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Anderson Soares 5ºP IESVAP diabetes DM2 É caracterizado pela desregulação do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas e resulta de secreção deficiente de insulina, resistência à insulina ou uma combinação de ambos. Doença poligênica, com forte herança familiar, ainda não completamente esclarecida, cuja ocorrência tem contribuição significativa de fatores ambientais. Sua principal causa é a secreção de insulina progressivamente prejudicada pelas células β pancreáticas, geralmente em um contexto de resistência à insulina preexistente no músculo esquelético, fígado e tecido adiposo. EPIDEMIOLOGIA O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) corresponde a 90 a 95% de todos os casos de DM. Geralmente, o DM2 acomete indivíduos a partir da quarta década de vida e a maioria dos pacientes (cerca de 80%) é obesa. A prevalência de DM2 tem se elevado em todos os países, com maior intensidade naqueles em desenvolvimento. Atualmente, três quartos dos casos moram em países de baixa renda. A maior prevalência observada hoje é entre os índios Pima americanos, dos quais 80% têm obesidade e 55%, DM2.3,4 Na população adulta geral dos EUA, 14,3% têm DM (36,5% não diagnosticados) e 38%, pré-diabetes. Estima-se que, em 2050, 1/5 a 1/3 dos americanos terá DM2, caso se mantenha a tendência atual de crescimento da doença. Segundo a IDF, atualmente haveria no Brasil 14,3 milhões de pessoas com DM (50% ainda sem diagnóstico), o que corresponderia a uma prevalência de 9,4% (1 em cada 8 adultos), e 30.900 crianças. A projeção para 2040 é de 23,2 milhões de casos. FATORES DE RISCO • Idoso • Ascendência não branca • História familiar de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) • Fatores genéticos • Componentes da síndrome metabólica (aumento da circunferência da cintura, aumento da pressão arterial, aumento dos níveis plasmáticos de triglicerídeos e níveis plasmáticos baixos de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) e pequenas partículas densas de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL)) • Sobrepeso ou obesidade (índice de massa corporal (IMC) ≥25 kg por m) • Obesidade abdominal ou central (independente do IMC) • Síndrome dos ovários policísticos • História de doença cardiovascular aterosclerótica • Fatores alimentares não saudáveis (consumo regular de bebidas açucaradas e carnes vermelhas e baixo consumo de grãos integrais e outros alimentos ricos em fibras) • Fumar cigarro • Estilo de vida sedentário • História de diabetes gestacional ou parto de recém-nascidos > 4 kg de peso • Presença de acantose nigricans (hiperpigmentação da pele) • Alguns medicamentos • Duração do sono curta e longa • Trabalho em turnos rotativos • Fatores psicossociais e econômicos ETIOLOGIA Possui etiologia complexa e multifatorial, envolvendo componentes genético e ambiental. diabetes Anderson Soares 5ºP IESVAP • Alterações no estilo de vida (consumo diário e excessivo de açúcar). Risco genético: O DM2 agrupa-se em famílias e é hereditário. O risco relativo de irmãos de um paciente com DM2 desenvolver a doença em comparação com famílias em que nenhum dos irmãos tem a doença é de ∼ 2–3, mas esse número aumenta para 30 se dois irmãos tiverem DM2. Um polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) em TCF7L2, mas SNPs em outros genes também mostraram estar ligados a DM2, incluindo em SLC30A8, FTO, CDKAL1, CDKN2A, CDKN2B, HHEX, IGF2BP2, GCKR e outros. FISIOPATOLOGIA Os principais mecanismos fisiopatológicos que levam à hiperglicemia no DM2 são: • Resistência periférica à ação insulínica nos adipócitos e, principalmente, no músculo esquelético • Secreção deficiente de insulina pelo pâncreas • Aumento da produção hepática de glicose, resultante da resistência insulínica no fígado. Entretanto, outros componentes desempenham importante papel na patogênese do DM2: o adipócito (lipólise acelerada), o trato gastrintestinal (deficiência/resistência incretínica), as células alfa pancreáticas (hiperglucagonemia), o rim (reabsorção aumentada de glicose pelos túbulos renais) e o cérebro (resistência à insulina). Um mau funcionamento dos circuitos de feedback entre a ação da insulina e a secreção de insulina resulta em níveis anormalmente elevados de glicose no sangue. No caso de disfunção das células β, a