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Antitrombóticos A alteração no equilíbrio da coagulação leva à trombose. Os trombos, compostos por agregados de plaquetas, fibrina e hemácias presos, podem se formar em artérias ou veias. Os fármacos antitrombóticos usados no tratamento da trombose incluem agentes antiplaquetários; anticoagulantes, que atenuam a formação de fibrina; e agentes fibrinolíticos, que degradam a fibrina. Todos os fármacos antitrombóticos aumentam o risco de sangramento. VISÃO GERAL SOBRE HOMEOSTASIA A hemostasia é a cessação da perda de sangue a partir de um vaso lesado. No primeiro momento, as plaquetas aderem às macromoléculas nas regiões subendoteliais do vaso sanguíneo lesado, onde são ativadas. As plaquetas aderentes liberam substâncias que ativam plaquetas próximas, recrutando-as para o local da lesão. As plaquetas ativadas se agregam para formar o tampão hemostático primário. A lesão da parede do vaso também expõe o fator tecidual (PT), que inicia o sistema de coagulação. As plaquetas ativadas aumentam a ativação do sistema de coagulação ao fornecer uma superfície sobre a qual os fatores de coagulação se agrupam e ao liberar fatores de coagulação armazenados. Esse processo leva a um surto na geração de trombina (fator IIa). A trombina converte o fibrinogênio solúvel em fibrina, que ativa as plaquetas e exerce um efeito de retroalimentação, promovendo a geração adicional de trombina. Os filamentos de fibrina reúnem os agregados plaquetários, formando um coágulo estável. A camada de células endoteliais vasculares que reveste os vasos sanguíneos tem um fenótipo anticoagulante, de modo que as plaquetas circulantes e os fatores da coagulação normalmente não aderem de maneira apreciável a essas células. Na presença de lesão vascular, a camada de células endoteliais sofre rápida série de alterações, resultando em um fenótipo mais pró-coagulante. Homeostasia primaria A hemostasia primária é o passo inicial do processo, compreendendo as ações endoteliais e a formação do plug plaquetário. Normalmente, o endotélio vascular libera substâncias que inibem a vasoconstrição e a ação plaquetária, como o óxido nítrico e as prostaciclinas. Quando lesado, no entanto, é o endotélio que inicia o controle do sangramento: o trauma à parede vascular leva à vasoconstrição, restringindo a quantidade de sangue que chega ao local ferido, e torna o endotélio trombogênico, por meio da liberação de inúmeras substâncias que iniciam o processo hemostático. A lesão leva à exposição de proteínas reativas da matriz subendotelial, como o colágeno e o fator de von Willebrand, resultando em aderência e ativação das plaquetas, bem como na secreção e síntese de vasos constritores e de moléculas para recrutamento e ativação das plaquetas. Assim, o tromboxano A2 (TXA2) é sintetizado a partir do ácido araquidônico no interior das plaquetas e atua como ativador plaquetário e potente vasoconstritor. Os produtos secretados dos grânulos das plaquetas incluem difosfato de adenosina (ADP), um poderoso indutor da agregação plaquetária, e serotonina (5-HT), que estimula a agregação e a vasoconstrição. A lesão vascular levará à liberação e à exposição subendotelial de diversas substâncias, como o fator tecidual (tromboplastina), o colágeno e o fator de von Willebrand, que desencadeiam a chamada adesão plaquetária: o colágeno liga-se aos receptores plaquetários GP Ia/IIa e GP-VI, enquanto o fator de von Willebrand liga-se à GP Ib/IX/V, fazendo com que as plaquetas formem uma camada sobre o endotélio lesado, o início do trombo plaquetário. Algumas medicações clássicas agem justamente reduzindo a ação ou secreção dos agonistas plaquetários, inibindo, assim, o processo de ativação plaquetária. O famoso AAS (ácido acetilsalicílico), por exemplo, inibe de forma irreversível a COX-1, enzima que participa da síntese do tromboxano A2. Já o clopidogrel e o ticagrelor agem sobre o receptor do ADP (P2Y12), reduzindo também a ativação plaquetária. Apesar de, classicamente, serem chamadas de “antiagregantes”, essas medicações, na verdade, são “antiativadores plaquetários”. Os verdadeiros “antiagregantes plaquetários” são medicações que inibem o receptor plaquetário GP IIb/IIIa, como abciximab, epifiximab e tirofiban. Assim, essas substâncias impedem a formação de pontes de fibrinogênio e fator de von Willebrand entre as plaquetas. A ativação das plaquetas resulta em uma mudança de conformação no receptor de integrina αIIbβIII (IIb/IIIa), possibilitando a ligação do fibrinogênio, que estabelece ligações cruzadas entre plaquetas adjacentes, com consequente agregação e formação de um tampão plaquetário. As mudanças conformacionais resultantes da adesão e da ativação plaquetárias também agem sobre a GP IIb/IIIa, receptor interno que é exposto quando as plaquetas são ativadas, fazendo com que sirva de ponte: o fibrinogênio e o fator de von Willebrand ligam-se à GP IIb/IIIa das Eva Tamires – Med VI diferentes plaquetas, levando à ligação de mais e mais plaquetas ao trombo plaquetário, na fase conhecida como agregação plaquetária. Em resumo: quando ocorre uma lesão endotelial, as plaquetas prontamente se ligam ao conteúdo subendotelial exposto, principalmente o colágeno e o fator de von Willebrand, que se conectam, respectivamente, aos receptores plaquetários GP Ia/IIa e GP Ib, na fase conhecida como adesão plaquetária. Após aderidas à lesão endotelial, as plaquetas sofrem mudanças conformacionais que levam à liberação de substâncias chamadas de agonistas plaquetários, na fase conhecida como ativação plaquetária. Os agonistas plaquetários agem atraindo mais plaquetas à lesão e estas, então, começam a formar pontes entre si por meio da ação da GP IIb/IIIa, do fator de von Willebrand e do fibrinogênio. Essa fase final, a agregação plaquetária, garante a formação do trombo plaquetário ou plug hemostático inicial, controlando inicialmente o sangramento. As plaquetas são essenciais para a hemostasia normal e para as doenças tromboembólicas. Ocorre formação de trombos ricos em plaquetas (trombos brancos) no ambiente das artérias de alto fluxo e grande força de cisalhamento. LEMBRETE: Os pacientes com defeitos na formação do tampão plaquetário primário (defeitos da hemostasia primária, como defeitos da função plaquetária, doença de von Willebrand) costumam apresentar sangramento de locais superficiais (gengiva, pele, menstruação acentuada) com a ocorrência de lesão. Homeostasia secundária Simultaneamente, a cascata do sistema da coagulação é ativada, levando à produção de trombina e formação de um coágulo de fibrina que estabiliza o tampão plaquetário. Os pacientes com defeitos no mecanismo da coagulação (hemostasia secundária, p. ex., hemofilia A) tendem a sofrer hemorragia em tecidos profundos (articulações, músculo, retroperitônio), com frequência sem nenhum evento desencadeante aparente, podendo ocorrer recidiva imprevisível do sangramento. Cascata de coagulação sanguínea O sangue coagula em decorrência da transformação do fibrinogênio solúvel em fibrina insolúvel pela enzima trombina. Diversas proteínas circulantes interagem em uma série de reações proteolíticas limitadas em cascata. Em cada etapa, um zimogênio de fator da coagulação sofre proteólise limitada e transforma- se em protease ativa (p. ex., o fator VII é convertido em fator VIIa). Cada fator na forma de protease ativa o fator seguinte da coagulação na sequência, culminando na formação de trombina (fator IIa). A trombina desempenha uma função central na hemostasia e exerce inúmeras funções. No processo da coagulação, a trombina cliva proteoliticamente pequenos peptídeos do fibrinogênio, possibilitando a polimerização do fibrinogênio e a formação de um coágulo de fibrina. A fibrina também ativa muitos fatores da coagulação proximais, levando à produção de mais trombina, e também ativa o fator XIII, uma transaminaseque estabelece ligações cruzadas no polímero de fibrina e estabiliza o coágulo. A trombina é um potente ativador plaquetário e mitógeno. A trombina também exerce efeitos anticoagulantes, ativando a via da proteína C, que atenua a resposta da coagulação. Por conseguinte, pode-se perceber que a resposta à lesão vascular constitui um processo complexo e precisamente