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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA ELTON PAIVA SANTOS O TRABALHO DE SENSIBILIZAÇÃO ANTIRRACISTA E PROMOÇÃO DO PERTENCIMENTO AFRO NA ESCOLA: ENSAIO DE PESQUISA INTERVENÇÃO PRETAGÓGICA EM UMA TURMA DE ENSINO FUNDAMENTAL EM FORTALEZA FORTALEZA 2019 ELTON PAIVA SANTOS O TRABALHO DE SENSIBILIZAÇÃO ANTIRRACISTA E PROMOÇÃO DO PERTENCIMENTO AFRO NA ESCOLA: ENSAIO DE PESQUISA INTERVENÇÃO PRETAGÓGICA EM UMA TURMA DE ENSINO FUNDAMENTAL EM FORTALEZA Monografia apresentada ao Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Licenciada em Pedagogia. Orientadora: Profa. Dra. Sandra Haydée Petit FORTALEZA 2019 ELTON PAIVA SANTOS O TRABALHO DE SENSIBILIZAÇÃO ANTIRRACISTA E PROMOÇÃO DO PERTENCIMENTO AFRO NA ESCOLA: ENSAIO DE PESQUISA INTERVENÇÃO PRETAGÓGICA EM UMA TURMA DE ENSINO FUNDAMENTAL EM FORTALEZA Monografia apresentada ao Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em Pedagogia. Aprovada em / / . BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Sandra Haydée Petit (Orientadora) Universidade Federal do Ceará (UFC) Profa. Dra. Maria de Fátima Vasconcelos Costa Universidade Federal do Ceará (UFC) Prof. Dr. Luis Távora Furtado Ribeiro Universidade Federal do Ceará (UFC) AGRADECIMENTOS A minha orientadora professora Sandra Petit, por ter a paciência e a sabedoria de aceitar o desafio de orientar um estudante que só conseguiu decidir o tema de seu trabalho de conclusão de curso, seis meses antes da entrega desta monografia, além de ter me proporcionado momentos inesquecíveis, durante minha formação. Acho que foi a professora que mais me conscientizou sobre vários temas tão importantes e tão pouco trabalhados na graduação. Aos professores e Maria de Fátima Vasconcelos Costa e Luis Távora Furtado Ribeiro que aceitaram participar da banca examinadora deste trabalho, me dando muito orgulho, já que foram profissionais maravilhosos que contribuíram com a minha formação. E ao professor José Rogério Santana, que por questões de saúde, não pode participar da banca. A meus familiares, que ajudaram e ajudam na formação de minha base educacional para a vida, principalmente meu pai Antônio Augusto, minha mãe Biatris de Paiva, minha esposa Maria Valdenia e meu Filho Apolo Lopes, que em momentos de dificuldades me apoiaram e me motivaram a não desistir jamais. Ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a Presidente Dilma Rousseff, pois foi durante os seus governos, que um número enorme de estudantes de escolas públicas e de periferia, conseguiram finalmente, entrar no Ensino Superior público e privado, mostrando assim, que a preocupação primordial de um governo deve ser investir na educação do seu povo, independente de classe social, identidade etnicorracial, gênero, ou qualquer outro ponto que faz parte da diversidade de nossa sociedade. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Frei Lauro Schwarte, onde fui tão bem recebido para realização da desta pesquisa. A professora Gleisse, que também me acolheu muito bem, entendendo o propósito das atividades, sendo atenciosa, ajudando no que era possível com materiais e registrando os encontros. E aos alunos que foram fundamentais para a realização desta pesquisa: Adilla, Alice, Laura, Letícia, Ana Letícia, Luiza, Arthur, Vitor, Carla, Ellen, Edmilson, Fabrício, Guilherme, Gutemberg, Ismael, Lia, Gabrielly, Mateus, Rebeca, Verônica, Klessia, José e Jair. Aos meus colegas que contribuíram com a minha formação com a apresentação de trabalhos nas mais diversas disciplinas, grupos de estudos e que principalmente, não desistiram no decorrer do caminho, pois dos 45 alunos que entraram na universidade comigo, apenas 15 estão concluindo o curso. São eles: Cezar, Cleiton, Cristina, Elizabeth, Larisse, Lucas, Maísa, Marcele, Rafael, Raiane, Rivanildo, Sara, Simone, Talita, e Ully. “Ninguém aprende tolerância num clima de irresponsabilidade, no qual não se faz democracia. O ato de tolerar implica o clima de estabelecimento de limites, de princípios a serem respeitados. Por isso a tolerância não é conivência com o intolerável. Sob regime autoritário, em que a autoridade se exacerba ou sob regime licencioso, em que a liberdade não se limita, dificilmente aprendemos a tolerância. A tolerância requer respeito, disciplina, ética. O autoritário, empapado de preconceitos de sexo, de classe, de raça, jamais pode ser tolerante se não vencer antes seus preconceitos”. (FREIRE, 1997. p. 39) RESUMO Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada em 2019, por ocasião da minha graduação no Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. A pesquisa problematiza como desenvolver atividades pedagógicas que tragam a sensibilização sobre as relações etnicorraciais, para o Ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana. As atividades foram desenvolvidas para um grupo de crianças estudantes da Escola Municipal de Ensino Fundamental Frei Lauro Schwarte, no bairro Farias Brito, em Fortaleza Ceará. A pesquisa e as atividades desenvolvidas tiveram como base atender ao que dispõe as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 que sancionam a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena na rede pública e particular, e no caso deste trabalho, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A turma escolar, que colaborou com a realização da pesquisa, contava com dezenove crianças da referida Escola. A pesquisa foi realizada buscando aliar a metodologia de uma pesquisa exploratória com intervenções pedagógicas e uso de técnicas criativas e artísticas, que buscaram ao máximo desenvolver aspectos da Pretagogia – referencial teórico-metodológico que pretende fornecer subsídios filosóficos e didático pedagógicos para a implementação da lei 10.639/2003 nas escolas, no sentido de fortalecer, além de conhecimentos instrutivos, as dimensões de pertencimento e apropriação da cosmovisão africana. Para refletir e analisar o tema em questão, e confrontar os conceitos de autores e autoras renomados que escolhi, como, Petit (2015) Alves (2016), Cavalleiro (2001), dentre outros. Ao final da pesquisa, construí algumas conclusões, dentre as quais destaco aqui: o envolvimento das crianças nas atividades que abordavam a cultura afro-brasileira, a dificuldade que as crianças têm para se reconhecerem negras; e que deve existir um constante trabalho da escola para combater as práticas racistas ou de qualquer tipo de preconceito. Palavras-chave: Escola, Etnicorraciais, Sensibilização, Cultura Afro-Brasileira. RÉSUMÉ Ce travail est le résultat d'une recherche menée en 2019 à l'occasion de mon diplôme au cours de pédagogie de la faculté d'éducation de l'université fédérale de Ceará. La recherche pose problème sur la manière de développer des activités pédagogiques qui amènent la sensibilisation sur les relations ethnoraciales, pour l’enseignement de l’histoire et de la culture afro-brésiliennes et africaines. Les activités ont été développées pour un groupe d’écoliers de l’école d’éducation municipale Frei Lauro Schwarte, dans le quartier de Farias Brito, Fortaleza Ceará. La rechercheet les activités développées sont basées sur les dispositions des lois n os 10.639 / 03 et 11.645 / 08 qui sanctionnent l’obligation d’enseigner l’histoire et la culture afro-brésiliennes et indigènes dans les réseaux publics et privés. , les Directives pédagogiques nationales sur l’éducation aux relations entre ethnies et racial et à l’enseignement de l’histoire et de la culture afro-brésiliennes et africaines. Le groupe scolaire, qui a collaboré à la recherche, a eu dix-neuf enfants de l’école. La recherche visait à associer la méthodologie d’une recherche exploratoire à des interventions pédagogiques et à l’utilisation de techniques créatives et artistiques visant à développer au maximum les aspects de la prédagogie - référence théorique et méthodologique visant à fournir des subventions pédagogiques philosophiques et didactiques pour l’application de la loi 10.639 Afin de renforcer, en plus des connaissances pédagogiques, les dimensions de l'appartenance et de l'appropriation de la vision du monde africaine. Réfléchir et analyser le thème en question et confronter les concepts d'auteurs renommés et d'auteurs que j'ai choisis, tels que Petit (2015) Alves (2016), Cavalleiro (2001), entre autres. À la fin de la recherche, j’ai dégagé quelques conclusions, parmi lesquelles j’ai mis en exergue: la participation des enfants à des activités qui traitent de la culture afro-brésilienne, la difficulté qu’ils ont à se reconnaître noires; et qu'il doit y avoir un travail constant de l'école pour lutter contre les pratiques racistes ou tout type de préjugé. Mots-clés: école, ethnie-raciale, sensibilisation, culture afro-brésilienne. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 – Mapa da internet com a representação geográfica da localização da escola............................................................................................................23 Figura 02 – Formação do círculo em com as cadeiras e mesas na sala de aula....................................................................................................................30 Figura 03 – Capa livro “três contos africanos de adivinhação”..........................37 Figura 04 – Ilustração interna do livro “três contos africanos de adivinhação”, onde as crianças identificaram a sabedoria dos mais velhos............................37 Figura 05 – Ilustração interna do livro “três contos africanos de adivinhação”, onde as crianças identificaram a presença de comércio ou como elas chamaram “feira”................................................................................................37 Figura 06 – Capa do livro Anansi, o velho sábio. Traduzido por Rosa Freire d'Aguiar, ilustrado por Jean-Caude Gotting, 2007.............................................38 Figura 07 – Capa do livro “O elefantinho da tromba caída”, autora Consuelo Dores Silva, ilustrado por Marcial Ávila, 2008...................................................38 Figura 08 – Crianças dançando ao som do Maracatu.......................................40 Figura 09 – Capa do livro “O herói de Damião”.................................................42 Figura 10 – Ilustração interna do livro “O herói de Damião”..............................42 Figura 11 a Figura 14 - Alunos em roda de capoeira, seguindo o passo a passo do livro “O herói de Damião”..............................................................................46 Figura 15 – Árvore Baobá que se encontra na Praça do Passeio Público, durante o evento Memórias de Baobá: Oralidade africana, sabedorias ancestrais e práticas formativas, Fortaleza, Ceará, 2017..................................48 Figura 16 a Figura 19 - Representação de uma árvore Baobá com os nomes dos membros da família.....................................................................................51 Figura 20 a Figura 26 – Depoimento escrito: Pessoas negras de suas famílias.......................................................................................................51 a 53 Figura 27 a Figura 29: Texto sobre racismo, grupo 01 ao grupo 03..........62 e 63 LISTA DE TABELAS TABELA 01 - Marcadores das africanidades................................................….28 TABELA 02 – Imagens e orientações de movimentos da capoeira...........42 a 45 TABELA 03 - Número de brasileiros em cada religião......................................54 TABELA 04 - Representações de orixás feitas pelos alunos....................56 a 57 TABELA 05 - Os orixás mais populares do Brasil.............................................58 SUMÁRIO 1. Introdução......................................................................................................13 2. Justificativa....................................................................................................15 3. Referencial teórico – metodológico: Pretagogia............................................21 4. A realização das intervenções na escola.......................................................23 4.1 - A escola e as intervenções....................................................................25 1ª intervenção – Conhecimentos prévios e relações com a África...........29 2ª intervenção – Trabalhando com contos africanos................................32 3ª intervenção – Ritmos influenciados pela África e a capoeira................40 4ª intervenção – O baobá e as ancestralidades........................................48 5ª intervenção – As religiosidades com raízes africanas..........................54 6ª intervenção – Racismos e autoestima da criança negra......................58 5. Depoimento das crianças sobre as atividades..............................................64 6. Conclusões........................ ...........................................................................68 7. Referências……………………………………………………............................70 8. Outras referências (vídeos e músicas)..........................................................73 13 1. INTRODUÇÃO Este estudo é um ensaio de pesquisa intervenção realizado com 23 (vinte e três) crianças matriculadas, com idade de 09 e 10 anos, no 4º ano do Ensino Fundamental I de uma escola pública, no município de Fortaleza, estado do Ceará. Para tanto, busquei atender ao meu principal objetivo que era entender, como, através de atividades didático-pedagógicas, as crianças percebem as relações etnicorraciais no que diz respeito ao pertencimento afro, Petit (2016) explica o que é pertencimento afro: Montamos várias técnicas e diversos dispositivos que nos permitissem suscitar ou fortalecer o pertencimento afro, o qual conceituamos como o autorreconhecimento e a valorização da sua conexão com o legado africano, presente em maior ou menor grau no nosso corpo-memória, queiramos ou não, pela inegável influência africana na brasilidade, ao mesmo título que as culturas indígenas e europeias. (PETIT, 2016, p 669) O outro objetivo importante era descobrir como uma intervenção didática em bases pretagógicas, com alunos do 4º ano do ensino fundamental, contribuiu para a construção de uma sensibilização antirracista. Utilizo a definição da estudiosa da educação infantil e antirracista Eliane Cavalleiro (2001, p.158), que afirma que a educação antirracista visa a erradicação do preconceito, discriminações e os tratamentos diferenciados, buscando possibilitar a população inferiorizada, a superação dessas discriminações e a busca pela igualdade racial. Cavalleiro (2001) aponta oito características de uma educação antirracista: 1. Reconhece a existência do problema racial na sociedade brasileira. 2. Busca permanentemente uma reflexão sobre o racismo e seus derivados no cotidiano escolar. 3. Repudia qualquer atitude preconceituosa e discriminatóriana sociedade e no espaço escolar e cuida para que as relações interpessoais entre adultos e crianças, negros e brancos sejam respeitosas. 4. Não despreza a diversidade presente no ambiente escolar: utiliza-a para promover a igualdade, encorajando a participação de todos/ os alunos/as. 5. Ensina às crianças e aos adolescentes uma história crítica sobre os diferentes grupos que constituem a história brasileira. 6. Busca materiais que contribuam para eliminação do “eurocentrismo” dos currículos escolares e contemplem a diversidade racial, bem como o estudo de “assuntos negros”. 7. Pensa meios e formas de educar para o reconhecimento positivo da diversidade racial. 8. Elabora ações que possibilitem o fortalecimento do autoconceito de alunos e alunas pertencentes a grupos discriminados (CAVALLEIRO, 2001, p. 158) 14 Esse trabalho teve como referencial o que está estipulado na Lei 10639/2003, que Altera a Lei de Diretrizes e Base da educação nacional, no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino, a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e africana", com abordagens antirracistas, estudo sobre a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, as cosmovisões africanas e afrodiaspóricas. Essa lei resgata assim, as contribuições do povo negro nas áreas social, econômica e política, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanidades (BRASIL, 2004). O tema escolhido para a pesquisa tem sua grande importância quando nos questionamos se as práticas educativas são iguais para todos ou se elas acabam sendo mais um fator de reprodução de discriminação. A obra produzida pelo Ministério da Educação do Brasil, e que trata das orientações e ações para a educação das relações etnicorraciais, explica que a educação pode ser um caminho importante de superação do legado escravista: Torna-se imperativo o debate da educação a serviço da diversidade, tendo como grande desafio a afirmação e revitalização da autoimagem do povo negro. (...) Como linha mestra da maioria das coletividades negras, o processo de educação ocorre a todo o tempo e se aplica nos mais diversos espaços. Afora isso, em resposta à experiência histórica do período escravista, a educação apresentou- se como um caminho fértil para a reprodução dos valores sociais e/ou civilizatórios das várias nações africanas raptadas para o Brasil e de seus descendentes. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, BRASIL, p. 13 e 14, 2006) 15 2. JUSTIFICATIVA Para desenvolver este trabalho, tive que buscar na minha história de vida, relações com o tema, pois tenho a pele branca, porém minha família é bastante miscigenada. Minha avó paterna era descendente dos povos indígenas de Caucaia (município do estado do Ceará), meu avô paterno, aparentemente, descendente dos povos brancos europeus, e dessa união nasceu meu pai que tem pele branca. Minha avó materna era descendente de povos indígenas de Cariré (município do estado do Ceará), meu avô materno era descendente de povos negros escravizados também da região de Cariré, e dessa união nasceu minha mãe que é parda, portanto negra. E da união dos meus pais nasceram 03 filhos, cada um com características distintas, meu irmão mais novo tem características semelhantes as dos povos indígenas (cor de pele parda e cabelo liso), minha irmã tem a pele negra e cabelo cacheado e eu sou branco de cabelo ondulado. Minha família é assim composta pela mistura de várias etnias, e passei minha infância inteira achando que todas as famílias eram assim, mas com o passar do tempo, vi que não era bem assim, e que isso acarretaria em situações que naquela época pareciam sem importância, mas hoje entendo que se tratavam de demonstrações de preconceito e ações discriminatórias. Para exemplificar estes atos, o primeiro fato que me vem à mente é o de um relato da minha mãe, onde ela conta que quando eu era recém- nascido, minha mãe passeava comigo no colo e quando parava em algum lugar para conversar com outras mães, ela era questionada se ela era minha babá, ela afirma que