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IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO ABORDAGEM EM SAÚDE MENTAL PELO MÉDICO DE FAMÍLIA E COMUNIDADE INTRODUÇÃO • O termo “saúde mental”, como é utilizado neste texto, refere-se ao resultado da interação de uma complexa série de fatores biológicos, psicológicos, familiares e sociais, resultando em uma forma de funcionamento mental a ser avaliada pelo médico de família e comunidade na totalidade de seu atendimento. • A “vida mental” está inserida em um corpo biológico e, portanto, sofre todas as suas influências, assim como influencia eventos corporais, mas ela própria não é biológica. A abordagem em saúde mental, neste texto e na prática do médico de família e comunidade, segue esse mesmo princípio. • A abordagem em saúde mental na atenção primária à saúde (APS) necessita de habilidades técnicas específicas do corpo de conhecimentos científicos específicos da psicologia e da psiquiatria, mescladas ao desenvolvimento de atitudes do médico. • Os médicos de família e comunidade são, geralmente, os únicos recursos de saúde mental a que as pessoas têm acesso e aqueles que assumem a responsabilidade pelos cuidados continuados em longo prazo dessas pessoas. IMPORTÂNCIA CASO: Um dos aspectos mais interessantes da prática do médico de família e comunidade é a diversidade de problemas que atende no seu cotidiano de trabalho. Alguns estudos referem que uma pessoa traz à consulta, em média, cinco ou mais queixas para serem resolvidas pelo seu médico de família e que, em torno de 60% das vezes, o principal motivo da procura de atendimento é um problema de saúde mental. Temas de saúde mental são uma razão comum para a busca de consultas com os médicos de família e comunidade, e que a grande maioria das doenças psiquiátricas era tratada por eles sem o envolvimento de um especialista em saúde mental. Na década de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento oficial sobre o assunto, no qual enfatizava que: Nenhum serviço ou sistema (de atendimento à saúde) está completo sem a atenção às necessidades de saúde mental das populações, e que a introdução de um componente de saúde mental na atenção primária é fundamental, e isto, por sua vez, finalmente, requer a habilidosa aplicação de princípios psicológicos por todos os trabalhadores de saúde e deveria ser incluído como um importante elemento dos cuidados primários. Dr. Nelson: “Bom dia, Lúcia! Em que posso ajudá-la?” Lúcia: “Bom dia, doutor! Hoje vim por dois motivos… O primeiro é a injeção. Eu tinha que fazer dia 14 deste mês, mas como não tinha aqui no posto… não fiz. Agora quero saber se posso fazê-la.” Dr. Nelson: “O anticoncepcional, a medroxiprogesterona. Como você estava usando?” O médico dá continuidade à consulta clínica e, ao final, Lúcia continua: Lúcia: “Bem… O segundo motivo é que ando muito irritada, nervosa! IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO Os médicos de família estão em uma excelente posição para prestar cuidados de saúde mental, já que, na maioria das situações, representam o primeiro contato da pessoa com o serviço de saúde. Isso porque, com ou sem a devida capacitação técnica, todo médico, em algum momento, será chamado a atender pessoas cuja principal demanda é um problema emocional ou um transtorno mental. Além do grande volume dessa demanda, que por si só exige uma preparação adequada do médico, nem sempre a pessoa compreenderá ou aceitará uma indicação de referenciamento ao psiquiatra, o que poderia estigmatizá-la, assim como nem sempre esse especialista estará disponível ou acessível. Por isso, é muito importante aprender a avaliar a pessoa em sofrimento e dar a ela o atendimento solicitado, pois, frequentemente, poderá ser o único ao qual ela terá acesso. A tarefa de avaliar mental e emocionalmente a pessoa, embora tenha algumas particularidades específicas, não é tão diferente assim de outras tarefas do cotidiano do médico. A abordagem emocional requer que ele não só compreenda os critérios de diagnóstico, mas que seja capaz de acolher com sensibilidade sinais e sintomas das pessoas, muitas das quais terão dificuldade em relatar uma história clara. A abordagem emocional se traduz pela descrição dos sentimentos associados aos fatos, já que o afeto é um facilitador para a compreensão e a elaboração do que está ocorrendo. A forma mais simples de abordagem emocional em uma consulta é: - Perceber as emoções que estão em jogo. - Reconhecer na emoção uma oportunidade de compreensão do que está ocorrendo no íntimo da pessoa, para estabelecimento de uma relação de confiança com o