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DISTÚRBIOS NUTRICIONAIS NA INFÂNCIA

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Distúrbios Nutricionais na Infância
VICTOR D’ANDRADE		PEDIATRIA
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
· Existem diversas propostas distintas para a classificação nutricional de uma criança e adolescente. A mais usada em nossa prática atual é a do Ministério da Saúde, que iremos ver em primeiro lugar.
· Classificação do Ministério da Saúde: endossada pela Sociedade Brasileira de Pediatria, é baseada nas curvas de crescimento da OMS para crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Os gráficos são construídos usando as curvas com valores de percentil e/ou escore-Z. 
- 0-5 anos: peso/idade, estatura/idade, peso/estatura e IMC/idade;
- 5-10 anos: peso/idade, estatura/idade e IMC/idade; 
- 10-19 anos: estatura/idade e IMC/idade.
· Classificação de Gomez: originalmente desenvolvida para a determinação da morbimortalidade de crianças hospitalizadas. A metodologia utilizada é a avaliação do déficit de peso apresentado pela criança em relação ao peso do percentil 50 para a sua idade. 
- Considera-se normal a criança cujo peso for > 90% do percentil 50 de peso para a sua idade. De acordo com as perdas ponderais identificadas, classificamos as crianças como desnutridas leves (grau I; 76-90%), moderadas (grau II; 61-75%) e graves (grau III; < 60%).
- Desvantagens: (1) necessário conhecer a idade para poder classificar o grau de desnutrição; (2) crianças consideradas como desnutridas leves podem estar entre os percentis 3 e 20 para a sua idade e serem normais; (3) não leva em consideração crianças cujas deficiências de peso são devidas a problemas de crescimento; (4) não há como diferenciar a desnutrição aguda, passada ou crônica, pois não se considera a altura da criança.
· Classificação de Waterlow: leva em consideração a adequação do peso do paciente em relação ao percentil 50 do seu peso para a estatura (P/E), e a adequação de sua estatura para o percentil 50 de estatura para a sua idade (E/I). 
- É possível avaliar se a desnutrição é aguda ou crônica. 
- Pode ser empregada entre 2-10 anos. Nesta fase, o crescimento é mais lento e constante, e o peso da criança varia mais em função de sua estatura do que da sua idade. 
- Permite identificar se os quadros são agudos ou crônicos. Agravos nutricionais têm impacto, inicialmente, no peso da criança. Apenas os quadros mais prolongados terão impacto na estatura. Assim, caso se observe que apenas o peso está comprometido (≤ 90% do peso esperado para a estatura), considera-se a desnutrição aguda. Mas se além do comprometimento do peso também se observa comprometimento estatural (≤ 95% da estatura esperada para a idade), acredita-se que o quadro seja de desnutrição crônica. Se peso é adequado para a estatura, mas há o comprometimento desta, não há desnutrição ativa, mas pode tratar-se de um quadro de desnutrição pregressa. 
DESNUTRIÇÃO ENERGÉTICO-PROTEICA
· Distúrbio da nutrição (distrofia) decorrente da falta concomitante de calorias e de proteínas, em diferentes proporções. 
· Primária: resulta da combinação de 3 fatores ambientais: (1) carência alimentar (macro e micronutrientes), (2) falta de acesso a condições sanitárias (água/esgoto) e (4) serviços de saúde (acarretando, por exemplo, quadros prolongados de diarreia), e falta de práticas de cuidados infantis (por exemplo, vacinação, higiene pessoal). 
· Secundária: provocadas por doenças que aumentam necessidades metabólicas, diminuem absorção intestinal ou geram perda de nutrientes (síndromes disabsortivas, malignidades, queimadura extensa).
· Período mais suscetível à desnutrição são os primeiros 1.000 dias de vida, e qualquer agravo nutricional neste momento afeta o crescimento e desenvolvimento, trazendo prejuízos futuros.
· Na ausência de medidas antropométricas, a desnutrição grave também pode ser diagnosticada com base na avaliação clínica, verificando-se a presença de emagrecimento intenso visível; alterações dos cabelos; dermatoses (mais observadas no Kwashiorkor), hipotrofia muscular (região glútea) e redução do tecido celular subcutâneo.
· Etiopatogenia: desnutrição primária na infância não é apenas o resultado de uma oferta insuficiente de alimentos, mas de uma interação de múltiplos fatores relacionados à pobreza, dos quais destacam-se: 
- Maior necessidade metabólica na infância, tanto de energia como de proteínas, em relação aos demais membros da família; 
- Administração dos alimentos complementares com baixo teor energético e com baixa frequência, alimentos muito diluídos e com higiene inadequada; 
- Baixa disponibilidade de alimentos devido à pobreza, desigualdade social, falta de terra para cultivar e problemas de distribuição intrafamiliar; 
- Infecções virais, bacterianas e parasitárias repetidas, que podem produzir anorexia e reduzir a ingestão de nutrientes, sua absorção e sua utilização, ou produzir a sua perda;
- Desastres ambientais causados por secas, enchentes ou guerras;
- Desestruturação familiar.
Fisiopatologia
· Desequilíbrio nutricional estabelecido tem uma série de consequências. Uma primeira alteração é a criança tornar-se hipoativa, sendo quase impossível de ser avaliada objetivamente. Posteriormente, ocorre parada do crescimento (inicialmente, diminuição do ganho de peso e, em seguida, de estatura). Nos quadros de desnutrição mais graves, muito mais alterações se estabelecem, havendo repercussão multissistêmica.