modulado que assegura, em circunstâncias normais, o reparo da lesão vascular sem trombose e isquemia distal, isto é, a resposta é proporcional e reversível. Finalmente, ocorrem remodelagem e reparo vasculares, com reversão para o fenótipo anticoagulante das células endoteliais em repouso. Os fatores de coagulação são zimogênios, isto é, precursores inativos de enzimas. Essas pró-enzimas são sequencialmente modificadas para suas formas ativas, cada uma servindo de substrato para a ativação do fator subsequente, dando origem à famosa cascata de coagulação. Iniciação da coagulação: o complexo fator tecidual-VIIa O principal iniciador da coagulação sanguínea in vivo é a via do fator tecidual (FT)-fator VIIa. O FT é uma proteína transmembrana de expressão ubíqua fora da rede vascular, porém não normalmente expressa em sua forma ativa dentro dos vasos. A exposição do FT sobre o endotélio lesionado ou ao sangue que extravasou no tecido determina a sua ligação ao fator VIIa. Por sua vez, esse complexo ativa os fatores X e IX. O fator Xa, juntamente com o fator Va, forma o complexo da protrombinase na superfície das células ativadas, catalisando a conversão da protrombina (fator II) em trombina (IIa). Por sua vez, a trombina ativa os fatores da coagulação proximais, principalmente V, VIII e XI, resultando em amplificação da geração de trombina. A ativação do fator Xa, catalisada pelo complexo FT-fator VIIa, é regulada pelo inibidor da via do fator tecidual (TFPI). Por conseguinte, após ativação inicial do fator X em fator Xa pelo complexo FT-VIIa, a propagação posterior do coágulo ocorre pela amplificação da trombina por retroalimentação por meio dos fatores VIII e IX da via intrínseca (fornecendo uma explicação pela qual os pacientes com deficiência de fator VIII ou IX – hemofilia A ou B, respectivamente – apresentam distúrbio hemorrágico grave). É também importante observar que o mecanismo da coagulação in vivo não ocorre em solução, porém está localizado em superfícies celulares ativadas, que expressam fosfolipídeos aniônicos, como a fosfatidilserina, sendo o processo mediado por uma ponte de Ca2+ entre os fosfolipídeos aniônicos e os resíduos de ácido γ-carboxiglutâmico dos fatores de coagulação. Esse mecanismo fornece a base para o uso de agentes quelantes do cálcio, como ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) ou citrato, para impedir a coagulação do sangue em tubo de ensaio. Tradicionalmente, dividimos a cascata de coagulação de uma forma didática em três partes: a via extrínseca, via intrínseca e via comum: Via extrínseca: » é iniciada pela lesão tecidual, que expõe o fator tecidual (tromboplastina), ativador do FVII; » o complexo tromboplastina-FVIIa-cálcio é chamado de tenase extrínseca, capaz de iniciar a via comum. Via intrínseca: » também ativa a via comum, mas é iniciada quando o sangue entra em contato com superfícies de carga negativa, como a membrana de uma plaqueta ativada ou os chamados ativantes de contato, substâncias como o colágeno, a calicreína e o quininogênio de alto peso molecular; » ativam-se sequencialmente o FXII, FXI, FIX e FVIII, culminando na formação da tenase intrínseca, formada pela união do FVIIIa, FIXa, fosfolipídios plaquetários e cálcio. O FXa ligar-se-á ao FV e ao cálcio, formando o complexo protrombinase, responsável pela conversão da protrombina em trombina. Será a trombina que precipitará o evento mais marcante da hemostasia secundária: a conversão de fibrinogênio em fibrina. Por fim, a trombina também ativa o FXIII, que age sobre as redes de fibrina formando mais ligações entre elas, fortalecendo e estabilizando o trombo. A antitrombina (AT) é um anticoagulante endógeno, membro da família de inibidores de serina protease (serpina). A AT inativa as serinas protease IIa, IXa, Xa, XIa e XIIa. Os anticoagulantes endógenos, a proteína C e a proteína S atenuam a cascata da coagulação sanguínea por meio da proteólise dos dois cofatores Va e VIIIa. Do ponto de vista evolutivo, é interessante assinalar o fato de que os fatores V e VIII apresentam uma estrutura global idêntica de domínios e uma considerável homologia, em concordância com um gene ancestral comum; de forma semelhante as serinas protease descendem de um ancestral comum semelhante à tripsina. Por conseguinte, o complexo iniciador FT-VIIa, as serinas protease e os cofatores apresentam, cada um deles, seu próprio mecanismo de atenuação específico da linhagem. A ocorrência de defeitos nos anticoagulantes naturais leva a um risco aumentado de trombose venosa. O defeito mais comum do sistema anticoagulante natural consiste em uma mutação do fator V (fator V de Leiden), que resulta em resistência à inativação pelo mecanismo da proteína C, proteína S. Fibrinólise – homeostase terciária A fibrinólise refere-se ao processo de digestão da fibrina pela protease específica de fibrina, a plasmina. O sistema fibrinolítico assemelha-se ao sistema da coagulação, uma vez que a forma precursora da serina protease, a plasmina, circula em uma forma inativa, como plasminogênio. Em resposta à lesão, as células endoteliais sintetizam e liberam o ativador do plasminogênio tecidual (Tpa), que converte o plasminogênio em plasmina. A plasmina remodela o trombo e limita a sua extensão pela digestão proteolítica da fibrina. Tanto o plasminogênio como a fibrina apresentam domínios proteicos especializados (kringles), que se ligam às lisinas expostas sobre o coágulo de fibrina, proporcionando a especificidade ao processo fibrinolítico para o coágulo. É preciso assinalar que essa especificidade de coágulos só é observada com níveis fisiológicos de t-PA (ativador de plasminogênio tecidual). Nos níveis farmacológicos de t-PA usado na terapia trombolítica, a especificidade de coágulos é perdida, e cria-se um estado lítico sistêmico, com aumento concomitante do risco de sangramento. À semelhança da cascata da coagulação, existem reguladores negativos da fibrinólise: as células endoteliais sintetizam e liberam o inibidor do ativador do plasminogênio (PAI), que inibe o tPA; além disso, a α2 antiplasmina circula no sangue em altas concentrações e, em condições fisiológicas, inativa com rapidez qualquer plasmina que não esteja ligada a coágulos. Entretanto, esse sistema regulador é sobrepujado por doses terapêuticas de ativadores do plasminogênio. Se os sistemas da coagulação e fibrinólise forem patologicamente ativados, o sistema hemostático pode escapar do controle, levando a uma coagulação intravascular generalizada e hemorragia. Esse processo, denominado coagulação intravascular disseminada (CID). A regulação do sistema fibrinolítico é útil do ponto de vista terapêutico. O aumento da fibrinólise constitui uma terapia efetiva para a doença trombótica. O ativador do plasminogênio tecidual, a urocinase e a estreptocinase ativam o sistema fibrinolítico. Por outro lado, a diminuição da fibrinólise protege os coágulos contra a lise e reduz o sangramento que ocorre em consequência de insuficiência hemostática. O ácido aminocaproico é um inibidor clinicamente útil da fibrinólise. A heparina e os anticoagulantes orais não afetam o mecanismo fibrinolítico. É através da conversão de plasminogênio em plasmina que realizamos a trombólise, procedimento tão utilizado no tratamento de infartos do miocárdio, tromboembolismos pulmonares e acidentes vasculares encefálicos. O que chamamos habitualmente de trombolíticos são, em primeira instância,fibrinolíticos, já que induzem a formação de plasmina, que, por sua vez, degrada a fibrina e, assim, dissolve o trombo. Exemplos clássicos dessas medicações são a estreptoquinase, alteplase e tenecteplase. Como os trombos de fibrina completam a sua formação se a própria fibrina precipita os mecanismos fibrinolíticos?? Isso ocorre porque diversos inibidores controlam a fibrinólise, a maioria deles liberada pela lesão vascular e pelas plaquetas: quando o endotélio é danificado, há exposição de fatores pró-trombóticos, como o fator tecidual, e fatores antifibrinolíticos, como a TAFI (thrombin activatable fibrinolysis inhibitor - inibidor da fibrinólise ativado pela trombina) e o PAI (plasminogen activator inhibitor - inibidor do ativador do plasminogênio). Estes últimos agentes impedem a ação da