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AULA 3 NEUROCIÊNCIA DAS EMOÇÕES Profª Debora Berger Schmidt 2 INTRODUÇÃO Até aqui, conhecemos mais sobre as emoções e a sua função comunicativa de um estado interno (sensações pessoais e individuais) de uma pessoa para o seu meio externo. A expressão dos sentimentos foi importante para a evolução e a adaptação da nossa espécie e é importante para que possamos estabelecer laços e trocas sociais. Ela faz parte do sistema de linguagem do ser humano, algo fundamental da nossa espécie. Além disso, como as emoções não acontecem dissociadas do nosso corpo, aprendemos sobre as bases neurológicas das emoções e também da aprendizagem. Nesta etapa, vamos seguir discorrendo sobre o funcionamento do nosso cérebro, abordando funções cognitivas que são fundamentais para o nosso convívio social e para a aprendizagem. Nos tópicos 1 e 2 falaremos das funções executivas (FE), um conjunto de funções cognitivas que, conjuntamente, permitem que sejamos capazes de planejar uma ação para atingir um objetivo futuro. Vamos articular ainda como as FE se relacionam com a nossa tomada de decisão, algo tão corriqueiro em nossas vidas que impactam diretamente no nosso planejamento e em nossas atividades diárias. No tópico 3, vamos aprender sobre Alexander Romanovich Luria, um autor russo, nascido em 1902, representante importante de uma corrente chamada psicologia sócio-histórica, que defende que o desenvolvimento de algumas funções cognitivas está diretamente relacionada com as experiências e vivências sociais e culturais, novamente superando aquele pensamento dicotômico que aprendemos em outro momento. Finalmente, nos tópicos 4 e 5 vamos retomar a temática da aprendizagem, destacando como o córtex pré-frontal e suas estruturas se articulam a esse processo e com as emoções em uma perspectiva contemporânea e integrativa. TEMA 1 – COMO NOS TORNAMOS CAPAZES DE PLANEJAR? Talvez você já tenha ouvido falar do teste do marshmallow. Trata-se de um teste bastante simples, realizado por pesquisadores de Stanford (Estados Unidos) em 1960, com crianças em idade pré-escolar. As crianças participantes desse estudo tinham que fazer uma difícil escolha entre uma recompensa saborosa a ser degustada imediatamente (um marshmallow) ou uma recompensa maior ainda (dois marshmallows), desde que esperassem sozinhas um prazo de 3 aproximadamente 20 minutos. Elas eram então colocadas em uma sala, sentadas em frente de uma mesa, que continha dois recipientes, um com o marshmallow que poderia ser degustado imediatamente, e outro com dois marshmallows, que seriam degustados caso ela escolhesse esperar o retorno do pesquisador. Figura 1 – Teste do marshmallow Crédito: Josie Garner/Shutterstock. Na mesa também havia uma campainha, que deveria ser acionada caso a criança desejasse comer o marshmallow imediatamente. Vídeos da reprodução desse teste são facilmente encontrados em redes de compartilhamento e mostram a luta na tentativa de resistir à tentação posta. Os pesquisadores seguiram acompanhando o desempenho escolar dessas crianças até a sua adolescência e os achados revelam que quanto mais as crianças conseguiam esperar pelo prêmio aos quatro ou cinco anos, mais se destacaram nos testes de aptidão escolar e de funções cognitivas (Mischel, 2016). O que está em jogo na passagem acima está em como nos tornamos capazes de planejar e realizar, postergando gratificações, e de termos autocontrole (o que pressupõe uma percepção de si), deixando de sermos animais puramente instintivos e impulsivos. Da impulsividade, preponderante no nosso modo de funcionamento quando bebês (já tentou pedir para que um bebê de 4 poucos dias que chora por fome aguarde “só um minutinho” enquanto a mamadeira é preparada ou a mãe se apronta para a amamentação?), até a capacidade de espera e planejamento, existe a maturação de funções cognitivas complexas, que atingem seu auge de maturação só depois da adolescência. Estamos nos referindo de modo específico às funções executivas (FE), uma função cognitiva complexa, que engloba diferentes funções cognitivas (memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva, por exemplo), como