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APOSTILA-FILOSOFIA-E-SOCIOLOIA-DA-RELIGIÃO

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CAPA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO 3 
2 FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO: INTRODUÇÃO, 
TENDÊNCIAS, CONCEITOS E REMISSÕES. 4 
3 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA SOB O OLHAR DA FILOSOFIA 6 
3.1 A religião experimentada pela filosofia é vista pela ciência 7 
3.2 Filosofia, sociologia e fenomenologia da religião (Descrição sociológica 
e definição filosófica do fenômeno religioso) 15 
4 A experiência da religião na filosofia MEDIEVAL E NA moderna 20 
4.1 A filosofia medieval da religião (alguns aspectos) 21 
4.2 A teoria do profeta e dos atributos divinos de Maimônides e os 
argumentos filosóficos de Aristóteles 37 
4.3 Algumas questões da filosofia da religião na modernidade (Descartes, 
Leibniz, Spinoza e os desdobramentos) 41 
5 TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS DA FILOSOFIA DA RELIGIÃO 49 
5.1 A releitura da filosofia tomista no século XX e sua importância no âmbito 
da filosofia da religião. 49 
5.2 Filosofia analítica da religião 57 
6 A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO E A FILOSOFIA (CONSIDERAÇÕES 
FINAIS). 66 
REFERÊNCIAS 71 
 
 
3 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
Prezado aluno! 
 
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante 
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um 
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma 
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é 
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas 
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em 
tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora 
que lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
2 FILOSOFIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO: INTRODUÇÃO, TENDÊNCIAS, 
CONCEITOS E REMISSÕES. 
As religiões em seus aspectos sociais e psicológicos podem ser estudadas por 
diversas disciplinas, como a psicologia, a antropologia, a psicanálise, a fenomenologia 
das religiões e da experiência religiosa, a sociologia e também pela filosofia, que 
engloba em seu interior uma disciplina que chama filosofia da religião e cogita 
investigar radicalmente as raízes do fenômeno religioso e seu significado, muitas 
vezes relacionando-se com métodos e questões trabalhadas por outras disciplinas. 
Compreender como o fenômeno religioso pode ser investigado através da 
racionalidade filosófica é uma tarefa árdua, complexa e interdisciplinar. Já que a 
filosofia da religião se coloca esse objetivo, preservando sua especificidade em 
relação a outras áreas do saber, estamos diante de uma área complexa e rica de 
conteúdo. Trata-se, de um aspecto que objetivamos mostrar no espaço dessa 
exposição, através da conexão entre a filosofia da religião, considerada em suas 
dimensões históricas e temáticas, posta em consonância com o sentido sociológico 
do fenômeno religioso. 
Para compreender os estudos realizados pela filosofia da religião, é preciso, no 
entanto, entender como se constitui o campo de experiência teórica denominado 
filosofia. O Dicionário Houaiss (2001), apresenta uma definição genérica e popular do 
termo, que pode, nos ajudar a adentrar nesse campo e começar a entender como a 
filosofia se constitui no âmbito da cultura. 
Segundo o Dicionário (2001), a filosofia é um conjunto de reflexões a respeito 
da realidade, baseado no uso da razão. Ainda nos termos do dicionário, a filosofia 
também é uma sabedoria prática, isto é, um modo de regular e conceber a vida para 
aqueles que aderem aos seus preceitos. Destas duas compreensões, entendemos 
que a filosofia é primeiramente algo como um esforço de saber através do uso do 
entendimento, sendo uma disciplina que valoriza processos de argumentação e 
demonstração, no que diz respeito à sua possibilidade de relação com a verdade. Por 
outro lado, a filosofia também tem sentido ético e autogestionário, pois implica práticas 
 
5 
 
 
 
