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FARMACOLOGIA APLICADA À NUTRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS INTERAÇÕES DROGAS X NUTRIENTES: IMPORTÂNCIA CLÍNICA Interações drogas e nutrientes Os nutrientes presentes no alimento podem interagir com os fármacos e isso é um fator que deve ser avaliado com bastante cautela na prática clínica. Essas alterações podem trazer tanto benefícios quanto prejuízos para o paciente em questão. Interações entre drogas e nutrientes As interações entre drogas e nutrientes acontecem facilmente, pois grande parte dos medicamentos é administrada por via oral. São vários os fatores farmacocinéticos que podem ser influenciados pelos alimentos, dentre eles temos a absorção, a distribuição, a biotransformação e a excreção. Droga Considera-se uma droga, qualquer substância que quando consumida altera a fisiologia do organismo. Seja ela o álcool, cigarro, dipirona, maconha, entre outros. Fármaco Também chamado de princípio ativo, é a substância “principal” do medicamento, ou seja, aquela responsável pelo efeito terapêutico do medicamento. Medicamento É um produto farmacêutico que contém um princípio ativo (fármaco) e se apresenta em formas variadas como comprimidos, cápsulas, xaropes, soluções, pomadas, géis etc. Farmacocinética Corresponde ao que o organismo faz com a droga – compreende a absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Farmacodinâmica Corresponde ao que a droga faz com o organismo – compreende as interações moleculares, o efeito, a ligação no receptor etc. A interação medicamento-nutriente é definida como uma alteração da cinética ou dinâmica de um medicamento ou nutriente, ou ainda, o comprometimento do estado nutricional como resultado de administração de um medicamento, compreendendo-se a cinética como a descrição quantitativa de um medicamento ou sua disposição, o que inclui a absorção, distribuição, metabolismo e excreção (Tabela 1); a dinâmica caracteriza-se pelo efeito clínico ou fisiológico do medicamento. Em outras palavras, as interações medicamentosas entre alimentos e medicamentos são tipos especiais de respostas farmacológicas, em que os efeitos de um ou mais medicamentos são alterados pela administração simultânea ou anterior de outros, ou através da administração concorrente com alimentos (SCHWEIGERT et al, 2008). Alguns nutrientes são absorvidos pelo mesmo mecanismo que os fármacos, competindo pelo local de absorção no trato gastrintestinal. Características gerais da interação fármaco x nutriente A seguir, conheceremos as características das diferentes interações, de acordo com as fases distintas. Interação na fase biofarmacêutica e absorção A grande maioria dos fármacos, quando tomados por via oral, é absorvida por passiva e os nutrientes preferenciam o . O primeiro momento após a administração do medicamento chama-se fase biofarmacêutica. Compreende todos os processos que ocorrem com o medicamento a partir da sua administração, incluindo as etapas de liberação e dissolução do princípio ativo. Esta fase deixa o fármaco disponível para a absorção. Entretanto, sua natureza química, estado físico, tamanho e superfície da partícula, quantidade e tipo dos excipientes utilizados, processo farmacêutico empregado e formulação são fatores os quais podem influir na biodisponibilidade do princípio ativo, fazendo variar o tempo de absorção e a quantidade absorvida (MOURA; REYES, 2002). Durante o processo de absorção vários são os fatores que podem influenciar: alteração do pH do conteúdo do trato gastrintestinal, velocidade do esvaziamento do estômago, aumento do peristaltismo intestinal, competição pelos sítios de absorção, fluxo sanguíneo e alguns complexos formados pelo nutriente e o fármaco (uma ligação direta entre eles). Quando alimento e/ou líquido é ingerido, o pH do estômago altera, mudando de 1,5 para cerca de 3. Essa alteração do potencial hidrogeniônico pode afetar diretamente a desintegração dos medicamentos sólidos (comprimidos, drágeas, cápsulas) e então, pode influenciar também a absorção ou a estrutura química do princípio ativo, substância responsável pela terapêutica. Essa alteração pode ser benéfica ou maléfica. Por exemplo, o comprimido de fenitoína tende a desintegrar mais facilmente com o pH mais alto, portanto será absorvido mais rápido. Já no caso do antibiótico eritromicina essa ação é lentificada, então o efeito será mais demorado. Também influenciado pela