· Alterações Metabólicas e Hormonais: redução global do metabolismo com diminuição do gasto energético, da atividade da bomba de sódio-potássio e da síntese de proteínas. 
- Redução de todos os substratos energéticos. Inicialmente, há aumento da glicólise, lipólise e gliconeogênese, para geração de energia. O metabolismo cerebral é mantido à custa de ácidos graxos e corpos cetônicos produzidos pela lipólise, estimulada pelo GH e epinefrina. 
- Consumo progressivo desses estoques leva à queda plasmática nos níveis de glicose e aminoácidos e, com isto, ocorre diminuição da insulina sérica e aumento do glucagon e da adrenalina. Os níveis de GH se elevam, e com ele há maior estímulo à lipólise. Por outro lado, os níveis de IGF-1 (somatomedina C) estão reduzidos. O estresse pela DEP e as infecções estimulam a secreção de cortisol, que atua sobre a glicogenólise e gliconeogênese (consumo muscular), aumentando-as. Os níveis de T3 e T4 estão reduzidos. Assim, há queda da termogênese corpórea e no consumo de oxigênio. 
- Atividade da bomba de sódio-potássio encontra-se muito reduzida pela menor oferta de ATP. Com isso, a célula passa a excretar menos sódio e importar menos potássio. O sódio corporal total está preservado, mas seus níveis séricos estão reduzidos (hiponatremia). Embora a água corporal total esteja diminuída (devido redução da massa muscular e do tecido adiposo), a célula tem tendência a edemaciar (pela retenção de sódio). O potássio intra e extracelular encontra-se reduzido (hipocalemia). A redução do gradiente de sódio transmembrana faz com que menos H + seja excretado, produzindo um quadro de acidose intracelular e alcalose extracelular.
- Esse desequilíbrio hidroeletrolítico gera aumento dos níveis de cálcio intracitoplasmáticos, com desencadeamento de reações bioquímicas que levam à lise celular. A perda de potássio e o aumento do cálcio explicam a redução na força contrátil dos miócitos cardíacos na DEP grave. A deficiência de magnésio (hipomagnesemia) também é comum na DEP grave.
· Alterações Imunológicas: 
- Imunidade Inespecífica: há perda da integridade das barreiras epitelial e mucosa, diminuição de fatores como muco, pH e lisozima.
- Imunidade Celular: redução na população de linfócitos T no timo, baço e linfonodos, menor produção de IL-1 e redução de quantidade e qualidade em alguns fatores do sistema complemento. Assim, há uma menor capacidade de opsonização, fagocitose e quimiotaxia. Os testes cutâneos geralmente apresentam-se negativos.
- Imunidade Humoral: função humoral (linfócitos B e imunoglobulinas) está relativamente preservada, sem alteração quantitativa, mas pode ocorrer uma deficiência funcional. Mas isto não contraindica a vacinação.
- Deficiência de IgAé a alteração mais frequente, o que facilita a ocorrência de diarreia e infecção de vias aéreas. Em crianças mais velhas, e em adultos com desnutrição grave, pode até ocorrer uma hipergamaglobulinemia, em função de infecções repetidas, sem que isto se traduza em ganho funcional.
- Falência de mecanismos imunes locais provavelmente altera a permeabilidade da mucosa intestinal para macromoléculas estranhas, permitindo a passagem de proteínas através da mucosa, predispondo a ocorrência de quadros de alergia alimentar. 
· Alterações Neurológicas: desnutrição calórico-proteica e a carência de ferro e iodo e a privação psicoafetiva contribuem para o déficit no desenvolvimento e para o déficit cognitivo. Há redução na divisão celular, redução na formação de sinapses e proliferação dendrítica, e retardo na mielinização, e prejuízo na síntese de neurotransmissores. 
· Alterações Gastrointestinais: 
- Redução na secreção gástrica, pancreática e biliar, com diminuição das enzimas digestivas, amilase e lipase. A diminuição da atividade de lactase intestinal leva à intolerância à lactose e à presença de fezes ácidas. Há também diminuição de absorção de aminoácidos essenciais e o transporte de glicose pode estar comprometido. A utilização de triglicerídeos de cadeia média é muito comum no tratamento, pois são compostos capazes de penetrar o epitélio intestinal sem modificação pelas enzimas intestinais.
- Perda de tônus das alças intestinais e diminuição da peristalse, favorecendo a proliferação bacteriana. Pode dificultar a absorção de água e eletrólitos e, principalmente, levar à alteração da composição do pool de sais biliares, com aumento no conteúdo de sais biliares desconjugados (causam diminuição da formação de micelas de gordura, com consequente má absorção de lipídios, de vitamina B12 e de outras vitaminas lipossolúveis).
- Diminuição do tamanho e número das vilosidades intestinais com perda da borda estriada, promovendo um aspecto que pode lembrar o da doença celíaca. A lesão mucosa é mais grave no Kwashiorkor, observando-se acúmulo de gordura no epitélio.
- No fígado, ocorre esteatose, principalmente na forma Kwashiorkor, podendo evoluir com fibrose perilobular e cirrose.
- As glândulas parótidas sofrem atrofia e durante a recuperação nutricional podem hipertrofiar e aumentar de tamanho.
· Alterações Cardiovasculares e Renais: 
- Deficit contrátil do miócito cardíaco, que resulta em queda do DC basal e resposta cardiovascular inadequada às alterações de volemia. 
