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W BA 11 68 _V 1. 0 FUNÇÕES COGNITIVAS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 2 Tamires Araujo Zanão Mariano São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2022 FUNÇÕES COGNITIVAS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 1ª edição 3 2022 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Head de Platos Soluções Educacionais S.A Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Ana Carolina Gulelmo Staut Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Sobrenome, Nome do Autor Funções cognitivas no processo de aprendizagem / Tamires Araujo Zanão Mariano. – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2022. 32 p. ISBN 978-65-5356-250-9 1. Processos. 2. Organização. 3. Transtornos. I. Título. CDD 370.1523 _____________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB: 010289/O M333f © 2022 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. https://www.platosedu.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina ___________________________________ 05 Introdução às funções cognitivas e Unidades de Luria _______ 06 Percepção, atenção, linguagem, memória e funções executivas ___________________________________________________ 16 Transtornos relacionados às funções cognitivas _____________ 26 Transtornos de aprendizagem _______________________________ 36 FUNÇÕES COGNITIVAS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM 5 Apresentação da disciplina Nos conectamos com o mundo ao nosso redor, primeiramente, por meio dos nossos órgãos dos sentidos, seja vendo, ouvindo, sentindo texturas (por meio do tato), cheiros (olfato) ou degustando sabores. No entanto, todas essas informações, que chegam até nós, precisam ser processadas adequadamente pelo nosso cérebro para fazerem sentido e ocorrer a aprendizagem. Na presente disciplina, você estudará os processos cognitivos envolvidos no planejamento, organização, regulação, controle e execução de tarefas, por meio do estudo da atenção, percepção, memória, linguagem e funções executivas. Serão estabelecidas relações entre essas funções e capacidades, de modo a ajudar você a compreender melhor o complexo, mas fascinante, processo da aprendizagem e processamento das informações. Além do funcionamento normal dessas funções, você também estudará os transtornos de aprendizagem, síndromes disexecutivas relacionadas à aprendizagem e possíveis causas para suas ocorrências, incluindo algumas lesões cerebrais. Também serão apresentadas as Unidades Funcionais de Luria, um neuropsicólogo soviético muito importante tanto para a neuropsicologia propriamente dita como para compreensão do funcional cerebral, no que tange à aprendizagem. Veremos que as neurociências e a aprendizagem estão muito entrelaçadas e você poderá compreender que os processos cognitivos podem ser de grande ajuda para pensar em práticas pedagógicas que busquem promover o máximo de aproveitamento dos alunos. 6 Introdução às funções cognitivas e Unidades de Luria Autoria: Tamires Araujo Zanao Mariano Leitura crítica: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Objetivos • Introduzir os processos e funções cognitivas e executivas. • Apresentar as Unidades Funcionais de Luria. • Introduzir conceitos de processamento e seleção da informação. • Exemplificar e demonstrar flexibilidade cognitiva e comportamental (funções executivas). 7 1. Introdução às funções cognitivas e executivas Desde o momento em que nascemos, utilizamos e desenvolvemos nossas funções cognitivas para compreender e aprender sobre o mundo à nossa volta e como devemos nos relacionar com ele. Tais funções incluem a percepção, a memória, a linguagem, a atenção e as funções executivas, que nos permitem habilidades mentais como o raciocínio, a aquisição e a manutenção de conhecimentos que constituem o nosso intelecto. As funções cognitivas envolvem partes distintas do cérebro e são processos complexos que precisam da integração de diversas áreas. Para melhor compreensão desta parte de funcionamento cerebral, introduziremos as Unidades Funcionais de Luria, propostas por Alexander Luria, um importante psicólogo que se dedicou à neuropsicologia do desenvolvimento. Entre seus principais trabalhos está a obra Fundamentos de neuropsicologia, em que ele apresenta as três unidades funcionais das quais nos referimos anteriormente e que você poderá estudar de modo introdutório no presente texto. Você verá que nossos órgãos dos sentidos são muito importantes para que a nossa compreensão e comunicação com o meio aconteça, mas, que nem sempre os mesmos estímulos serão prioritários em detrimento de outros. Já parou para pensar como é possível que, dependendo da situação, vemos, ou melhor, focamos nossa atenção em estímulos diferentes? Por exemplo, ao viajar de ônibus como passageiro podemos observar a estrada, olhar para as nuvens e imaginar formas, observar a paisagem longe da pista, e deixar o pensamento solto, mas o mesmo não pode ocorrer se você for o motorista do ônibus. Nesse caso, muitos desses estímulos serão ignorados e dificilmente você se atentará em formato de nuvens ou saberá dizer qual a paisagem ao longe se questionado, uma vez que sua atenção estará nas placas de 8 trânsito, pedestres e veículos que possam atravessar seu caminho. Aqui, temos apenas um exemplo de processamento e seleção de informação, conteúdo que será apresentado em mais detalhes a seguir. 2. Principais funções cognitivas As principais funções cognitivas incluem: 1. Percepção: Relacionada com os sentidos como visão, audição e tato, possibilita que percebamos o mundo ao nosso redor, nos tornando capazes de reconhecer, organizar, dar significado e sentido aos objetos e seres que nos cercam. 2. Atenção: Consiste na capacidade de concentração que pode ser focada em determinado estímulo/ informação ou dividida para mais de um elemento. Nas atividades do dia a dia, muitas vezes, precisamos fazer várias tarefas ao mesmo tempo. Como vimos no início do texto, quando dirigimos, temos que prestar atenção no carro que está à frente e na sinalização das ruas, no limite de velocidade, nos pedestres e em vários outros elementos. A atenção ainda pode ocorrer de modo subliminar, como perceber elementos de outdoors e propagandas, por exemplo, mesmo sem perceber que isto está ocorrendo. 3. Memória: É uma das funções cognitivas mais estudadas devido sua grande importância para o aprendizado. Trata-se do processo de guardar informações e experiências para possível recuperação no futuro quando necessário. Permite que informações adquiridas sobre o mundo e sobre nós mesmos sejam usadas para lidar com situações 9 futuras baseadas em experiências passadas. Embora outras funções cognitivas também estejam envolvidas, os processos de pensar e solucionar problemas estão intensamente atrelados à memória. Não é mais fácil solucionar um problema quando lembramos da solução de algo similar que já nos ocorreu? Sem memória também não é possível adquirimos linguagem, como veremos a seguir. A memória é uma função complexa e possuisubdivisões, consistindo na verdade em memórias, no plural. Uma divisão possível leva em conta sua natureza, como em declarativa/ explícita, envolvida com conhecimento de fatos ou eventos autobiográficos e não declarativa/ implícita, envolvida com a memorização de habilidades e hábitos, geralmente, envolvidas com aspectos motores, como saber andar de bicicleta, por exemplo. Outras maneiras de classificar a memória também existem, como pelo tempo de duração, por exemplo, em memórias imediatas, recentes e remotas. 4. Linguagem: A habilidade para a linguagem possui interconexões com outras capacidades cognitivas, como a memória, e trata também de uma habilidade relativamente autônoma. Muitos dos conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem vieram de estudos de distúrbios de linguagem ocasionados por lesões cerebrais, realizadas, entre outros, por Broca e Wernicke. A linguagem simbólica é uma das características tipicamente humanas e a que diferencia o homem das demais espécies, nos capacitando para atribuir significados abstratos para comunicar sentimentos, emoções ou realizar cálculos matemáticos de cabeça. A linguagem é uma das habilidades que permitiu ao homem passar conhecimentos de uma geração para outra, possibilitando que os conhecimentos adquiridos não fossem perdidos, seja por meio da fala ou da escrita. 