dificilmente as pessoas achavam que ela era minha mãe. Quando ela conta esta história fica nítido que ela se sentia mal com aquela situação. Ela também conta que sentiu diferenças até mesmo na maternidade, pois é de costume que as mães e as visitas olhem as outras crianças recém- nascidas, e ela conta que no meu nascimento, muitas pessoas iam me ver, brincar e falar comigo, diferentemente de meu irmão que já teve um assédio menor, e de minha irmã que, segundo os relatos de minha mãe, era ignorada pelas pessoas que frequentavam a maternidade. E hoje eu vejo estes fatos como retratos do racismo que está impregnado em nossa sociedade. Sempre morei em bairros da periferia da cidade de Fortaleza, hoje moro em um bairro chamado Bom Jardim, um dos bairros com os maiores 16 índices de criminalidade da cidade, e onde infelizmente as maiores vítimas da violência e da criminalidade são as pessoas negras. Além disso, são vítimas de discriminação por serem negras pois para as supostas autoridades, essas pessoas são vistas como prováveis criminosos, sofrendo abordagens grosseiras violentas e truculentas por parte dos agentes que deveriam proteger a população. Felizmente, não consigo me lembrar de membros da minha família passando por discriminações raciais na minha presença, claro que não posso garantir que isso não possa ter acontecido, pois estou em uma pele branca, só cada um deles sabe os preconceitos que se depararam até hoje, seja pela cor da pele ou por ser pobre e morar na periferia. Outro motivador para a escolha deste tema vem dos encantamentos trazidos pelos conteúdos estudados em dois componentes curriculares, do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará, ministrados pela professora Sandra Petit, a saber, “Educação no Ceará” onde, subvertendo a ementa, ela questiona a colonialidade presente ao longo da educação brasileira e no Ceará, e Cosmovisão Africana e Cultura dos Afrodescendentes no Brasil, que trata explicitamente dos valores civilizatórios africanos presentes na nossa brasilidade (dessa participei como aluno ouvinte convidado pela professora). Para conclusão do currículo, o aluno tem de participar de 45 (quarenta e cinco) componentes, entre estes existem obrigatórios e optativos. 36 são obrigatórios, e desses, somente em 01 (uma) tive a sorte de encontrar conteúdos direcionados para a educação das relações etnicorraciais, foi o de “Estágio Obrigatório em Educação Infantil”, não por constar na ementa, mas por iniciativa da professora Fátima Vasconcelos, que realiza essa abordagem, trazendo conceitos sobre identidade da criança negra e práticas antirracistas na educação infantil. Após a participação no componente curricular da professora Fátima Vasconcelos, na procura de informações sobre outras que também abordassem as relações etnicorraciais, encontrei as duas referidas disciplinas optativas ministradas pela professora Sandra Petit e ainda outras duas que tratam desse assunto parcialmente “O Fenômeno religioso e a formação humana” com a professora Ercília, que apresenta dentre muitas outras, as religiões de matriz africana como parte da ementa, e “Educação Popular”, cuja 17 ementa não cita esse tema, mas que eu tive a sorte de novo de ser aluno do Professor Babi Fonteles que aborda as dimensões da Ancestralidade na sua relação com o ideário freireano, e, no segundo semestre, promove participação da turma no evento Memórias de Baobá1. Infelizmente foram somente estas que encontrei, considero muito pouco, já que o curso deve contribuir com a formaçãode educadores que precisam atender a uma legislação que é clara ao tratar da importância dos estudos da História e Cultura africana e Afro- Brasileira. Se um aluno do curso de pedagogia da Universidade Federal do Ceará, não procurar por componentes curriculares que trabalham as relações etnicorraciais e práticas antirracistas, provavelmente ele terminará sua graduação sem ter estudado conteúdo algum sobre a temática, o que considero preocupante em um país em que o racismo, principalmente contra a população negra, ainda é muito forte. ------------------------------ 1 Organizado anualmente pelo Núcleo das Africanidades Cearenses (NACE) da Universidade Federal do Ceará, o Memórias do Baobá discute a história e a cultura afro-brasileira e a presença da população negra na constituição da brasilidade. As atividades formativas do evento são destinadas a educadores, integrantes de movimentos sociais e estudantes da educação básica e de graduação e pós-graduação. 18 A inferiorização de negros e negras durante o longo período escravagista que foi de 360 anos, em que eram considerados como “coisas”, não permitiu que tivesse acesso a nenhum tipo de educação formal. Nesse sistema abominável, foram raras as oportunidades de letramento. Mesmo no Pós Abolição demorou bastante para que negros e negras tivessem acesso à educação escolar. Assim, as maiorias permaneciam analfabetas e com isso lhes era também vetado o voto. Essa regra manteve-se até 1985, quando finalmente foi facultado ao analfabeto votar. Além disso, em finais do século XIX e ainda nas primeiras décadas do século XX, os negros só poderiam estudar em horário noturno. Por isso, para os movimentos negros do início do século XX a reivindicação era pelo simples acesso à educação pública, que era essencialmente branca. Mas, aos poucos, foi se tendo uma exigência a mais, pois o sistema brasileiro de ensino é um processo de embranquecimento cultural que apaga negros e negras da história, da ciência e da cultura, e que durante muito tempo desqualificou tudo o que vem da África, como explica Santos (2005) citando Abdias Nascimento em artigo contido na obra Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03: O sistema educacional [brasileiro] é usado como aparelhamento de controle nesta estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro – elementar, secundário, universitário – o elenco das matérias ensinadas, como se se executasse o que havia predito a frase de Sílvio Romero, constitui um ritual da formalidade e da ostentação da Europa, e, mais recentemente, dos Estados Unidos. Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as características, do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. Tampouco na universidade brasileira o mundo negro-africano tem acesso. O modelo europeu ou norte-americano se repete, e as populações afro-brasileiras são tangidas para longe do chão universitário como gado leproso. Falar em identidade negra numa universidade do país é o mesmo que provocar todas as iras do inferno, e constitui um difícil desafio aos raros universitários afro- brasileiros (NASCIMENTO, 1978: p. 95 apud SALES, 2005, P.23). A partir dos anos 1980, passou-se a exigir uma política de ações afirmativas que venha a trazer uma tentativa de reparação pelos longos anos de ausência do sistema de ensino, mas também como forma de gerar algum equilíbrio 19 cultural nos referenciais utilizados na escola. Passou-se a exigir mudanças nos materiais didáticos (que valorizassem a negritude, trouxessem referências negras), inclusão nas matérias ministradas de conteúdos que mostrem os protagonismos negros e indígenas na história e cultura do país. Em 1995, acontece a Grande Marcha Zumbi dos Palmares , por ocasião dos 300 anos de sua morte. Durante essa Marcha o movimento negro faz uma série de reivindicações, dentre as quais, a da introdução de conteúdos afro nas escolas. Em 2001, sob governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), pela primeira vez na história do Brasil, na Conferência Internacional de Durban contra o racismo, a intolerância, xenofobia e formas correlatas, um presidente reconhece que o Brasil não é uma democracia racial e sim, um país racista. Finalmente, em 2003 surge, com base em toda essa movimentação, a lei 10639/2003 que institui a obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afro- brasileira nas escolas do país. Trata-se de uma grande vitória, mas com dificuldades de implementação contínua devido às mentalidades contagiadas pelo racismo e o investimento insuficiente. Assim, mesmo considerando que concomitante houve enorme expansão das universidades e institutos federais de educação durante os governos de Lula e Dilma, e aumento significativo de negras e negros no ensino superior, isso ainda não se reverte em formações adequadas em número e qualidade satisfatórios. Então negras e negros continuam vivendo as mazelas decorrente da desigualdade racial histórica. Para expor essa desigualdade racial brasileira, principalmente no que se refere à população negra, a reportagem da revista Exame, de autoria de João Pedro Caleiro, publicada em 20 de novembro de 2018, mostra em números, a desigualdade racial brasileira. No quesito trabalho e renda, a média salarial é de R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos. O desemprego também é fator de desigualdade, entre os pardos é de (13,8%) e pretos (14,6%), enquanto a média da população é de (11,9%). A reportagem também mostra que apesar dos negros e pardos representarem aproximadamente 54% da população, a sua participação no grupo dos 10% mais pobres é muito maior: 75%. Já no grupo do 1% mais rico da população, a porcentagem de negros e pardos é de apenas 17,8%. Outro quesito exposto https://exame.abril.com.br/autor/joao-pedro-caleiro https://exame.abril.com.br/autor/joao-pedro-caleiro 20 pela matéria é o educacional, a taxa de analfabetismo é mais que o dobro entre pretos