- Outra consequência desta redução no débito cardíaco é a queda nas TFG, com prejuízo das funções de concentração e acidificação urinária. Queixas de poliúria e nictúria são comuns. 
Marasmo
· É uma forma de DEP grave que resulta de uma deficiência calórica total (energia e proteínas). Em tais dietas deficientes, a relação proteína/calorias pode ser normal. 
· Essa apresentação clínica é mais comum em crianças com menos de um ano de idade, embora não seja restrita a este grupo etário, em decorrência de déficit na ingestão global de nutrientes associado ao agravamento do estado nutricional por infecções intercorrentes. A instalação é insidiosa, permitindo alguma adaptação do organismo à deficiência.
· Ocorre praticamente em todos os países em desenvolvimento, sendo a causa mais comum a retirada precoce do aleitamento materno, substituído por fórmulas caloricamente deficientes, muitas vezes diluídas para diminuir o gasto financeiro imediato da família. Isso, combinado com a ignorância sobre higiene e atrasos costumeiros na administração de vacinas, leva frequentemente ao desenvolvimento de infecções gastrointestinais evitáveis, deflagrando o ciclo vicioso que leva ao marasmo. A criança geralmente é internada pela intercorrência infecciosa, e não pela desnutrição.
· Observam-se déficit de peso e estatura, atrofia muscular extrema, emagrecimento acentuado com pobreza de tecido celular subcutâneo e pele enrugada, principalmente nas nádegas e coxas. Pela perda de tecido subcutâneo ocorre desaparecimento da bola gordurosa de Bichat. Em geral, o apetite está preservado, ao contrário do Kwashiorkor, onde costuma haver inapetência grave. A anemia e a diarreia são comuns e com frequência as crianças apresentam o abdome volumoso. Não há edema nem lesões cutâneas. Os cabelos podem, eventualmente, estar alterados. Assim como no Kwashiorkor, no marasmo também podemos observar hipoalbuminemia. 
Kwashiorkor
· Embora a ingestão calórica possa ser adequada, observa-se deficiência dietética de proteína. Apesar da energia adequada, a deficiência de proteínas de alto valor biológico impede a adaptação do organismo à desnutrição. A instalação costuma ser mais rápida.
· A apresentação clínica é bastante exuberante e mais comum no segundo e terceiro anos de vida. A principal característica é o estabelecimento de edema. Um dos fatores que contribui para a alteração é a hipoalbuminemia, mas esta é encontrada em ambas as formas de DEP grave. Logo, não é somente a hipoalbuminemia que é responsável pela formação do edema subcutâneo. A diminuição da atividade da Na/K ATPase, liberação de radicais livres e diminuição de substâncias antioxidantes, como a glutationa (sintetizada a partir da metionina proveniente da dieta), parecem contribuir para geração do edema. 
· A criança geralmente se apresenta com estatura e peso menores do que os esperados para a idade. A criança apresenta-se consumida, fato este observado principalmente nos músculos dos membros, mas isso pode ser mascarado pelo edema. Vale ressaltar que o edema pode afetar qualquer parte do corpo, sendo que em crianças que deambulam, mais frequentemente, o edema se inicia com ligeiro intumescimento dos pés, se estendendo pelas pernas. Posteriormente, o edema pode acometer mãos e face (fácies de lua). Em meninos pode ser notado edema em bolsa escrotal. 
· Alterações mentais/comportamentais estão invariavelmente presentes. A criança se apresenta apática, hipoativa, anorética e desinteressada pelos fatos que ocorrem ao seu redor.
· Diferente da criança marasmática, a criança com Kwashiorkor tem tecido celular subcutâneo. A pele da face está frequentemente despigmentada, desenvolvendo-se dermatoses em áreas de atrito, como, por exemplo, na região inguinal e no períneo. Surgem áreas de hiperpigmentação que, eventualmente, descamam dando um aspecto de dermatite em escamas (flaky paint dermatosis); a pele sob as escamas é muito pálida e facilmente infectável. Os cabelos apresentam alteração de textura e de cor (discromias) e são quebradiços. Os cabelos pretos tornam-se castanhos ou avermelhados. Pode estar presente o “sinal da bandeira”, que consiste na alteração segmentar (em faixas) da cor dos cabelos, traduzindo períodos alternados de pior e melhor nutrição.
· As fezes podem estar liquefeitas, com sangue e alimentos não digeridos. 
· Anemia está presente na maioria dos casos e é, em parte, devida à deficiência proteica para síntese de eritrócitos, deficiência de ferro e de ácido fólico, parasitoses intestinais e infecções frequentes. 
· Hipoalbuminemia e redução da proteína sérica total, relação com a intensidade do edema, são observadas em praticamente todos os pacientes. Geralmente, as crianças com essa síndrome têm hepatomegalia (esteatose). 
· Kwashiorkor-Marasmático: formas ditas mistas: a criança evolui com carências na ingestão proteica e/ou energética, apresentando características dos dois tipos clínicos. 
Avaliação Complementar 
· Proteínas Séricas: marcadores de nutrição e, dependendo de sua meia-vida, podem permitir inferir a duração da desnutrição. Um cuidado que devemos sempre lembrar ao interpretar esses resultados é que estas proteínas podem também se alterar (aumentar) em condições inflamatórias, pois são reagentes de fase aguda.