5. Funções executivas: Estão relacionadas, principalmente, ao lobo frontal. Envolvem habilidades de planejamento, execução e resolução de tarefas, englobando tomada de decisões, raciocínio, estratégias e lógica. Também incluem o autocontrole, impedindo que sejam realizados 10 impulsos e vontades que podem não ser adequados para determinadas situações, além de estarem relacionadas com a flexibilidade cognitiva, possibilitando pensar em soluções criativas para problemas, adaptando- se a situações novas. 3. As Unidades Funcionais de Luria Alexander Luria, em seu trabalho intitulado Fundamentos de neuropsicologia foi capaz de aprimorar e reunir os modelos, anteriormente vigentes, para explicar o que hoje entendemos como funções cognitivas. O localizacionismo estreito de Gall (e seu mapa frenológico), Wernicke e Broca buscavam localizar funções complexas em regiões restritas do cérebro. Enquanto o unitarismo de Hughlings Jackson e Flourens propunham que as funções cerebrais são desempenhadas pelo cérebro como um todo, sendo dividido por hierarquia funcional, ou seja, cada componente do encéfalo (medula, gânglios basais, córtex cerebral) corresponderia a um nível evolutivamente superior de atividade cognitiva, enquanto as funções mentais superiores, como a linguagem, seriam desempenhadas por todo o cérebro. Luria, no entanto, formulou um novo modelo: nem o localizacionismo, nem o unitarismo (KRUSZIELSKI, 2009). Luria entende que a função cerebral não se dá em uma área única, assim como a respiração não depende apenas do pulmão, mas de vários órgãos, a função cerebral também é resultado de um sistema complexo que não pode ser limitado a uma pequena área definida (FUENTES et al., 2008). Luria, portanto, pensou no Sistema Nervoso Central como organizado de forma hierárquica e vertical, ou seja, estruturas inferiores deveriam funcionar adequadamente para que estruturas superiores pudessem trabalhar adequadamente (LURIA, 1981). A seguir, você verá um resumo das três principais unidades funcionais de Luria. 11 Figura 1 – As Unidades Funcionais (UF) de Luria Fonte: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/301895/mod_resource/content/1/Teoria_ do_Sistema_Funcional_texto_LEANDRO%5B1%5D.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. Primeira unidade funcional (vigília/ tônus muscular): está relacionada ao tronco encefálico, que fica localizado na base da cabeça, entre a medula e o cérebro. Esta região possui uma importante particularidade, diferentemente da maioria dos neurônios que obedece a lei do tudo ou nada, parte dos neurônios do tronco encefálico respondem com intensidades diferentes, ou seja, podem ser mais fracos ou mais fortes. Esta região é importante para regular o estado de vigília/ sono, por meio da regulação do tônus cortical, que ocorre de modo gradual (não dormimos ou acordamos de uma vez, mas apresentamos níveis intermediários de sonolência), devido à estimulação ou ausência de estimulação do tronco encefálico. Consiste na regulação do tônus muscular, adequando o tônus cortical às funções que executa. Segunda unidade funcional: está relacionada ao recebimento, processamento e armazenamento das informações e está associada à parte posterior do córtex cerebral (região delimitada pelo sulco central), incluindo lobos occipital, parietal e temporal. Como as áreas envolvidas na segunda unidade funcional indicam, entre as funções englobadas estão a visão, percepção, tato, audição e orientação espacial, além de https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/301895/mod_resource/content/1/Teoria_do_Sistema_Funcional https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/301895/mod_resource/content/1/Teoria_do_Sistema_Funcional 12 relações com a linguagem e memória. As funções dessa unidade incluem o recebimento e análise de informações do mundo por meio dos órgãos sensoriais. Luria também propôs uma divisão de acordo com os tipos de neurônios encontrados, com áreas primárias e secundárias. As primárias (ou de projeção) possuem capacidades muito específicas, responsáveis apenas pelas sensações (exemplo: algumas áreas primárias visuais são responsáveis apenas pela identificação de cores). As áreas secundárias já são responsáveis pela percepção, gerando imagens propriamente ditas. Terceira unidade funcional: possui as funções de programar, regular e verificar a atividade mental e engloba regiões do lobo frontal, ou seja, porções anteriores do cérebro, mais à frente e, portanto, incluem funções motoras, de planejamento e execução de ações (funções executivas) e linguagem. As áreas terciárias também são caracterizadas pela superposição e integração uma vez que relacionam as informações, agrupando-as e possibilitando um nível maior de abstração, estabelecendo relações entre a linguagem e as demais informações. É na área terciária que ocorre a cognição. 4. Processamento e seleção da informação O processamento cognitivo consiste no modo como as informações do mundo externo fazem sentido e são compreendidas por nós. Inicialmente, são os órgãos dos sentidos os responsáveis pelo recebimento das informações do mundo externo e é por meio da percepção que essas informações começam a fazer sentido. Após a percepção, a informação poderá passar para o estágio de aprendizado e armazenamento na memória. Para uso posterior dessas informações, é necessário que sejam recuperadas. Por meio da recuperação de memórias também é possível que ocorra o pensamento e a reflexão, como por meio da lembrança de experiências prévias para solucionar problemas atuais. Este modelo de como as informações chegam e são processadas é muito simplificado. De fato, a cognição consiste em um fluxo contínuo de informações desde a entrada da informação até sua 13 saída (estágio final), passando por diferentes formas de processamento ao longo deste caminho (GROOME et al., 2008). Diferentes abordagens estudam os processos mentais e da informação (GROOME et al., 2008), entre elas, a Neurociência Cognitiva e Neuropsicologia Cognitiva relacionam funções cerebrais com cognição, por meio do uso de imagens e do estudo de indivíduos que sofreram traumas ou lesões cerebrais. É importante lembrar que os lobos cerebrais estão extensivamente interconectados e, principalmente, em tarefas mais complexas, pode haver o envolvimento de diversas áreas corticais. O cérebro opera como um sistema de processamento de informações, tanto para processar como para armazenar tais informações. 5. Flexibilidade Cognitiva e Comportamental – as funções executivas As funções executivas consistem, de modo abrangente, na capacidade de organizar ações em sequência, de modotal que estas possam atingir determinado objetivo ou finalidades pré-definidos, contribuindo para nos comportarmos de maneira adequada, tendo em vista o que se quer cumprir. Para chegar ao trabalho, por exemplo, uma pessoa deve planejar o trajeto que percorrerá, qual o meio de transporte utilizado e os materiais que precisará para realizar tudo isso (algumas das questões implícitas para a escolha dos comportamentos poderia ser: qual o meio de transporte utilizado? Se for de carro, este está abastecido e em condições de uso? Se for de transporte público, qual o local que o ônibus/ trem passa? Entre outros exemplos). As funções executivas também estão envolvidas na flexibilidade das decisões e comportamentos. Por exemplo, suponha que a pessoa em questão quer ir ao trabalho pela manhã, acorde e veja no telejornal que, em seu caminho habitual, há partes alagadas devido à chuva intensa. Na noite anterior, pode ter planejado ir ao trabalho na manhã seguinte de carro, mas, agora, se dá conta de que esta não é mais uma boa opção. Para 14 manter o cumprimento do objetivo inicial (chegar ao trabalho) algumas decisões e ações terão que ser modificadas e outras realizadas. Ela pode, por exemplo, procurar uma rota alternativa em que não haja pontos de alagamento ou decidir utilizar o transporte público, sempre analisando a viabilidade de novas alternativas. Se manter fixa ao seu planejamento original, provavelmente, faria o objetivo de chegar ao trabalho não ser realizado com eficiência. A flexibilidade das ações, de acordo com os acontecimentos, é uma capacidade importante para atingir metas. Com o exemplo, pode-se perceber