e pardos (9,9%) do que entre brancos (4,2%). Quando se fala no acesso ao ensino superior, a coisa se inverte, a porcentagem de brancos com 25 anos ou mais que tem ensino superior completo é de 22,9%. É mais que o dobro da porcentagem de pretos e pardos com diploma: 9,3%. Já a média de anos de estudo para pessoas de 15 anos ou mais é de 8,7 anos para pretos e pardos e de 10,3 anos para brancos. O percentual de negros no nível superior quase dobrou em 10 anos: em 2005, um ano após a implementação de ações afirmativas, apenas 5,5% dos jovens pretos ou pardos de 18 a 24 anos frequentavam uma faculdade. Em 2015, 12,8% dos negros na mesma faixa etária estão matriculados no ensino superior. No quesito criminalidade, a reportagem mostra que Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros e a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras. No quesito representatividade política, a população negra (pretos e pardos) formou 24,4% da Câmara em 2019, menos da metade de sua representação na população em geral. Entendo que num país tão desigual quanto o Brasil, estudos que busquem entender melhor o contexto social brasileiro são de grande importância, tais estudos podem contribuir para que as questões que envolvem as relações etnicorraciais sejam mais bem trabalhadas dentro das escolas e também fora delas, trazendo assim uma maior representatividade e empoderamento da população negra que por séculos foi escravizada e privada de seus direitos educacionais, religiosos, civis, econômicos,culturais e políticos. 21 3. REFERENCIAL TEÓRICO–METODOLÓGICO: PRETAGOGIA Este trabalho se propõe a desenvolver atividades pedagógicas que buscam tratar diversos aspectos, destacando a sensibilização etnicorracial, o pertencimento e a ancestralidade. O referencial teórico-metodológico consistiu no estudo da Pretagogia, e a fonte principal de tal estudo, foi a obra Pretagogia: Pertencimento, Corpo-Dança Afroancestral e Tradição Oral Africana na Formação de Professoras e Professores, escrito em 2015 pela professora Sandra Petit. A obra mostra que a metodologia possui diferenciais, não somente no conteúdo, mas também na organização aplicada nos ambientes em que o método foi trabalhado, pois a Pretagogia é embasada em valores da cosmovisão africana. A professora Petit explica pontos que colaboram com o desenvolvimento da Pretagogia: A forma de ministrar o Curso foi muito através de vivências, pois notamos que teríamos que trabalhar o corpo inteiro, não apenas a dimensão racional. "Daí o entendimento de que a aprendizagem envolve vivências corporais, o recordar experiências envolvendo pessoas negras ou a negritude, visitação a alguns espaços-recursos, e ainda rodas de conversas com algumas pessoas e grupos detentores de saberes relevantes para os temas estudados." (PETIT, 2015, p. 146 e 147) A obra da professora Petit também mostra que trabalhar a Pretagogia é desenvolver o desaparecimento do ódio racial, ela explica que não se trata de focar na cor da pele das pessoas envolvidas e sim em seus referenciais que são compreendidos como fatores fundamentais para o estabelecimento da conexão com a ancestralidade africana, que é rejeitada e esquecida. Para a real implementação da lei 10.639/2003 é necessário que cada vez mais sejam desenvolvidas referências didáticas para profissionais da educação, como o referencial da Pretagogia, e como explica a professora Petit: O importante é entender que é para todos/as, independentemente da cor da pele, mas que possui uma especificidade, que é o apresentar referenciais inspirados na cosmovisão africana para o trabalho pedagógico em sala de aula, particularmente para a implementação de conteúdos e de metodologias curriculares condizentes com essa matriz. (PETIT, 2015, p. 150) A obra também destaca o sentido filosófico e pedagógico do termo Pretagogia, pois com tal método, se insere no currículo os referenciais culturais e filosóficos inspirados na matriz africana, que enfatizam uma forma particular 22 de ser e estar no mundo, e que sugere abordagens diferentes dos métodos europeus convencionais, como explica a autora a seguir: Toda e qualquer pessoa, pode se apropriar da Pretagogia, tendo abertura para experimentar. É um referencial essencialmente propositivo, potencializador, embora também seja perpassado da busca de descolonização dos corpos e de combate ao racismo incrustado na sociedade brasileira e em outros países que passaram por processos de desvalorização, de negação ou de destituição dos marcadores africanos na educação. Mesmo partindo dessa crítica, trata-se de um referencial muito mais proativo do que reativo. Mais do que revelar explicitamente o racismo, pretendemos valorizar e potencializar nossas raízes africanas, com diversos modos de atualização, inclusive geográfica, já que as africanidades se apresentam de formas muito diversas segundo o continente (africano ou americano, por exemplo), países e regiões da África, diversas regiões e estados do Brasil, diversos países das Américas, as afrodiásporas instaladas também na Europa como imigrantes, etc. (PETIT, 2015, p. 150 e 151) A obra também deixa claro que a Pretagogia é um referencial em construção, tendo assim um futuro onde, provavelmente, o foco será ampliado com novas experiências, tais como o intercâmbio cultural, que já é possível, por exemplo, na Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira), uma universidade voltada para os mundos luso-africano e afro- brasileiro, com grande público e alunos africanos. As referências que os alunos africanos da Unilab trazem são muito valiosas para a construção contínua da Pretagogia que busca valorizar as contribuições pedagógicas e filosóficas da matriz africana para a prática educacional. Outros pontos importantes abordados na obra, explicam que a Pretagogia busca desenvolver o empoderamento e o autoconhecimento. A Pretagogia oportuniza aos educandos o contato com dimensões fundamentais de sua própria cultura, a qual é de uma riqueza e diversidade magníficas, não se resumindo ao referencial brancocêntrico. Como explica Petit: É a partir desse lugar, que é um lugar de empoderamento do sujeito até então podado de seu autoconhecimento, que se pode e se deve processar a interculturalidade, e não, mais uma vez, como um discurso e prática de dominação, que venha impor de novo a referência europeia, só que de forma sorrateira, sob cobertura de diálogo, pois esse suposto diálogo continuará considerando que o outro é que tem que absorver. Nessa pseudo-interculturalidade ainda não há uma concepção de circularidade e respeito, e sim um engodo. (PETIT, 2015, p. 159) 23 4. A REALIZAÇÃO DAS INTERVENÇÕES NA ESCOLA O primeiro momento na escola começou em março de 2019, com a negociação para realização das atividades. Apresentei minha intenção e meu interesse primeiramente para a professora da turma, pois já tinha uma relação de amizade com ela por ter realizado o estágio obrigatório em ensino fundamental em sua turma e ter gostado muito do seu trabalho, pois ela teve a iniciativa de realizar uma abordagem etnicorracial em diversos momentos durante o estágio, que coincidentemente aconteceu no período considerado da consciência negra (novembro). Assim, ela trouxe conteúdos voltados ao combate ao racismo e promoveu conhecimento da história de resistência dos povos escravizados nos primeiros séculos de invasão europeia em território brasileiro. Partindo desta vivência, tinha certeza que a professora aceitaria a realização das atividades na turma que era responsável. O segundo passo foi solicitar autorização à coordenadora da escola, a qual foi de pronto aceita sem maiores dificuldades. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Frei Lauro Schwarte fica localizada na Rua Antônio Pompeu, 2005, no bairro Farias Brito, porém também existe a possibilidade de ser considerada pertencente ao bairro do Centro, como pode ser visto na figura abaixo: FIGURA 01 – Mapa da internet com a representação geográfica da localização da escola. Fonte: https://www.google.com.br/maps/place/Escola+Municipal+Frei+Lauro+Schwartz/@-3.7307051,- 38.5333508,15z/data=!4m5!3m4!1sx0:0x7ac04c8d4063c93a!8m2!3d-3.731947!4d-38.5411829 24 A instituição tem um entorno privilegiado, apesar de não se localizar em uma avenida principal, ela fica a uma quadra da Av. Bezerra de Menezes, e a uma quadra da Av. Domingos Olímpio, duas das avenidas mais importantes de Fortaleza, tanto no aspecto comercial, como no de locomoção por transporte público. Assim tem referências como o Mercado São Sebastião, a Praça Farias Brito com a igreja católica de Nossa Senhora das Dores, e supermercados enormes como o Hiper Bompreço e o Assaí atacadista. Segundo o site “Fortaleza em Fotos”, O nome oficial é Farias Brito, mas a população e os moradores conhecem desde sempre, por Otávio Bonfim. Situado na região Oeste de Fortaleza, limita-se ao Norte com a Rua Antônio Drumond, Avenida Duque de Caxias e Rua Antônio Pompeu; a Leste, com as avenidas Padre Ibiapina e Imperador; Ao Sul, com a Rua Luís de Miranda e Avenida Jovita Feitosa e a Oeste, com a Rua Padre Frota e Rua Professor Castelo (limites definidos pelo IBGE censo de 2010). O site também informa que o bairro surgiu de uma povoação que ladeava uma antiga estrada carroçávelque rumava para Soure (Caucaia). Em 1922, a Rede de Viação Cearense instalou no local a estação que foi chamada de Quilômetro 03, que logo em seguida foi alterado para Estação do Matadouro, por estar junto a um abatedouro de gado. Mais tarde o nome da estação do Matadouro foi alterado para Otávio Bonfim, homenageando um engenheiro da Rede de Viação Cearense. Segundo o site, até o início do século XX, existia no bairro a Capela de São Sebastião, erguida na Praça São Sebastião, (onde hoje funciona o mercado com o mesmo nome), depois só erguida na Rua Justiniano de Serpa. No local da capela, na antiga Estrada do Gado (atual Rua Dr. Justiniano de Serpa), os frades Franciscanos oriundos da Alemanha, construíram a Igreja de Nossa Senhora das Dores. Inaugurada em 1932, tanto a Igreja de Nossa Senhora das Dores, quanto o Convento de São Francisco, anexo ao templo, foram construídos - além das doações de fiéis - com o auxílio do bispo Dom Manuel da Silva Gomes que fez a doação do terreno, correspondente a uma quadra entre as Ruas Justiniano de Serpa, Dom Jerônimo; e do bispo Dom Antônio Xisto Albano, que doou trinta contos de réis para a igreja católica. Esses recursos foram repassados pelo Arcebispo de Fortaleza, para a obra dos franciscanos em Otávio Bonfim. 