· Outros Exames: hemograma, função renal e hepática, além de outros exames, também fazem parte da rotina laboratorial de uma criança desnutrida. Os achados mais frequentemente encontrados em desnutridos graves são: 
- Anemia: por deficiência de ferro, ácido fólico, vitaminaB12, hemólise; linfopenia;
- Lipidograma: redução nos níveis de colesterol e triglicerídeos;
- Hipoglicemia;
- Hiponatremia: conteúdo total de sódio do organismo está normal ou aumentado, em parte, devido ao aumento do sódio intracelular por deficiência da bomba de sódio; 
- Hipocalemia: conteúdos intra e extracelular de potássio encontram-se diminuídos. Os principais sintomas associados são fraqueza muscular, íleo paralítico e alterações da repolarização ventricular (achatamento ou inversão da onda T), onda U proeminente, infra de ST e prolongamento do QT. Depleção grave de potássio pode levar ao prolongamento do PR e alargamento e redução da voltagem do QRS, bem como aumentar o risco de arritmias ventriculares;
- Hipomagnesemia; 
- Hipofosfatemia;
- Alcalose ou acidose metabólica.
Tratamento 
· Deve ser feito em 3 fases:
- Fase de Estabilização (1 a 7 dias): identificação e tratamento das condições mais urgentes e ameaçadoras da vida, como hipoglicemia, hipotermia, distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos, desidratação, infecção e anemia;
- Fase de Reabilitação (2ª a 6ª semana): alimentação intensiva é dada para recuperar a maior parte do peso perdido, a estimulação emocional e física é aumentada, a mãe ou pessoa que cuida da criança é treinada para continuar os cuidados em casa, e é feita a preparação para a alta da criança; 
- Fase de Acompanhamento (7ª a 26ª semana): após a alta, a criança e a sua família são acompanhadas para prevenir a recaída e assegurar a continuidade do seu desenvolvimento emocional, físico e mental. 
· Fase Inicial (1 a 7 dias):
- Hipoglicemia: todas as crianças gravemente desnutridas estão em risco de desenvolver hipoglicemia (< 54 mg/dl), que é importante causa de morte durante os primeiros dois dias de tratamento. Os sinais incluem baixa temperatura corporal (< 36,5°C), letargia, incoordenação e perda de consciência. Sudorese e palidez habitualmente não ocorrem em crianças desnutridas com hipoglicemia. Frequentemente, o único sinal antes do óbito é a sonolência. Se há suspeita de hipoglicemia, o tratamento deve ser dado imediatamente, mesmo sem confirmação laboratorial, da seguinte forma: (1) se consciente, solução de glicose 10% VO ou alimentação; (2) se inconsciente, SG 10% na dose de 5 ml/kg IV. Para prevenção, deve-se alimentar a criança de 2/2 horas durante o primeiro dia.
- Hipotermia: menores de 12 meses, portadoras de marasmo, grandes áreas de pele lesada ou infecções graves são altamente suscetíveis à hipotermia. Se a temperatura retal < 35,5°C ou axilar < 35°C, a criança deve ser considerada portadora de hipotermia. As formas de prevenção e tratamento da hipotermia incluem: (1) criança não deve ficar perto de janela ou em uma corrente de ar, e as janelas devem ser fechadas durante a noite; (2) criança deve estar adequadamente coberta com roupas, incluindo um chapéu, e cobertores; (3) lavar a criança o mínimo necessário, e fazer isto durante o dia; (4) temperatura ambiental deve ser mantida em 25-30°C; (5) use a "técnica canguru", colocando a criança sobre a pele despida do tórax ou abdome da mãe (pele a pele) e cobrindo ambos, ou vista bem a criança (inclusive a cabeça), cubra com um cobertor aquecido e coloque uma lâmpada incandescente acima, mas não tocando o corpo da criança.
- Desidratação: desidratação e o choque séptico são condições difíceis de serem diferenciadas em uma criança com desnutrição grave. Sinais de hipovolemia são vistos em ambas as condições, e pioram progressivamente se não tratadas. Além do mais, em muitos casos de choque séptico, há história de diarreia e algum grau de desidratação, produzindo um quadro clínico misto. Sempre que possível, tentar reidratar a criança desnutrida por via oral. Usar fluidos intravenosos apenas nos casos de choque. Se hidratação por via oral, a solução de reidratação deve ter menor quantidade de sódio e maior de potássio que a solução de reidratação oral da OMS. Assim, recomenda-se a ReSoMal, uma solução com maior adequação de sódio, potássio e micronutrientes. O volume a ser oferecido é de 5 ml/kg a cada 30 minutos por 2 horas por via oral ou sonda gástrica. Caso a desidratação persista, a solução deve continuar sendo ofertada de forma intercalada com a alimentação. Deve-se atentar para sinais de sobrecarga hídrica, como aumento na FC e/ou FR, ou ingurgitamento da veia jugular. A hidratação venosa deve ser reservada para os casos de colapso circulatório causado por desidratação grave ou choque séptico. Para a caracterização dos quadros de choque, a criança deverá estar letárgica ou inconsciente, ter extremidades frias, e apresentar tempo de enchimento capilar lentificado (> 3 segundos) ou pulsos rápidos e fracos. A solução usada nestes casos deverá ser composta de solução salina 0,45%, soro glicosado 5% ou Ringer lactato com glicose a 5%. Será administrado um volume de 15 ml/kg em uma hora. Da mesma forma, deve-se ter cuidado com os sinais de hiperidratação. Caso não ocorra melhora após uma hora de hidratação venosa, recomenda-se transfusão de sangue total. 