profissional. - Ouvir com empatia, legitimando os sentimentos. - Ajudar a pessoa a encontrar as palavras e a identificar a emoção que está sentindo. - Explorar estratégias para solução do problema em questão. Dr. Nelson: “Mas, Lúcia, o que você chama de estar nervosa?” Lúcia: “Ficar irritada com tudo! Se a Carol chora, já saio berrando… aí me dou conta de que ela é pequena, que tenho que ter paciência, mas é muito difícil. Queria tomar um remédio pra passar isso.” Dr. Nelson: “Desde quando você está assim?” Lúcia: “Ahhh… Já faz um tempo, talvez 1 ano.” Dr. Nelson: “Por que você acha que isso está lhe acontecendo? Conheço você há algum tempo e você sempre foi muito tranquila. O que aconteceu nesse último ano?” Lúcia: “Eu parei de trabalhar. Agora só fico em casa, não tenho dinheiro e tenho que pedir tudo pro João, o meu marido. Não aguento mais isso!” Dr. Nelson: “Nossa! Deve ser realmente difícil. Logo você, que sempre foi tão independente. O João reclama? A trata mal?” Lúcia: “Não! Isso não. Ele é muito calmo… mas também, não é ele que fica o dia todo em casa, arrumando, limpando e cuidando de criança…” Dr. Nelson: “É verdade. Mas você acredita que se tomar um remédio os problemas vão desaparecer?” Lúcia: “É… Eu sei que não.” Dr. Nelson: “E o que você tem feito para aliviar o problema?” Lúcia: “Acho que nada. Às vezes, vou à minha mãe, bato papo com a vizinha e, quando consigo, deixo um pouquinho a Carol com a minha irmã. Ela é a única que me ajuda.” IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO COLETANDO A HISTÓRIA • Na vivência do médico de família e comunidade, é comum a pessoa não perceber o problema, e este ser detectado no momento da consulta. Nesse caso, cabe ao médico definir em que momento emocional a pessoa se encontra, questionar se ela percebe e traz o problema ou se tem alguma ideia própria sobre ele. - Quando ela não sabe definir o problema e o que espera para resolvê-lo, é necessário explorar a situação em algumas consultas. Às vezes, as pessoas negam que o problema exista, ou pensam que ele não é sério. Nesse caso, o médico precisa, cuidadosamente, tornar o problema acessível às pessoas. Ele precisa orientá-las sobre os problemas e as consequências negativas se eles não forem abordados. - Quando as pessoas trazem o problema, elas percebem as consequências desse problema? O início desse processo de avaliação, do ponto de vista da saúde mental nos cuidados primários, não difere muito da abordagem centrada na pessoa, iniciando pela escuta feita na anamnese, avaliando e compreendendo a dimensão do problema e verificando com a pessoa quais são as suas expectativas sobre a abordagem, quais são suas ansiedades sobre vir ao ambulatório e ter a abordagem voltada para as questões de saúde mental, o que a motiva vir à consulta e qual é ou quem é o recurso de referência esperado. • Qualquer tipo de anamnese que busque compreender tanto a pessoa quanto a doença propriamente dita sempre se pautará pela disponibilidade de um tempo minimamente adequado, variável para cada situação e pessoa, e uma atitude de atenção empática, pela escuta interessada da história da pessoa, em especial quanto à forma de comunicação verbal e não verbal, pelos termos utilizados, pelas pausas e silêncios, pelo tom afetivo do assunto em questão, pelasvariações desse tom, pelas queixas e pelos sintomas descritos. É importante também o médico estar atento às suas próprias emoções e às suas reações emocionais imediatas às comunicações da pessoa, tanto as abertas quanto as mais sutis. • Um exame aprofundado do motivo da busca do atendimento é sempre fundamental, pois fornece pistas preciosas sobre o contexto do início dos sintomas e do núcleo psicológico do problema ou do conflito atual. Em geral, o fator desencadeante está ligado a uma situação de conflito ou perda, seja esta real ou imaginária, ou uma perda de um ideal ou uma situação idealizada. - A repercussão emocional de uma doença nunca deve ser menosprezada, necessitando ser levada em conta como fator desencadeante de quadros emocionais diversos, seja ela uma simples gripe ou alguma doença orgânica mais grave, pois pode – por si só – levar a uma situação regressiva ou à vivência de algum tipo de perda. A pessoa poderá responder a esse desequilíbrio orgânico com diversos sintomas emocionais, que, algumas vezes, irão interferir significativamente na evolução e no prognóstico do quadro. • É essencial investigar também como a pessoa era ou estava antes da crise, seu grau de ajuste prévio, as defesas e os recursos mentais que empregava para manter seu equilíbrio. Sua forma de relacionamento anterior com as pessoas