SANDMANN, Antônio José. A linguagem da propaganda. São Paulo. Contexto. Col. Repensando a Língua Portuguesa. 1993 THOMPSON, J.B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes. 1998
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