presença do alimento, o estômago tende a esvaziar mais lentamente fazendo com que a absorção também seja mais demorada. Enquanto no intestino delgado, o peristaltismo favorece a dissolução e consequentemente a absorção, mas também pode prejudicar a biodisponibilidade. Vamos exemplificar: Interação na fase de metabolismo e excreção Na fase de metabolismo, o propranolol tem alteração quando na presença de alimentos e este medicamento se trata de um dos anti-hipertensivos mais utilizados pela população. O metabolismo dos fármacos compreende os Alendronato O medicamento utilizado para tratamento de osteoporose tem sua absorção diminuída em 60% quando tomado com café ou suco. Devendo então ser tomado 2 horas antes de se alimentar. Cefuroxima A substância, com atividade antibiótica, tem sua absorção aumentada na presença de alimentos. Tetraciclina e Ciprofloxacino Estes antibióticos formam quelatos com cálcio, magnésio, ferro e zinco reduzindo a absorção destes nutrientes. Cimetidina O medicamento para problemas estomacais, pode alterar a acidez e com isso diminuir a absorção de vitamina B12, tiamina e ferro. Furosemida Medicamento diurético que aumenta a excreção de sódio, cloro e magnésio. processos de biotransformação que ocorre no fígado e chamamos de mecanismo de fase I e fase II. No mecanismo de fase I temos as reações conhecidas como “Reações de ativação” que são: oxidação, hidroxilação, alquilação, hidrólise. Já na fase II, as reações de conjugação: glicuronidação, glucosidação, sulfatação, metilação, acetilação, por exemplo, que irão formar um conjugado. Conheça um caso gravíssimo de interação alimento x medicamento que resultou em sérias reações adversas e internação hospitalar com necessidade de oxigenação mecânica. Este caso foi publicado no site da UOL em 2013. A paciente de 42 anos mal reagia quando seu marido a trouxe ao pronto-socorro. Sua frequência cardíaca tornava-se mais lenta ao mesmo tempo em que a pressão arterial baixava. Para reanimar a paciente, os médicos tiveram que colocá-la em um respirador e depois colocar um marca-passo. Eles ficaram perplexos quando o marido afirmou que ela tinha enxaqueca e tomava um remédio para hipertensão arterial chamado verapamil como forma de prevenir a doença. Mas os exames de sangue revelaram a presença de uma quantidade assustadora do medicamento no corpo da paciente, um nível cinco vezes maior que o considerado seguro. Em circunstâncias normais, o medicamento é metabolizado no trato gastrointestinal e uma quantidade relativamente pequena é absorvida, pois uma enzima existente no intestino, chamada CYP3A4, o torna inativo. Contudo, a toranja possui substâncias químicas naturais, chamadas furanocumarinas, que inibem a enzima. Sem sua presença, o intestino absorve uma quantidade bem maior do medicamento e os níveis da droga no sangue aumentam de forma significativa (UOL, 2013). São muitos os medicamentos que interagem com a toranja, cerca de 85, e entre eles estão a sinvastatina e o anticoncepcional que contenha etinilestradiol, podendo causar rabdomiólise e coágulos graves respectivamente. Sobre a excreção, vários alimentos e nutrientes podem alterar a excreção dos fármacos através dos rins. Por exemplo, o sódio presente nos alimentos pode competir com o carbonato de lítio, medicamento utilizado para casos de transtornos de humor bipolar. O aumento do consumode sódio aumenta a excreção do lítio e, o contrário, a redução do consumo de sódio aumenta a retenção renal do lítio aumentando assim seus níveis no sangue. Terapia nutricional enteral x fármacos Pacientes em nutrição entérica também possuem recomendações para a administração de medicamentos por via oral, portanto é imprescindível que os profissionais conheçam as possíveis complicações e quais as limitações, além da necessidade da aplicação de técnicas corretas na realização da administração oral por sonda de nutrição. Interação terapia enteral x fármaco As interações neste caso passam além da alteração de estabilidade do medicamento, da liberação e biodisponibilidade ou alterações no trato gastrintestinal, mas também problemas com a sonda utilizada como a obstrução da passagem. A atenção voltada à interação fármaco x fármaco merece uma atenção intensa, assim como a interação alimento x fármaco. Como já estamos percebendo desde o início da unidade, essas interações podem levar o paciente a graves problemas que, se não revertidos em tempo hábil, podem