- Tratamento Precoce das Infecções e Parasitoses Intestinais: criança desnutrida deverá ser conduzida como possivelmente portadora de alguma infecção. Crianças sem sinais aparentes de infecção e sem complicações devem receber Amoxicilina VO 25 mg/kg/dose 12/12 horas por 5 dias. Crianças com complicações (choque séptico, hipoglicemia, hipotermia, infecções cutâneas, infecções do trato respiratório ou urinário, ou que parecem letárgicas ou muito doentes) devem receber Ampicilina 50 mg/kg IM ou IV 6/6h por 2 dias, seguido por Amoxicilina 25-40 mg/kg de 8/8h por 5 dias; ou Gentamicina 7,5 mg/kg IM ou IV 1x/dia por 7 dias. 
- Dieta: início da dieta na fase de estabilização deve ser cauteloso e gradual. A via oral é sempre a via preferencial, sendo a nasogástrica restrita a apenas algumas condições específicas, como quando não há aceitação do volume mínimo recomendado por via oral. Volume total (oral + venoso) deve ser 120-140 ml/kg/dia. Calorias 80-100 kcal/kg/dia. Proteínas 1-1,5 g/kg/dia. Baixa osmolaridade e baixo teor de lactose. Fórmulas padronizadas podem ser usadas (F75): 75 kcal/100 ml e 0,9 g de proteína/100 ml. Frequência de cada refeição deve ser inicialmente 2/2h (1º ao 2º dia), depois 3/3h (3º ao 5º dia) e, finalmente, 4/4h (6º ao 7º dia). Quando se suspeita de alergia à proteína do leite de vaca, fórmulas a base de proteína extensamente hidrolisada podem ser indicadas. 
- Ferro: por mais que exista carência de ferro, o mineral não está indicado nesta fase inicial. Os quadros de anemia grave serão tratados com transfusão se hemoglobina < 4 g/dl ou hemoglobina < 6 g/dl na presença de sinais de desconforto respiratório.
- Vitamina A: crianças gravemente desnutridas estão em alto risco de desenvolverem cegueira devido à deficiência de vitamina A, logo, uma dose alta da vitamina (50.000 UI VO se < 6 meses, 100.000 se 6-12 meses; 200.000 se > 12 meses) deve ser dada rotineiramente a todas as crianças desnutridas no primeiro dia de internação, a menos que haja evidência segura de que uma dose de vitamina A tenha sido dada no mês anterior. Repetir estas doses nos dias 2 e 14 nas crianças com manifestações de deficiência de vitamina A.
- Folato: todas as crianças desnutridas devem receber 5 mg de ácido fólico VO no primeiro dia e 1 mg por dia VO a partir de então. Mínimo de duas semanas.
- Zinco: dose recomendada de 2 mg/kg/dia. Mínimo de duas semanas. 
- Cobre: dose recomendada de 0,2 mg/kg/dia. Mínimo de 2 semanas. 
· Se a criança melhorar, o tratamento terá tido sucesso. A fase inicial do tratamento terminará quando a criança voltar a ter apetite. Isso indicará que as infecções estarão sendo controladas, e que anormalidades metabólicas estarão melhorando. A criança agora estará preparada para começar a fase de reabilitação. Isso usualmente ocorre depois de 7 dias. Pode ocorrer após essa primeira semana um quadro grave de hipofosfatemia, conhecido como síndrome de realimentação, provocada pela intensa receptação celular deste mineral. As principaismanifestações clínicas quando seus níveis séricos caem abaixo de 0,5 mmol/L são alteração no nível de consciência; convulsões; fraqueza; rabdomiólise; disfunção de neutrófilos; arritmias e morte súbita. 
· Segunda Fase (2-6 semanas): chamada de reabilitação e seu objetivo é a recuperação nutricional através da administração de dieta hiperproteica, hipercalórica, com reposição de vitaminas e micronutrientes, para atingir um alto ganho de peso diário. Recomenda-se uma transição gradual da fórmula alimentar inicial para a fórmula de crescimento rápido, de modo a evitar a IC provocada pela superalimentação. Entende-se que a criança entra na fase de reabilitação quando seu apetite volta e o edema periférico começa a regredir. Uma criança que esteja sendo alimentada por sonda nasogástrica não é considerada pronta para entrar na fase de reabilitação.
· - Dieta: superada a fase de risco de vida, a criança deve receber alimentos suficientes para repor seu déficit e retomar o crescimento. Nessa fase, mais do que dietas especiais, de indicação bastante específica e, portanto, restritas, é importante garantir o aporte necessário de calorias e outros nutrientes, por intermédio de uma dieta de alta concentração calórica e progressivamente variada, respeitando a aceitação da criança. A fórmula inicial usada na primeira fase deverá ser substituída pela fórmula de crescimento rápido (100 kcal/100 ml com 2,9 g proteína/100 ml). As seguintes recomendações deverão ser alcançadas Calorias 150 a 220 calorias/kg/dia; Proteínas: 4 a 6 g de proteínas/kg/dia. Como já tínhamos visto, não se recomenda a suplementação de ferro na fase aguda do tratamento da desnutrição, pois o ferro é cofator de uma série de sistemas enzimáticos que aumentam a produção de radicais livres, amplificando a reação inflamatória sistêmica do desnutrido. A suplementação de ferro somente deve ser iniciada na fase de reabilitação, quando o doente já estiver com a infecção e o processo inflamatório controlados, e ganhando peso.