conceituaremos a seguir. A sua relevância ganha destaque especial no período escolar, pois compreende funções cognitivas recrutadas no dia a dia da educação infantil, quando a criança é requerida a se engajar em comportamentos orientados a objetivos, a se organizar de modo direcionado a metas (Mazzo, 2021). Não raramente encontramos professores que encontram crianças desmotivadas, preguiçosas ou irresponsáveis. Os avanços das neurociências nos permitem olhar essas crianças em uma perspectiva menos julgadora e nos engajar, como adultos, cuidadores ou professores, a auxiliá-las no seu desenvolvimento, permitindo que alcancem melhores capacidades funcionais e emocionais (Mazzo, 2021). 1.1 Conceito de funções executivas O conceito das funções executivas varia entre os autores. Embora não exista um consenso sobre a sua definição, sabemos ela se refere a um conjunto de habilidades que nos permitem agir para atingir um objetivo. Mazzo (2021) faz um apanhado do conceito a partir de diferentes autores e apresenta as FE a partir de duas classificações, as FE principais e as FE de ordem superior: 5 Quadro 1 – Diferença entre as funções executivas FE principais FE de ordem superior Controle inibitório: autocontrole, atenção seletiva para anular uma predisposição interna ou externa, inibição cognitiva. Raciocínio: trabalhar com informações na mente, resolver um problema de aritmética. Memória de trabalho: manutenção das informações em mente e trabalhando com elas mentalmente. Resolução de problemas: tomar decisões com base nas informações disponíveis, monitorar erros, gerenciar uma crise. Flexibilidade cognitiva: flexibilidade mental, criatividade, ajustando-se de maneira flexível a novas demandas, regras ou prioridades. Planejamento: identificação e organização dos passos necessários para um fim: rever planos, planejar etapas. Envolve a noção de tempo necessário para cada tarefa, noção de urgência e priorização. Fonte: Mazzo, 2021. Uehara, Charchat-Fichman e Landeira-Fernandez (2013) nos apresentam sob outra perspectiva as FE, classificando-as como FE quentes e FE frias. • FE quentes: estão relacionadas a processos emocionais, crenças e desejos. Motivação, tomada de decisões, comportamentos sociais, recompensa e julgamento social são exemplos de FE quentes. • FE frias: estão relacionados a processos executivos que não envolvem muita excitação emocional, sendo mais associados a aspectos mais lógicos e cognitivos, raciocínio abstrato, planejamento, resolução de problemas e memória de trabalho. A diferenciação entre essa classificação das FE nos permite refletir sobre a relação dinâmica entre duas tendências de processamento de informação que dão base para o nosso comportamento intencional (Miranda; Malloy-Diniz, 2020). 6 1.2 Desenvolvimento das funções executivas Nascemos com potencial para desenvolver as funções executivas, e isso acontecerá baseado nas experiências na primeira infância até o início da idade adulta. Aí está mais um papel da experiência educacional: estimular essa capacidade para o desenvolvimento saudável da criança e para a maturação do seu cérebro, e para a aprendizagem. As FE são fundamentais para qualidade de vida, saúde mental, prontidão e sucesso escolar, boas relações no trabalho e nas interações sociais (Mazzo, 2021). No primeiro ano de vida, algumas funções como a memória operacional e controle inibitório já estão presentes no bebê, ainda que de forma rudimentar, haja vista as tarefas piagetianas. Próximodos 2 anos de idade nos tornamos mais capazes de gerenciar nossos comportamentos de forma flexível, de modo que a flexibilidade cognitiva também inicia seu curso nos primeiros anos de vida. Essas três funções executivas vão, obviamente, ganhando sofisticação ao longo do processo de desenvolvimento (Miranda; Malloy-Diniz, 2020). Aos 4 anos, a capacidade de postergar recompensas e tomar decisões em cenários de ambiguidade vão se desenvolvendo e, nos anos seguintes, permitirão o gerenciamento do próprio comportamento. Percebam que a maturação das FE acontece junto com a inserção da criança na escola, em relação com as demandas que ela implica: associação de informações, abstração