plasmina, evitando a fibrinólise. Isso permite que o trombo se forme, até que, esgotados esses mecanismos antifibrinolíticos, a fibrinólise instale-se francamente, iniciando a dissolução da fibrina. ANTICOAGULANTES NATURAIS O organismo secreta diversas proteínas plasmáticas que regulam o sistema de coagulação, impedindo sua ativação descontrolada. A mais importante dessas é a antitrombina (AT), antigamente chamada de antitrombina III, capaz de inibir a maioria dos fatores de coagulação, como a trombina (FIIa) e os fatores XIIa, XIa, Xa e IXa. Um ponto que as provas gostam de abordar é que a perda urinária de AT é a responsável pelo risco trombótico aumentado em pacientes com síndrome nefrótica. Outros importantes anticoagulantes naturais circulantes no plasma são a proteína C e a proteína S. Enquanto a proteína S é apenas um cofator da proteína C, esta última age clivando os fatores Va e VIIIa, como vemos na imagem a seguir. Para tal, a proteína C é ativada pelo complexo trombina-trombomodulina (a trombomodulina é uma proteína endotelial). AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA HOMEOSTASIA É prática corrente realizar uma estimativa “básica” do processo de coagulação por meio do chamado “coagulograma”, composto geralmente por três exames: contagem de plaquetas, tempo de protrombina (TAP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA). Avaliação da hemostasia primaria: O exame mais difundido na avaliação laboratorial de toda hemostasia é a contagem de plaquetas, com valores normais entre 150.000 e 450.000/mm³. Eminentemente quantitativa, essa prova identifica, principalmente, contagens plaquetárias reduzidas, ou seja, trombocitopenia. No entanto, diante de um paciente com plaquetas baixas, é preciso estar atento à possibilidade da pseudotrombocitopenia. Sempre que tivermos suspeita clínica de um distúrbio de hemostasia primária, mas com plaquetometria dentro da normalidade, temos que considerar a possibilidade de um defeito plaquetário qualitativo. O tempo de sangramento (TS) ou tempo de sangria é o clássico exame capaz de avaliar de forma global a hemostasia primária, tanto quantitativa quanto qualitativamente. É feito por meio da medição do tempo até a parada de um sangramento induzido por uma pequena incisão na pele do antebraço (método de Ivy) ou lóbulo da orelha (método de Duke). Defeitos da hemostasia primária dificultarão a formação do plug plaquetário, impedindo o controle inicial do sangramento e, assim, alongando o TS. O tempo de sangramento é pouco reprodutível, já que é altamente dependente do examinador, além de ser pouco específico. Por isso, técnicas automatizadas de avaliação da função plaquetária têm substituído o TS nos últimos anos. É o caso do PFA-100 (platelet function analyzer) e a curva de agregação plaquetária. Por outro lado, o fator de von Willebrand, outro agente da hemostasia primária, pode ser avaliado pela dosagem específica do antígeno e sua atividade. Esta última é avaliada pela agregação plaquetária induzida por ristocetina (cofator de ristocetina): nesse exame, adicionamos ao soro do paciente uma substância (a ristocetina) capaz de aumentar a ligação entre o fator de von Willebrand e as plaquetas, avaliando em seguida quanta agregação plaquetária foi induzida. Se o fator de von Willebrand estiver pouco funcionante, teremos pouca agregação plaquetária, observando-se, assim, sua atividade diminuída. EM RESUMO: LAB para homeostasia primaria → contagem de plaquetas, tempo de sangramento, PFA-100 e o fator de Von Willebrand. Avaliação da hemostasia secundaria: A cascata de coagulação é avaliada principalmente por dois exames: o tempo de protrombina (TP ou TAP) e o tempo parcial de protrombina ativada (TTPA ou KPTT). O TP é um exame feito medindo-se o tempo de coagulação após adição de fator tecidual (tromboplastina), fosfolipídios e cálcio a uma amostra do plasma do paciente. Com isso, avaliamos a função de fatores de coagulação da via extrínseca (fator VII) e via comum (protrombina, fibrinogênio e fatores V e X). Quando esses fatores estão deficientes ou inibidos pela presença de autoanticorpos, comumente chamados inibidores, teremos prolongamento do TP. Na maioria dos laboratórios, os valores normais do TP estão entre 11 e 13 segundos. Contudo, como existem muitos kits comerciais com reagentes diferentes, nos anos 80 criou-se o INR (international normalized ratio) ou RNI (relação normatizada internacional), uma forma de padronizar a medida do TAP: cada reagente de tromboplastina possui um índice de sensibilidade regulamentado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é usado para calcular o INR a partir do resultado do TP do paciente. Assim sempre que formos avaliar o TP, devemos, na verdade, considerar a medida do INR, valor mais fidedigno. Isso é especialmente verdadeiro para o principal uso clínico desses exames: o controle dos pacientes em uso de cumarínicos. As medicações, representadas principalmente pela warfarina, são provavelmente os anticoagulantes mais usados no mundo. Agem inibindo a vitamina K, fazendo com que essa substância não esteja disponível para participar da síntese de alguns dos fatores de coagulação: fatores II (protrombina), VII, IX e X, além das proteínas C e S. Já que grande parte desses fatores dependentes de vitamina K participa das vias avaliadas pelo TP (II, VII, X), esse exame é o mais indicado para acompanhar pacientes em uso de warfarina. No entanto, não quer dizer que os cumarínicos não interfiram em outros exames da coagulação: apesar de menos afetado, o TTPA pode ser afetado pelo uso dessas medicações, entretanto isso costuma ocorrer apenas em doses muito elevadas, supraterapêuticas. Enquanto o TAP/INR avalia as vias extrínseca e comum, o TTPA estima as atividades das vias intrínseca (fatores XII, XI, IX e VIII) e comum (protrombina, fibrinogênio, fatores X e V). Ele é feito pela contagem de tempo até a formação do coágulo, após a adição de um ativante de contato de carga negativa (sílica, ácido elágico ou caulim), fosfolípides e cálcio. Os valores habituais do TTPA giram em torno de 25 a 35 segundos. Quando os fatores das vias intrínseca ou comum estão deficientes ou inibidos por autoanticorpos, o TTPA estará prolongado. A presença de anticorpos antifosfolípides, como o anticoagulante lúpico, interfere laboratorialmente no TTPA, levando a seu falso prolongamento. Isso, no entanto, não se reflete em risco hemorrágico; é uma alteração puramente laboratorial: o paciente tem TTPA alargado, mas sem defeito da hemostasia. Isso é especialmente verdadeiro na síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAAF), a condição mais associada à presença desses agentes e classicamente uma doença marcada por trombose, não sangramento. A principal utilidade clínica do TTPA é no manejo do uso da heparina não fracionada. As heparinas agem indiretamente, ligando-se à antitrombina e, assim, aumentando a capacidade dessa substância ligar-se e inativar alguns fatores de coagulação: a trombina (FIIa) e o fator Xa,além dos fatores XIIa, IXa e IXa em menor intensidade. A heparina não fracionada faz com que a antitrombina aja tanto contra o fator Xa quanto contra a trombina, prolongando o TTPA, enquanto as heparinas de baixo peso molecular agem mais intensamente contra o fator Xa, fazendo com que o TTPA não seja afetado. Além de pensar na via acometida, quando estivermos diante de um TAP ou TTPA alargado, é preciso pensar em algumas hipóteses. A primeira delas é a de um erro pré-analítico: coleta inadequada, uso de tubo não citratado, amostra colhida por acesso heparinizado. Nossa primeira conduta diante de um coagulograma alterado, portanto, deve ser a recoleta do exame para confirmação. Concomitantemente devemos resgatar a história clínica do paciente, considerando especialmente o uso de drogas, como warfarina, heparinas ou outros anticoagulantes. Por fim, o chamado teste da mistura ou mix 1:1 ajuda- nos a diferenciar deficiências de fatores de coagulação da presença de inibidores. Nesse exame, combinamos o plasma do paciente, com TAP ou TTPA alargado, com o plasma de pacientes sem coagulopatia (“normais”) em mesma proporção. Assim, se houver deficiência de algum fator de coagulação, ela será corrigida