· - Estimulação Programada para Fortificar Vínculo Mãe-Filho: criança provavelmente ainda tem um baixo peso para a idade, por causa do prejuízo estatural. Boas práticas de alimentação e estimulação psicológica devem ser continuadas em casa. Alguns critérios para alta são: Referentes a crianças: deve ter estabilização no ganho ponderal (indicador peso por estatura ≥ escore-Z -2 ou circunferência braquial ≥ 125 mm) e não apresentar edema há pelo menos 2 semanas. Deve estar aceitando uma quantidade adequada de dieta nutritiva que a mãe é capaz de preparar em casa; as deficiências de minerais e vitaminas devem ter sido tratadas; as infecções e outras condições foram ou estão sendo tratadas, incluindo anemia, diarreia, parasitoses intestinais, malária, tuberculose e otite média. Referentes aos cuidadores: devem ser capazes e ter desejo de cuidar da criança.
· Terceira Fase (7ª a 26ª semana): acompanha-se a criança e sua família, para prevenir a recaída e assegurar a continuidade do desenvolvimento emocional, físico e mental da criança. Como o risco de recaída é maior logo após a alta, a criança deve ser vista regularmente. Se algum problema for encontrado, as visitas devem se tornar mais frequentes, até que o problema tenha sido solucionado. 
OBESIDADE
· Distúrbio nutricional caracterizado por um aumento do tecido adiposo, com elevação do peso corporal. Pode-se observar um aumento tanto do número como do tamanho dos adipócitos.
· É considerada uma doença genética influenciada por múltiplos fatores, como hábitos alimentares, culturais e psicossociais, prática de exercícios e controle endócrino-metabólico. 
· Existem três períodos da vida em que ocorre de forma fisiológica uma espécie de “rebote adiposo”, ou seja, um aumento no número de células adiposas. Por esse motivo, esses períodos são particularmente vulneráveis à instalação de obesidade. São eles: último trimestre de vida intrauterina, primeiro ano de vida e início da adolescência, este último mais acentuado nas mulheres. 
· Na obesidade infantil e juvenil há um aumento constante do número e do tamanho celular, enquanto na obesidade do adulto há aumento principalmente do tamanho celular. Por isso, a obesidade infantil responde pior ao tratamento, pois conseguimos reduzir o tamanho da célula gordurosa, mas não o seu número. 
· A maioria dos casos de obesidade é classificada como primária (mais de 90%), ou seja, decorrente da reunião entre predisposição genética, alto consumo calórico e baixo gasto energético, não havendo qualquer outra condição patológica que a desencadeie. As causas secundárias devem ser sempre investigadas quando houver algum destes dados: rápido aumento de peso, achados dismórficos, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, perdas ou déficit visuais/auditivos e crescimento linear insuficiente. 
Diagnóstico 
· Estabelecido pelo cálculo do IMC. Uma crítica ao uso do IMC como critério diagnóstico é o fato de hiperestimar a adiposidade em indivíduos com grande massa muscular. Entretanto, é um método rápido e de fácil aplicação, sendo, portanto, amplamente adotado. 
Comorbidades Associadas à Obesidade
· Dislipidemia: HDL ≤ 45, LDL ≥ 130, colesterol > 170.
· Hipertensão Arterial: PA ≥ percentil 95 para idade, sexo, estatura. 
· DM2: acantose nigricans, poliúria, polidipsia.
· Síndrome Metabólica: adiposidade central, resistência insulínica, dislipidemia, hipertensão arterial.
· Síndrome dos Ovários Policísticos: irregularidade menstrual, resistência insulínica, hiperandrogenismo, acne e hirsutismo.
· Colelitíase: dor abdominal, vômitos e icterícia. 
· Esteatose Hepática Não Alcoólica: dor abdominal, hepatomegalia, elevação de transaminases. 
· Pseudotumor Cerebri: cefaleia, alteração de campo visual, papiledema. 
· Enxaqueca: cefaleia pulsátil, náuseas/vômitos. 
· Doença de Blount: arqueamento da tíbia (vara), dor, claudicação.
· Epifisiólise da Cabeça Femoral: impotência funcional de quadril, dor, claudicação.
· Distúrbios Comportamentais: ansiedade, depressão, baixa autoestima, desordens alimentares, queda do desempenho escolar, isolamento social, bullying. 
· Asma: dispneia, tosse, intolerância ao exercício.
· Apneia Obstrutiva do Sono: roncos, apneia, sonolência diurna.
· A avaliação complementar deve ser feita de forma criteriosa. Indica-se os seguintes exames: glicemia de jejum; perfil lipídico (colesterol total, LDL, HDL, triglicerídeos); TGO e TGP, gama-GT, insulinemia, USG hepática e avaliação da composição corporal. 
Tratamento 
· A melhor conduta é sua prevenção, ou seja, modificar hábitos de vida e alimentação da família antes que a doença já esteja instalada.
· Sucesso no tratamento da obesidade é um grande desafio, pois interfere nas modificações na forma de viver de toda a família. Para se obter sucesso, é necessário um entendimento e, sobretudo, envolvimento ativo dos pais e do paciente, e um posicionamento empático do médico, que não deve assumir uma postura crítica, mas sim compreensiva diante das dificuldades de tratamento e dos possíveis efeitos secundários da situação na autoestima da criança e/ou adolescente.