de existência autônomas e investiga os princípios pelos quais o sujeito deve 
conscientemente gerir e orientar sua existência. 
A filosofia, dessa maneira, parece oscilar entre o esforço de ser uma 
investigação 'científica' da realidade em suas dimensões mais profundas; e a busca 
pelo desenvolvimento de uma prática de existência; aspecto frisado, por importantes 
filósofos contemporâneos, como Foucault (2007) e Hadot (2014), quando indicam em 
seus trabalhos que a filosofia grega expressa em suas raízes a necessidade de criar 
e tornar possível uma “estética da existência”, algo que teria sido perdido na 
modernidade, onde a filosofia assume uma forma teórica antes de tudo, visando-se 
como ciência dos fundamentos e mesmo como epistemologia. 
Wilkinson e Campbell (2014), contudo, definem o pensamento filosófico como 
uma reflexão sobre questões fundamentais, pondo em relevo o aspecto teórico da 
filosofia; pois, segundo os autores, a filosofia tem tentado definir e compreender o 
mundo e as coisas quando visa se definir a através da sua relação com o que se 
mostra para a experiência, mais precisamente através das relações entre sujeito e 
objeto, como também sujeito e mundo, em sua forma múltipla de apresentação, que 
inclui também uma posição do sujeito enquanto filósofo, isto é, que busca uma relação 
de investigação radical da realidade (WILKINSON; CAMPBELL, 2014). 
A sociologia, por outro lado, é uma disciplina que estuda a existência humana 
em função do meio e dos processos que interligam os indivíduos em associações, 
grupos e instituições. Enquanto o sujeito é destacado em sua singularidade pela 
psicologia, a sociologia tem uma base teórica e metodológica voltada para o estudo 
dos fenômenos sociais, tentando explicá-los e analisá-los a partir das relações 
humanas. Compreender as diferentes sociedades e culturas é uma das tarefas da 
sociologia; considerando que o sujeito humano está inserido em uma história pessoal 
que surge marcado pelo pertencimento a uma classe social, a uma formação 
profissional e intelectual e a uma religiosidade, considerada também uma das formas 
pelas quais as relações sociais se constituem. 
Assim, a sociologia surge como uma investigação científica que busca entender 
de que modo as sociedades funcionam, utilizando dados empíricos, visíveis e 
 
6 
 
 
 
comprováveis, voltando-se para o que pode haver de estatístico e objetivo na vida 
social, mas não esquecendo das múltiplas formas pelas quais os fenômenos sociais 
também têm características irredutíveis a uma concepção ciência que tome como 
modelo aquele da física ou das ciências naturais, já que mesmo onde pode haver o 
estatístico, o medível e a repetição na vida social, é necessário encontrar o singular e 
o acontecimento concreto. 
Visando as duas disciplinas, nosso estudo apresenta conteúdos históricos e 
metodológicos das duas disciplinas, buscando evidenciar relações entre elas no 
âmbito do estudo do fenômeno religioso. 
3 A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA SOB O OLHAR DA FILOSOFIA 
As religiões são fortes influências nas sociedades e na cultura humana; por 
isso, podemos falar que a religião atua para construir ou justificar uma ética; 
‘pensando’ ou aderindo uma política; visando e formatando vivências; ou 
questionando e justificando moralidades constituídas. Atualmente, por exemplo, as 
religiões ocupam, através de seus membros, instituições como partidos políticos, 
associações e universidades; atuando, assim, em espaços políticoscada vez mais 
diversos e amplos; no caso do Brasil, ela ocupa o poder através de seus vereadores, 
deputados e senadores que estão cada vez mais presentes na mídia, na internet, 
difundindo comportamentos e valores. 
Por outro lado, essa mesma experiência religiosa que age sobre seu meio 
quando se faz instituição e ação humana é utilizada pelo poder e pelo Estado como 
ferramenta de manutenção de privilégios, já que a fé também está relacionada ao 
mundo humano das afecções, das emoções e do pensamento; dimensões de uma 
frágil condição pelas quais os seres humanos se engajam ou podem ser engajados 
em ambientes e necessidades, muitas vezes, sem se permitir o distanciamento da 
crítica. Nesses casos, a fé, uma experiência singular do sujeito, acaba se tornando 
algo utilizado pelo estado, pelos líderes religiosos inescrupulosos e por ideologias 
religiosas fabricadas que não coincidem com as necessidades e sentido da fé 
 
7 
 
 
 
enquanto sistema desejante de experiência que institui a relação humana com suas 
divindades. 
Colocando em nosso horizonte a complexidade do fenômeno religioso, 
estudaremos neste capítulo, de que forma a filosofia pode compreender 
‘racionalmente’ a fé, isto é, por um distanciamento crítico, mas também aberta às 
peculiares e complexas dimensões da vida humana, quando ela se volta para a 
vivência de uma fé religiosa. 
Para descrever o caminho desta possibilidade; considerando sua diferença em 
relação a outras abordagens empreendidas pela filosofia; primeiramente falaremos da 
religião a partir das concepções e dimensões metafísicas e ontológicas, visando 
entender a diferença entre o sagrado e o profano, pondo em relevo a ideia que toda 
fé está fundamentada em uma fé mais antiga e originária: a fé perceptiva, aspecto que 
a fé religiosa partilha com a filosofia, com as ciências e com todas as formas de criação 
e expressão nas quais descrevemos, refletimos e ampliamos nossa condição de 
existência encarnada. 
3.1 A religião experimentada pela filosofia é vista pela ciência 
A filosofia e as ciências interrogam as religiões através da racionalidade 
sistemática e orientada por métodos específicos. Compreender como isso é possível 
é um problema prático e teórico que implica para a filosofia e as ciências um pensar 
sobre sua própria realidade. Ciência e filosofia mobilizam e constroem conceitos 
através do contato concreto com os fenômenos. 
A religião também lida com processos conceituais e visa dar ao ser humano 
uma visão de mundo pela qual ele possa explicar e justificar sua existência. Por isso, 
nos perguntamos: é apenas pelo uso sistemático da racionalidade que podemos 
diferenciar a religião da ciência e da filosofia? Ou não haveria uma racionalidade 
religiosa? 
É importante lembrar, nesse sentido, que as formas de experiência religiosa e 
sua organização talvez tenham sido o primeiro esforço humano para compreender seu 
 