que a flexibilidade e o planejamento das ações ajudam na seleção de comportamentos (ações auto- organizadas) que levem até uma meta. Pela definição apresentada, sabe- se, então, que isso tudo está relacionado às funções executivas. Falta, entretanto, um detalhe importante: como selecionamos as informações que são relevantes para as tomadas de decisões? São muitas as informações e estímulos que chegam até nós e nem todas são relevantes. A seleção de informações está intrinsicamente relacionada com a atenção. Ainda pensando no exemplo da personagem que quer ir ao trabalho, podemos supor que enquanto ela assistia ao telejornal também conversava com seu marido e preparava seu pão com manteiga. Neste caso, vários elementos competiam por sua atenção e ela poderia ter prestado atenção, ou não, à informação sobre o alagamento na cidade. É provável que mesmo com a competição de informações, ela prestasse atenção à informação que afetaria diretamente (no caso, sobre a enchente que dificultaria seu caminho até o trabalho). Existem diferentes modelos que explicam como a seleção de informações ocorre, sendo que alguns consideram que a seleção se dá logo no início da exposição à informação, excluindo imediatamente informações não relevantes para o indivíduo, enquanto outros consideram que a seleção de informações se dá de modo tardio, ou seja, todos os estímulos são processados e, só em um momento posterior, ocorre a exclusão dos estímulos inúteis ou irrelevantes para a pessoa e a situação em questão. Ambos os modelos apresentam falhas e podem ser facilmente questionados. Assim, o modelo mais aceito é o proposto por Treisman (1964), que considera aspectos físicos, da natureza, do estímulo em 15 relação à linguagem e com o significado que este estímulo possui (processamento de nível semântico). Para este modelo, as informações não atendidas não seriam completamente descartadas, mas atenuadas, como uma música que pode ter o volume aumentado ou diminuído. Lembremos mais uma vez do nosso exemplo: a mulher obteve informações da conversa que tinha com o marido, das notícias apresentadas na televisão e do seu pão com manteiga, cada qual passando por cada um dos três estágios mencionados acima (características físicas do estímulo, se o estímulo faz parte da linguagem e qual significado que possui). Evidências científicas têm favorecido a explicação oferecida por este modelo mais complexo no que tange à seleção de informações. Referências FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L. F.; CAMARGO, C. H. P. (orgs.). Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008. GROOME, D.; BRACE, N.; DEWART, H. et al.An introduction to cognitive psychology: processes and disorders. British Library Cataloging in Publication Data. 2. ed., p. 1-235, [s. l.], 2008. KANDEL, E. R.; SCHWARTZ, J. H.; JESSELL, T. M. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1995. KRUSZIELSKI, L. Resenha: “O homem com um mundo estilhaçado”. PsicoDOM, n. 4, p. 69-70. São Paulo, 2009. Disponível em: http://www.dombosco.sebsa.com.br/ faculdade/revista_4ed/arquivos/pdf/set2009_resenha.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. LIMA, R. F. Compreendendo os mecanismos funcionais. Ciências e cognição, v. 6, p. 113-122. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cc/v6n1/ v6a13.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos; São Paulo: EDUSP, 1981. MOURÃO JUNIOR, C. A.; MELO, L. B. R. Integração de três conceitos: função executiva, memória de trabalho e aprendizado. Psicologia: teoria e pesquisa. v. 27, n. 3, p. 309-314, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v27n3/06.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. TREISMAN, A. M. Verbal cues, language and meaning in selective attention. American Journal of Psyvhology, n. 77, p. 206-219. Chicago: University of Illinois Press, 1964. 16 Percepção, atenção, linguagem, memória e funções executivas Autoria: Tamires Araujo Zanao Mariano Leitura crítica: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Objetivos • Introduzir conceitos anatômicos e funcionais do córtex cerebral. • Apresentar a definição de percepção, atenção, linguagem e memória. • Apresentar a definição de planejamento, organização e execução de tarefas. • Estabelecer relações entre essas funções, desenvolver pensamento crítico para identificação das mesmas. • Exemplificar a ocorrência das funções cognitivas. 17 1. As funções cognitivas e a conexão com o mundo Nós, os seres humanos, assim como outros animais, precisamos nos comunicar com o ambiente para nos prevenirmos de potenciais perigos e buscarmos por situações que sejam benéficas. Para que essa comunicação ocorra, contamos com um aparato incrível dos órgãos dos sentidos e sistema nervoso. É por meio de sons, cores e texturas que podemos identificar o que há ao nosso redor, mas não para por aí! Somos dotados da capacidade de nos relacionarmos e comunicarmos com outros indivíduos semelhantes a nós. Além de vivenciarmos essas experiências, guardamos na memória e podemos acessá-las de diversos modos quando necessário, aumentando as chances de sermos bem-sucedidos em situações semelhantes e permitindo imaginar situações hipotéticas. Dessa forma, conseguimos nos prevenir a elas, sem que tenhamos que aprender pelo erro, apenas imaginando as consequências. Tudo isso é extraordinário e não é difícil imaginar como seria bom apenas viver para desfrutar de todas essas nossas habilidades, mas nem tudo pode ser como queremos e as obrigações se fazem necessárias. Por meio do autocontrole e da inibição de impulsos, você está aqui, estudando, ao invés de fazer algo que possa ser mais prazeroso momentaneamente, como passear ou assistir a um filme. Afinal, você consegue perceber que, a longo prazo, seu estudo trará mais benefícios do que estes prazeres momentâneos, não é mesmo? Neste tema, falaremos sobre vários desses importantes aspectos abordados nesta introdução e como são essenciais para a constituição das nossas capacidades. São eles: percepção, atenção, inibição, autocontrole, linguagem e memória. Bons estudos! 18 2. Córtex cerebral – o que é e para que serve? Agora que pudemos refletir sobre como a natureza humana é fascinante e cheia de possibilidades, é naturalque nos perguntarmos quais são os aparatos biológicos ou condições que permitem toda essa vasta gama de atividades, comportamentos e habilidades. Embora muitos elementos sejam importantes para que a percepção, atenção, inibição, autocontrole, linguagem e memória ocorram, nada disso é possível na ausência do funcionamento do córtex cerebral. O córtex consiste em uma camada enrugada que recobre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, formando dobras, permitindo maior volume em um espaço limitado por uma estrutura óssea, o crânio. O córtex é dividido em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. Além destes, ainda temos a ínsula, conhecida como o quinto lobo e esta não pode ser observada por fora, pois fica localizada na fissura silviana, em um ponto de confluência dos lobos temporal, frontal e parietal. Cada um deles possui características próprias e especificidades. O lobo frontal está mais relacionado ao planejamento de ações futuras, controle dos movimentos, fala, escrita e linguagem articulada, sendo o lobo com maior relevância cognitiva, embora todos sejam importantes! O lobo parietal é fundamental para imagem corporal e sensações; já o lobo temporal está ligado à audição, memória, emoções e o lobo occipital, a visão. A ínsula associa-se ao processamento de sensações e sentimentos. Embora nosso córtex seja organizado dessa forma, funções complexas requerem que áreas distintas sejam coordenadas e apenas tal coordenação permite o funcionamento adequado e o cumprimento de suas tarefas. Lembre-se disso! As funções que veremos a seguir são consideradas superiores, de alta complexidade e ocorrem devido à integração de várias áreas corticais e cerebrais, muitas vezes. 19 3. Percepção, atenção, memória e linguagem Agora que vimos sobre a importância do córtex e de seu papel no processamento e coordenação das informações, veja alguns detalhes importantes de cada uma dessas funções e tente encontrar exemplos de eventos do seu dia a dia que essas estão presentes. Algumas funções são mais claras, enquanto outras podem precisar de um maior esforço para serem identificadas. Caso tenha dificuldade em fazer essa associação, não desanime, abaixo teremos alguns exemplos para ajudar. 