e um maior nível de criatividade (Miranda; Malloy-Diniz, 2020). Como vimos, a competência das FE aumenta com o passar dos anos, e na adolescência seu desenvolvimento depende da maturação do córtex pré-frontal, continuando a se desenvolver até o início da idade adulta. Sabemos que o desenvolvimento completo do cérebro ocorre próximo dos 21 anos de idade. Por isso muitos estudos abordam sobre a impulsividade bastante característica da fase da adolescência (Wilhelm, 2016). Algumas implicações de um funcionamento deficitário das FE (disfunções executivas) são listadas a seguir: • FE estão alteradas na maioria dos transtornos neuropsiquiátricos e com transtornos do neurodesenvolvimento; • FE auxiliam na aquisição de habilidades acadêmicas; • Disfunções executivas se relacionam a problemas de comportamentos e bullying; 7 • Disfunções executivas estão associadas a risco de comportamento suicida; • Disfunções executivas em crianças impactam diretamente a saúde dos adultos que convivem com ela. TEMA 2 – AFINAL, QUANDO E COMO NOS TORNAMOS CAPAZES DE TOMAR DECISÕES? Conforme aprendemos no tópico anterior, as funções executivas compreendem um apanhado de funções cognitivas que interligadas se relacionam com funções complexas que permitem nos organizar e planejar para que um objetivo futuro seja alcançado. Alguns autores compreendem que podemos classificar as FE em quentes e frias, sendo que a tomada de decisão seria um importante representante das FE quentes. Da roupa que vestimos no começo do dia à profissão que seguimos, das mais complexas às mais simples, estamos frequentemente vivenciando a necessidade de tomar decisões: “A tomada de decisão (TD) consiste no processo de ponderar e prever as consequências positivas e negativas de determinadas alternativas” (Branco, 2014, p. 67). Podemos diferenciar a TD em função do nível de engajamento cognitivo necessário para tomá-las, visto que algumas demandam de mais cautela na avaliação de riscos. Ou seja, a TD ganha complexidade quando é necessário optar entre uma série de alternativas em situações em que há certo grau de incerteza a respeito dos resultados dessa escolha. Existe uma variedade de fatores que podem influenciar na TD. Esses fatores ocorrem de forma simultânea em cada caso. Veremos a seguir. • Fatores contextuais: podem ser considerado fatores contextuais a presença de outras pessoas ou a natureza da decisão (se envolve questões financeiras, morais, de saúde, por exemplo) que podem influenciar na tomada de decisões. A disponibilidade de informações a respeito da escolha e a magnitude de ganhos e perdas também faz parte desses fatores (Kluwe-Schiavon et al., 2018). • Fatores individuais: referem-se a características próprias dos indivíduos, como sua história e seu momento atual (gênero, idade, humor, personalidade, experiências pessoais) e também características cognitivas e psicopatológicas (Kluwe-Schiavon et al., 2018). 8 Sabemos que o desenvolvimento da TD segue o desenvolvimento das FE: inicia durante a infância, aprimora-se durante a adolescência e atinge a maturação completa no final da adolescência e início da idade adulta, ou seja, crianças mais velhas tendem a tomar decisões mais adequadas quando comparadas com as crianças mais jovens. Pessoas que apresentam déficits em TD apresentam dificuldades cotidianas em planejar seu dia a dia, manter atividades de trabalho e relacionamentos interpessoais de forma adequada (Medeiros et al., 2015). As teorias mais recentes sobre a TD têm sido embasadas em paradigmas neurobiológicos: O substrato neural do componente cognitivo desse processo seria composto do córtex pré-frontal dorsolateral, giro do cíngulo, lóbulo intraparietal e giro temporal superior. Já os componentes afetivos do processo envolveriam o córtex pré-frontal ventrolateral e ventromedial, a ínsula, amígdala e o striatum ventral. (Branco et al., 2014, p. 69) Alguns autores consideram ainda que haja uma interação entre o córtex órbito-frontal (OFC) e o sistema dopaminérgico-núcleos da base (BG-DA) (Branco et. al, 2014). TEMA 3 – CONCEITO DE SISTEMAS FUNCIONAIS DE ALEXANDER LÚRIA A perspectiva histórica do estudo sobre o cérebro nos mostra