e, consequentemente, o TAP ou TTPA também se normalizarão. No entanto, se o prolongamento do exame de coagulação for decorrente da presença de um inibidor, como um autoanticorpo voltado contra algum fator de coagulação, a mistura com plasma normal não será capaz de corrigir a alteração. Existem ainda outros exames importantes na avaliação da hemostasia, como a dosagem específica de cada fator de coagulação, que deve ser solicitada apenas no caso de suspeita de deficiência de cada um. A principal dessas dosagens é a medida do fibrinogênio sérico, já que esse é o principal item da cascata de coagulação, compondo 90% de todas as moléculas circulantes de fatores de coagulação. No entanto, esse é um exame apenas quantitativo, sendo incapaz de fornecer informações sobre distúrbios funcionais do fibrinogênio, as chamadas disfibrinogenemias. Já o tempo de trombina (TT) é outro teste em que medimos o tempo até formação de um coágulo após adição de trombina à amostra de sangue do paciente, ou seja, avalia o tempo em que o fibrinogênio transforma-se em fibrina. Assim, o TT avalia principalmente o fibrinogênio, tanto qualitativa quanto quantitativamente, além de ser altamente sensível à presença de heparina. EM RESUMO → LAB para homeostasia secundaria: » TP ou TAP < 10 s » INR < 1,5 » TTPA < 30 s » TT » TP ou TAP < 10 s » INR < 1,5 » TTPA < 30 s ANTIPLAQUETARIOS A famosa aspirina (ácido acetilsalicílico), por exemplo, inativa de forma irreversível a COX-1 e a COX-2, enzimas envolvidas na produção do tromboxano A2, um dos conhecidos ativantes plaquetários. Muitos anti-inflamatórios não esteroides também inibem a COX-1, mas de forma reversível, explicando seu conhecido efeito antiplaquetário. Mais recentemente, surgiram as tienopiridinas, inibidores do P2Y12, receptor do ADP, outro ativante plaquetário. Os principais exemplos dessa classe são o clopidogrel, ticagrelor e prasugrel. Outra classe importante de antiplaquetários são os antagonistas do receptor da GP IIb/IIIa, como o abciximab, eptifibatide e tirofiban. Além de participar da adesão plaquetária, a GP IIb/IIIa é o principal agente da agregação plaquetária, tornando essa classe os verdadeiros antiagregantes. TIENOPIRIDINAS: TICLOPIDINA, CLOPIDOGREL E PRASUGREL A ticlopidina, o clopidogrel e o prasugrel reduzem a agregação plaquetária ao inibirem a via de ADP das plaquetas. Esses fármacos bloqueiam de modo irreversível o receptor de ADP nas plaquetas. Diferentemente do ácido acetilsalicílico, não exercem nenhum efeito sobre o metabolismo das prostaglandinas. O uso da ticlopidina, do clopidogrel ou do prasugrel na prevenção da trombose é considerado como prática-padrão em pacientes submetidos à colocação de stent coronariano. Como as indicações e efeitos colaterais desses fármacos são diferentes, serão considerados em separado. A ticlopidina foi aprovada para a prevenção de AVE em pacientes com história de ataque isquêmico transitório (AIT) ou AVE trombótico, bem como em associação com ácido acetilsalicílico para a prevenção da trombose em stent coronariano. PARA A VIA EXTRINSECA PARA A VIA INTRINSECA PARA A VIA COMUM Efeitos colaterais: da ticlopidina consistem em náuseas, dispepsia e diarreia em até 20% dos pacientes, hemorragia em 5% e, mais gravemente, leucopenia em 1%. A leucopenia é detectada por meio de monitoração regular da contagem de leucócitos durante os primeiros três meses de tratamento. O desenvolvimento de púrpura trombocitopênica trombótica também foi associado à ingestão de ticlopidina. A dose de ticlopidina é de 250 mg, duas vezes ao dia. Em virtude do perfil significativo de efeitos colaterais, o uso da ticlopidina na prevenção do AVE deve ser restrito a pacientes que não toleram ou que não responderam à terapia com ácido acetilsalicílico. A ticlopidina em doses inferiores a 500 mg/dia pode ser eficaz, com menos efeitos colaterais. O clopidogrel foi aprovado para pacientes com angina instável ou com IAM sem elevação do segmento ST (IMSEST), em associação com ácido acetilsalicílico, com infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (IMCEST) ou com infarto do miocárdio recente, AVE ou doença arterial periférica estabelecida. Para o IMSEST, a dosagem do clopidogrel consiste em uma dose de ataque de 300 mg, seguida de 75 mg ao dia, com uma dose diária de ácido acetilsalicílico de 75 a 325 mg. Para pacientes com IMSEST, a dose de clopidogrel é de 75 mg ao dia, em associação com ácido acetilsalicílico, conforme já citado; para o infarto recente do miocárdio, AVE ou doença vascular periférica, a dose é de 75 mg/dia. O clopidogrel tem menos efeitos colaterais do que a ticlopidina e raramente está associado à neutropenia. Foi relatada a incidência de púrpura trombocitopênica trombótica. Por apresentar menos efeitos colaterais e necessidades posológicas, com frequência se prefere o clopidogrel à ticlopidina. Os efeitos antitrombóticos do clopidogrel dependem da dose; dentro de 5 horas após uma dose de ataque oral de 300 mg, ocorre inibição de 80% da atividade plaquetária. A dose de manutenção do clopidogrel é de 75 mg/dia, que produz inibição máxima das plaquetas. A duração do efeito antiplaquetário é de 7 a 10 dias. O clopidogrel é um pro-fármaco que requer ativação por isoforma enzimática do citocromo P450, CYP2C19. Dependendo do padrão de herança de polimorfismo do único nucleotídeo na CYP2C19, os indivíduos podem ser metabolizadores fracos do clopidogrel, e esses pacientes correm risco aumentado de eventos cardiovasculares, devido ao efeito inadequado do fármaco. Os fármacos que comprometem a função da CYP2C19, como o omeprazol, devem ser usados com cautela. À semelhança do clopidogrel, o prasugrel foi aprovado para pacientes com síndrome coronariana aguda. O fármaco é administrado em uma dose de ataque de 60 mg e, a seguir, em dose de 10 mg/dia em associação com ácido acetilsalicílico, conforme descrito no caso do clopidogrel. O prasugrel está contraindicado para pacientes com história de AIT ou AVE, devido ao risco aumentado de sangramento. Diferentemente do clopidogrel, o estado do genótipo do citocromo P450 não representa um fator importante na farmacologia do prasugrel. BLOQUEIO DOS RECEPTORES DE GLICOPROTEÍNA IIB/IIIA DAS PLAQUETAS O receptor de GP IIb/IIIa plaquetário (integrina αIIbβ3) atua como receptor principalmente para o fibrinogênio e a vitronectina, mas também para fibronectina e o fator de von Willebrand. A ativação desse complexo receptor constitui a “via final comum” da agregação plaquetária. Os ligantes para a GP IIb/IIIa contêm um motivo de sequência Arg-Gly-Asp(RGD) importante para a ligação do ligante, e, portanto, a RGD constitui um alvo terapêutico. Os indivíduos que carecem desse receptor são portadores de um distúrbio hemorrágico denominado trombastenia de Glanzmann. Os antagonistas da GP IIb/IIIa são usados em pacientes com síndromes coronarianas agudas. O abciximabe, um anticorpo monoclonal quimérico dirigido contra o complexo IIb/IIIa, incluindo o receptor de vitronectina, foi o primeiro agente aprovado dessa classe de fármacos. A eptifibatida é um peptídeo cíclico derivado do veneno da cascavel que contém uma variação do motivo RGD (KGD). A tirofibana é um inibidor peptidomimético com o motivo da sequência RGD. A eptifibatida e a tirofibana inibem a ligação do ligante ao receptor IIb/IIIa, ocupando o receptor, porém sem bloquear o receptor de vitronectina. Em virtude de suas meias-vidas curtas, precisam ser administrados por infusão contínua. As formulações orais de antagonistas IIb/IIIa encontram-se em vários estágios de desenvolvimento. EM RESUMO - AGENTES ANTIPLAQUETÁRIOS 1. Ácido acetilsalicílico (AAS): inibição irreversível da COX-1, diminuindo a produção de tromboxano A2, um agonista plaquetário. 2. AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais): inibição reversível da COX-1, diminuindo a produção de tromboxano A2, um agonista plaquetário. 3. Tienopiridinas (clopidogrel, ticagrelor, prasugrel): inibição do P2Y12, receptor do ADP, outro agonista plaquetário. 