· Como as crianças ainda estão em fase de crescimento, não se objetiva grandes perdas ponderais e as dietas não devem ser muito restritivas. Para crianças menores, o “não ganho” ponderal já é um resultado positivo no tratamento. Para crianças maiores, a perda de peso não deve ultrapassar 500 g/sem. 
· A ênfase do manejo é dietética, com medidas de reeducação alimentar que visam mais do que um cálculo de calorias a serem ingeridas. É fundamental o encorajamento para adoção de modificações comportamentais duradouras, como ênfase na ingestão de alimentos de menor densidade calórica, a não realização de lanches nos intervalos das refeições principais, a correta mastigação dos alimentos etc. 
· Crianças menores de dois anos deverão evitar televisão e computador. Aquelas de 2 a 18 anos deverão ter restrições quantitativas em frente ao “trio” televisão/computador/videogame para menos de duas horas/dia. Além disso, sugere-se a retirada da televisãodo quarto das crianças. 
· Atividade física deve ser estimulada em todas as idades, de acordo com o desenvolvimento motor de cada faixa etária, pois desenvolve a força muscular, a coordenação e a flexibilidade, além de melhorar o condicionamento cardiorrespiratório e evitar doenças crônicas, como a obesidade, hipertensão e aterosclerose. 
· O esporte, por sua vez, é a atividade física relacionada à competição e visando resultados. Os maiores benefícios associados ao esporte na infância são a melhora da socialização (funcionamento do conjunto), respeito a regras e limites, empenho e dedicação, e desenvolvimento emocional para lidar com a vitória e a derrota.
· As medicações para obesidade em pediatria são reservadas apenas para os casos que apresentam comorbidades graves associadas, e se associada à obesidade houver doença psiquiátrica que a promova (ex.: compulsão alimentar, depressão). Devem ser usados apenas como coadjuvantes ao tratamento principal, que inclui a educação nutricional e a atividade física. 
BAIXA ESTATURA
· O crescimento intrauterino é influenciado pelo estado nutricional, pelo tamanho do útero e pelo ambiente metabólico. Hormônios como a insulina, o IGF-1 e suas proteínas ligadoras, têm importância fundamental no crescimento do feto. O GH e o hormônio tireoidiano produzidos pelo feto não parecem ter participação importante no crescimento do mesmo. Mas, no período pós-natal, o GH e os hormônios tireoidianos são fundamentais para o crescimento linear. Entretanto, o principal hormônio efetor do crescimento linear pré e pós-natal é o IGF-1, sintetizado pelo fígado por estímulo de GH e hormônios tireoidianos, e cuja principal ação é atuar na cartilagem de crescimento promovendo sua hiperplasia e hipertrofia. 
· Desvio fisiológico do crescimento pode ocorrer durante os primeiros dois anos de vida. Este evento tem correlação com a estatura dos pais. Crianças grandes nascidas de pais pequenos tendem a apresentar uma desaceleração tardia de seu crescimento, enquanto crianças pequenas (saudáveis sob todos os aspectos) nascidas de pais altos tendem a acelerar o seu crescimento de forma precoce (principalmente durante os seis primeiros meses de vida). 
· Considera-se baixa estatura a estatura abaixo do Escore Z -2. Mas podemos considerar que há crescimento deficitário quando o paciente se encontra abaixo de seu alvo genético familiar. Outro dado que aponta para um crescimento deficitário é uma alteração na velocidade de crescimento, mesmo antes que exista a baixa estatura.
Avaliação 
· A análise da queixa de baixa estatura deve incluir a avaliação de 8 parâmetros fundamentais: estatura absoluta; velocidade de crescimento; relação entre peso-estatura; alvo genético; idade óssea; idade estatural; e proporções corporais. 
· Estatura Absoluta: importante para definirmos se, de fato, existe ou não baixa estatura. Lembre-se de que uma criança que esteja no percentil 15 da curva de estatura por idade, por definição, não terá baixa estatura, mas será mais baixa que boa parte das crianças de mesma idade e sexo. Além disso, a estatura atual pode guardar alguma relação com condições patológicas. 
· Velocidade de Crescimento: aspecto mais importante quando avaliamos o crescimento linear. Para uma maior acurácia, é necessário um tempo de observação mínimo de 4-6 meses. Uma desaceleração substancial na velocidade de crescimento entre os 3 e 12-13 anos de idade, até prova em contrário, indica doença. Durante os três primeiros anos de vida, uma desaceleração do crescimento linear pode ser observada, como já vimos antes. Alterações no canal de crescimento (desacelerações) podem ser encontradas no período pré-puberal e na puberdade, uma vez que o início da puberdade varia entre indivíduos. Para uma velocidade de crescimento estatural dentro da normalidade, mesmo com a estatura absoluta abaixo do percentil 3, é improvável a presença de alguma doença subjacente. De forma prática, no período escolar, antes do início da puberdade, o ponto de corte é de 5 cm/ano. 
· Relação Peso-Altura: em portadoras de endocrinopatias como causa de baixa estatura, o ganho ponderal geralmente encontra-se dentro da normalidade, com sobrepeso ou obesidade sendo observados em alguns casos. Por outro lado, na presença de doenças sistêmicas graves, o ganho ponderal insuficiente é ainda mais importante do que o déficit de crescimento linear, resultando em crianças com baixa estatura e emagrecidas. 