mais significativas em IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO sua vida, especialmente na família e no trabalho, também ajuda a compreender a vida de relação daquela pessoa que está diante de nós expressando, frequentemente, algum tipo de ruptura nessa rede de significados e relações. Da mesma maneira, devem-se investigar modos anteriores de adoecer, ou seja, como a pessoa adoeceu antes, que sintomas ela teve, como lidou com eles, como saiu ou não da situação, que medida mais ajudou na ocasião. EXAME DO ESTADO MENTAL • O exame do estado mental é parte fundamental da avaliação da pessoa. • Diversas áreas merecem atenção e devem ser analisadas no atendimento de uma pessoa com problemas de saúde mental. As principais são: atenção, sensopercepção, representações, memória, orientação, consciência, pensamento (juízo, raciocínio), linguagem, afetividade, inteligência e atividade voluntária (conduta). Elas podem ser agrupadas em uma fórmula mnemônica conhecida pelas suas iniciais, ASMOCPLIAC (atenção, sensopercepção, memória, orientação, consciência, pensamento, linguagem, inteligência, afetividade, conduta). • Em suma, ao fazer a abordagem da pessoa, o médico deve: - Perceber a comunicação verbal e não verbal da pessoa que busca ajuda. - Perceber a própria reação emocional imediata às comunicações da pessoa. - Aprofundar o motivo do atendimento. - Verificar a existência de conflitos/perdas. - Questionar/relacionar com problemas orgânicos. - Avaliar a situação de vida antes do conflito. - Avaliar e descrever os achados do exame do estado mental. IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO ORGANIZANDO DADOS COLETADOS – LISTA DE PROBLEMAS • Como em qualquer consulta médica, uma vez tendo-se coletado adequadamente os dados de história, a elaboração de uma lista de problemas é o próximo passo. Na lista de se segue passo a passo a construção de um processo diagnóstico, expressão clínica de um processo de pensamento e raciocínio que ocorre internamente no profissional. • Como se define o que é um problema? Ele poderia ser definido como tudo aquilo que o médico ou a pessoa definirem como um problema a ser abordado ou solucionado, independentemente de sua natureza. CASO: EXEMPLO: Maria, 50 anos, professora aposentada (clinicamente, a inteligência parece na média ou superior), perdeu dois filhos em um acidente há cerca de 6 meses. Agora, ela procura a unidade de saúde com queixas de muita tristeza (alteração do afeto), de pessimismo e desesperança (alterações do pensamento), às vezes com muita irritabilidade (alteração do afeto), passa dias na cama sem sequer levantar para fazer as refeições (alteração do comportamento) e tem tido ideias de tirar a própria vida por achar que atrapalha a vida dos filhos (alteração do pensamento), embora não tenha um plano definido para isso. Fala de forma lenta (alteração da linguagem), mas não se mostra obnubilada (exame do estado de consciência sem alterações aparentes), e mostra-se desatenta às intervenções verbais do médico de família. Diz que não tem prestado atenção em nada (alteração da atenção) e que anda muito esquecida. No entanto, lembra-se de todas as medicações que está tomando, e de vários detalhes de sua vida atual e pregressa (teste de memória íntegro). Em dado momento da consulta, pergunta onde está (alteração da orientação), e pergunta se o profissional também está vendo aquele anjo negro que está de pé próximo ao canto do consultório, e que agora ele está falando coisas em uma língua que ela não entende (alterações da sensopercepção). Sente-se perseguida por ele, que quer levá-la para o inferno (alteração do pensamento). O profissional elabora uma lista de problemas, com o auxílio do exame do estado mental e faz o diagnóstico de episódio depressivo grave com sintomas psicóticos. Comparece à consulta uma senhora por volta de seus 50 anos, para falar de seu filho adotivo, um menino de 8 anos de idade, que está apresentando – segundo ela – problemas de comportamento na escola, como indisciplina, pouco empenho nos estudos e notas cada vez mais baixas. Após cerca de 30 minutos de entrevista com a mãe adotiva, obteve-se o seguinte relato: Carlos era o segundo filho de uma mãe solteira, que engravidou em uma relação sexual ocasional. Desde a gravidez, foi rejeitado e oferecido em adoção aos 13 dias de vida, pois a genitora não o queria em hipótese alguma. No colo da mãe biológica, nesses 13 dias em que ficou sob seus cuidados, era muito inquieto e chorava sem parar, vomitava tudo o que ingeria, mas quando a mãe adotiva o tomou nos braços pela primeira vez, e o fez com cuidado e