levá-lo a óbito. Alguns problemas associados à alimentação enteral por sonda nem sempre ocorrem por essa causa. De acordo com Keef (2009), a diarreia muitas vezes associada à nutrição entérica é em sua maioria causada por outros fatores como a hiperosmolaridade, sorbitol, intestino inativo ou até mesmo a terapia antibiótica. Potenciais fármacos nesse modelo de interação Os imunossupressores, hormônios, antibióticos, anti-inflamatórios esteroidais, citostáticos são fármacos com alto poder irritativo e devem ser manipulados com muito cuidado. A própria manipulação de substâncias para colocar na sonda, como o citostático, deve obedecer a critérios de boas práticas para proteção do paciente, mas também do profissional, principalmente os que precisam ser triturados para administrar, produzido pó que dispersa pelo ar e pode ser aspirado ou entrar em contato com mucosas e causar alergias, entre outros. Lavar a sonda antes e após a realização de cada administração auxilia na prevenção da obstrução da sonda, assegura que a quantidade de medicamento administrada chegue ao local desejado sem restar retenção dela no decorrer da sonda garantindo a dose, além de reduzir a possibilidade de ocorrência de interação entre o fármaco e a nutrição que irá ser administrada posteriormente. Portanto, antes de administrar qualquer produto é preciso confirmar a sua viabilidade para esta via, identificar as melhores formas de manipulação e administração para evitar demais problemas. Para administrar medicamento em forma farmacêutica xarope, deve-se diluir o xarope 1:1 em água, ou seja, no mínimo o volume de xarope deve ser diluído em um mesmo volume de água. Caso seja administrado 10mL de xarope, deve-se diluir em no mínimo 10mL de água e posteriormente realizar a lavagem da sonda com um volume considerado de água. No caso do antibiótico ciprofloxacino, deve-se parar a nutrição pelo menos 1 hora antes de administrar o medicamento ou somente inserir o antibiótico duas horas após a alimentação. E não se recomenda macerar, pois se trata de comprimido que possui revestimento, não podendo destruí-lo. O mesmo da maceração se recomenda, por exemplo, para a hidralazina, pois possui revestimento, é uma drágea. Monitoramento da pressão deve ser constante e é preferível deixar a administração da dieta de forma contínua. Então, atenção para as formas farmacêuticas que não podem ser maceradas: comprimidos revestidos e comprimidos de liberação lenta, pois pode fazer com que a liberação da dose do principio ativo seja imediata e neste caso, é necessário que a liberação ocorra de forma lenta para melhor resposta terapêutica. Cápsulas preenchidas por micro grânulos não devem ser abertas, pois corre o risco de obstruir a sonda e também de perder o efeito do medicamento. Interações provocadas por agentes usados nas alterações gastroenterológicas Grande parte dos medicamentos são administrados por via oral, ou seja, o processo necessita de todo trato gastrintestinal. Com isso, as interações com os alimentos e os nutrientes tem maior probabilidade de acontecer. O nutricionista precisa ter uma atenção redobrada ao programar os horários das refeições e suplementações para não prejudicar o tratamento farmacológico já realizado pelo paciente para alguma doença. Interações com medicamentos para alterações no TGI Vamos começar pelo omeprazol, um medicamento utilizado para úlceras, gastrites e refluxos. Este medicamento tem sua absorção reduzida em até 50% quando tomado junto de alimento, então se indica o consumo em jejum, preferencialmente pela manhã, e o paciente só deve se alimentar de 40 a 60 minutos depois da ingestão. Quando for necessária outra administração durante o dia, segue a recomendação de aguardar pelo menos 2 horas após alguma refeição e só voltar a ingerir alimentos após 40/60 minutos. Outra interação importante a ser mencionada é a ingestão de café após uma refeição. A cafeína reduz em 40% a absorção de ferro não-hêmico, o mesmo acontece quando tomado simultaneamente à refeição ou após 1 hora da mesma. Pode ser ingerido então, 1 hora antes de alimentar-se, desta forma não é observada redução na absorção do ferro. Interações com vitaminas lipossolúveis O orlistat, fármaco utilizado para redução de peso e obesidade, atua inibindo a absorção de gordura e as vitaminas A, D, E e K são lipossolúveis, consequentemente são eliminadas nas fezes, precisando então suplementar. Grandes doses de óleo mineral também