4. Antagonistas do receptor da GP IIb/IIIa (abciximab, eptifibatide, tirofiban): inibem o receptor plaquetário responsável pela agregação entre as plaquetas. CUMARÍNICOS – ANTAGONISTAS DA VITAMINA K A vitamina K é um cofator essencial na carboxilação de algumas proteínas da cascata de coagulação: os fatores II, VII, IX e X, além das proteínas C e S. Sem esse processo, essas substâncias não conseguem ligar-se ao cálcio e aos fosfolípides para proceder às reações hemostáticas. Ou seja, sem a vitamina K, esses fatores têm sua atividade diminuída. Os cumarínicos são anticoagulantes que agem justamente por meio da inibição de enzimas que reciclam a vitamina K: a vitamina-K1-redutase e a vitamina-K1-epóxi-redutase. Com a atividade dessas substâncias inibida, a vitamina K não é reciclada em sua forma ativa e, assim, diminui a carboxilação dos fatores dependentes desse nutriente. Os cumarínicos, representados principalmente pelo warfarin, não diminuem os níveis séricos dos fatores dependentes de vitamina K, mas impedem que eles se tornem funcionais, exercendo, assim, seu efeito anticoagulante. Isso levará ao efeito antitrombótico da medicação, além de prolongar, principalmente, o TP/INR, principal instrumento laboratorial para monitorarmos o efeito da varfarina. Outra consequência importante tem a ver com o tempo de ação dos cumarínicos: os fatores que já passaram pela carboxilação não são afetados pela varfarina, o que faz com que o efeito anticoagulante só ocorra após essas substâncias ativas serem clareadas do plasma. Ou seja, a medicação não é imediatamente antitrombótica! É por isso que pacientes anticoagulados com varfarina devem receber uma “ponte”: usamos outro anticoagulante com efeito imediato, habitualmente a heparina, até que o cumarínico atinja seu nível terapêutico. Mais ainda, logo no início de seu uso, os cumarínicos são pró-trombóticos! Isso porque as proteínas C e S, anticoagulantes naturais dependentes de vitamina K, têm meia-vida menor do que os fatores II, VII, IX e X. Isso quer dizer, que as formas funcionais das proteínas C e S são depletadas antes dos fatores da cascata de coagulação, fazendo com que a varfarina inicialmente diminua a proteção anticoagulante natural antes de inibir a hemostasia secundária. Esse efeito pró-coagulante inicial dos cumarínicos raramente é clinicamente significativo, mas pode levar a um clássico efeito adverso, a necrose cutânea induzida por varfarina. Esse é um evento muito raro, mas grave, normalmente ocorrido em pacientes que recebem altas doses iniciais (“doses de ataque”). Surgem lesões inicialmente eritematosas, desenvolvendo rapidamente áreas purpúricas e necróticas, resultantes de obstrução vascular. A conduta diante do quadro deve ser a pronta suspensão da varfarina, reversão de seu efeito com administração de vitamina K e reposição dos níveis de proteínas C e S com transfusão de plasma. Devido ao efeito pró-trombótico inicial e risco de necrose cutânea induzida por varfarina, devemos iniciar a medicação em doses habituais de manutenção (um ou dois comprimidos de 5mg ao dia) nos primeiros 2 a 3 dias, sem realizar dose de ataque. Além disso, nos primeiros cinco dias, recomenda-se o uso concomitante de outro anticoagulante, normalmente heparina, até que o TP/INR alcance níveis terapêuticos (INR de 2 a 3, na maioria das indicações). A varfarina é uma medicação segura e efetiva como anticoagulante oral, caso sejam mantidos seus níveis terapêuticos adequados, com INR de 2 a 3. Entretanto, sofre muita interferência da dieta, de outras medicações e da própria metabolização do paciente, determinada geneticamente. Além de possuir variantes hereditárias de diferente atividade, a CYP2C9, principal enzima metabolizadora do warfarin, também é afetada por uma série de drogas e alimentos, listados na tabela a seguir. A própria absorção do cumarínico pode ser diminuída por várias substâncias. Em geral, a recomendação é que o paciente pode fazer uso de medicações e alimentos que interfiram nos níveis de cumarínicos, mas deve fazê-lo da forma mais regular possível: até pode comer fígado ou salada se tiver muita vontade, mas tem que acomodar o alimento em sua rotina, permitindo que os níveis funcionais da varfarina permaneçam o mais estável possível. Além disso, tomar a medicação em jejum diminuirá a chance de interferência de sua absorção por outras drogas ou alimentos. Essa recomendação, contudo, não impede que eventualmente ocorram níveis supraterapêuticos da droga, aumentando em muito o risco hemorrágico. Em geral, a varfarina é administrada na forma de sal sódico e apresenta uma biodisponibilidade oral de 100%. Mais de 99% da varfarina racêmica liga-se à albumina plasmática, o que pode contribuir para o seu pequeno volume de distribuição (o espaço albumínico), sua meia-vida longa no plasma (36 horas) e ausência de excreção urinária do fármaco inalterado. MECANISMO DE AÇÃO Os anticoagulantes cumarínicos bloqueiam a γ-carboxilação de vários resíduos de glutamato existentes na trombina e nos fatores VII, IX e X, bem como nas proteínas anticoagulantes endógenas C e S. O bloqueio resulta na formação de moléculas incompletas de fatores da coagulação, biologicamente inativas. A varfarina impede o metabolismo redutor do epóxido da vitamina K inativo em sua forma de hidroquinona ativa. A alteração mutacional do gene da enzima responsável, a vitamina K epóxido redutase (VKORC1) pode dar origem a uma resistência genética à varfarina nos seres humanos e em roedores. Existe uma demora de 8 a 12 horas para o início da ação da varfarina. O efeito anticoagulante resulta de um equilíbrio entre a síntese parcialmente inibida e a degradação inalterada dos quatro fatores da coagulação dependentes de vitamina K. A consequente inibição da coagulação depende de suas meias-vidas de degradação na circulação. Essas meias-vidas são de 6, 24, 40 e 60 horas para os fatores VII, IX, X e II, respectivamente. Um fato importante é que a proteína C tem uma meia-vida curta semelhante ao fator VIIa. Por conseguinte, o efeito imediato da varfarina consiste em causar depleção do fator procoagulante VII e da proteína C anticoagulante, o que pode criar paradoxalmente um estado hipercoagulável transitório, devido à atividade residual dos procoagulantes de meia-vida mais longa na presença de depleção da proteína C. Por essemotivo, em pacientes com estados hipercoaguláveis ativos, como TVP ou EP, a HNF ou a HBPM são sempre usadas para obter uma anticoagulação imediata até que ocorra depleção dos fatores de coagulação procoagulantes induzida pela varfarina. A duração dessa terapia de sobreposição é geralmente de 5 a 7 dias. INTOXICAÇÃO POR VARFARINA Pacientes recebendo varfarina a longo prazo eventualmente apresentam flutuações inesperadas em seus níveis de anticoagulação, por interferências na absorção ou metabolização da droga, pelo maior ou menor aporte de vitamina K ou, ainda, pela posologia inadequada. Qualquer que seja a causa, elevações supraterapêuticas do TAP/INR devem ser tratadas com a combinação de três medidas: suspensão do warfarin, administração de vitamina K e transfusão de plasma fresco congelado ou ocmplexo protrombínico. Suspender a medicação é essencial quando queremos diminuir o INR. Em pacientes sem sangramento ativo e com níveis de INR pouco acima do normal (INR entre 3,0 e 4,5), basta omitir a próxima dose ou reduzir levemente a dose de manutenção. Já em pacientes com níveis de INR entre 4,5 e 10, ainda sem sangramento, devemos manter o cumarínico suspenso até o TAP retornar a níveis terapêuticos, reiniciando-o posteriormente em doses menores. No entanto, a varfarina possui meia-vida de 36 horas, o que faz com que outras medidas sejam necessárias quando há maiores elevações de INR, que necessitam de controle mais rápido. O primeiro exemplo dessas medidas é a vitamina K, indicada quando a dosagem do INR estiver acima de 10. Apesar de existirem apresentações endovenosas, subcutâneas e intramusculares, em geral se indica a reposição oral do nutriente, já que possui absorção mais previsível e é praticamente isenta de efeitos colaterais: apenas 1 a 2,5mg de vitamina K é suficiente para diminuir o INR. Como o uso da vitamina K é inócuo e eficaz, algumas fontes até recomendam considerar o uso dessa medicação em pacientes com INR acima de 4,5. 