3.1 Percepção A percepção está relacionada com a capacidade de percebermos as coisas à nossa volta, ligada diretamente com os cinco sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. Os estímulos chegam até nós, por meio dos sentidos e, então, podemos interpretá-los, identificando-os e atribuindo significado para o que nossos órgãos captaram. É comum que a percepção caia em armadilhas do nosso cérebro, buscando padrões (como rostos) mesmo onde não exista. Já aconteceu com você de ver rostos em locais aleatórios, como em uma tomada ou na espuma do café? A Gestalt é uma teoria psicológica que pode explicar esse fenômeno de tendermos a encontrar padrões conhecidos em locais onde não estão presentes. A título de curiosidade, esta teoria considera que para perceber as partes constituintes de determinado elemento, é antes necessário perceber o todo, ou seja, o todo é diferente do que a somatória das partes. A Gestalt considera quatro princípios para a percepção de objetos: • Fechamento: nosso cérebro tende a unir elementos de modo que fechem. • Proximidade: agrupamos, sem perceber, elementos que estão próximos um dos outros. 20 • Segregação: elementos diferentes são separados na nossa mente. Ao ler um texto com diferentes tamanhos de letras, por exemplo, você percebe que se trata de partes diferentes do texto (título, subtítulo, corpo do texto). • Semelhança: o oposto ao exemplo acima. Elementos similares são facilmente agrupados por nosso cérebro. Olhe a figura abaixo: o que você vê? Figura 1 – Exemplo de imagem analisada pela Gestalt Fonte: Shutterstock.com. Caso você tenha visto um rosto, saiba que, em branco, há uma taça (ou vaso). Você viu um vaso? Saiba que há também dois rostos em cinza. Apesar de podermos ver as duas opções (rosto ou taça), não é possível vermos as duas ao mesmo tempo e isso se deve a forma como a percepção das imagens se dá no nosso cérebro. 21 3.2 Atenção Consiste na capacidade de concentração de alguns elementos em detrimento de outros, devido a quantidade de estímulos, perceptos, imagens, sons que chegam até nós por meio da percepção e dos sentidos. Imagine se processássemos e nos ocupássemos de tudo que chega até nós! Lembre-se de que nem tudo tem a mesma importância. A atenção faz justamente essa seleção, impedindo que percamos tempo com elementos sem relevância. Podemos separar a atenção focada, quando nos dedicamos a apenas uma tarefa da atenção dividida, quando mais de uma tarefa ocorre em conjunto. Naturalmente, a maioria de nossas atividades diárias requerem atenção dividida, mas, apesar de ser possível dividir a atenção, isso traz prejuízos para as tarefas. Já aconteceu com você de demorar mais ou cometer erros por estar fazendo ações simultâneas? É exatamente por este motivo que nunca se deve dirigir e mexer no celular, por exemplo. Comprovadamente, há muito mais chances de acidentes quando não focamos nossa atenção só em dirigir, que, por ser uma tarefa complexa, já exige atenção dividida entre vários estímulos (pedestres, sinais de trânsito e outros carros). 3.3 Memória A memória possibilita guardar vivências, podendo ser acessadas posteriormente. É de fundamental importância, pois, sem ela, o aprendizado não seria possível. Com frequência, no aprendizado de conteúdos complexos, precisamos construir o conhecimento, começando pelas informações mais básicas e, aos poucos, atingindo os níveis mais abstratos. 22 Por exemplo, para resolver uma equação matemática complexa, é necessário antes saber operações básicas: soma, subtração, multiplicação e divisão. É importante salientar que existem diferentes tipos de memória e é possível que haja comprometimento em um subtipo e não em outro. Embora sejam relacionadas, a memória não verbal, para elementos visuoespaciais, é relativamente independente da memória verbal, relacionada à linguagem e vice-versa. Entre as várias classificações possíveis, a memória pode ser dividida em: • Declarativas ou explícitas: que estão relacionadas a eventos autobiográficos, próprios, únicos e particulares de cada pessoa e conhecimentos de fatos do mundo. • Não declarativas ou implícitas: que ocorrem por meio da repetição e do hábito, não podendo ser passadas a outras pessoas através de palavras, como saber nadar ou andar de bicicleta. 3.4 Linguagem Essa função é de fundamental importância para nós, seres humanos. Muitos dos conhecimentos que temos, hoje, é devido ao acúmulo de centenas de anos de vivências diversas e isso só foi possível por meio da transferência de conhecimentos por meio da linguagem. Apenas humanos possuem a capacidade de atribuir significados e símbolos para sons, na extensão e complexidade como fazemos, o que nos permite transmitir os conhecimentos acumulados de geração para geração. São várias as regiões envolvidas na linguagem, como a área de Broca, no lobo frontal, e a área de Wernicke, no lobo temporal. No que se refere à comunicação, alterações de linguagem foram fundamentais para a compreensão do funcionamento cerebral no 23 princípio das neurociências, trazendo uma importância histórica para o tema. Um curioso fato é que para a maioria das pessoas, as funções de linguagem se encontram no hemisfério esquerdo do cérebro, embora, em algumas pessoas, esta função possa estar localizada no hemisfério direito, o que ocorre, principalmente, em canhotos. 4. Inibição e autocontrole Para que as funções cognitivas, anteriormente descritas, estejam de acordo com as regras sociais, é fundamental que filtremos nossas ações ao dizer ou fazer algo. Uma criança poderá chorar e reclamar de fome, mas um adulto deve ser capaz de aguentar essa mesma sensação incômoda com maior resistência quando algum evento externoo impede de se alimentar momentaneamente. Isso se dá porque a criança ainda não possui o córtex pré-frontal plenamente desenvolvido e esta região é a principal responsável pelo autocontrole e inibição de impulsos. Esse aprendizado do que se pode ou não dizer e fazer em determinado contexto e ambiente se dá aos poucos, ao longo da vida. Crianças costumam ser mais espontâneas, mas à medida que crescem, espera-se que aprendam a inibir seus impulsos e se autocontrolarem. É interessante notar que inibição e autocontrole esbarram em aspectos éticos e culturais. Sociedades distintas podem possuir regras igualmente divergentes do que é de bom tom, esperado ou proibido. Para algumas culturas, comportamentos como o arroto, por exemplo, pode não ser malvisto após uma refeição, enquanto, para outras, esse ato seria extremamente ofensivo. Assim, a inibição e o autocontrole dela pode ser bem-vinda ou não, dependendo da sociedade em questão. Embora componentes sociais sejam fundamentais para a determinação do que deve ser inibido 24 e autocontrolado, existem componentes e aparatos biológicos que possibilitam tal discriminação e controle. Você consegue se lembrar de algo que gostaria muito de ter feito, mas não fez ou adiou por considerar que outra tarefa era prioridade? É fácil compreender quando pensamos neste exemplo: estudar para uma prova em uma tarde de sol pode ser bem pouco convidativo e, certamente, um convite para um banho de piscina poderia ser facilmente aceito pela maioria das pessoas, não fosse a inibição e o autocontrole. Podemos nos autocontrolar graças ao lobo frontal, responsável por essa ponderação e racionalização, possibilitando que, mesmo contra todas as suas vontades, você opte por estudar ao invés de ir para a piscina se refrescar. As funções associadas ao lobo frontal são de fundamental importância. Estruturas do lobo frontal, como o córtex pré-frontal e o córtex cingulado anterior, estão relacionadas com o autocontrole, inibição, análise de consequências, possibilitando a supressão de vontades, levando em conta não apenas os aspectos do que se quer, mas também as consequências, o que poderá acontecer se aquela vontade for realizada. O córtex pré-frontal pode ser ainda subdividido em três regiões, que são: lateral, medial e ventral. A região ventral faz conexões com diversas partes do cérebro e está mais diretamente relacionada com o controle de impulsos. As lesões na região medial podem estar associadas a afeto inapropriado, baixa tolerância a frustração, comportamento social