interferem na absorção destas vitaminas acima citadas além do betacaroteno, cálcio e fosfatos devido à barreira física e também à redução do tempo do trânsito intestinal. Interações provocadas por agentes que atuam na inflamação e nos processos infecciosos Neste tópico abordaremos as interações referentes às inflamações, portanto a interação entre alimentos e anti-inflamatórios esteroidais (também conhecidos como corticoides) e os anti-inflamatórios não esteroidais, assim como de processos infecciosos onde estão os antibióticos, antivirais, antiparasitários. Muitos destes processos também envolvem dor, então aqui abordaremos também os analgésicos (opioides e não-opioides) e suas possíveis interações com alimentos e nutrientes. Anti-inflamatórios e analgésicos Um dos analgésicos mais utilizados é o paracetamol e ele interage com carboidratos. O produto final da degradação do carboidrato é a glicose e lá no enterócito (intestino) ocorrerá um antiporte glicose x paracetamol. Como o corpo precisará de glicose, ele não captará o paracetamol. Com isso, o paracetamol vai seguir pela luz do intestino delgado e grosso até ser eliminado na forma inalterada não chegando a ser absorvido. A dor não passa, a febre não baixa e leva o paciente a achar que o medicamento não presta ou não serve, mas na realidade pode ter sido aquela “comidinha” antes de tomar o medicamento. Outra interação importante a ser citada é com relação ao tramadol, um analgésico opioide com alta potencia muito utilizado em dores fortes e pós- procedimentos cirúrgicos. Quando em contato com alimento, o pH do estômago é alterado, desta forma modifica a absorção do tramadol e consequentemente seu efeito também é afetado. Diclofenaco de colestiramina, utilizado para dores e inflamações, pode sequestrar ácidos biliares e com isso interferir na absorção das gorduras prejudicando então as vitaminas lipossolúveis A, D, E K. Portanto, quando tomado por um longo período de tempo, carece de suplementação destas vitaminas. Grande parte dos anti-inflamatórios não-esteroidais (nimesulida, ibuprofeno, cetoprofeno, diclofenaco, etc.) podem causar irritação gástrica e náuseas, prejudicando diretamente a ingestão alimentar. Antibióticos, antiparasitários e antivirais O albendazol comumente utilizado paramatar vermes e parasitas tem sua absorção melhorada quando consumido com gorduras. Os ácidos graxos facilitam, gerando um simporte, a absorção do albendazol pela luz do intestino para a corrente sanguínea, aumentando de 4 a 5 vezes. Este medicamento tem certa dificuldade de ser absorvido então é importantíssima a orientação dessa associação. Muitos prescritores indicam tomar na hora do almoço para garantir a presença de algum ácido graxo durante a absorção do medicamento, mas o nutricionista pode auxiliar muito neste momento ofertando na dieta as oleaginosas, abacates, queijos, chocolates e até uma fritura. Qual pessoa não iria gostar de comer uma coxinha ou pastel neste momento, hein? Com o antibiótico cloridrato de tetraciclina o alimento evitado deve ser o leite e seus derivados lácteos, pois quando juntos, formam quelatos e isso diminui a absorção da tetraciclina e do cálcio. Portanto, consumir leite e derivados até uma hora antes de tomar o medicamento ou somente duas horas após. O metronidazol, também da classe dos antibióticos, altera o paladar e deixa a boca seca por alterar o fluxo salivar além de possíveis estomatites, isso pode interferir diretamente na adequação do paciente à dieta, à ingestão dos alimentos como um todo. Outro costume é, durante períodos de gripes, resfriados com infecções de garganta, se tomar antibiótico e junto, a vitamina C. Ambos interagem quando consumidos juntos inibindo a ação dos antibióticos. Outro dado importante é a destruição da microbiota intestinal pelos antibióticos em geral podendo gerar quadros diarreicos. Suplementar com probióticos é uma boa opção nestes momentos. Fármacos anti-hipertensivos e suas interações com os alimentos A seguir, discutiremos as interações dos fármacos anti-hipertensivos com alimentos durante as fases farmacocinética e farmacodinâmica. Interações com medicamentos anti-hipertensivos durante a fase farmacocinética Um dos medicamentos pertencentes a esta classe com alto volume de prescrição é o propranolol. Este fármaco tem interação em nível de absorção, pois a modificação do pH do conteúdo gastrointestinal pode afetar diretamente sua absorção e