que, em determinado momento, alguns pesquisadores e cientistas defendiam um movimento chamado localizacionismo, ou seja, eles defendiam que o cérebro é um órgão composto por diferentes porções, cada qual sediando funções cognitivas específicas. Esse movimento foi iniciado por Franz Gall no século XIX, criando teorias que defendiam que características cranianas estariam associadas a traços de personalidade. Embora os pressupostos de Gall não tenham se sustentado na comunidade científica por muito tempo, o localizacionismo foi revisitado mais tarde por Paul Broca e Carl Wernick (nos anos de 1861 e 1874, respectivamente). Ambos autores trabalhavam com pacientes que haviam sofrido AVCs (acidentes vasculares cerebrais) e identificaram regiões cerebrais específicas associadas à linguagem. Muitos autores se contrapuseram à ideia localizacionista, e por anos prevaleceu o debate acerca da diversidade e especialidade concomitante do nosso cérebro: afinal, sabia-se que uma lesão em uma região específica do nosso cérebro provoca perturbação não em uma, mas em vários processos psíquicos, mas também se tinha conhecimento que regiões específicas do cérebro se 9 diferenciam em função e são constituídos por neurônios extremamente especializados (Hazin et al, 2010). Nesse cenário, Luria representou uma alternativa para a dualidade debatida sobre o localizacionismo, apresentando o conceito de sistemas funcionais. O autor defendeu a ideia de que, diante de tamanha complexidade dos processos mentais, não faz sentido pensar que eles estão localizados em áreas concretas do cérebro, mas que se referem a zonas que trabalham de modo combinado, em papéis diferentes e por vezes distanciados. Dessa forma, o foco não está em identificar a localização das atividades mentais, e sim quais grupos de zonas de trabalho do cérebro são responsáveis pela sua execução (Freitas, 2006). Em outras palavras, Luria apresenta uma forma de compreender as atividades cerebrais de forma mais dinâmica, baseada no funcionamento do cérebro e não somente na descrição da sua estrutura, considerando o cérebro como um todo, cujas áreas são interdependentes e correlacionadas. A metáfora que compara o funcionamento cerebral com uma orquestra faz bastante sentido na perspectiva de Luria, afinal, a integração de diferentes elementos de uma orquestra é essencial para se realizar um concerto, tal como acontece com nosso cérebro. Luria distinguiu três unidades de funcionamento cerebral cuja participação é necessária em qualquer atividade psicológica, vamos conhecê-las: A primeira unidade, destinada à regulação da atividade cerebral e do estado de vigília, garante a manutenção do nível de atividade apropriado e alerta para a necessidade de mudanças de comportamento e de direcionamento deste para as demandas da situação específica em que o organismo se encontra. A segunda unidade, para recebimento, análise e armazenamento de informações,é responsável, inicialmente, pela recepção de informações por meio dos órgãos dos sentidos. [...] Todas essas informações, das mais simples às mais complexas, são armazenadas na memória e podem ser utilizadas pelo sujeito em situações posteriores. A terceira unidade funcional postulada por Luria é dirigida à programação, à regulação e ao controle da atividade do sujeito. O organismo alerta – que recebe, organiza e armazena informações – termina formando intenções, construindo programas de ação e realizando esses programas por meio de atos exteriores, motores ou interiores, mentais. (Rego; Oliveira, 2010, p. 112) É importante ressaltar que Luria foi um autor representante do que hoje chamamos de psicologia sociocultural, cujos outros representantes importantes são Vygotsky e Leontiev. A psicologia emergente com base nas ideias desses autores tinha como objetivo maior “a explicação de como processos naturais, tais como maturação física e mecanismos sensoriais, conectam-se com processos 10 culturais, produzindo as funções psicológicas complexas” (Hazin et al., 2010, p. 90). A perspectiva ssciocultural de Luria nos permitiu compreender que as funções psicológicas superiores (como percepção, memória, consciência, fala, pensamento, atenção, emoção