carinho, acalmou-se e passou a não mais vomitar o leite que lhe era oferecido. A mãe adotiva tinha peculiaridades de personalidade que vale mencionar. É uma mulher que nunca se casou ou teve vida de casal, tendo resolvido adotar uma criança para não ficar só, logo após a morte de sua mãe, e não por sempre ter desejado um filho e uma família. Sentia- se “inútil como uma árvore seca”, que não havia dado frutos, e não queria morrer assim. Carlos sempre foi uma criança muito quieta e isolada, que não falava e não controlava os esfíncteres, o que só conseguiu por volta dos 5 anos de idade. Até aí apresentou enurese (perda involuntária de urina) e encoprese (perda involuntária de fezes). Costumava esconder-se no vão de um roupeiro para defecar, em uma espécie de ritual. Atualmente, voltou a ter enurese noturna. Tem grandes dificuldades de relacionamento, sendo muito retraído, avesso ao contato social com outros de sua idade, muito violento e agressivo quando contrariado, com escassa tolerância à frustração, marcada instabilidade emocional, passando do choro ao riso em poucos instantes, intolerância aos limites, além de patologias psicossomáticas, como asma e alergias cutâneas, que aparecem ou se exacerbam em momentos de maior crise emocional. Na escola, tem baixo rendimento, é desatento e displicente, provocador com as professoras, apesar de parecer muito inteligente. A esse respeito, diga-se também que o menino vive – na escola ou em casa – em um universo de figuras femininas, com completa ausência da figura paterna ou masculina, o que contribui para sua falta de identificação masculina e ausência de limites. IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO A lista de problemas desse caso deveria conter, no mínimo: a) Rejeição da mãe biológica. b) Ausência de pai ou da figura paterna substituta. c) Adoção por umamulher sem noção, ela própria, de uma família parental bem constituída. d) Enurese. e) Encoprese. f) Mutismo eletivo. g) Isolacionismo. h) Labilidade emocional. i) Dificuldades escolares na área do comportamento. j) Sintomas psicossomáticos. Se o médico não compilasse essa lista de problemas, pensaria que o menino poderia apresentar uma patologia mental mais ampla e mais grave do que já seria a depressão infantil por si só. Situações como essa não são incomuns, evidenciando a necessidade de melhorar sempre a coleta e o registro dos dados, pois irão facilitar muito o raciocínio clínico, a partir de uma lista de problemas coerente e consistente. A capacidade de raciocínio clínico, especialmente na área da saúde mental, não é uma aquisição inata ou adquirida nos bancos da faculdade, precisando e podendo ser construída e melhorada a cada dia, na medida da evolução pessoal e profissional de cada médico. CONSTRUÇÃO HIPÓTESE DIAGNÓSTICA • Partindo do pressuposto que os passos anteriores tenham sido seguidos adequadamente, isto é, tendo sido feita uma boa história e uma coleta de dados abrangente e compreensiva, e que isso tenha levado à construção de uma adequada lista de problemas, coerente com os dados coletados, o próximo passo lógico nessa sequência – se ainda não se chegou a uma hipótese de trabalho – é fazer um estudo inicial, buscando ajuda nos livros e na troca de ideias com colegas, em vez de ceder à tentação fácil do referenciamento. • São de particular utilidade para esse fim os instrumentos de classificação e diagnóstico atualmente usados (Classificação internacional de atenção primária [CIAP-2], para a classificação inicial, e Classificação internacional de doenças [CID-10], para detalhamento). Estes, embora sejam basicamente instrumentos de referência nosológica, podem sugerir pistas a serem mais bem estudadas em algum livro de consulta utilizado regularmente pelo médico de família, seja ele um manual de consulta rápida em psiquiatria ou um livro-texto, especializado ou não. • A forma mais fácil e objetiva para o médico de família e comunidade é, inicialmente, fazer um diagnóstico sindrômico (síndrome ansiosa, síndrome depressiva, síndrome psicótica, etc.). Esse diagnóstico, seja ele sindrômico ou etiológico, é apenas inicial, podendo-se e devendo-se ir um pouco além para se obter uma compreensão mais ampla da pessoa em sofrimento. Essa compreensão é chamada psicodinâmica, referindo-se à dinâmica psíquica em seu sentido mais amplo. IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO • Para o estabelecimento de um plano inicial de abordagem, são necessárias as seguintes atitudes: - Construir uma lista de problemas. - Conhecer a história dos problemas e o tratamento prévio e corrente. - Conceitualizar o caso/buscar classificar