consequentemente o efeito terapêutico esperado, de reduzir a pressão arterial, poderá não ser alcançado. Além disto, dietas hiperproteicas reduzem o metabolismo de fase I do propranolol. A amilorida interage diretamente com cálcio, leite e queijo diminuindo sua biodisponibilidade, enquanto a nifedipina tem esta mesma redução com alimentos em geral e a metildopa com sais de ferro. O atenolol e medicamentos pertencentes à classe dos bloqueadores de canais de cálcio não devem ser consumidos com suco de laranja, pois essa associação diminui a absorção dos fármacos. Os diuréticos, utilizados para reduzir a retenção hídrica e, por este fator, altera a excreção de nutrientes importantes. O furosemida, um diurético potente, aumenta a excreção de íons de potássio, cálcio, magnésio, sódio além da água e em contrapartida aumenta o ácido úrico no organismo. Enquanto a hidroclorotiazida também aumenta no organismo o ácido úrico, assim como a glicose e triglicerídeos, e intensifica a excreção de íons de potássio, magnésio e sódio. Para pacientes com câimbras devido ao excesso de eliminação de potássio é recomendado associar o uso do espironolactona, diurético pertencente à classe dos “diuréticos poupadores de potássio”. Interação com anti-hipertensivos na fase farmacodinâmica Vamos começar pelo atenolol, metoprolol, nadolol e prazosina. Estes anti- hipertensivos interagem com alguns alimentos específicos como gengibre (muito presente em dietas atualmente), ginseng e pimenta caiena podendo alterar o efeito anti-hipertensivo. O propranolol interage com aipo, alho, gengibre, ginseng, melão e pode aumentar o efeito colateral de reduzir a glicemia. Os medicamentos que estão na classe dos betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio, diuréticos e inibidores da enzina conversora de angiotensina também interagem com gengibre, ginseng e pimenta caiena, mas chamo atenção para a interação com a erva-de-são-joão, comumente prescrita como aliada aos planos alimentares. Fármacos utilizados no tratamento da obesidade Muitos mitos se escondem por traz das terapias da obesidade e grande parte envolve medicamento. O tratamento da obesidade deve ser realizado em um e individual para cada paciente, levando sempre em consideração suas características individuais, comorbidades, dificuldades, entre outros. Obesidade e diagnóstico A obesidade é doença da alteração da constituição corporal, com determinantes genéticos e ambientais, definida pelo excesso das reservas corporais de gordura, que ocorre quando, cronicamente, a oferta de calorias é maior que o gasto de energia, o que resulta com frequência em prejuízos significantes para a saúde. Segundo dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde, 2,3 bilhões de pessoas no mundo estão com sobrepeso ou obesidade. No Brasil, aproximadamente 20% da população está obesa e mais da metade em sobrepeso, o que gera cerca de 80 mil mortes por ano decorrentes das complicações desta doença. As principais comorbidades associadas à obesidade são: hipertensão, diabetes, osteoartrite, distúrbios respiratórios, câncer, além de depressão e ansiedade. Por se tratar de doença multifatorial, está atrelada à genética, fatores ambientais, estilos de vida, determinantes sociais, doenças (por exemplo, hipotireoidismo, hipogonadismo, Síndrome de Cushing, transtornos alimentares e psiquiátricos) e medicamentos (por exemplo, benzodiazepínicos, corticosteroides, antipsicóticos, antidepressivos tricíclicos, anticoncepcionais, dentre outros). O diagnóstico de sobrepeso e obesidade no Brasil é realizado através do cálculo do índice de massa corporal (IMC) e consiste na divisão entre o peso (em quilogramas) e o quadro da altura (em metros). Valores entre 20 e 25 são considerados normopesos e baixo risco de complicações. No entanto, quanto maior for, o risco aumenta. Entre 25 e 30, sobrepeso e acima de 30 obesidade. Tratamentos da obesidade O tratamento da obesidade deve ser realizado por equipe multidisciplinar de modo a abordar questões como: alimentação adequada, realização de exercício físico, psicoterapia, e ainda farmacoterapia. A indicação do tratamento medicamentoso é para aqueles pacientes que exibem um IMC maior que 30, ou quando o indivíduo tem doenças associadas ao excesso de peso com IMC superior a 25, em situações na quais o tratamento com dieta, exercício ou aumento da atividade física e modificações comportamentais provou ser infrutífero. A farmacoterapia