1 a 2,5mg de vitamina K oral (fitomenadiona), associada à suspensão do varfarin, é suficiente para diminuir níveis muito elevados de INR. Doses maiores são associadas a uma posterior dificuldade de restabelecer a anticoagulação: podemos demorar até uma semana para conseguir retornar o INR à faixa terapêutica após uso de altas doses de vitamina K. Enquanto a maioria dos pacientes pode ser manejada apenas com suspensão da varfarina e uso de vitamina K oral, aqueles com sangramentos graves ou com necessidade rápida de reversão da anticoagulação (procedimentos cirúrgicos de urgência) necessitarão de medidas mais rápidas. Nesse caso, além de interromper o cumarínico, preferimos a administração endovenosa de vitamina K, mais rápida, associada à transfusão de fatores de coagulação. Em geral, indica-se o uso do complexo protrombínico, que contém os fatores de coagulação vitamina K dependentes: II, IX e X e quantidades variáveis de FVII. Por serem compostos purificados, as concentrações desses fatores são muito maiores que no plasma fresco congelado, já que este último é um produto não refinado. Mesmo assim, não significa que o plasma é menos efetivo: na ausência de complexo protrombínico, será esse o produto utilizado, com boas respostas. A maioria das fontes advoga a transfusão do complexo protrombínico ou do plasma fresco congelado apenas em pacientes com sangramentos ameaçadores à vida, reservando a portadores de sangramentos leves apenas a suspensão da varfarina e aplicação de vitamina K parenteral. EM RESUMO - CUMARÍNICOS 1. Medicações orais antagonistas da vitaminas: inibem a vitamina-K1- redutase e a vitamina-K1-epóxi-redutase, enzimas que reciclam a vitamina K em sua forma ativa, necessária para a carboxilação de alguns fatores de coagulação. 2. Principais representantes: varfarina, acenocoumarol, femprocumona. 3. Fatores de coagulação dependentes de vitamina K: FII, FVII, FIX, FX, proteína C, proteína S. 4. Precisam de ponte heparina: efeito protrombótico inicial por depleção mais precoce dos anticoagulantes naturais( proteína C e proteína S). Risco de necrose cutânea induzida por varfarina. 5. Acompanhamento laboratorial: TP/INR 6. Interferência de diversas substâncias, alimentos e medicações, tanto na absorção quanto na metabolização: risco de flutuação de níveis terapêuticos. 7. Intoxicação cumarínica: níveis supraterapêuticos da droga, com níveis de INR acima de 3. Manejo com suspensão da droga, vitamina K oral ou parental e/ou reposição de fatores (plasma, crioprecipitado), a depender dos níveis de INR e da presença de sangramento. UMA OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: O warfarin (Marevan®, Coumadin®) é o grande representante dos anticoagulantes orais cumarínicos. Ele age inibindo a gama-carboxilase, enzima necessária para a síntese dos fatores de coagulação vitamina Kdependentes – II, VII, IX e X. Então por que o TAP aumenta antes do PTTa no paciente que está em uso de warfarin? Realmente o warfarin inibe o fator VII da via extrínseca (avaliada pelo TAP ou INR), o fator IX da via intrínseca (avaliada pelo PTTa) e dois fatores da via comum, II e X, que é avaliada tanto pelo TAP quanto pelo PTTa. Então por que o TAP aumenta antes? A explicação é simples: o fator VII é o de menor meia-vida plasmática, sendo o primeiro a ser depletado após o início do uso de warfarin. Isso justifica o aumento (ou “alargamento”) mais precoce do TAP ou INR. Aliás, o mesmo ocorre na insuficiência hepática, quando também observamos a depleção de múltiplos fatores de coagulação e, geralmente, temos um aumento mais precoce e pronunciado do TAP. INIBIDORES INDIRETOS DE TROMBINA - HEPARNA A heparina liga-se às superfícies das células endoteliais, bem como a uma variedade de proteínas plasmáticas. A sua atividade biológica depende do anticoagulante endógeno, a antitrombina (AT). A AT inibe as proteases dos fatores de coagulação, em particular a trombina (IIa) e os fatores IXa e Xa, formando com eles complexos equimolares estáveis. Na ausência de heparina, essas reações são lentas; na sua presença, são aceleradas em até 1.000 vezes. Apenas cerca de um terço das moléculas nos preparados comerciais de heparina apresenta efeito acelerador, visto que o restante carece da sequência singular de pentassacarídeo necessária à ligação de alta afinidade à trombina. As moléculas ativas de heparina ligam-se com firmeza à AT e produzem uma alteração na conformação desse inibidor. Essa alteração na conformação da AT expõe o sítio ativo a uma interação mais rápida com as proteases (os fatores de coagulação ativados). A heparina funciona como cofator para a reação antitrombina-protease, sem ser consumida. Uma vez formado o processo antitrombina-antiprotease, a heparina é liberada intacta para ligar-se novamente a outra molécula de AT. As frações de HAPM com alta afinidade pela AT inibem acentuadamente a coagulação sanguínea por meio da inibição de todos os três fatores, particularmente a trombina e o fator Xa. A HNF apresenta um peso molecular na faixa de 5.000 a 30.000. Por outro lado, as frações de heparina de cadeias mais curtas e baixo peso molecular (HBPM) inibem o fator X ativado, porém exercem menos efeitos sobre a trombina do que a espécie de HAPM. Entretanto, vários estudos demonstraram que HBPM, como a enoxaparina, a dalteparina e a tinzaparina, são efetivas em diversas condições tromboembólicas. Com efeito, as HBPM – em comparação com a HNF – apresentam eficácia igual, maior biodisponibilidade a partir do local de injeção sub- cutânea e necessidade de administração menos frequente (sendo suficiente a sua administração uma ou duas vezes ao dia). Como vimos, seu mecanismo de ação é indireto: a heparina liga-se à antitrombina, aumentando em mais de 1.000 vezes a atividade dessa substância, que, por sua vez, inibe a atividade da trombina (FIIa) e do fatorXa, além de agir em menor instância sobre os fatores IXa, XIa e XIIa. No entanto, o tamanho da molécula da heparina interfere nessa inibição: moléculas maiores, presentes na chamada heparina não fracionada (HNF), fazem a antitrombina inibir tanto a trombina quanto o fator Xa, enquanto as chamadas heparinas de baixo peso molecular (HBPM) não são capazes de fazer a ponte entre a antitrombina e a trombina, agindo principalmente sobre o fator Xa. Para seu efeito anticoagulante pleno, a HNF é mais comumente administrada por via endovenosa, com ação praticamente imediata e meia-vida curta, de 1 a 2 horas, mas que se prolonga progressivamente de forma dose-dependente. Metabolizada pelo fígado, a HNF possui uma biodisponibilidade altamente variável, por ligar-se a diversas proteínas plasmáticas, fazendo com que seja necessário monitorar seu uso, por meio da dosagem seriada do TTPA, com ajuste frequente da dose de infusão. Os níveis terapêuticos do TTPA para manejo da HNF ficam entre 1,5 e 2,5 evzes a erferência norma.l Já as HBPM (enoxaparina, dalteparina) normalmente são aplicadas via subcutânea, possuindo meia-vida mais prolongada, de 3 a 5 horas, e biodisponibilidade muito mais previsível, já que se liga pouco às proteínas plasmáticas e sua meia-vida não sofre interferência da dose. Por isso, habitualmente não há necessidade de monitorização laboratorial do uso da HBPM. No entanto, a metabolização das HBPM é predominantemente renal, exigindo que sua utilização por pacientes renais crônicos deva ser acompanhada com atenção. Enquanto em pacientes clearance de creatinina menor de 30 evitamos completamente a HBPM, nos demais portadores de insuficiência renal preferimos monitorar suas doses por medida da atividade antifator Xa, já que esses anticoagulantes têm pouco efeito sobre o TTPA, em razão de sua menor ação sobre a trombina. Pacientes com extremos de peso também devem ser monitorados pela atividade anti-Xa. A reversão do efeito da heparina pode ser feita com uso da protamina, substância capaz de ligar-se à molécula do anticoagulante, impedindo sua ação. Cada miligrama de sulfato de protamina consegue inativar cerca de 100ui de heparina não fracionada. O efeito sobre as heparinas de baixo peso molecular, no entanto, é menor, com reversão de apenas 50 a 60% da atividade anticoagulante. Ambas as formas de heparina são capazes de desencadear uma clássica complicação, muito cobrada nas provas: a trombocitopenia induzida por heparina. Monitoração do efeito da heparina É necessário proceder a uma monitoração rigorosa do tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa ou TTP) nos pacientes em uso de HNF. Os níveis de HNF também podem ser determinados por titulação da protamina (níveis terapêuticos de 0,2 a 0,4 unidade/mL) ou unidades anti-Xa (níveis terapêuticos de 0,3 a 0,7/mL). A dosagem das HBPM em uma base ponderal resulta em farmacocinética e níveis plasmáticos previsíveis em pacientes com função renal normal. Por conseguinte, os níveis de HBPM geralmente não são determinados, exceto nos casos de insuficiência renal, obesidade e gravidez. Os níveis de HBPM podem ser determinados em unidades anti-Xa. No que concerne à enoxaparina, os níveis máximos terapêuticos devem ser de 0,5 a 1 unidade/mL para uma posologia duas vezes ao dia, determinados dentro de 4 horas após a sua administração, e de cerca de 1,5 unidade/mL para uma dose única ao dia. Trombocitopenia induzida por heparina A trombocitopenia induzida por heparina (TIH) é um estado hipercoagulável sistêmico, que ocorre em 1 a 4% dos indivíduos tratados com HNF por um período mínimo de 7 dias. Os pacientes cirúrgicos são os que correm maior risco. A incidência relatada de TIH é mais baixa na população pediátrica que não se encontra em cuidados críticos e é relativamente rara em mulheres grávidas. O risco de TIH pode ser maior em indivíduos tratados por HNF de origem bovina, em comparação com a heparina suína, sendo mais baixo naqueles tratados exclusivamente com HBPM. A intercorrência do uso de heparina mais cobrada nas provas é a famosa HIT (heparin-induced thrombocytopenia), a trombocitopenia induzida por heparina. Esse é um evento raro em que, paradoxalmente, temos uma queda dos níveis de plaquetas associada a um aumento da incidência de eventos trombóticos venosos e arteriais. Isso ocorre pela formação de anticorpos voltados contra a PF4 (platelet factor 4 – fator plaquetário 4), uma proteína plaquetária, quando está ligada à heparina. Esses anticorpos IgG, quando ligados ao complexo PF4-heparina na superfície das plaquetas, leva à ativação plaquetária pelo receptor FcγRIIA, precipitando os eventos trombóticos dessa síndrome. Além disso, os anticorpos anti- PF4/heparina levam a um consumo aumentado das plaquetas pelos macrófagos esplênicos, precipitando trombocitopenia. A morbidade e a mortalidade na TIH estão relacionadas com eventos trombóticos. Com mais frequência, ocorre trombose venosa, porém a oclusão das artérias periféricas ou centrais não é rara. Na presença de cateter de demora, o risco de trombose aumenta no membro. Foi descrita a ocorrência de necrose cutânea, sobretudo em indivíduos tratados com varfarina na presença de inibidor direto da trombina, presumivelmente devido à depleção aguda da proteína C, anticoagulante dependente da vitamina K, observada na presença de níveis elevados de proteínas procoagulantes e estado hipercoagulável ativo. Os seguintes aspectos devem ser considerados em todos os pacientes que recebem tratamento com heparina: as contagens de plaquetas devem ser obtidas com frequência; deve-se suspeitar de TIH em caso de desenvolvimento de trombocitopenia dentro de um período de tempo compatível com uma resposta imune à heparina; e qualquer trombo novo que apareça em um paciente tratado com heparina deve levantar a suspeita de TIH. Os pacientes que desenvolvem TIH são tratados mediante interrupção de heparina e administração de um inibidor direto da trombina As heparinas de baixo peso molecular formam menos complexos com a PF4, fazendo com que a incidência de HIT seja menor em usuários de HBPM do que em uso de HNF: cerca de 1% dos usuários de HNF desenvolverão HIT, enquanto essa intercorrência ocorrerá em apenas 0,1% dos pacientes em uso de HBPM. Pacientes submetidos a cirurgias, com uso prolongado de heparina, e mulheres possuem um risco maior de desenvolvimento de HIT. O quadro clínico da HIT é marcado, principalmente, pelo desenvolvimento de plaquetopenia 5 a 10 dias após a exposição à heparina, com redução plaquetária moderada, de pelo menos 50%, com nadir em torno de 60.000 plaquetas/mm3. Mesmo com trombocitopenia, sangramentos são incomuns, ao contrário das tromboses venosas e arteriais, que ocorrem em até 50% dos casos, principalmente sob forma de trombose venosa profunda (TVP) de membros inferiores e tromboembolismo pulmonar (TEP). Menos frequentemente, vemos alterações como necrose cutânea nos pontos de aplicação de heparina, gangrena de membros e AVCs/IAMs. TRATAMENTO: A primeira medida, sem dúvidas, é a suspensão da heparina. A confirmação do diagnóstico pode ser feita com a dosagem dos anticorpos antiPF4/heparina, mas, além de pouco disponível esse é um exame demorado. Por isso, na maioria dos casos, suspenderemos a heparina diante de uma elevada suspeita clínica de HIT, mesmo sem ter ainda a confirmação diagnóstica. No entanto, isoladamente, a interrupção da heparina não é suficiente: a HIT é um estado pró-trombótico e nós interromperemos a anticoagulação, deixando o paciente exposto a risco de tromboembolismo! Por isso, sempre é necessário associar outro anticoagulante diferente da heparina. Como vimos, a varfarina demora alguns dias para atingir seu nível terapêutico, o que faz com que não seja uma opção viável para anticoagulação na HIT. Assim, nossaescolha recairá sobre outros anticoagulantes: fondaparinux, inibidores diretos de trombina (lepirudina, argatroban), anticoagulantes orais diretos (DOAC – uso ainda off-label). Em geral, recomenda-se evitar futuras reexposições à heparina, mesmo após a recuperação da plaquetopenia, apesar de evidências mais recentes sugerirem que a recorrência da HIT é baixa. Não há indicação de transfundir plaquetas em paciente com HIT, a não ser que esteja apresentando sangramento ativo. A plaquetopenia apresentada nessa síndrome decorre da ação de anticorpos, que também agirão sobre as plaquetas transfundidas. Além disso, na HIT, a trombocitopenia costuma ser apenas moderada e as queixas hemorrágicas, raras. reversão da ação da heparina. A ação anticoagulante excessiva da heparina é tratada com a interrupção do fármaco. Se houver sangramento, indica-se a administração de um antagonista específico como o sulfato de protamina. A protamina é um peptídeo altamente básico, de carga positiva, que se combina com a heparina de carga negativa, como par iônico, formando um complexo estável desprovido de atividade anticoagulante. Para cada 100 unidades de heparina remanescente no paciente, administra-se 1 mg de sulfato de protamina por via intravenosa; a velocidade da infusão não deve ultrapassar 50 mg em qualquer período de 10 minutos. EM RESUMO - HEPARINA 1. Medicação parenteral que age potencializando o efeito da antitrombina. 2. Heparina não fracionada: age tanto sobre o fator Xa quanto sobre a trombina e os fatores IXa, XIa e XIIa. Monitorada pelo TTPA; precisa de monitorização por ter biodisponibilidade variável. Revertida com protamina. 3. Heparina de baixo peso molecular: age predominantemente sobre o fator Xa. Monitorada pela dosagem de atividade anti-Xa; não precisa de monitorização de rotina por ter biodisponibilidade mais previsível. Revertida apenas parcialmente com a protamina. 