inadequado, inflexibilidade e pobreza de julgamento. Dessa forma, os comportamentos se modificam e podem alterar a maneira como os indivíduos se portam perante os demais, levando familiares e amigos à sensação de estranhamento e não reconhecimento. Interessante notar como há relações entre as funções cognitivas apresentadas, e como a inibição e o autocontrole nos auxilia em 25 comportamentos complexos e típicos dos seres humanos, como tomada de decisões que podem adiar prazeres imediatos e que são importantes a médio ou longo prazo. Nosso aparato biológico permite percebermos o mundo ao nosso redor, selecionar, por meio da atenção, o que é de maior importância, memorizar esses acontecimentos para uso posterior e nos comunicarmos por meio da linguagem, possibilitando que este conhecimento seja passado adiante, para outros indivíduos. Essa comunicação é fundamental para que saibamos, de acordo com a cultura e sociedade em que estamos inseridos, quais comportamentos devemos inibir e em quais situações o autocontrole pode ser necessário. Referências BARBOZA, L. M. S. Psicopedagogia e aprendizagem: Coletânea de Reflexões. Curitiba, 2002. BUTMAN, J; ALLEGRI, R F. A cognição social e o córtex cerebral. Psicol. Reflex. Crit., v. 14, n. 2, p. 275-279. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 79722001000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 25 jul. 2022. LURIA, A. R. Fundamentos da Nuropsicologia. São Paulo: Rd da USP, 1981. MOGRABI, G. J. C. Vontade, inibição, razão e autocontrole: a atualidade de uma tese de Willian James. Veritas, v. 54, n. 1, p. 46-68. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em: http:// revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/5066.\\Acesso em: 25 jul. 2022. SIMÕES, P. M. U. Análise de estudos sobre atenção publicados em periódicos brasileiros. Psicol. Esc. Educ., v. 18, n. 2, p. 321-330. Maringá: Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), 2014. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572014000200321&lng=en&nr m=iso. Acesso em: 25 jul. 2022. XAVIER, G. F. A modularidade da memória e o sistema nervoso. Psicol. USP, v. 4, n. 1-2, p. 61-115. São Paulo: USP, 1993. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771993000100005&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 25 jul. 2022. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722001000200003&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722001000200003&lng=en&nrm=iso http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/5066 http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/5066 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572014000200321&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572014000200321&lng=en&nrm=iso http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572014000200321&lng=en&nrm=iso http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771993000100005&lng=pt&nrm=iso http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-51771993000100005&lng=pt&nrm=iso 26 Transtornos relacionados às funções cognitivas Autoria: Tamires Araujo Zanao Mariano Leitura crítica: Michele Aparecida Cerqueira Rodriguesa Objetivos • Apresentar os principais transtornos relacionados à percepção e atenção. • Apresentar os principais transtornos relacionados à inibição e autocontrole. • Apresentar os principais transtornos relacionados à linguagem e memória. 27 1. O ser humano e o mundo à sua volta Para percebermos o meio em que estamos inseridos, necessitamos utilizar nossos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), que nos permitem experimentar as informações recebidas do mundo exterior, e são muitas que chegam até nós! Não daríamos conta de processar de modo completo e perfeito todos os estímulos que chegam até nós pelos diversos órgãos dos sentidos. Mais do que isso, não seria nada econômico. Gastaríamos muita energia em algo que não nos seria útil. A atenção possibilita que selecionemos o que deve ser importante no contexto em que estamos inseridos e a inibição e o autocontrole nos permite agir de modo adequado em sociedade, suprimindo vontades em momentos que atendê-las pode ser inoportuno ou pouco vantajoso para nós. Como o cérebro está envolvido em todas essas funções apresentadas, é fácil perceber que injúrias, traumas e lesões podem afetá-las gravemente. Neste tema, você verá alguns transtornos relacionados à percepção, atenção, inibição/ autocontrole, memória e linguagem. Na história das neurociências, o estudo do mau funcionamento é importante não apenas para buscar tratamentos a esses indivíduos, mas também auxilia a compreender o que ocorre no cérebro saudável, trazendo maiores informações acerca dos componentes que integram o encéfalo de modo que a percepção, atenção, inibição e autocontrole, memória e linguagem sejam possíveis, levando à compreensão de como esses processos se dão e não (só) exatamente onde ocorrem. Bons estudos! 2. Conceitos de percepção, atenção, inibição, autocontrole, linguagem e memória Brevemente, a definição de percepção consiste na capacidade de percebermos as coisas à nossa volta, estando diretamenteenvolvida 28 com os sentidos. Os estímulos chegam até nós, por meio dos sentidos, e, então, podemos interpretá-los, identificando-os e atribuindo significado a essas informações. Como são muitos os estímulos, temos a atenção para selecionar aqueles aos quais devemos direcionar nossa consciência. Percebemos o mundo e atribuímos significados, nos atentando ao que se faz importante em determinados contextos, mas também é importante que utilizemos da inibição e do autocontrole para que não tenhamos ações de modo inadequado, seguindo regras sociais e priorizando os comportamentos adequados para cada situação. A linguagem é o que permite nos comunicarmos com os outros da nossa espécie, transmitir nossas ideias e planos, auxiliando os conhecimentos serem passados de uma pessoa a outra. No entanto, sem a memória, o aprendizado não seria possível, já que vamos adicionando camadas de conhecimento ao longo do tempo (imagine como seria possível aprender a ler sílabas se não fossemos capazes de memorizar as vogais e as consoantes?). Agora que já vimos um pouco sobre o que são essas funções, veremos, por meio de exemplos, o que ocorre quando algo não vai bem no funcionamento delas. 3. Transtornos e distúrbios de percepção e atenção 3.1. Sinestesia Você sabe dizer que cor é o número 5? A pergunta é exatamente essa: qual a cor do número 5? E do número 23? Pode parecer estranho, mas, para pessoas com sinestesia, números podem ter cores associadas a eles. E não para por aí! Outros sentidos podem se somar, como sons e sabores, por exemplo. Em resumo, indivíduos sinestésicos são pessoas que quando expostas a uma modalidade sensorial experimentam de 29 modo automático e consistente outra sensação, de uma modalidade diferente. A forma mais comum de sinestesia consiste em enxergar cores em letras e palavras do alfabeto. Alguns sinestésicos consideram que se trata de um presente, algo bom e, por isso, termos como desordens ou transtornos podem ser ofensivos. A prevalência ainda não é totalmente definida, mas alguns autores consideram que pode ser da magnitude de 1, em cada 20 pessoas da população. 3.2. Blindsight Blindsight é um termo em inglês que poderia ser traduzido para algo como visão cega. Trata-se da capacidade parcial de indivíduos que possuem lesão do córtex estriado, uma região essencial para a percepção visual, de responderem a alguns estímulos visuais que estão presentes em seus pontos cegos. Resumindo, esses pacientes conseguem responder a estímulos que não são capazes de ver. Podem detectar presença de objetos, distinguir algumas formas (como a letra O, da letra X), apontar para determinada direção, indicando a localização de determinado objeto, por exemplo, mesmo quando estes aparecem em regiões correspondentes a áreas do córtex estriado lesionadas, sem ter consciência do que estão vendo. A hipótese mais aceita para a ocorrência do blindsight consiste na existência de dois sistemas visuais distintos: um primitivo, independente da área estriatal e outro mais complexo e avançado. O sistema primitivo pode ser sensível a algumas características, como movimentos e velocidade, sem que ocorra a consciência dessa percepção. 