25 Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP), a escola Frei Lauro nasceu de uma extensão da escola Gustavo Barroso, chamada “Anexo CTC do Otávio Bonfim“. Pela urgência e necessidade de ampliar o espaço para atender a comunidade educativa, em 2009, Governos Estadual e Municipal negociaram, de forma consensual, um espaço com estrutura para acolher melhor os alunos. Em 14 de abril de 2009 teve início o primeiro ano letivo da escola. Por vontade da comunidade a escola recebeu o nome de Frei Lauro Schwarte – religioso que dedicou seu sacerdócio em favor da comunidade mais humilde. Atualmente a escola oferece o ensino fundamental I / II e EJA. A escola tem como rotina uma acolhida com todos os alunos da escola antes do início da aula que tem o tempo estimado de 10 minutos, o primeiro tempo de aulas tem aproximadamente 110 minutos, o intervalo aproximadamente 20 minutos, e o segundo tempo de aulas aproximadamente 110 minutos. 4.1. A ESCOLA E AS INTERVENÇÕES Iniciei as intervenções, buscando relacionar as experiências e os aprendizados vivenciados na universidade, com a temática de promoção e sensibilização da consciência etnicorracial e buscando desenvolver ao máximo o que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais estipulam e respeitando a Lei n° 10.369 sancionada no ano de 2003 que modifica a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional n° 9.394/96 e que torna obrigatório o ensino sobre a história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições de ensino fundamental e médio, públicas e particulares. As atividades desenvolvidas tiveram total influência dos momentos presenciados em sala de aula na universidade, quase que exclusivamente com a professora, e minha orientadora, Sandra Petit, e um pouco menos em quantidade, mas não menos em importância, com a professora Fátima Vasconcelos. Diante das mediações da professora Petit, planejei intervenções que serviriam como bases da pesquisa exploratória, tal como explica Gil (2008) explica: As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. De todos os tipos de pesquisa, estas são as que apresentam menor rigidez no planejamento. Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso. (GIL, 2008, p.27) 26 Sendo assim: Pesquisas exploratórias são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis. Muitas vezes as pesquisas exploratórias constituem a primeira etapa de uma investigação mais ampla. Quando o tema escolhido é bastante genérico, tornamse necessários seu esclarecimento e delimitação, o que exige revisão da literatura, discussão com especialistas e outros procedimentos. O produto final deste processo passa a ser um problema mais esclarecido, passível de investigação mediante procedimentos mais sistematizados. (GIL, 2008, p.27) Além da pesquisa exploratória, encontrei inspiração no referencial teórico-metodológico da Pretagogia, que segundo Petit (2015), pretende se constituir numa abordagem afrorreferenciada para formação de professores/ as e educadores/ as de modo geral. Parte dos elementos da cosmovisão africana, porque considera que as particularidades das expressões afrodescendentes devem ser tratadas com bases conceituais e filosóficas de origem materna, ou seja, da Mãe África. A autora complementa: Dessa forma, a Pretagogia se alimenta dos saberes, conceitos e conhecimentos, de matriz africana, o que significa dizer que se ampara em um modo particular de ser e de estar no mundo. Esse modo de ser é também um modo de conceber o cosmos, ou seja, uma cosmovisão africana. (PETIT, 2015, p. 120) As intervenções também tentam responder a alguns questionamentos, tais como: Qual a possibilidade de suscitar uma sensibilização para a construção de uma consciência etnicorracial na formação dos alunos de ensino fundamental? Quais as atitudes a escola pode desenvolver para fomentar o pertencimento afro a partir de dispositivos didáticos diversificados? Como desenvolver atividades em sala de aula que atendam de forma exitosa a lei 10.639/2003? Como a escola pode trabalhar para desenvolver uma cultura antirracista que não seja apenas pontual, no 20 de novembro? Dessa maneira, um caminho foi traçado com a intenção de responder a essas inquietações para dentro da sala de aula, mesmo que de forma incipiente. Foram realizados, ao todo, (06) seis encontros em sala de aula, (02) dois dias por semana, evitando desorganizar o planejamento da professora da turma. Combinamos que as atividades seriam realizadas no segundo tempo, ou seja, após o intervalo/recreio, portanto de 15h20min as 17h, aproximadamente 27 90 minutos por aula, e que os dias de intervenções aconteceriam por ocasião das aulas de história e geografia fosse. O primeiro foi dedicado ao momento em que eu iria me apresentar aos alunos e em seguida eu tentaria conhecer um pouco cada um deles, além de uma breve introdução sobre a temática que iríamos trabalhar. Os outros 06 (seis) encontros trataram diretamente dos elementos que buscavam seguir pontos fundamentais que mostram a representatividade e influência da cultura dos povos africanos na formação da cultura brasileira e a forte presença africana na miscigenação do povo brasileiro. Tais elementos são destacados pela professora Petit em um artigo publicado no portal virtual de periódicos da Universidade Federal de Juiz de Fora no ano de 2016, onde a professora mostra o levantamento de 30 temáticas possíveis de identificação das africanidades nas nossas vidas, que chama de marcadores das africanidades. Petit explica (2016): Levantei 30 temáticas possíveis de identificação das africanidades nas nossas vidas, que não pretendem ser exaustivas das influências africanas na brasilidade, mas que reúnem, a meu ver, um escopo relevante de atravessamentos afro no nosso sistema cultural. Chamei tais elementos de marcadores das africanidades, isto é, marcas daquilo que nos conecta, desde membros da nossa linhagem, práticas religiosas e espirituais, artísticas, de saúde, culinárias, arquiteturas, presentes no cotidiano e na memória familiar e coletiva de todos os brasileiros, independentementede sua cor de pele. (PETIT, 2016, p. 667) Os marcadores das africanidades serviram como guias para o desenvolvimento das atividades que buscavam a sensibilização sobre a consciência etnicorracial e um maior conhecimento da cultura africana e afro- brasileira. Petit e Alves (2015) Para compreender os marcadores das africanidades, faz-se necessário explicitar que eles referem-se àquilo que nos permite identificar uma conexão histórico-cultural com a África. São marcas daquilo que nos conecta, desde membros da nossa linhagem, práticas religiosas e espirituais, artísticas, de saúde, culinárias, arquiteturas, presentes no cotidiano de todos os brasileiros e brasileiras.[...] As africanidades são capazes de nos reportar aos valores ancestrais e afetam a vida de todos os brasileiros, pois estão entranhadas nas práticas e valores religiosos, culinários, culturais, de organização familiar. Relatam o trabalho, criatividade e capacidade de reelaboração cultural dos africanos e seus descendentes. (PETIT; ALVES, 2015, p. 137 e 138) As autoras explicam claramente a importância dos marcadores das 28 africanidades, enquanto elementos de conexão com as nossa ancestralidade africana: Dessa forma, as africanidades estão representadas por diversos elementos que nos conectam com a mãe África, mesmo na diáspora. Esses marcadores referem-se às práticas culturais em geral, incluindo festividades de todo o tipo, artefatos, marcas de territórios investidos por negros/ as (quilombos, terreiros, locais de festa etc), histórias compartilhadas tanto de resistência (todo tipo de lutas históricas e de comportamentos que exibimos) como de subalternidade forçada, fenômenos que atingem os/as africanos/as e os afrodiaspóricos/as como as práticas de desvalorização motivadas pela recente história (racismo, discriminação, preconceito). (PETIT; ALVES, 2015, p 138) Os marcadores são descritos na tabela a seguir: Tabela 01 – Marcadores das africanidades 1- História do meu nome 16- Danças afro 2- Histórias da minha linhagem, inclusive agregados 17- Cabelos afro (encaracolados / cacheados / crespo) – práticas corporais de afirmação e negação dos traços negros diacríticos 3- Mitos / lendas / o ato de contar / valorização da contação 18- Representações da África / relações com a