· Alvo Genético: parâmetro que auxilia quando avaliamos uma criança com baixa estatura. Este dado nos informa se uma determinada estatura está ou não adequada para os padrões familiares do paciente. As fórmulas utilizadas são:
· Idade Óssea: durante a infância, o processo de crescimento geralmente refere-se a um aumento no comprimento dos ossos, que progride concordante com a maturação esquelética. A idade óssea procura estabelecer a maturidade esquelética, comparando o aparecimento de centros epifisários representativos na radiografia simples com padrões já estabelecidos para uma determinada idade. O método mais usado examina a maturação epifisária da mão e punho esquerdo (gráfico ou padrão de Greulich e Pyle). As condições relacionadas ao crescimento linear insuficiente podem cursar com atraso na maturação esquelética e atraso na idade óssea. A observação de um atraso na idade óssea é um dos elementos que pode ser usado no estabelecimento do diagnóstico etiológico de uma baixa estatura. Além disso, em determinadas situações, pode ter algum valor prognóstico. 
· Idade-Estatural: idade cronológica na qual a mediana da população (percentil 50) apresenta a estatura do paciente. 
· Estabelecimento da Proporção Corporal: relação entre o segmento superior e inferior do corpo pode fornecer algumas pistas para o diagnóstico etiológico de baixa estatura. A medida do segmento inferior é obtida a partir da distância entre a parte superior da sínfise púbica até o chão, com o paciente em pé em uma superfície plana. A medida do segmento superior é conseguida subtraindo-se a medida do segmento inferior da altura da criança. O valor da relação U/L ao nascimento é de 1,7; aos três anos é de 1,3; entre oito e dez anos é igual a 1 e até o final da puberdade fica entre 0,9-1. Quando avaliamos a relação U/L em uma criança baixa, podemos determinar se há baixa estatura proporcional (envolvendo o tronco e as extremidades inferiores) ou desproporcional (envolvendo um segmento mais do que o outro). As alterações envolvendo primariamente a coluna cursam com relação U/L diminuída para a idade. As alterações envolvendo basicamente ossos longos (ex.: acondroplasia) estão associadas com um aumento da relação U/L (os membros estão encurtados).
Investigação 
· Nas crianças de aparência saudável, sem histórico de doenças crônicas sistêmicas, sem obesidade, sem dismorfias, sem deficiência intelectual e com velocidade de crescimento próxima do normal, é bastante provável que estejamos diante de variações benignas do crescimento. Por outro lado, a presença de uma velocidade de crescimento muito abaixo do esperado para a idade, presença de dismorfias, presença de desproporções corporais, presença de deficiência intelectual ou qualquer doença sistêmica crônica nos alerta para a possibilidade de causa patológica para a baixa estatura, sendo, portanto, necessária a investigação complementar nestes casos. 
· Os principais exames complementares que podem ser solicitados para investigação de baixa estatura patológica são: (1) hemograma; (2) VHS; (3) glicemia de jejum; (4) lipidograma; (5) proteínas totais e frações; (6) TGO e TGP; (7) cálcio e fósforo; (8) FA; (9) ureia e creatinina; (10) EAS; (11) Parasitológico de fezes; (12) T4 livre e TSH; (13) IGF-1 e IGF-BP3; (14) provas de estímulo à secreção de GH; (15) anticorpos antitransglutaminase; (16) Cariótipo; (17) Idade óssea; (18) Radiografia de esqueleto; (19) Ressonância magnética ou tomografia computadorizada de sela túrcica. 
· Além de tudo o que já vimos, é interessante notar que, diante de uma criança com baixa velocidadede crescimento, alguns cenários clínicos podem sugerir determinadas doenças. 
- Criança Bem Nutrida ou Obesa: este é o padrão típico de crianças com alguma endocrinopatia. A avaliação inicial deve começar com as medidas de TSH, a determinação da idade óssea e pode ser complementado pelas concentrações de IGF-1 e IGFBP-3. Concentrações elevadas de TSH e baixas de T4 estão presentes no hipotireoidismo primário; teste de função tireoidiana normal, idade óssea atrasada de forma importante e baixos níveis de IGF-1 e IGFBP-3 para a idade, em uma criança bem nutrida, nos fala a favor de deficiência do hormônio do crescimento. Uma criança obesa com baixa estatura e que apresenta provas de função tireoidiana normais e avaliações do hormônio do crescimento também dentro da normalidade, deve ser investigada para estados associados a excesso de glicocorticoides (síndrome de Cushing). Nestes casos, a solicitação do cortisol urinário livre ou o teste de supressão de dexametasona são os exames iniciais. 
- Criança Magra: relação peso-altura diminuída ou um declínio inicial no ganho ponderal seguido de diminuição na velocidade estatural são características encontradas nas desordens sistêmicas, como as doenças gastrointestinais, renais, nutricionais etc. Uma pesquisa cuidadosa, buscando evidências de má absorção ou revelando incapacidade de concentrar (poliúria, nictúria ou enurese) ou acidificar a urina, pode revelar doenças do tubo digestivo ou renais ocultas. O restante das desordens crônicas que ocasionam distúrbios no crescimento apresenta manifestações clínicas que não deixam dúvidas quanto ao diagnóstico. 
- Achados Dismórficos ou Baixa Estatura Desproporcional: sugerem anormalidades cromossômicas ou uma síndrome, o cariótipo deve ser realizado por um geneticista. Na presença de baixa estatura desproporcional, recomenda-se um inventário radiológico na busca de displasia esquelética.

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