secreção de insulina é reduzida, limitando a capacidade do organismo de manter os níveis fisiológicos de glicose. Por outro lado, a RI contribui para o aumento da produção de glicose no fígado e diminuição da captação de glicose tanto no músculo, fígado e tecido adiposo. Mesmo que ambos os processos ocorram no início da patogênese e contribuam para o desenvolvimento da doença, a disfunção das células β geralmente é mais grave do que a RI. No entanto, quando a disfunção das células β e a RI estão presentes, a hiperglicemia é amplificada levando à progressão do DM2. Disfunção das células β A disfunção das células β no DM2 pode ser devido a uma rede complexa de interações entre o ambiente e diferentes vias moleculares implicadas na biologia celular. Em um estado nutricional excessivo, como encontrado na obesidade, a hiperglicemia e a hiperlipidemia estão frequentemente presentes, favorecendo a RI e a inflamação crônica. Nessas circunstâncias, as células β, devido a diferenças em sua suscetibilidade genética, estão sujeitas a pressões tóxicas, incluindo inflamação, estresse inflamatório, estresse do retículo endoplasmático (RE), estresse metabólico/oxidativo, estresse amilóide, com o potencial de levar à perda da integridade das ilhotas. Um excesso de AGL e hiperglicemia levam à disfunção das células β, induzindo o estresse do RE através da ativação das vias de resposta de proteína desdobrada apoptótica (UPR). De fato, lipotoxicidade, glicotoxicidade e glicolipotoxicidade que ocorrem na obesidade, induzem estresse metabólico e oxidativo que leva a danos nas células β. Fatores nutricionais A dieta altamente calórica contém grandes quantidades de gorduras e carboidratos que elevam a glicose no sangue e as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDLs), quilomícrons (CMs) e seus remanescentes (CMRs) que são ricos em triglicerídeos (TG). Anderson Soares 5ºP IESVAP Isso induz um pico nas concentrações de espécies reativas de oxigênio (ROS), que por sua vez leva a uma geração anormal de moléculas inflamatórias. Dado que a inflamação é um reconhecido indutor de estresse oxidativo, ocorre uma interação sinérgica entre os dois processos após uma refeição pesada, com consequente amplificação dos efeitos nocivos pós-prandiais. Um ambiente pró-oxidante leva à disfunção mitocondrial, estresse do RE, ativação da NADPH oxidase (NOX) e superóxido (O2-) produção. O aumento da produção de O2- ativa as cinco principais vias envolvidas na patogênese das complicações do diabetes. Por meio dessas vias, o aumento de ROS intracelular causa angiogênese defeituosa em resposta à isquemia, ativa várias vias pró- inflamatórias e causa alterações epigenéticas de longa duração que levam à expressão persistente de genes pró-inflamatórios mesmo após a normalização da glicemia. Atividade física A atividade física reduzida e o treinamento físico e o aumento dos comportamentos sedentários constituem uma ligação entre a obesidade e o DM2 e estão associados ao aumento dos marcadores de inflamação sistêmica crônica de baixo grau. Nessa condição, moléculas pró-inflamatóriassão liberadas na corrente sanguínea e em tecidos específicos, como interleucina 6 (IL-6), proteína C reativa (PCR), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) ou IL-1 induz uma inflamação estado conhecido como inflamação metabólica. A IL-1 está envolvida na resposta autoimune às células β no pâncreas, inibição da função das células β e ativação do fator de transcrição do fator de transcrição da cadeia leve kappa do fator nuclear de células B ativadas (NF-κB), inibindo assim a função das células β e promovendo a apoptose. Resistência à Insulina Nos adipócitos, a resistência à insulina e a inflamação levam à produção e liberação de ácidos graxos livres (FFAs) e citocinas pró-inflamatórias que provocam resistência à insulina, como a interleucina-6 (IL-6), fator de necrose tumoral (TNF) e resistina. As adipocinas sensibilizadoras da insulina, como a adiponectina, por outro lado, melhoram a resistência à insulina. Além disso, a proteína 4 de ligação ao retinol (RBP4) aumenta e pode contribuir para a resistência à insulina. O inibidor do ativador de plasminogênio 1 (PAI1) não afeta a resistência à insulina, mas está implicado em complicações da obesidade, incluindo aterosclerose acelerada e diabetes tipo 2. Esses fatores contribuem para o acúmulo de metabólitos lipídicos tóxicos (diacilglicerol (DAG), ceramidas e acil-CoAs) em miócitos e hepatócitos, que prejudicam a sinalização da insulina (via IRS- fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K)) e ativam vias inflamatórias que prejudicam ainda mais a via de transdução de sinal de insulina. A disfunção mitocondrial que predispõe ao acúmulo de DAG e ativação da proteína quinase C nuclear (PKC), bem como a geração de espécies reativas de oxigênio (ROS) e aumento do estresse do retículo endoplasmático (ER) exacerbam ainda mais a resistência à insulina. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Na maioria das vezes, a doença é assintomática ou oligossintomática por longo período, sendo o diagnóstico realizado por dosagens laboratoriais de rotina ou manifestações das complicações crônicas. Com menor frequência, indivíduos com DM2 apresentam sintomas clássicos de hiperglicemia (poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento inexplicado). Raramente a cetoacidose diabética consiste na manifestação inicial do DM2. DIAGNÓSTICO Desde 2017, a ADA vem propondo questionário de risco para DM2 na sua diretriz, que leva em consideração idade, sexo, história prévia de DMG ou hipertensão Anderson Soares 5ºP IESVAP arterial, história familiar de DM2 e nível de atividade física. Tal estratégia de identificação de risco já havia sido testada em outras populações. Uma pontuação é dada para cada fator de risco, sendo um score ≥ 5 associado a risco aumentado para DM2. Trata-se de instrumento de rastreamento útil, de baixo custo, que pode ser empregado em larga escala no âmbito da saúde pública. Critérios para rastreamento do DM2 Indivíduos com idade < 45 anos; sugere-se rastreamento de DM2 em indivíduos com sobrepeso ou obesidade e que apresentem mais um fator de risco para DM dentre os seguintes: • Pré-diabetes; • História familiar de DM (parente de primeiro grau); • Raça/etnia de alto risco para DM (negros, hispânicos ou índios Pima); • Mulheres com diagnóstico prévio de DMG; • História de doença cardiovascular; • Hipertensão arterial; • HDL-c < 35 mg/dL e/ou triglicérides > 250 mg/dL; • Síndrome de ovários policísticos; • Sedentarismo; • Acantose nigricans. Os testes laboratoriais para dg de DM envolvem: Glicemia em jejum: coletada em sangue periférico após jejum calórico de no mínimo 8 horas; TOTG: previamente à ingestão de 75 g de glicose dissolvida em água, coleta-se uma amostra de sangue em jejum para determinação da glicemia; coleta-se outra, então, após 2 horas da sobrecarga oral. Importante reforçar que a dieta deve ser a habitual e sem restrição de carboidratos pelo menos nos 3 dias anteriores à realização do teste. Permite avaliação da glicemia após sobrecarga, que pode ser a única alteração detectável no início do DM, refletindo a perda de primeira fase da secreção de insulina; Hemoglobina glicada (HbA1c). Os testes para avaliação de resistência à insulina: 1. Testes que interrompem a relação de feedback existente entre glicose plasmática e secreção pancreática de insulina. Exemplos: teste de clamp euglicêmico-hiperinsulinêmico e teste de supressão de insulina; 2. Testes que analisam o ciclo de feedback existente entre glicose plasmática e secreção pancreática de insulina com estímulos orais ou intravenosos, e no estado de jejum. Exemplos: teste de tolerância intravenosa à glicose com amostras frequentes, teste de tolerância à insulina, teste de tolerância oral à glicose, teste de refeição padrão e índices obtidos a partir de dosagens de jejum de insulina. 3. Marcadores de resitência à insulina que utilizam indicadores bioquímicos diferentes da dosagem laboratorial de insulina, indicadores antropométricos e clínicos. Considerações práticas sobre os principais indicadores antropométricos de resistência à insulina Circunferência da cintura Considerações Requer fita métrica inelástica para aferição. Há necessidade de remoção das roupas do local de aferição. Há dificuldade em determinar proeminências ósseas para definição dos locais anatômicos em indivíduos com acúmulo de gordura na região abdominal. Há dificuldade em realizar a aferição em indivíduos obesos com múltiplas cinturas e com abdome em forma de pêndulo. Diâmetro abdominal sagital Considerações Requer maca de superfície firme e equipamento específico