África 4- Histórias do meu lugar de pertencimento / comunidade / territorialidades e desterritorialidades negras (movimentos de deslocamentos geográficos, corporais e simbólicos) 19- Negritude – força e resistência 5- Sabores da minha infância – pratos, modos de comer e valor da comida 20 – Artesanatos 6- Pessoas referências da minha família e da minha comunidade e pessoas negras referências do mundo, significativas para mim 21- Outras tecnologias 7- Simbologias da circularidade / tempos cíclicos e da natureza 22- Valores de família / filosofias 8- Práticas e valores de iniciação / ritos de transmissão e ensino 23- Racismos (perpetrados e sofridos) 9- Mestras(es) negras(os) – da cultura negra 24- Formas de conviver / laços de solidariedade / relações comunitárias 10- Escrituras negras 25- Relação com a natureza 11- Curas / práticas de saúde 26- Religiosidades pretas 12- Cheiros “negros” significativos 27- Relação com as mais velhas e os mais velhos / senhoridade (respeito aos mais experientes) 13- Festas da minha infância e festas de hoje 28- Vocabulário afro / formas de falar 14- Lugares míticos e territórios afromarcados (investidos pela negritude) 29- Relação com o chão (vivências e simbologias) 15- Músicas / cantos / toques / ritmos / estilos afro 30- Outras práticas corporais (brincadeiras tradicionais, jogos e outras) Fonte: livro - Memórias de Baobá II, 2015, p. 139, Artigo - Pretagogia, pertencimento afro e os marcadores das africanidades: conexões entre corpos e árvores afroancestrais. 29 1ª INTERVENÇÃO – CONHECIMENTOS PRÉVIOS E RELAÇÕES COM A ÁFRICA Quando apareci na porta da sala do 4º ano “B” e dei um sorriso para a Professora Gleisse, as crianças logo ficaram muito curiosas, me olhavam com um olhar de desconfiança, porém rapidamente duas alunas levantaram-se e vieram conversar comigo. Logo perguntaram qual o meu nome e se eu seria um novo professor, antes que eu respondesse, a professora disse que eu iria me apresentar para toda a turma após o recreio e nesse momento, o sinal do intervalo tocou. Aproveitei para conversar com a professora sobre o conteúdo que ela estava trabalhando, ao que ela me respondeu que por problemas na distribuição da prefeitura os livros didáticos acabaram de chegar e que só agora ela conseguiria organizar uma cronologia para as aulas. Como já tínhamos conversado sobre o meu objetivo com as intervenções, a professora se colocou à disposição para colaborar no que fosse possível com as atividades, e com muito gosto já que a abordagem etnicorracial é um dos pontos que considera de grande importância no currículo escolar. Com o final do intervalo, as crianças retornam muito agitadas e precisam de alguns minutos para relaxamento e concentração na continuação da aula. Após este momento, foram iniciadas as atividades em sala de aula, minha fala começou com uma breve apresentação, falei meu nome, o nome da minha instituição de ensino e expliquei que estava ali para que eles me ajudassem em uma pesquisa que estudaria as relações etnicorraciais em uma turma de 4º ano de uma escola pública em Fortaleza. A sala estava organizada em fileiras e isso me incomodou um pouco, pois uma das aprendizagens que tive nas aulas da questão etnicorracial, e principalmente nas aulas que destacavam a cultura africana, é que os círculos ou as rodas têm uma simbologia importante na África, como manifestação de comunidade e integração das pessoas, seja em uma reunião, e que em muitas etnias africanas o círculo representa um momento de alegria e comunhão, como nas danças e festividades. O círculo é também uma oportunidade em que os mais velhos passam aos mais jovens a história de seu povo, dos grandes feitos, dos grandes reis e guerreiros, surgindo assim uma das características dos povos africanos que é o uso da oralidade como fonte de conhecimento. Mas o círculo é também uma filosofia, na medida em que 30 sugere uma visão cíclica e não linear do tempo, e simboliza também a conexão com a Ancestralidade (como passado) que se atualiza no presente e se manifestará no futuro. Petit e Cruz (2008) exemplificam: Outro elemento usado na dança africana é o círculo. Nos comentários, alguns/as alunos/as frisaram que o movimento circular nos leva ao pensar circular, inerente à filosofia de matriz africana. Na arquitetura também prevalece o circular. Alguns se aperceberam que a cultura oral é praticada nos círculos onde o centro pode ser uma fogueira. Outros notaram que nos barracões de candomblé as danças também são circulares, além dos movimentos de 360 graus dentro do próprio eixo do corpo e da posição circular dos braços também circular. 12 Complementamos que na capoeira tudo acontece dentro da roda, trazendo de novo o círculo como referência. (PETIT; CRUZ, 2008, p 11 e 12) Diante da organização da sala de aula, conversei com a turma e sugeri que formássemos uma grande roda, e a sugestão foi prontamente aceita, como mostrado na figura abaixo: Figura 02 – Formação do círculo em com as cadeiras e mesas na sala de aula Fonte: Próprio autor, 2019. Após formarmos o círculo, perguntei o nome de cada aluno para tentar conhecê-los melhor, em seguida escrevi no quadro o adjetivo “afro- brasileiro” e questionei a turma sobre o que significava aquela expressão, porém antes que eles respondessem algo, segui a orientação da professora da turma, que pediu para que fosse desenvolvida uma breve introdução ao tema, já que os alunos ainda iriam ter contato com o assunto posteriormente com as atividadesdo livro didático. Houve a tentativa de mostrar para a turma, através de um desenho no quadro, que geograficamente o mundo é dividido em 31 continentes como a África, a América do sul, a América do norte, a Ásia, a Europa, a Oceania e a Antártida. Após tal representação, a turma tentou localizar os três continentes que têm relação direta com a formação da cultura brasileira, que no caso é o continente da América do sul, o continente africano e o continente europeu. Seguindo com a breve introdução, sempre com a colaboração da professora da turma, expliquei que a América do sul tinha, como moradores, os povos nativos da região, no caso os povos indígenas, e que existiu uma invasão europeia no continente americano, onde tal invasão teve como consequência o desaparecimento de muitos povos indígenas e o sequestro e escravidão dos povos africanos. Concluí a introdução explicando para a turma que o povo brasileiro foi formado essencialmente por três etnias: os povos indígenas nativos, os povos africanos negros e os europeus brancos. Após este momento, comecei a debater com a turma os pontos trabalhados na aula e pedi para que cada aluno respondesse, de forma escrita, duas perguntas, a primeira questionava o que significava a expressão escrita no quadro: “afro-brasileiro”, e a segunda perguntava se o aluno se considerava um afro-brasileiro. Para a primeira pergunta existiram diversas respostas como: “Um africano que vive no Brasil”, “Um africano que veio morar no Brasil”, “Um escravo”, “Um africano brasileiro”, “É uma pessoa da África que fala brasileiro”, “Um africano que nasceu no Brasil”, “Africano que virou escravo”, “É ser da origem brasileira”, “Um negro”. Depois, apliquei a segunda pergunta, dos 11 alunos que se manifestaram, 09 não se consideram afro-brasileiros e 02 se identificam como afro-brasileiros, as informações podem ser analisadas como possíveis faltas de identificação ou pertencimento étnico no que se refere aos povos africanos que participaram da miscigenação da população brasileira, além do fato de que o fenótipo das crianças mostra o contrário, pois 80% da turma poderia se identificar ou se colocar como pertencente à população afro-brasileira. Após este momento, tocou o sinal do final da aula, me despedi com a promessa de continuar o assunto no próximo encontro. 32 2ª INTERVENÇÃO – TRABALHANDO COM CONTOS AFRICANOS O segundo encontro buscou atender essencialmente o terceiro marcador das africanidades, (3- Mitos / lendas / o ato de contar / valorização da contação). Adotei como rotina iniciar os encontros com uma breve recapitulação sobre a aula anterior, pedi para as crianças que elas me falassem palavras ou expressões que remetiam ao conteúdo trabalhado anteriormente. Para colaborar com a atividade, me foi emprestado, pela professora Petit, um livro de literatura infantojuvenil que tem o nome de “Três contos africanos de adivinhação” do autor Rogério Andrade Barbosa e com ilustrações de Maurício Veneza, do ano de 2009. O livro apresenta situações difíceis, em que os personagens têm que usar a criatividade para resolvê-las, e no final de cada história, há um convite para que o leitor tente descobrir antes do desfecho, como foi que os personagens conseguiram solucionar seus problemas. Trabalhando os contos tentando estabelecer uma relação com o ato da contação que é uma característica marcante dos povos africanos, além disso, juntamente com a turma, encontrar nos contos amostras da cultura, costumes ou outros pontos importantes, que nos fizessem conhecer um pouco da sociedade africana e compará-los com a cultura brasileira. Como auxílio, para entender os ensinamentos da cosmovisão africana, tive a tabela dos 30 marcadores de africanidades citada acima, no sentido de guiar a minha percepção. A seguir a transcrição de cada conto trabalhado em sala de aula: Conto 01 - OS TRÊS GRAVETOS Certa manhã, o monarca de um poderoso reino hauçá, no interior da Nigéria, acordou seus súditos aos gritos: – Tragam o adivinho da corte imediatamente a minha presença – ordenou. Não tardou muito para que um homenzinho de barrete colorido e camisolão branco aparecesse. – O que aconteceu? Perguntou o revelador de sonhos e segredos ao irado senhor. – O anel cravejado de pedras preciosas que dei a minha filha de presente de casamento sumiu do quarto dela ontem à noite. 