3.3. Negligência espacial unilateral Diferentemente dos pacientes com blindsight, que respondem a objetos que não podem ver, no indivíduo com negligência espacial unilateral ocorre algo oposto: eles podem ver, mas falham em responder a esses 30 estímulos vistos. Possuem acuidade visual normal, mas negligenciam o que ocorre em um determinado lado do campo de visão. Lembrando que o hemisfério direito controla o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo controla o lado direito. Quando uma lesão ocorre do lado direito, por exemplo, a negligência se dá do lado esquerdo do corpo e vice-versa. É como se o que ocorre do lado negligenciado não existisse: esses pacientes não comerão a comida que estiver do lado negligenciado do prato, não perceberão os números do relógio no lado negligenciado e assim por diante. 3.4. Agnosia O termo agnosia significa não conhecimento. Pacientes com agnosia visual possuem memória, linguagem, inteligência e, inclusive, acuidade visual em bom funcionamento, mas são incapazes de reconhecer objetos de uso comum e diário. Podem perceber os objetos, não esbarrar neles, manuseá-los, mas não os reconhecem. Esta condição pode ser definida como um prejuízo de processamento visual superior, que é necessário para o reconhecimento de objetos, com preservação relativa das outras capacidades visuais. Existem outros tipos de agnosia, como a tátil, em que o indivíduo não reconhece o objeto por meio do toque e na agnosia auditiva, o paciente é incapaz de reconhecer os objetos pelo som. 3.5. Prosopagnosia O reconhecimento de faces é uma tarefa complexa: não basta identificar elementos comuns, como olhos, boca e nariz, pelo contrário, esses elementos estão presentes em todos os indivíduos. Além disso, as expressões faciais que utilizamos a todo momento modificam nossos rostos frequentemente. Algumas injúrias cerebrais podem prejudicar a habilidade de reconhecimento facial. Trata-se da prosopagnosia, uma desordem 31 de processamento e reconhecimento de faces. Indivíduos com prosopagnosia podem ser incapazes de reconhecer faces mesmo de familiares próximos e, em alguns casos, seus próprios rostos. A inabilidade de reconhecimento se refere unicamente às faces, havendo o reconhecimento por meio das vozes, por exemplo. 4. Transtornos e distúrbios de inibição e autocontrole O lobo frontal é de fundamental importância para diversas características humanas, como habilidades motoras, funções cognitivas e executivas, que envolvam planejamento de tarefas, análise de consequências, inibição de impulsos e autocontrole. Podemos facilmente supor que injúrias, neste lobo, podem causar uma variedade de prejuízos. A maioria das mudanças de comportamento estão relacionadas com lesões no córtex pré-frontal, resultando em uma ampla gama de alterações comportamentais. Em outros casos de injúrias de lobo frontal, foram retratados ausência de preocupações e apatia ou mesmo ausência de distração anormal, embora a inteligência geral permaneça não afetada. 5. Transtornos relacionados à linguagem A linguagem é tão fascinante que diferentes profissionais se dedicam ao seu estudo, como linguistas, fonoaudiólogos, psicólogos, neurologistas, pedagogos, entre outros, contudo as abordagens podem ser diferentes. Aqui, apresentaremos, principalmente, os componentes biológicos da linguagem e suas implicações. O processamento da linguagem é complexo e diverso, incluindo identificação de sons e atribuição aos seus significados, resolução de 32 problemas, encadeamento de pensamento, além do mais óbvio que é a comunicação com outras pessoas. Doenças neurológicas ou traumas cerebrais podem acarretar distúrbios diversos. A seguir, você conhecerá as principais características das principais alterações da linguagem, mas, antes disso, é importante compreender o termo afasia. Afasia consiste na perda da memória depois que esta já foi adquirida pelo indivíduo, devido a algum trauma ou doença que atinja áreas cerebrais relacionadas à linguagem (GROOME, 2008). Figura 1 – Afasia Fonte: Shutterstock.com. 33 5.1. Afasia de Broca Esta afasia ocorre quando a porção posterior do lobo frontal esquerdo (área de Broca) é atingida. Os sintomas incluem dificuldades de produzir palavras e incapacidade de utilizar flexões e conectivos. Embora o planejamento e a produção da fala sejam deficientes, a compreensão está praticamente intacta. Indivíduos com afasia de Broca apresentam, portanto, a compreensão preservada, mas a fala prejudicada e as poucas palavras que conseguem dizer costumam ser dotadas de significado. 5.2. Afasia de Wernicke É a afasia oposta à de Broca, ou seja, o discurso da fala é fluente, com flexões de verbos e uso de conjunções e conectivos, mas pobre em significado. O indivíduoconsegue produzir a fala, mas o discurso não faz sentido. Isso ocorre quando a metade posterior do córtex temporal (área de Wernicke) é atingida. 5.3. Afasia de condução Para compreender este tipo de afasia é necessário, antes, compreender as afasias de Broca e Wernicke, pois, na afasia de condução, o déficit está na comunicação, na condução de uma área para outra. Isso significa que os indivíduos com afasia de compreensão são capazes de entender o significado da fala e de produzir fala, mas não conseguem repetir frases quando solicitados, cometendo erros fonológicos, substituindo palavras ou até mesmo tendo dificuldade para dizer qualquer coisa. A área comprometida neste tipo de afasia é o fascículo arqueado. 5.4. Afasia global Este tipo de afasia envolve distúrbios em todas as funções de linguagem. Ocorre quando uma grande porção do lobo frontal e temporal são comprometidos e é caracterizado pelo comprometimento de todos os processos de linguagem. 34 6. Distúrbios relacionados à memória Os distúrbios de memória são chamados de amnésias, conhecido pelo público geral, esse termo é um tema interessante e muito explorado pelas artes: em filmes, teatros, programas de televisão etc. A doença de Alzheimer é outro exemplo de assunto relacionado à perda de memória presente na mídia, devido ao aumento significativo de casos, já que há uma longevidade crescente das pessoas. O que é amnésia? Assim como não existe uma única memória (são vários subtipos), também não há um único tipo de amnésia. A seguir, trataremos das principais características das amnésias (GROOME, 2008). As amnésias podem ter diversas etiologias que, por sua vez, podem ser divididas em dois grandes grupos, como veremos a seguir. 6.1. Amnésias orgânicas Este tipo de amnésia é causado por danos físicos de causas diversas, como traumas cerebrais ocasionados por acidentes, infecções cerebrais e desordens degenerativas. As amnésias orgânicas costumam ser severas, progressivas e irreversíveis, e trazem como característica o prejuízo das memórias de longo prazo, ou seja, aquelas memórias consolidadas no passado. Estes pacientes também têm dificuldade para formar novas memórias de longo prazo, mas continuam capazes de utilizar a memória de curto prazo, podendo se lembrar do que aconteceu nos segundos anteriores, completar frases, participar de conversas que não requeiram muitas informações de um passado mais distante. A dificuldade reside em passar essas informações recém- adquiridas, no curto prazo, para memórias de longo prazo que poderão ser acessadas no futuro (GROOME, 2008). 35 Entre as principais causas de amnésia orgânica, estão: Doença de Alzheimer, Síndrome de Korsakoff, Encefalite (Herpex Simples), cirurgia de lobo temporal e pós eletroconvulsoterapia. 6.2. Amnésias psicogênicas Essas amnésias estão, geralmente, ligadas à repressão de eventos traumáticos e memórias consideradas inaceitáveis pelo sujeito acometido por ela. Ocorre, por exemplo, com pessoas que sobrevivem a acidentes muito graves. Estas amnésias raramente são totalmente debilitantes e, embora possam causar desorientação e confusão, costumam ser reversíveis, visto que não há lesão cerebral. 6.3. Amnésias anterógrada e retrógrada Outra diferenciação importante entre as amnésias, é a caracterização em amnésia anterógrada, quando a perda de memória ocorre a partir do início da amnésia, com o sujeito não conseguindo formar memórias de longo prazo a partir do início desta, e amnésia retrógrada, quando a perda de memórias de longo prazo afeta memórias que ocorreram antes do início da amnésia, não sendo possível para esses indivíduos lembrarem de acontecimentos passados. Referências BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. DeGROOT, J. Neuroanatomia. 21. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1994. GROOME, D.; BRACE, N.; DEWART, H. et al. An introduction to cognitive psychology: processes and disorders. 2. ed., p. 1-235. London: British Library Cataloging, 2008. Disponível em: http://xn—webducation-dbb.com/wp-content/ uploads/2019/11/David-Groome-et-al.-An-Introduction-to-Cognitive-Psychology_- Processes-and-Disorders-Psychology-Press-Taylor-Francis-c2014.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022. LURIA, A. R. Fundamentos da neuropsicologia. São Paulo: Rd da USP, 1981. http://xn-webducation-dbb.com/wp-content/uploads/2019/11/David-Groome-et-al.-An-Introduction-to-Cogn http://xn-webducation-dbb.com/wp-content/uploads/2019/11/David-Groome-et-al.-An-Introduction-to-Cogn http://xn-webducation-dbb.com/wp-content/uploads/2019/11/David-Groome-et-al.-An-Introduction-to-Cogn 36 Transtornos de aprendizagem Autoria: Tamires Araujo Zanao Mariano Leitura crítica: Michele Aparecida Cerqueira Rodrigues Objetivos • Apresentar as funções executivas e alguns transtornos relacionados ao planejamento, organização e execução de tarefas. • Apresentar alguns dos principais transtornos relacionados à aprendizagem. • Apresentar a síndrome disexecutiva e sua relação com lesões cerebrais. 37 1. Funções executivas: definição e implicação na aprendizagem Quando falamos em planejamento, organização e execução de tarefas, estamos falando em funções executivas, englobando a seleção de ações motivadas a atingir um objetivo. Essas habilidades e capacidades são fundamentais para estabelecer novos conhecimentos e aprendizagens. As funções executivas são realizadas majoritariamente pelo lobo frontal, mais especificamente pelo córtex pré-frontal. São várias as condições que podem levar ao prejuízo das funções executivas que interferem em muitos aspectos da aprendizagem, entre elas, estão transtornos psiquiátricos, lesões, injúrias e traumas cerebrais, entre outros (DIAS et al., 2010). A seguir, você verá como alterações da organização, do planejamento e da execução de tarefas interferem na capacidade de aprendizagem. 2. Distúrbios da aprendizagem Ao falarmos em distúrbio de aprendizagem, é importante fazer uma primeira diferenciação: o distúrbio possui caráter inespecífico (também chamado de secundário ou sintomático) ou primário (específicos)? No caso dos transtornos inespecíficos, as causas são identificáveis e, quando tratadas, geram uma melhora da aprendizagem como consequência. Entre eles, estão: os distúrbios de comportamento, como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade; doenças crônicas, como a epilepsia, que necessita do uso de medicações que podem alterar a cognição; mudanças na constituição; convivência familiar ou outras situações que causem sofrimento psicológico; deficiências mentais ou sensoriais; entre outros. Os distúrbios de aprendizagem inespecíficos constituem a maioria dos casos de alterações de aprendizagem. Vale notar que, mesmo sendo secundárias, as soluções para melhores condições de aprendizagem podem ser complexas. No caso de 38 alterações causadas pelo uso de medicação prolongada, como, por exemplo, na epilepsia, sabe-se que algumas medicações podem prejudicar a memória, a velocidade do processamento das decisões e o próprio juízo, mas esses remédios são também fundamentais para controlar as crises que, por si só, já causam prejuízos cognitivos. Já as dificuldades primárias, afetam crianças que possuem condições de aprendizagem adequadas (frequentam escola, não possuem alterações psicológicas incapacitantes, não fazem uso contínuo de medicações que interferem na memória etc.). Os termos utilizados (transtorno, distúrbio, deficiência) são variados e controversos e o diagnóstico deve ser feito por profissionais capacitados, que comprovem rebaixamento significativo em habilidades de leitura, matemática ou expressão escrita, sendo o comprometimento persistente ao longo do desenvolvimento. Ainda, o diagnóstico não deve ser utilizado para limitar ou rotular o indivíduo, mas para buscar o tratamento mais adequado. Aqui, focaremos nos distúrbios de aprendizagem que alteram especificamentea organização, planejamento e execução de tarefas, ou seja, os distúrbios de aprendizagem que afetam as funções executivas. As funções executivas estão envolvidas em diferentes operações relacionadas entre si, envolvendo atenção seletiva, controle de impulsos, planejamento e avaliação de ações para atingir um objetivo ou meta. Da mesma forma, alterações e prejuízos nessas habilidades poderão gerar diversas alterações comportamentais ou cognitivas, com dificuldade de seleção de informação, dificuldades de organização, planejamento e execução de tarefas, bem como incapacidade de antecipar adequadamente consequências, com imediatismos, impulsividade e prejuízo para a vida social. 3. Classificação dos distúrbios Disfunções das funções executivas acarretam diversas alterações comportamentais em crianças e adolescentes, afetando a aprendizagem 39 em graus variados. Entre eles, estão Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, transtornos invasivos ou globais do desenvolvimento (espectro autista, transtornos de aprendizagem, como a dislexia e a discalculia, síndromes genéticas, como Síndrome de Prader-Willi, Síndrome de Williams e Síndrome de Down, quadros neurológicos crônicos, como epilepsia etc.). Falaremos, a seguir, de algumas das disfunções e transtornos de funções executivas que mais afetam a aprendizagem. 3.1. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) consiste em um distúrbio do comportamento que afeta, principalmente, crianças. Trata-se de uma combinação da tríade déficit de atenção, impulsividade e hiperatividade, que pode ocorrer em graus variados. Essas alterações afetam vários âmbitos da vida da criança em suas relações sociais, além de acarretar rendimento escolar abaixo do esperado. O prejuízo escolar costuma ser maior quando o déficit é predominantemente de atenção. Entre os principais sintomas, estão a incapacidade de manter atenção focada por tempo suficiente para realizar tarefas que exijam uma quantidade grande de informações. A distração ocorre com muita facilidade para crianças com TDAH e a capacidade de autocontrole e de julgamento de consequências são falhas. Devido a essas características, indivíduos com TDAH tendem a perceber muitas das situações escolares como aversivas e o convívio social, com os professores e com os demais alunos, tende a ser prejudicado. É importante que o diagnóstico diferencial de TDAH para outras causas de alterações de comportamentos seja feito de modo adequado e, para isso, é preciso descartar algumas situações que possam gerar os mesmos sintomas, entre eles: alterações da dinâmica familiar, estresse pós-traumático, alterações na tireoide, epilepsia, abuso ou dependência de drogas, doenças neurodegenerativas, entre outros. 40 Comorbidades ao TDAH são muito frequentes, embora seja difícil precisar exatamente quanto. Entre as comorbidades mais frequentes, estão o transtorno opositor desafiante, distúrbios de conduta, depressão, ansiedade e distúrbios de aprendizagem. 3.2. Transtornos do espectro autista e globais do desenvolvimento O autismo é um transtorno que possui grande variedade de graus e intensidades, não podendo ser classificada como uma doença única, portanto. Possui prevalência relativamente alta (de dois a cinco casos, em mil), sendo o terceiro entre os distúrbios de desenvolvimento, à frente da Síndrome de Down, por exemplo. Em comum, pessoas do espectro autista apresentam déficit na comunicação e interação social, padrão de comportamentos repetitivos e pequeno repertório de atividades tidas como prazerosas. Em relação à linguagem, novamente as habilidades são variadas, tanto para capacidades verbais como não verbais, podendo ir desde a incapacidade total da fala, passando por ecolalia (repetição repetitiva dos últimos sons, palavras ou frases, como um eco), uso de jargões, aquisição de fala, mas com dificuldade para entender metáforas e sutilezas da língua, com dificuldades também para interpretar expressões faciais e corporais. O autista apresenta déficits qualitativos na interação social, de comunicação e de padrões de comportamento. No que se refere às capacidades cognitivas, na Síndrome de Asperger, diferentemente do autismo, o indivíduo não apresenta atraso significativo de linguagem, nem há atraso significativo no desenvolvimento cognitivo, com preservação de habilidades de autoajuda, comportamentos adaptativos e de curiosidade em relação ao meio. No entanto, há déficits significativos na interação social e padrão de comportamentos estereotipados. 