padrão no tratamento da obesidade consiste em medicamentos que irão agir no sistema nervoso central (SNC), ou perifericamente inibindo a absorção de gorduras ou mimetizando a ação de mediadores endócrinos endógenos. Normalmente a terapia medicamentosa da obesidade se inicia com Sibutramina. Trata-se de um medicamento anorexígeno, controlado, tarja preta, dispensado na farmácia a partir de receituário B2. A sibutramina age no SNC inibindo a recaptação nos terminais sinápticos de noradrenalina (NA) e serotonina (5-HT) e, em menor grau, de dopamina (DA), aumentando consequentemente os níveis dos três principais neurotransmissores. O aumento de NA, 5-HT e DA representa clinicamente o aumento da queima de gordura, o aumento da saciedade e redução pela compulsão e anseio por alimentos, respectivamente. A eficácia da sibutramina é de 7-10% de redução do peso corporal com redução preferencial da gordura visceral. A perda máxima de peso é alcançada por volta dos seis meses e mantida enquanto não for interrompida. A sibutramina é eficaz no tratamento da obesidade, do sobrepeso e dos componentes da síndrome metabólica (com aconselhamento nutricional e prática de atividade física). Embora seja altamente eficaz,está associada a importantes efeitos adversos: boca seca, constipação, cefaleia e insônia (10 a 20% dos casos), irritabilidade, ansiedade, náuseas, taquicardia e hipertensão arterial. Este último consiste no principal efeito adverso desta classe e, portanto, quaisquer eventos cardiovasculares contraindicam o uso de sibutramina, tais como: doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral ou ataque isquêmico transitório, arritmia cardíaca, insuficiência cardíaca congestiva, doença arterial periférica ou hipertensão não controlada. As anfetaminas consistem numa outra classe de fármacos anorexígenos, controlados e dispensados através de receituários, cujos principais derivados são: anfepramona (dietilpropiona), femproporex e mazindol. Elas atuam suprimindo o apetite por estimulação da liberação de NA em sinapses nervosas e periféricas, com efeito inibitório sobre os neurônios que induzem a fome. Apresentam efeitos adversos similares à Sibutramina e muitos cuidados devem ser tomados ao fazer uso de anfetaminas. Em caso de tolerância (perda de efeito), evitar o aumento para doses excessivas. O paciente deve ter atenção redobrada ao operar máquinas, veículos ou armas. Além disso, apresentam potencial dependência psicológica, risco de depressão, extrema fadiga pós-interrupção abrupta e a overdose pode favorecer psicose indistinguível de esquizofrenia, ou seja, necessariamente requer acompanhamento de toda equipe multidisciplinar para monitorar efeitos e progressão da terapia. Outra opção medicamentosa que age no SNC só que mais tolerável são os inibidores seletivos da receptação de serotonina (ISRS), e: Fluoxetina, Citalopram e Sertralina. Como o próprio nome da classe sugere, eles aumentam os níveis apenas de serotonina (diferentemente da Sibutramina e das anfetaminas), por isso o risco é menor. Além de serem utilizados no tratamento da obesidade para complicações de humor e redução da fome, apresentam indicações clássicas como: antidepressivo, pânico, bulimia e transtorno compulsivo alimentar. Como efeitos adversos, são observados: redução da libido e impotência sexual, insônia, anorgasmia, agitação, xerostomia, náuseas, cefaléias.Além do que, deve-se ter atenção com ativação de episódios maníacos ou ideação suicida. Claramente, os medicamentos que atuam no SNC oferecem maiores riscos por alterar níveis de neurotransmissores. Existe, porém, opções periféricas, como no caso dos inibidores da absorção de gorduras, o Orlistat (Xenical®). O Orlistat inibe reversivelmente as lipases gástricas e pancreáticas, com bloqueio da absorção de gordura. Assim, com menos gordura sendo absorvida, o indivíduo vai reduzindo o peso. É eficaz no tratamento da obesidade, do sobrepeso e da síndrome metabólica, associado ao aconselhamento nutricional e à prática de atividade física. Os principais efeitos adversos do Orlistat são: fezes gordurosas líquidas (esteatorreia), urgência fecal, incontinência fecal, flatulência e, menos frequentemente, dores abdominais e retais. É importante ressaltar que pode gerar comprometimento da absorção de vitaminas lipossolúveis (vitaminas A, D, E e K), necessitando suplementá-las. Além disso, pode interferir na absorção de fármacos lipofílicos como: amiodarona, warfarina, ciclosporina, lamotrigina e anticonvulsivantes. O ideal é utilizá-lo até 2 vezes ao dia, antes ou até uma hora após as principais refeições (almoço e jantar), em doses de 60 a 120 mg. Uma abordagem recentemente aprovada para o tratamento da obesidade é o emprego de peptídeos análogos ao glucagon tipo-1 (GLP-1), a Liraglutida (Victosa®) e Exenatida (Saxenda®). Inicialmente utilizados no tratamento da diabetes mellitus tipo 2, passaram a ser usados na obesidade pois se observou redução de peso nos indivíduos em tratamento. Ambos os fármacos, quando administrados via subcutânea, induzem maior liberação de insulina, consequentemente maior a sensação de saciedade. Logo, menor a ingestão de alimentos e consequentemente maior a perda de peso. Cabe ressaltar que se trata de dois medicamentos de alto custo e de baixa notificação de farmacovigilância, ou seja, os efeitos adversos são pouco conhecidos até então. Farmacologia do sistema endócrino: hipoglicemiantes I No próximo tópico abordaremos especificamente o caso da diabetes. Detalhando no que esta enfermidade consiste, suas causas, diagnóstico e tratamento farmacológico Diabetes: o que é, causas e diagnóstico Diabetes mellitus (DM) é uma doença do metabolismo ocasionada pelo excesso de glicose no sangue por uma falha na produção, liberação ou ação da insulina. Segundo dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde, a Diabetes Mellitus acomete meio bilhão de pessoas no mundo e 12,5 milhões no Brasil (o equivalente a 7% da população brasileira). A insulina é um hormônio chave envolvida na fisiopatologia dessa doença. Ela é produzida pelo pâncreas e liberada na corrente sanguínea de acordo com a presença de glicose (principalmente) e gorduras (ácidos graxos) provenientes da alimentação. Quando liberada, a insulina se liga em receptores presentes na membrana das células de vários órgãos ou tecidos – principalmente: cérebro (para produção contínua de energia), músculo esquelético e fígado (para síntese de glicogênio e posterior produção de energia). Após essa interação, estimula uma cascata de reações no interior das células, até alcançar o núcleo e estimular a produção de transportadores de glicose, denominados de GLUTs. Esses transportadores vão até a membrana captar a glicose para dentro das células onde será convertida em energia. Essa doença é classificada em dois tipos: diabetes tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2). A tipo 1 é causada pela destruição de células do pâncreas, causando deficiência absoluta de insulina. Há maior ocorrência na fase juvenil. Enquanto que no tipo 2 ocorre pela resistência insulínica e/ou deficiência de insulina sendo mais prevalente em adultos. Os pacientes diabéticos, independente do tipo, apresentam sintomas muito semelhantes, como: fadiga muscular, muita fome, sede e diurese, piora da visão, tontura, dificuldade na cicatrização, complicações renais, dentre outros. Tratamento farmacológico Embora os sintomas sejam parecidos, a terapia medicamentosa é bastante diferente. Na DM1, o tratamento preconizado é a utilização de insulina. O mesmo serve nos casos de diabetes gestacional, pois este fármaco não ultrapassa a barreira hematoplacentária, isto é não causa danos ao feto, sendo, então, contraindicados às gestantes todos os hipoglicemiantes por via oral. A insulina é classificada quanto à origem (animal, humana ou sintética), início e duração de ação, existindo aquelas de ação: ultrarrápida (lispro), rápida (regular), intermediária (NPH ou lenta), prolongada (ultralenta) e ultra- prolongada (degludeca), com picos de efeito desde 1 hora e duração variando de 3 a 4 horas para as ultrarrápidas e picos estáveis de 8 a 20 horas com duração de 40 a 42 horas para as ultra-prologadas. Em termos farmacocinéticos, a insulina é administrada por via endovenosa (somente em casos de urgência), subcutânea rotineiramente, ou mais recentemente por via inalatória. É distribuída pela albumina na corrente sanguínea na forma ligada (70-90%), sofre metabolismo no fígado, rins e músculos, sendo excretada pelos rins. Os efeitos adversos mais observados com o uso de insulina são: hipoglicemia, tonturas, alergia, resistência à insulina, aumento (lipohipertrofia) ou diminuição (lipoatrofia) do tecido adiposo decorrente das aplicações constantes, o que sugere rodízio dos locais de aplicação (tecido subcutâneo de tríceps, abdômen e coxa). A abordagem medicamentosa para