para aferição (caliper abdominal portátil). Há necessidade de remoção das roupas do local de aferição. Há dificuldade em determinar proeminências ósseas para definição dos locais anatômicos em indivíduos com acúmulo de gordura na região abdominal. Relação cintura-altura Considerações Requer fita métrica inelástica e estadiômetro para aferição. Mesmas considerações feitas para a medida da CC. RCA = Circunferência da cintura (cm) / Estatura (cm) Circunferência do pescoço Considerações Requer fita métrica inelástica para aferição. Medida não invasiva, pois não requer remoção de roupas, apenas de adereços da região do pescoço, no momento da aferição. Impossibilidade de utilização dessa medida em indivíduos com aumento da CP por disfunção tireoidiana. Anderson Soares 5ºP IESVAP SÍNDROME METABÓLICA Com o crescimento da obesidade infantil, as complicações associadas tornam-se mais comuns. Assim como no adulto, a obesidade infantil leva ao aparecimento de doenças como diabetes mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia, que conferem aumento do risco de eventos cardiovasculares. O DM2, por exemplo, tem crescido de maneira dramática entre os adolescentes nos últimos 20 anos. Em adultos, a associação entre obesidade e doença coronariana está bem estabelecida. Essa associação levou, em anos mais recentes, à criação do termo “síndrome metabólica” (SM) para definir aqueles indivíduos que teriam mais chances de desenvolver eventos cardiovasculares devido a uma base fisiopatológica comum entre os componentes da síndrome, possivelmente orquestrada pela obesidade central. Dentre os fatores incluídos na SM estão a obesidade visceral, a dislipidemia aterogênica, a hipertensão e a resistência à insulina, mas outras comorbidades (como esteato-hepatite não alcoólica e apneia obstrutiva do sono) estão comumente associadas. Definição de SM para crianças e adolescentes de acordo com a IDF. 6 a 9 anos 10 a 16 anos > 16 anos Diagnósticode SM Não estabelecido Sim (presença de obesidade abdominal e mais de dois critérios) Sim (presença de obesidade abdominal e mais de dois critérios) Obesidade abdominal (CA) ≥ p 90 ≥ p 90 Mesmos critérios usados em adultos Glicemia de jejum (mg/dL) ≥ 100 Mesmos critérios usados em adultos Pressão arterial (mmHg) Sistólica/diastólica ≥ 130 ou ≥ 85 Mesmos critérios usados em adultos HDL-c (mg/dL) < 40 Mesmos critérios usados em adultos Triglicérides (mg/dL) ≥ 150 Mesmos critérios usados em adultos Critérios para diagnóstico de SM em adultos. Parâmetros NCEP IDF 2006 Obrigatório CA ≥ 94 cm (homens) ou ≥ 80 cm ( mulheres) 90 cm em homens asiáticos Número de anormalidades ≥ 3 de ≥ 2 de Glicose ≥ 100 mg/dL ou tratamento farmacológico ≥ 100 mg/dL) ou diagnóstico de diabetes HDL colesterol < 40 mg/dL (homens); < 50 mg/dL) (mulheres) < 40 mg/dL (homens); < 50 mg/dL) (mulhere Triglicérides ≥ (150 mg/dL) ou tratamento farmacológico ≥ (150 mg/dL) ou tratamento farmacológico Obesidade CA ≥ 102 cm (homens) ou ≥ 88 cm (mulheres) Pressão arterial ≥ 130/85 mmHg ou tratamento farmacológico ≥ 130/85 mmHg ou tratamento farmacológico Anderson Soares 5ºP IESVAP TRATAMENTO A classe dos medicamentos envolvidos no tratamento do diabetes tipo 2 são: • Biguanidas • Sulfonilureias • Meglitinidas • Tiazolidinedionas • Inibidores da α-glicosidase • Inibidores da DPP4 • Agonistas do GLP1 • Gliflozinas (inibidores do cotransportador 2 de sódio e glicose [SGLT-2]) • Insulinas Tratamento do diabetes tipo 2; passo a passo com base na meta da HbA1c. Recomendações gerais da American Diabetes Association (ADA) e da European Association for the Study of Diabetes (EASD) para a terapia anti-hiperglicêmica no diabetes melito tipo 2 (DM2). REFERÊNCIAS Bandeira, Francisco Protocolos clínicos em endocrinologia e diabetes / Francisco Bandeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Endocrinologia clínica / Lucio Vilar ... [et al.] - 6. ed. - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. DEFRONZO, Ralph A. et al. Type 2 diabetes mellitus. Nature reviews Disease primers, v. 1, n. 1, p. 1-22, 2015. GALICIA-GARCIA, Unai et al. Pathophysiology of type 2 diabetes mellitus. International journal of molecular sciences, v. 21, n. 17, p. 6275, 2020. DIRETRIZES DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES 2019-2020.
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