33 – Os guardas não viram nenhum movimento? – quis saber o homem entendido em mistérios e coisas do outro mundo. – Não. Mandei prender os três sentinelas que passaram a noite em frente ao aposento, em turnos separados. Mas eles juram que não sabem de nada. O adivinho, sem perder a calma, disse: – Não vai ser difícil encontrar o culpado. – Como? – perguntou o rei, mastigando um pedaço de noz de cola. O adivinho lentamente retirou três gravetos do mesmo tamanho de uma bolsa de couro de crocodilo que trazia ao ombro e entregou-os ao rei. – Ao anoitecer, cada prisioneiro deve receber um desses – avisou. – Diga que o ladrão será aquele cujo graveto tiver crescido, até o cantar do galo, dois dedos de comprimento. E assim foi feito. Na manhã seguinte, dois dos gravetos estavam do mesmo tamanho. Menos um, que havia diminuído exatamente dois dedos. – Foi ele – disse o adivinho apontando para o trêmulo guarda que segurava o menor pedaço. – Pode procurar entre suas coisas, que achará o anel. A joia realmente foi encontrada costurada no forro da roupa do acusado. O desafio, proposto pelo conto, era descobrir qual o truque utilizado pelo adivinho para pegar o ladrão. E a o truque era fazer o verdadeiro ladrão, durante a noite e com medo de ser descoberto, cortasse dois dedos do graveto que havia recebido. E foi o que aconteceu. O conto também trata sobre o marcador 22- Valores de família / filosofias, pois mostra que a mentira é um ato errado e que a honestidade deve sempre prevalecer, além do marcador 27- Relação com as mais velhas e os mais velhos / senhoridade (respeito aos mais experientes). 34 Conto 02 - TRÊS MERCADORIAS MUITO ESTRANHAS Um velho camponês, teimoso como uma mula, precisava atravessar um trecho do caudaloso rio Níger carregando um leopardo, uma cabra e um saco cheio de inhames. A garotada das aldeias situadas em margens opostas sentou-se no chão barrento, na maior algazarra, para ver como o rabugento conseguiria transpor a perigosa correnteza. A canoa do homem era muito pequena e ele só poderia carregar um de seus pertences de cada vez. – Se deixar a cabra com o inhame – disse um dos meninos –, a esfomeada come tudo. – Se largar o leopardo com a cabra, o manchado devora o bichinho – opinou outro garoto. Irritado com a zombaria, o aldeão reclamou em altos brados: – Vocês não aprenderam, de acordo com nossa tradição, a respeitar os idosos? Em vez de ficarem criticando, por que não me ajudam? O que vocês fariam se estivessem em meu lugar? Lembrem-se – argumentou, citando um antigo provérbio –, ―quem é velho já foi jovem‖. As palavras do ancião na mesma hora deixaram a meninada em silêncio. O homem não desistiu e, como não queria perder nada, pôs-se a pensar, agachado à beira da água lamacenta. No entanto, por mais que quebrasse a cabeça, não encontrava uma solução. O aldeão, desesperado, recorreu a um lavrador de cabelo grisalho montado em um burrico a caminho de um mercado distante dali. - Primeiro – disse o homem, depois de coçar a cabeça por um instante -, você tem de remar com a cabra para a outra margem e deixar o leopardo com o saco de inhame. Esse animal, como todos sabem, não gosta de comer raízes. - Depois – continuou -, atravesse para cá e carregue o saco de inhame pra lá. Ao voltar, traga a cabra com você. - E, para completar a travessia – arrematou -, leve o leopardoe, em seguida, retorne para buscar a cabra. Foi assim, finalmente, que o camponês atravessou o rio. 35 De acordo com um ditado africano, “ninguém deve rir de um velho”. Esse conto traz como desafio, tentar resolver o problema antes que o camponês conseguisse a resposta com o velho ancião. O conto também mostra situações distintas: as crianças que zombam do camponês, ou seja, desrespeitando a pessoa mais velha. E a procura, por parte do camponês, dos conselhos de uma pessoa mais velha para resolver o problema, mostrando um grande respeito diante do conhecimento dos mais velhos. Portanto, Neste conto, mais uma vez se destaca o marcador 27- Relação com as mais velhas e os mais velhos / senhoridade (respeito aos mais experientes). Conto 03 – AS TRÊS MOEDAS DE OURO Essa história, dizem, aconteceu em uma cidade nigeriana chamada Kano, celebrada por seu imenso e movimentado mercado. Ali, nos tempos antigos, se comprava e trocava de tudo: marfim, tecidos, miçangas coloridas, penas de avestruz, frutas, arroz, pimenta, milho, algodão, cavalos e camelos. E também a valiosa noz-de-cola, famosa por reduzir o cansaço, a fome e a sede. Um mercador de objetos de couro foi reclamar com o dono da pousada onde pernoitara que um ladrão entrara em seu aposento e roubara as três moedas de ouro que levava em uma sacola. – Perdi tudo que consegui com as vendas de minhas sandálias, chinelos, sacolas, rédeas, chicotes – queixou-se o negociante. O homem, irritado com a grave ofensa ao visitante, respondeu: – Pode deixar que hoje mesmo você terá seu dinheiro de volta. Ao final do dia, após as orações, o dono da pousada regressou a sua casa com uma engenhosa solução Ele pegou um frasco de perfume e despejou todo o conteúdo nos pelos de um burro. Depois, levou o animal para um cercado no fundo de seu estabelecimento. Em seguida, chamou os empregados e falou: – Preciso descobrir o autor do roubo que aconteceu na noite passada. Saiam, um por um, passem a mão no pelo do burro que está lá atrás e me esperem na cozinha. E, num tom de ameaça, avisou: 36 – Cuidado! O animal zurrará quando o ladrão o tocar. Os homens, sem pestanejar, obedeceram ao patrão e saíram para cumprir a tarefa. Mas o burro permaneceu calado até o fim da estranha prova. Mesmo assim o dono da pousada descobriu quem era o ladrão. O conto traz o desafio de descobrir qual o truque que foi utilizado para descobrir quem era o criminoso. A história explica que para o espanto do comerciante, o dono da pousada reuniu os empregados e cheirou a mão de cada um. Assim que terminou a inspeção, anunciou, triunfante quem era o criminoso, o dono da pousada ordenou uma busca no quarto do empregado, e as moedas foram encontradas dentro de um jarro de barro enterrado debaixo da cama do acusado. O comerciante, curioso, decidiu perguntar ao dono da pousada como ele descobriu quem era o ladrão? E o dono da pousada explicou que não foi difícil, pois só um dos homens não tinha a mão perfumada. Ele, com medo de ser denunciado, não tocou no pelo do burro. Como o exemplo do conto 01, o conto 03 também trata sobre o marcador 22- Valores de família / filosofias, pois mostra que a mentira é um ato errado e que a honestidade deve sempre prevalecer. A maioria da turma destacou dois pontos como os mais importantes presentes nos contos, o primeiro é que devemos ter respeito e saber ouvir os mais velhos, por ter mais experiência de vida e consequentemente mais sabedoria. (Marcador 27). O segundo ponto se refere ao comércio, ou como as crianças falaram “uma feira”, já que em um conto um comerciante é furtado e a ilustração de um mercado africano foi logo associada com a prática de feiras livres que existem no Brasil, ou seja, características do marcador 04 - Histórias do meu lugar de pertencimento / comunidade / territorialidades e desterritorialidades negras (movimentos de deslocamentos geográficos, corporais e simbólicos). A seguir algumas imagens do livro trabalhado: Figura 03 - Capa livro “três Figura 04 – Ilustração interna do livro “três contos 37 contos africanos de adivinhação” Fonte: Próprio autor, 2019. africanos de adivinhação”, onde as crianças identificaram a sabedoria dos mais velhos. Fonte: Próprio autor, 2019. Figura 05 - Ilustração interna do livro “três contos africanos de adivinhação”, onde as crianças identificaram a presença de comércio ou como elas chamaram de “feira”. Fonte: Próprio autor, 2019. Os alunos participaram bastante da contação, interagiram com as imagens e se envolveram com os contos, principalmente com a parte da adivinhação, onde o desafio de solucionar o problema foi bastante animado, pois cada um dava uma solução diferente, o debate foi tão intenso, que não foi percebido o passar do tempo, e a aula terminou com o soar da sirene da escola, mas é nos três contos, alguns dos alunos conseguiram solucionar o problema da mesma maneira que o livro sugeria. No final da aula, a professora Gleisse me confidenciou que tomou a liberdade de procurar no acervo da escola livros com a temática africana e aparentemente ela só conseguiu achar 02 (dois) exemplares que são apresentados a seguir: 38 Figura 06 – Capa do livro “O elefantinho da tromba caída”, autora Consuelo Dores Silva, ilustrado por Marcial Ávila, 2008. Fonte: Próprio autor, 2019. Resumo do livro “O elefantinho da tromba caída”, disponível no portal virtual Mazza Edições. Nesta história passada no Quênia, é possível aprender algumas coisas sobre o país, a vegetação, os lugares e os elefantes. Mais que isso, seguindo os passos do elefantinho Tromba Caída, pode-se conhecer uma história de superação. Tromba Caída percorreu trilhas e trilhas com a manada para descobrir o que a vida ensina. Foi sua tromba, do jeito que ela era, que conseguiu salvar a amada vovó-elefanta. E isso não foi pouco nem foi tudo. Figura 07 – Capa do livro Anansi, o velho sábio. Traduzido por Rosa Freire d'Aguiar, ilustrado por Jean-Caude Gotting, 2007. Fonte: Próprio autor, 2019. 