41 No Transtorno Desintegrativo da Infância, o que ocorre é uma perda de capacidades previamente adquiridas, como de linguagem, habilidades sociais, lúdicas e motoras. Essas habilidades são adquiridas até aproximadamente os dois anos de idade, mas, antes dos dez, ocorrem perdas significativas nesses âmbitos. Para fazer o diagnóstico diferencial, muitas vezes, é necessário que uma equipe multidisciplinar realize exames e testes, com avaliação neuropsicológica, incluindo avaliação de linguagem e exames complementares, como testes genéticos. É importante, ainda, salientar que, embora estes transtornos apresentem dificuldades de organização, planejamento e execução de tarefas, seus déficits envolvem também outros aspectos, como dificuldades de socialização. 4. Funções executivas e o lobo frontal As funções executivas são atribuídas ao lobo frontal, mais especificamente da região pré-frontal, que funcionaria como um maestro (GOLDBERG, 2012). Seguindo essa metáfora do maestro, podemos perceber que a orquestra continuaria existindo sem o maestro, assim como as atividades neurais sem o córtex pré-frontal. No entanto, a ausência do maestro (e do córtex pré-frontal) fariam com que a eficiência e a organização das partes relacionadas fossem prejudicadas. Existem diferentes modelos para explicar como as funções executivas ocorrem e se relacionam. Lezak (apud FUENTES et al., 2008) propõe que ocorrem etapas sequenciais e interdependentes entre quatro componentes, que são a volição (a vontade e o engajamento na tarefa), o planejamento, a ação proposital, que é o próprio comportamento, devendo este passar por avaliações e ser adequado sempre que necessário para o desempenho efetivo. 42 Barkley (2001) propõe que as diferentes habilidades executivas se relacionam entre si, sendo (apud FUENTES et al., 2008): Figura 1 – As diferentes habilidades executivas Fonte: elaborada pela autora. Como dito anteriormente, o lobo frontal é responsável pelas funções executivas, mas uma subdivisão importante deste lobo é essencial quando se trata deste assunto: estamos nos referindo ao córtex pré- frontal, localizado no lobo frontal. 43 Figura 2 – Os principais circuitos envolvidos no córtex pré-frontal Fonte: elaborada pela autora. 5. Lesões no lobo frontal: síndrome disexecutiva A síndrome disexecutiva se refere a prejuízos e alterações nas funções executivas, que podem ser ocasionadas por lesões cerebrais ocorridas especificamente no lobo frontal, região associada às funções executivas. Devido à complexidade e variedade de funções executivas, as manifestações da síndrome disexecutiva podem ser também diversas. Quando a região acometida por lesão é pertencente ao circuito orbitofrontal lateral, por exemplo, geralmente, ocorre alteração 44 de comportamentos com predominância em envolvimento de atividades de risco, alterações de personalidade, principalmente, com desobediências a regras sociais, infantilização e baixa tolerância a frustração. Como estes indivíduos têm dificuldade para avaliar situações e analisar riscos, suas tomadas de decisões ficam muito prejudicadas. Ecolalia, ou seja, a repetição das últimas palavras ou sons também pode ocorrer, assim como a ecopraxia, que consiste na repetição ou imitação de movimentos. Se o comprometimento cerebral atingir porções do circuito do cíngulo anterior, por exemplo,os déficits são mais relacionados a dificuldade na realização de atividades, visto que a motivação estará prejudicada. O indivíduo pode se apresentar apático, com dificuldade para focar a atenção, falhar em apresentar respostas instintivas e ter dificuldades em identificar e corrigir erros (FUENTES et al., 2008). 6. Avaliação das síndromes disexecutivas Para diagnosticar um indivíduo com síndrome disexecutiva, é necessário realizar alguns testes e exames, entre eles, as avaliações neuropsicológicas, pertinentes à cognição. Essas avaliações são feitas por meio de testes que buscam medir as capacidades e habilidades das funções executivas, de modo a comparar o desempenho do indivíduo em relação aos dados normativos de outros indivíduos. Esses dados são adquiridos por meio da extensa aplicação de testes em uma população heterogênea, o desempenho dessa população é contabilizado e várias análises são feitas. Os resultados são então divididos por critérios como gênero, escolaridade, idade etc. 45 Assim, é possível comparar o resultado da pessoa com queixas de funções executivas com uma população parecida com ela (mesma idade, gênero ou escolaridade), e saber se e o quanto se desvia da população saudável. Um exemplo seria o Behavioral Assessment of the Dysexecutive System, uma bateria de testes para avaliar comportamentos na síndrome disexecutiva, por meio de simulação de situações do dia a dia, buscando encontrar déficits nessas atividades corriqueiras que requerem as funções executivas para serem bem executadas. Entre as características avaliadas, estão a flexibilidade de respostas frente à mudança das condições, avaliação de escolhas e como estas são selecionadas, capacidade de estimar o tempo que seria necessário para realizar diversas tarefas, planejamentos de ações e automonitorização. Além deste teste, muitos outros são utilizados, como a Torre de Londres, que avalia a capacidade de decisão estratégica e de resolução de problemas para crianças, e o teste de Stroop, em que a pessoa deve falar a cor atribuída às palavras ao invés de ler Essa tarefa é dificultada devido ao fato das palavras escritas serem nomes de cores, ou seja, se temos a palavra escrita VERDE pintada da cor vermelha, o indivíduo deverá dizer vermelho e não verde. Esta tarefa é difícil, pois, para pessoas alfabetizadas, ler é uma atitude automática e não ler é algo que necessita inibição e controle. Figura 3 – Exemplo do teste Stroop Fonte: elaborada pela autora. 46 Referências DIAS, N. M.; MENEZES, A; SEABRA, A. G. Alterações das funções executivas em crianças e adolescentes. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 1, n. 1, p. 80-95. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2010. Disponível em: http:// www.uel.br/revistas/uel/index.php/eip/article/viewFile/8619/7238. Acesso em: 25 jul. 2022. FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ L. F.; CAMARGO, C. H. P. et al. Neuropsicologia – Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed, 2008. GROOME, D.; BRACE, N.; DEWART, H. et al. An introduction to cognitive psychology: processes and disorders. 2. ed., p. 1-235. London: British Library Cataloging, 2008. http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/eip/article/viewFile/8619/7238 http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/eip/article/viewFile/8619/7238 47 Sumário Apresentação da disciplina Introdução às funções cognitivas e Unidades de Luria Objetivos 1. Introdução às funções cognitivas e executivas 2. Principais funções cognitivas 3. As Unidades Funcionais de Luria 4. Processamento e seleção da informação 5. Flexibilidade Cognitiva e Comportamental - as funções executivas Referências Percepção, atenção, linguagem, memória e funções executivas Objetivos 1. As funções cognitivas e a conexão com o mundo 2. Córtex cerebral - o que é e para que serve? 3. Percepção, atenção, memória e linguagem 4. Inibição e autocontrole Referências Transtornos relacionados às funções cognitivas Objetivos 1. O ser humano e o mundo à sua volta 2. Conceitos de percepção, atenção, inibição, autocontrole, linguagem e memória 3. Transtornos e distúrbios de percepção e atenção 4. Transtornos e distúrbios de inibição e autocontrole 5. Transtornos relacionados à linguagem 6. Distúrbios relacionados à memória Referências Transtornos de aprendizagem Objetivos 1. Funções executivas: definição e implicação na aprendizagem 2. Distúrbios da aprendizagem 3. Classificação dos distúrbios 4. Funções executivas e o lobo frontal 5. Lesões no lobo frontal: síndrome disexecutiva 6. Avaliação das síndromes disexecutivas Referências