o DM2 objetiva: aumentar a secreção de insulina através de fármacos das classes Sulfoniluréias e Meglitinidas; ou aumentar a sensibilização dos tecidos à ação da insulina, a partirdas Biguanidas e Tiazolidinodionas; diminuir a absorção de glicose no trato gastrointestinal, por meio dos inibidores da alfa-glicosidase; e mimetizar a ação de análogos endógenos a fim de aumentar a liberação de insulina (miméticos de incretinas). Tanto as Sulfoniluréias quanto às Meglitinidas inibem canais de potássio nas células do pâncreas gerando despolarização e abertura de canais de cálcio dependente de voltagem. A presença de cálcio no interior das células induz, portanto, a secreção de insulina. Pertencem à classe das Sulfoniuréias: Tolbutamida (curta duração) e Clorpropamida (longa duração), ambas de primeira geração (menos potentes); além da Glipizida (curta duração) e Glibenclamida (longa duração), ambas de segunda geração (mais potentes). Como efeitos adversos, são observados: hipoglicemia, náuseas, vômitos e anemia hemolítica. Esses fármacos são contraindicados para gestantes, lactantes, pacientes alérgicos, ou com insuficiências hepática e renal. As Meglitinidas, Repaglinida e Nateglinida, são consideradas as de primeira escolha para DM2 não controlada com dieta, pois são mais seletivas, apresentam rápida absorção, curto efeito e baixo risco de hipoglicemia. São contraindicadas ou utilizadas com muita cautela nos casos de gravidez, lactação e insuficiências hepática e renal. Dentre os mais prescritos para o tratamento de DM2 estão os sensibilizadores de insulina, dentre eles a biguanida Metformina cujo mecanismo de ação não está bem definido. No entanto, sabe-se que este fármaco induz, dentre algumas ações farmacológicas: diminuição da gliconeogênese e glicogenólise no fígado, da resistência à insulina, dos níveis de colesterol e triglicerídeos, e aumenta o metabolismo da glicose nos tecidos, com uma grande vantagem comparada aos antidiabéticos: não induz hipoglicemia. Logo, outros efeitos adversos observados são: anorexia, sabor metálico ao paladar, náuseas, vômitos e diarreia, redução da absorção intestinal de vitamina B12 e acidose láctica. É contraindicada em casos de gravidez, lactação, insuficiência hepática e renal. Uma curiosidade é o fato de a Metformina ser empregada no tratamento da Síndrome do Ovário Policístico (SOP), pois as mulheres acometidas com esta doença também apresentam resistência insulínica. A ação da insulina é fundamental para maturação e formação do óvulo. Pioglitazona e Rosiglitazona são outras duas opções de sensibilizadores de insulina pertencentes à classe das Tiazolidinedionas, com ações farmacológicas semelhantes à Metformina. São consideradas de primeira escolha para pacientes com DM2, especialmente obesos com resistência insulínica. Apresenta baixa toxicidade, destacando como principal efeito adverso a hepatotoxicidade. Uma alternativa à redução da glicemia no sangue é evitar a absorção. Como a glicose é o produto final do metabolismo de carboidratos, a última etapa consiste na quebra de dissacarídeos em monossacarídeos através da enzima alfa-glicosidase. A Acarbose é capaz de inibir essa enzima no intestino. Desse modo, há redução da absorção de glicose. Não causa hipoglicemia e os efeitos adversos são mais direcionados ao trato gastrointestinal: flatulência, distensão abdominal e diarreia. É contraindicada para gestantes, lactantes e pacientes com transtornos crônicos de absorção intestinal. Por fim, a estratégia mais recente é utilizar fármacos que mimetizem as incretinas que são substâncias produzidas na parede do intestino que visam aumentar a liberação de insulina, aumento a captação de glicose e controlar a glicemia. Dentre eles: o polipeptídeo isulinotrópico dependente de glicose GIP e o peptídeo análogo ao glucagon tipo 1. Ambos sofrem degradação pela enzima Dipeptidil Peptidase 4 (DPP-4) no intestino. Assim, foram produzidos os inibidores da DPP-4: Sitagliptina, saxagliptina, alogliptina e linagliptina, utilizados associados à dieta e exercício para baixar a glicose no sangue de adultos com diabetes de tipo. Existe ainda a opção parenteral, administrada via subcutânea, dos análogos do GLP-1: Liraglutida (Victoza®) e Exenatida (Saxenda®). Ambos aumentam a liberação de insulina e são indicados no tratamento de DM2 e mais recentemente para obesidade, para o qual se observou redução de apetite e consequentemente do peso corporal.