4. Trombocitopenia induzida por heparina (HIT): formação de anticorpos contra o complexo heparina/fator plaquetário-4, levando à trombocitopenia e à trombose por ativação plaquetária. Pode ocorrer com a HNF e com a HBPM, apesar de menos frequente nessa última. Diagnóstico eminentemente clínico: desenvolvimento de plaquetopenia após 5 a 10 dias de exposição à heparina, com queda de pelo menos 50% na contagem plaquetária, mas com nadir em torno de 60mil. Tratamento com substituição da heparina por outro anticoagulante. Já sabemos que o warfarin inibe os fatores de coagulação dependentes de vitamina K (II, VII, IX e X), enquanto a heparina age aumentando a atividade da antitrombina, que inativa principalmente os fatores IIa e Xa. Note que os fatores II e X são alvo de ambas as medicações. Isso porque são dois dos mais importantes da cascata de coagulação, compondo a via comum. Tamanho é o papel desses fatores que outros anticoagulantes foram desenvolvidos justamente para inibi-los. É o caso do fondaparinux, medicação que, como vimos, pode ser usada em casos de HIT. Essa substância é um pentassacarídeo sintético que “imita” a heparina: o fondaparinux também aumenta a atividade da antitrombina, fazendo com que ela iniba, principalmente, o fator Xa. De aplicação subcutânea e excreção renal, ele não costuma alterar exames de coagulação e não precisa de monitorização. Enquanto o fondaparinux age sobre o fator Xa, outros anticoagulantes agem sobre o fator IIa, a trombina, sendo chamados de inibidores parenterais diretos de trombina, já que normalmente são administrados por via endovenosa. É o caso da lepirudina, ardotrabana e bivalirudina, pouco disponíveis e raramente utilizados na prática clínica. INIBIDORES DIRETOS ORAIS DO FATOR Xa A maioria dos DOACs são inibidores diretos do fator Xa: rivaroxabana (Xarelto®), apixabana (Eliquis®) e edoxabana (Lixiana®). Note que todos eles trazem o XA no próprio nome: rivaroXAbana, apiXAbana, edoXAbana. A exceção é a dabigatrana (Pradaxa®), que age inibindo a trombina (fator IIa). Uma informação importante é que, enquanto a rivaroxabana e a apixabana não precisam de uso de outro anticoagulante inicial, a edoxabana e a dabigatrana precisam de uma “ponte de heparina” até que atinjam seu efeito anticoagulante, Os inibidores orais do fator Xa, incluindo rivaroxabana, apixabana e edoxabana, representam uma nova classe de agentes anticoagulantes orais que não exigem nenhuma monitoração. Juntamente com os inibidores diretos orais da trombina, esses fármacos estão tendo um grande impacto na farmacoterapia antitrombótica. Farmacologia A rivaroxabana, a apixabana e a edoxabana inibem o fator Xa, a via comum final da coagulação. São administrados em doses fixas e não necessitam de monitoração. Apresentam rápido início de ação e meias-vidas mais curtas que a da varfarina. A rivaroxabana apresenta alta biodisponibilidade oral quando tomada com alimentos. Após uma dose oral, o nível plasmático máximo é alcançado em 2 a 4 horas; o fármaco liga-se extensamente às proteínas. Trata-se de um substrato do sistema do citocromo P450 e um transportador de P-glicoproteína. Os fármacos que inibem tanto a CYP3A4 como a P-glicoproteína (p. ex., cetoconazol) resultam em aumento do efeito da rivaroxabana. Um terço do fármaco é excretado de modo inalterado na urina, ao passo que o restante é metabolizado e excretado na urina e nas fezes. A meia-vida é de 5 a 9 horas em pacientes entre 20 e 45 anos de idade e aumenta no idoso, bem como naqueles com comprometimento da função renal ou hepática. A apixabana apresenta uma biodisponibilidade oral de 50% e absorção prolongada, resultando em meia-vida de 12 horas com doses repetidas. O fármaco é um substrato do sistema do citocromo P450 e da P-glicoproteína e é excretado na urina e nas fezes. À semelhança da rivarobana, os fármacos que inibem tanto a CYP3A4 quanto a P-glicoproteína e o comprometimen- to da função renal ou hepática resultam em aumento do efeito da apixabana. A edoxabana é um fármaco oral anti-Xa em desenvolvimento clínico. Ensaios clínicos controlados randomizados ver- sus varfarina para o tratamento da TVP/EP e para profilaxia da fibrilação atrial foram publicados em 2013 e mostraram que o fármaco não é inferior à varfarina para eventos trombóticos e diminuição de eventos hemorrágicos. Com base nesses dados, é provável que a edoxabana seja logo aprovada pela FDA para ambas as indicações. INIBIDORES DIRETOS DA TROMBINA Os inibidores diretos da trombina (IDT) exercem seu efeito anticoagulante por meio de sua ligação direta ao sítio ativo da trombina, inibindo, assim, seus efeitos subsequentes. Isso contrasta com os inibidores indiretos da trombina, como a heparina e a HBPM, que atuam por meio da AT. A hirudina e a bivalirudina são IDT bivalentes e grandes, que se ligam ao sítio catalítico ou ativo da trombina, bem como a um sítio de reconhecimento de substrato. A argatobana e a melagatrana são pequenas moléculas que se ligam apenas ao sítio ativo da trombina. INIBIDORES DIRETOS DA TROMBINA PARENTERAIS As sanguessugas têm sido usadas para flebotomia desde a época de Hipócrates. Recentemente, os cirurgiões passaram a utilizar sanguessugas medicinais (Hirudo medicinalis) para evitar a trombose nos vasos finos de dedos reimplantados. A hirudina é um inibidor específico e irreversível da trombina, obtido da saliva de sanguessuga, que por um tempo esteve disponível na forma recombinante, como lepirudina. Sua ação não depende da AT e ela pode alcançar e inativar a trombina ligada à fibrina nos trombos. A lepirudina exerce pouco efeito nas plaquetas ou sobre o tempo de sangramento. À semelhança da heparina, a lepirudina deve ser administrada por via parenteral, com monitoramento pelo TTPa. A lepirudina foi aprovada pela FDA para uso em pacientes com trombose relacionada à TIH. A lepirudina é excretada pelo rim e deve ser usada com muitacautela em pacientes com insuficiência renal, visto que não existe nenhum antídoto. Até 40% dos pacientes que recebem infusões em longo prazo desenvolvem anticorpos dirigidos contra o complexo de trombina-lepirudina. Esses complexos de antígeno-anticorpo, que não são depurados pelo rim, podem resultar em aumento do efeito anticoagulante. Alguns pacientes novamente expostos ao fármaco desenvolve- ram reações anafiláticas potencialmente fatais. A produção de lepirudina foi interrompida pelo fabricante em 2012. A bivalirudina, outro inibidor bivalente da trombina, é ad- ministrada por via intravenosa, com rápido início e término de ação. O fármaco tem meia-vida curta, com 20% de depuração renal, sendo a depuração restante metabólica. A bivalirudina também inibe a ativação das plaquetas e foi aprovada pela FDA para uso na angioplastia coronariana percutânea. A argatrobana é uma pequena molécula de inibidor da trombina, que foi aprovada pela FDA para uso em pacientes com TIH, com ou sem trombose, bem como na angioplastia co- ronariana de pacientes com TIH. A argatrobana também apre- senta meia-vida curta, é administrada na forma de infusão intravenosa contínua e monitorada pelo TTPA. A sua depuração não é afetada pela presença de doença renal, mas depende da função hepática; é necessário reduzir a dose em pacientes com doença hepática. Os pacientes tratados com argatrobana apresentam elevação da INR, dificultando a transição para a varfarina (i.e., a INR reflete contribuições tanto da varfarina como da argatrobana). (A INR é discutida em detalhe na seção sobre administração de varfarina.) O fabricante fornece um nomograma para auxiliar nessa transição. EM RESUMO - ANTICOAGULANTES 1. Medicações que inibem a cascata de coagulação, por diversos mecanismos. 2. Cumarínicos (varfarina): antagonistas da vitamina K, reduzindo os níveis funcionais dos fatores II, VII, IX e X, além de proteína C e proteína S. 3. Heparina não fracionada: intensifica o efeito da antitrombina, inibindo a trombina e os fatores Xa, IXa, XIa e XIIa. Deve ser monitorada por TTPA. 4. Heparina de baixo peso molecular: intensifica o efeito da antitrombina, inibindo, principalmente, o fator Xa. Não precisa ser monitorada de rotina. 5. Fondaparinux: também aumenta a atividade da antitrombina, fazendo com que ela iniba principalmente o fator Xa. Aplicação subcutânea, não precisa de monitorização de rotina. 6. Inibidores parenterais diretos de trombina: lepirudina, ardotrabana e bivalirudina. 7. DOACs: anticoagulantes orais diretos. Agem por inibição direta do fator Xa (rivaroxabana, apixabana e edoxabana) ou por inibição direta da trombina (dabigatrana). Não precisam ser monitorados de rotina. Rivaroxabana e apixabana não precisam de uso de outro anticoagulante inicial; a edoxabana e a dabigatrana precisam de uma “ponte de heparina”. REFERENCIAS: 1. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman [recurso eletrônico]/ Organizadores, Laurence L. Brunton, Randa Hilal-Dandan e Bjorn Knollman; [tradução: Augusto Langeloh ... et al. ; revisão técnica: Almir Lourenço da Fonseca]. - 13. ed. - Porto Alegre: AMGH, 2019. 2. Farmacologia básica e clínica [recurso eletrônico] / Organizador, Bertram G. Katzung ; Organizador Associado, Anthony J. Trevor ; [tradução: Ademar Valadares Fonseca ... et al. ; revisão técnica: Almir Lourenço da Fonseca]. – 13. ed. – Porto Alegre : AMGH, 2017
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