39 Resumo de Anansi, o velho sábio. Disponível no portal virtual Grupo Companhia das Letras. Há muito tempo, quando não existiam histórias para contar - pois o deus do céu guardava todas elas em um baú de madeira -, a primeira aranha, Kwaku Anansi, percorria o mundo em sua teia sólida. Como vários outros, ela morria de vontade de conhecer essas histórias para desvendar a origem e o fim das coisas. Um dia Anansi resolve pedir permissão ao deus do céu, Nyame, para ter acesso a elas. Nyame desafia a aranha a trazer quatro criaturas inatingíveis - Onini, o píton que engole um homem de uma só vez; Osebo, o leopardo que tem dentes como sabres; Mmoboro, o enxame de zangões que pululam e picam; e Mmoatia, a fada que nunca se vê. Antes de ir atrás de cada um dos seres assustadores, Anansi pede ajuda à mulher, Aso, que sempre lhe diz exatamente o que fazer para capturá-los. Seguindo os conselhos de Aso, a aranha consegue vencer o desafio de Nyame, que, surpreendido, determina que, a partir daquele dia e até o final dos tempos, as histórias do deus do céu pertenceriam à aranha. Espécie de conto dos contos, Anansi mostra como é importante refletir, demonstrar astúcia e saber ouvir os outros, levando em conta, antes de tudo, a opinião das mulheres, sua sabedoria e seu espírito prático. Parte da mitologia Axânti (Axântis são um dos principais grupos étnicos da região de ashanti, em Gana). A história da aranha Anansi reflete as crenças e os costumes daquela sociedade, como acontece em todo o continente africano, onde o conhecimento e as tradições se transmitiam oralmente, por meio dos griots, os grandes contadores de histórias. E aproveitando a citação da figura importantíssimana cultura africana, que é o Griot. Considero necessário trazer, nesta parte do trabalho, algumas das características do griot, que são os grandes contadores de histórias. Bernat (2013) explica: As principais características deste comportamento são a simplicidade e a delicadeza no trato com as palavras. Isso é decorrência da arte de contar histórias, prática constante no cotidiano de um griot. (BERNAT, 2013, p. 79) E o autor completa: O griot é também um buscador, um viajante que está sempre à disposição de novos encontros com outras tradições que alimentem o seu “saco de palavras”, pois é através delas que sua ação no mundo dos homens é exercida. (BERNAT, 2013, p. 111) 40 3ª INTERVENÇÃO – RITMOS INFLUENCIADOS PELA ÁFRICA E A CAPOEIRA A intervenção tinha como inspiração essencialmente os marcadores 15 (Músicas/cantos/toques/Ritmos/estilos afro), 16 (Danças afro) e 30 (Outras Práticas corporais: brincadeiras tradicionais/jogos e outros). A atividade teve início com a recapitulação de rotina dos dois encontros anteriores, e logo após este momento, começo a explicar que naquele dia iríamos conhecer alguns dos ritmos musicais que tem raízes na África e que são bem conhecidos e reproduzidos no Brasil, com certas adaptações, mas com que mantêm identidade africana. Usando um aparelho de som portátil foram selecionados alguns ritmos para trabalhar com a turma, o primeiro ritmo apresentado, foi o Maracatu. O exemplo foi a música “Evolução da Bateria” da banda Nação Maracatu Estrela Brilhante de Recife. Já no primeiro ritmo algumas crianças se dispuseram a dançar do jeito que achavam ser o certo, como pode ser ilustrado nas imagens abaixo: Figura 08 – Crianças dançando ao som do Maracatu Fonte: Próprio autor, 2019. De maneira contagiante quase toda a turma tentou dançar o Maracatu. Após reproduzir o ritmo por alguns minutos, foi perguntado à turma se eles conheciam aquele ritmo e se sabia o nome do dele, a maioria não soube responder, mas uma criança contou que já ouviu algo parecido na época de carnaval. Em seguida, expliquei para os alunos o nome do ritmo e que é uma manifestação da cultura popular brasileira, afrodescendente. Surgiu 41 durante o período escravocrata em Pernambuco e que realmente é caracterizado como um fenômeno típico dos carnavais. O segundo ritmo apresentado foi o Reggae, seguindo o mesmo caminho, de reprodução, o exemplo foi a canção “Could You Be Loved” do cantor Bob Marley. Escolhi a versão instrumental, para notar se conheciam ou não, e perceber a batida. Perguntei se conheciam o ritmo e de imediato, respondera positivamente. Reforcei que o Reggae é bem conhecido no Brasil, que teve origem na Jamaica, mas sob influência da música tradicional africana. O terceiro ritmo foi o Samba, onde foi reproduzido um áudio de autor desconhecido com samba instrumental, sendo outro ritmo que foi rapidamente reconhecido pelos alunos. Popular no Brasil, foi explicado que o samba surgiu na Bahia, no século XIX, da mistura de ritmos africanos. Mas que foi no Rio de Janeiro que ele criou raízes e se desenvolveu. O quarto ritmo foi o Samba Reggae. Reproduzi um áudio instrumental da banda Olodum, que também foi prontamente reconhecido e relacionado com o carnaval, e por alguns alunos, denominado de “axé”. Expliquei que o Samba Reggae é um ritmo de origem baiano. Segundo Roberta Rosa Portugal (2017), o Samba Reggae é um “ritmo tipicamente baiano que reflete a necessidade de afirmar a expressividade da cultura negra. As composições popularizam termos de origem africana utilizados nos rituais religiosos e se impõem como um ato político” (PORTUGAL, 2017, p.304). De novo vários levantaram para dançar e os demais ficaram se balançando sentados. O quinto ritmo apresentado foi o HIP HOP, onde foi reproduzido o instrumental de uma música do grupo “Racionais Mc’s” que tem o nome de “Negro Drama”. Mais uma vez o ritmo foi rapidamente reconhecido. Expliquei que o ritmo surgiu nos Estados Unidos nos anos 50, influenciado pela musicalidade africana que embalou o Movimento pelos Direitos Civis, o fim da segregação racial e que é um elemento da resistência negra. Por fim, mas não menos importante, realizei uma breve introdução à capoeira com o auxílio do livro infantojuvenil “O herói de Damião” de Iza Lotito e ilustrado por Paulo Ito, 2013. Abaixo algumas imagens do livro: 42 Figura 09– Capa do livro “O herói de Damião” Fonte: Próprio autor, 2019 Figura 10 – ilustração interna do livro “O herói de Damião” Fonte: Próprio autor, 2019 O livro é fascinante e narra a história de Damião, um garoto que aos sete anos decide encontrar o seu verdadeiro herói. Vai dar a “volta ao mundo” e acaba descobrindo a capoeira, uma luta surpreendente que todos podem praticar. Um dos elementos do livro é o passo a passo que ele traz no decorrer da história, alguns movimentos da capoeira são descritos de modo que quem lê a obra saiba o nome do movimento e possa tentar reproduzi-lo, como a ginga, aú, cócoras, benção, resistência, pulo, rasteira de chão, arpão e cabeçada. A seguir podemos ver as ilustrações e orientações dos movimentos contidos no livro: TABELA 02 – Imagens e orientações de movimentos da capoeira. MOVIMENTO DESCRIÇÃO DO MOVIMENTO GINGA GINGA 43 AÚ AÚ CÓCORAS CÓCORAS BÊNÇÃO BÊNÇÃO 44 RESISTÊNCIA RESISTÊNCIA PULO PULO RASTEIRA DE CHÃO RASTEIRA DE CHÃO 45 ARPÃO ARPÃO CABEÇADA CABEÇADA Seguindo as orientações do livro, organizei uma roda de capoeira dentro da sala de aula: Preparei o ambiente (na sala porque a quadra estava ocupada) e os alunos. Eles tiraram os calçados e sentaram no chão formando uma grande roda, em seguida começou a leitura do livro. No início todos estavam só atentos à leitura, mas com pouco tempo já estavam ansiosos para reproduzir os passos da capoeira. Nessa hora, uma das alunas que tem o nome de verônica, avisou para a turma que já havia praticado capoeira em um projeto social de sua comunidade, e que eles iriam gostar muito de praticar. A roda de capoeira foi um sucesso, a menina se tornou a protagonista do momento e fez às vezes de mestra, com muito gosto e empenho. Com ela ensinando, a maioria da turma tentou realizar os movimentos, uns com mais facilidade, outros com mais dificuldade, mas o objetivo da atividade não era ensinar a capoeira, e sim desenvolver um momento em que eles ouvissem o ritmo da capoeira, movimentassem o corpo ao som da música típica da 46 capoeira, com interação e divertimento. O bom foi ter conseguido desenvolver o protagonismo e a participação dos alunos, como a Pretagogia incentiva. A seguir, algumas imagens da atividade: Figura 11 – Alunos em roda de capoeira, seguindo o passo a passo do livro “O herói de Damião”. Fonte: Próprio autor 2019. Figura 12 – Alunos em roda de capoeira, seguindo o passo a passo do livro “O herói de Damião”. Fonte: Próprio autor 2019. Figura 13 – Alunos em roda de capoeira, seguindo o passo a passo do livro “O herói de Damião”. Fonte: Próprio autor 2019. Figura 14 – Alunos em roda de capoeira, seguindo o passo a passo do livro “O herói de Damião”. Fonte: Próprio autor 2019. Ao final da leitura do livro, e da reprodução dos movimentos contidos nele, fiz a leitura de um texto que está no final desse livro, denominado “Capoeira: de resistência a esporte nacional” transcrito a seguir: “Capoeira: de resistência a esporte nacional” Imaginem se uma nave espacial descesse na Terra e extraterrestres levassem humanos de vários países para um planeta distante, ninguém fala a mesma língua, e todos são separados dos amigos
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