etc.) ou complexas possuem um suporte biológico, mas que este é passível de alterações ao longo do tempo. As funções cognitivas não são entendidas, sob essa perspectiva, como um produto direto da evolução biológica. Elas somente se desenvolvem se também houver relações sociais estabelecidas entre o sujeito e o mundo, ou seja, o aspecto histórico e cultural é parte fundamental do seu desenvolvimento. Concluímos ressaltando que Luria é representante de uma teoria essencial para o estudo do ser humano, que defende que mente e corpo são indissociáveis, oferecendo, dessa forma, um caráter material à mente humana (Hazin et al, 2010). TEMA 4 – DIVISÕES ANATÔMICAS DO CÉREBRO SUAS RELAÇÕES COM A APRENDIZAGEM Figura 2 – Lobos cerebrais Crédito: SciePro/Shutterstock. 11 Como vimos na Figura 2, podemos dividir o cérebro em quatro divisões anatômicas: os lobos cerebrais frontal, parietal, occipital e temporal (na Figura 2 também observamos o cerebelo – em verde). Trata-se de uma divisão didática, ou seja, uma forma de nomear cada região para conseguirmos compreender quais delas estão associadas com determinadas funções cognitivas, afinal existem inúmeras conexões entre os lobos cerebrais, de modo que eles atuam muitas vezes em conjunto. Vejamos as características dos lobos cerebrais de acordo com (Amthor, 2017). • Lobo frontal (em vermelho na imagem acima): comum aos mamíferos, o lobo frontal é responsável pelo planejamento geral, tomada de decisão, julgamento, memória recente e raciocínio. • Lobo parietal (em roxo na imagem acima): está relacionado às sensações e a interpretação das sensações, pelo senso de localização do corpo. • Lobo occipital (em azul na imagem acima): ocupa-se basicamente com a visão. É o único lobo cerebral dedicado a apenas um sentido. • Lobo temporal (em amarelo na imagem acima): associados com o processamento de informações auditivas e a codificação da memória. Convém resgatar que a moderna compreensão do funcionamento cerebral proposto por Luria se deu em função dos seus estudos com pacientes lesionados, advindos de ferimentos da Segunda Guerra Mundial. O autor então compreendeu que pacientes com lesões na região frontal apresentavam dificuldades semelhantes, de modo a compreender que o lobo frontal centraliza a responsabilidade por planejamentos, programação, regulação e verificação do comportamento intencional (Hamdan; Pereira, 2009). De acordo com Mourão Junior e Melo (2011, p. 310), “A função exercida pelos lobos frontais parece ser mais metacognitiva do que propriamente cognitiva, uma vez que não se refere a nenhuma habilidade mental específica, porém abrange todas elas”. Do ponto de vista anatomo-funcional, o lobo frontal pode ser dividido em 5 regiões especializadas: 1. Córtex motor; 2. Córtex pré-motor; 3. Opérculo frontal; 4. Zona para-olfativa ou subcalosa; 5. Córtex pré-frontal (Santos, Madeira, 2011). 12 Aqui, vamos seguir com especial atenção na região pré-frontal para relacionar como ela se articula com o processo de aprendizagem. 4.1 Córtex pré-frontal e aprendizagem Luria situa no córtex do lobo frontal na região pré-frontal, a unidade motora responsável pela formulação da intenção, pela organização da ação e pela execução do ato motor programado. Suas considerações foram fundamentais porque destacou a participação do córtex pré-frontal em processos cognitivos superiores em um período em que ainda se falava sobre isso. Hoje sabemos que do ponto de vista ontogenético e filogenético, é a última que se desenvolve (Rotta; Ohlweiler; Viesgo, 2015). O córtex pré-frontal é a região do lobo frontal mais frequentemente relacionada com as funções executivas (que aprendemos há pouco) e de comportamento social em geral. O seu papel funcional não é totalmente conhecido, mas sabe-se que ele faz conexão com áreas límbicas, por isso se relaciona com o comportamento emocional, e com o estriado, por isso envolvido com a coordenação e planejamento motoral. Ou seja, para desempenhar seu papel integrativo, o córtex pré-frontal precisa ter acesso a todos os itens de informação sensorial, motora e mnemônica que dão forma à estrutura do comportamento (Mourão Junior; Melo, 