as queixas/diagnosticar. - Estabelecer objetivos de curto e longo prazo. - Selecionar a modalidade de tratamento, os objetivos e as intervenções. - Estimar o tempo e a frequência do tratamento. - Considerar necessidades de referenciamento e os recursos externos disponíveis. MANEJO DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL • Seguindo a sequência de raciocínio descrita, o próximo passo lógico, após a construção de uma hipótese diagnóstica, nosológica e psicodinâmica, é o estabelecimento de um plano de abordagem desses aspectos. Este deve ser objetivo e adequado às hipóteses construídas e às circunstâncias presentes no contexto do atendimento (nível intelectual, capacidade de insight, motivação para o tratamento, recursos financeiros e de tempo, etc.). o Por exemplo, não adianta propor uma terapia de longa duração, voltada para o insight – capacidade de obter uma compreensão profunda e intuitiva de si – a uma pessoa sem motivação para um empreendimento dessa ordem ou sem recursos para tal. Da mesma forma e pela mesma razão, a pura e simples prescrição de um antidepressivo a uma pessoa deprimida, sem a menor noção dos fatores desencadeantes do quadro, provavelmente não terá a eficácia desejada. » EXEMPLO: uma pessoa com depressão moderada, que apresente fator desencadeante conhecido, sofrimento psíquico considerável, boa motivação para o tratamento, capacidade de insight e sintomas orgânicos de depressão (como perda de peso, insônia, despertar precoce), um hipotético plano de tratamento poderia incluir uma psicoterapia que fosse dirigida a investigar o significado emocional dos fatores desencadeantes e a ajudar a pessoa na compreensão das causas psicológicas da sua depressão e de seus significados (a relação dos eventos psicológicos com o quadro atual e os sintomas apresentados). Nesse caso, poderia ser feita uma prescrição de antidepressivo, para uma recuperação mais rápida dos sintomas depressivos. • Caso se queira ainda subdividir o plano de atuação, este poderia ser formulado desta maneira: 1. PLANO DIAGNÓSTICO: obter mais informações sobre a época e o contexto pessoal e profissional da pessoa no início de sua depressão. 2. PLANO TERAPÊUTICO: psicoterapia breve, voltada à compreensão dos fatores desencadeantes, mostrando sua relação com o desenvolvimento da depressão e com os sintomas atuais; prescrição de antidepressivo inibidor seletivo da recaptação da serotonina, visando a um esbatimento e a um controle mais rápido dos sintomas depressivos. IESC 07/02 – JULLIANE RAMALHO EPITÁCIO 3. PLANO EDUCACIONAL: fornecer à pessoa e aos familiares a compreensão de que a depressão é uma doença potencialmente tratável e para a qual se espera uma evolução favorável com o tratamento. OPÇÕES PARA O MÉDICO DE FAMÍLIA E COMUNIDADE APÓS A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA De acordo com o estudo canadense citado,existem quatro padrões de manejo dos médicos de família para os casos em que há um componente de saúde mental: 1. Sozinho, maneja a situação. 2. Dá o atendimento continuado com o auxílio e apoio de um profissional de saúde mental. 3. Referência a pessoa a um psiquiatra ou serviço psiquiátrico para consulta. 4. Referência a pessoa a um psiquiatra, para que este faça o seguimento ambulatorial ou hospitalar, se esse for o caso. O atendimento é preferencialmente farmacoterápico, psicoterápico, ou ambos combinados. A psicoterapia deverá ser de preferência breve e de apoio, tanto individual quanto em grupo, de casal ou de família. A modalidade psicoterápica será utilizada de acordo com a capacitação e o treinamento do profissional (cognitivo-comportamental, psicodinâmica, individual ou grupal, etc.). Essa abordagem mais integrada, realizada em um ambiente de interesse e empatia, já terá, para a pessoa, implicações terapêuticas. Desde o início, ela sentirá o profissional como alguém comprometido com um trabalho conjunto, na busca de alívio para sofrimentos que, às vezes, nem ela entende de onde se originam, frequentemente expressos em sintomas físicos ou associados a eles. A pessoa que está buscando atendimento não está procurando um psiquiatra; está procurando, na figura do médico de família, alguém que a alivie de seus sofrimentos, sejam eles quais forem e venham de onde vierem. Pode-se dizer que, sem saber, está procurando o terapeuta que deveria existir dentro do médico de família e comunidade. REFERÊNCIAS: • GUSSO, G.; LOPES, J. M. C.; DIAS, L. C. (Orgs.). Tratado de Medicina de Família e Comunidade: Princípios, Formação e Prática. Porto Alegre: ARTMED, 2019. Cap. 36.
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