2011). Para fins exclusivamente didáticos, Mourão Junior e Melo (2011) afirmam que a função do córtex pré-frontal pode ser subdividida em três funções cognitivas: ajuste preparatório, controle inibitório e memória de trabalho. • Ajuste preparatório: é uma função dirigida para o futuro que prepara o organismo para as ações dependentes das informações recebidas. • Controle inibitório: que consiste na capacidade de inibir respostas inadequadas ou respostas a estímulos distratores, que possam interromper o curso efetivo de uma ação ou resposta adequada em curso. Dificuldades relativas ao controle inibitório são, comumente, associadas à impulsividade. Como vimos anteriormente, um dos indicadores do desenvolvimento psicossocial da criança é justamente o estabelecimento progressivo do controle inibitório sobre os impulsos internos, sobre o sensório, e sobre a mobilidade. 13 • Memória de trabalho: é um sistema de memória ultrarrápida (dura poucos segundos), que tem a capacidade de reter uma sequência de 5 a 9 dígitos – o suficiente para gravarmos um número de telefone até efetuarmos a discagem, esquecendo o número logo em seguida. Compreendendo sobre as funções da região pré-frontal, conseguimos presumir sua relação e importância com a aprendizagem: Para uma criança aprender, reter, e ser capaz de evocar algum novo conceito, é necessário que ocorra um gerenciamento contínuo de suas memórias já formadas, que irão se moldar e se fundir aos novos conceitos recém adquiridos. Provavelmente esse gerenciamento nada mais seja do que a função executiva. [...] Já dentro de uma perspectiva interacionista, na interação entre sujeitos, provavelmente também seria a função executiva que teria a capacidade de estabelecer a interface entre as memórias já formadas e as informações vindas do meio, através do processo de interação social e do contato interpessoal. (Mourão Junior; Melo, 2011, p. 313-314) TEMA 5 – E AS EMOÇÕES? – REFLEXÕES FINAIS Talvez você esteja se perguntando: mas e as emoções? Como elas se relacionam com tudo que vimos até aqui? Entendemos que as funções cognitivas, especialmente aquelas que chamamos de funções complexas superiores, por mais subjetivas que sejam, acontecem em um substrato orgânico do nosso corpo, o cérebro. Embora algumas teorias tenham sido mais simplistas, buscando compreender essas funções combase na identificação em qual região dele elas habitam no cérebro, hoje, muito influenciados pela perspectiva luriana, entendemos que uma função cognitiva ativa não é uma região, mas sim um sistema (sistemas funcionais). Isso quer dizer que é na interação de diferentes regiões que nossos processos mais subjetivos acontecem. Isso é importante porque conseguimos ter clareza de que as funções cognitivas não acontecem em separado. Uma ação relativamente simples, como lembrar o que almoçamos ontem, não diz respeito somente à região de memória do nosso cérebro, e sim a todo um sistema articulado a ele: lembramos do que comemos, se gostamos da comida, do afeto envolvido caso tenha sido preparado por alguém especial, ou ainda, se nesse almoço celebramos uma conquista importante, ao lado de outras pessoas que sejam significativas. O processo de aprender recruta funções cognitivas que não são, ou não estão “puras” em nosso cérebro. Se aprender fosse reduzido ao simples fato de criar memórias, ainda assim a sua consolidação estaria associada a sistemas 14 funcionais que se articulam com as emoções (especialmente com o sistema límbico), e por isso hoje compreendemos que, diante de tal complexidade, não faz o menor sentido pensar na aprendizagem dissociada das emoções. 15 REFERÊNCIAS AMTHOR, F. Neurociência para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017. BRANCO, L. D. et al. Avaliação da tomada de decisão utilizando questionários: revisão sistemática da literatura. Avaliação Psicológica, Itatiba, v. 13, n. 1, p. 67- 76, abr. 2014. FREITAS, N. K. Desenvolvimento humano, organização funcional do cérebro e aprendizagem no pensamento de Luria e de Vygotsky. Ciências e Cognição, Rio de Janeiro, v. 9, nov. 2006. HAMDAN, A. C.; PEREIRA, A. P. A. 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