8 
 
 
 
lugar no mundo e na natureza; aspecto reconhecível pelo estudo das inúmeras 
mitologias que antecedem o pensamento filosófico na Grécia Antiga; ou mesmo 
considerando a proeminência dos sistemas religiosos e suas estruturas nas 
civilizações antigas como base de justificação moral e política da existência 
(BRANDÃO, 2010; TURCAN, 2001). 
Por isso, em alguma medida, a fé religiosa pode ser reconhecida como uma 
relação de conhecimento do ser humano com o mundo, pela qual ele retoma e 
transforma seu contato imediato consigo e com o universo pela retomada de outra fé, 
que não é religiosa em sentido estrito, mas é fé anterior; a fé na existência do mundo 
e em nosso contato com ele, o que fenomenólogo francês Merleau-Ponty chama de 
fé perceptiva. Por fé perceptiva, entende-se, seguindo o texto de Merleau-Ponty, a 
abertura do corpo humano ao mundo, no âmbito de uma discussão ontológica sobre 
o corpo enquanto experiência vivida. Merleau-Ponty define da seguinte maneira a fé 
perceptiva: “Observamos as coisas mesmas, o mundo é aquilo que vemos, — 
fórmulas deste tipo exprimem uma fé comum ao homem e ao filósofo quando ele abre 
os olhos, remetem a uma camada profunda de ‘opiniões’ mudas, implícitas em nossa 
vida” (MERLEAU-PONTY, 2007, p. 30). 
Em uma nota de rodapé, do texto citado acima, Merleau-Ponty considera ainda 
que a fé perceptiva é um conceito a se precisar; pois não pode ser entendida como 
uma escolha do sujeito ou como uma crença simultaneamente inconsciente e cultural; 
mas como uma abertura ‘animal’ do corpo ao mundo, impossível de não ser realizada 
enquanto é a experiência inicial de um ser enquanto for vivo. 
Em nossa cultura, ela se dá primeiramente pelo contato do corpo do bebê com 
seus cuidadores: imediatamente com a mãe ou com a ausência da mãe, mas também 
estaria em movimento em nós diariamente, porque em nossa atitude natural tomamos 
o mundo como existente, referido e acessível a nós (MERLEAU-PONTY, 1971). 
Assim, quer se trate de corpo, do mundo natural, do passado histórico ou subjetivo, 
do nascimento ou da morte, a questão, em qualquer investigação filosófica, é 
compreender como podemos estar abertos a fenômenos que nos ultrapassam e, 
 
9 
 
 
 
todavia, apenas existem na medida em que são retomados e vividos (MERLEAU-
PONTY, 1999). 
Uma vez que as religiosidades pressupõem e vivenciam aspectos ligados 
diretamente à fé; não diretamente a fé perceptiva, mas que, como qualquer 
experiência humana, elas têm fé perceptiva como fundo, não seria equívoco pensar 
que uma religião, um pensamento religioso ou uma forma de viver religiosamente 
apenas começa pela abertura imediata da existência humana ao mundo, ou seja, pela 
fé perceptiva. 
Desta forma, é interessante perguntar, como estudar a fé religiosa, essa atitude 
específica de um sujeito em relação ao mundo? Ou seria, por outro lado, a fé religiosa 
uma forma peculiar de conhecimento onde não se aplica a ciência e a filosofia, 
tampouco, deve algo a fé perceptiva, na medida em que a ultrapassa? O que falar da 
teologia que busca uma explicação racional para fé tendo em vista uma racionalidade 
alinhada ou submetida a fé? Mais ainda, o que pode campo de pesquisas tais como o 
que estamos trabalhando aqui, isto é a filosofia da religião e sociologia da religião, 
quando se deparam com o fenômeno religioso e principalmente com fé? 
Para responder tais questões, são necessários métodos que possam ajudar a 
compreender os elementos distintivos das religiões nas suas dimensões 
fenomenológicas, estruturais e existenciais. Temos em vista três tradições de 
pensamento contemporâneas quando nos referimos a estas três dimensões: a 
fenomenologia, o estruturalismo e o existencialismo. São formas diferentes de 
considerar os fenômenos, havendo uma proximidade maior entre fenomenologia e 
existencialismo, o que não implica a ausência de diferenças razoáveis e fundamentais 
entre tais correntes. O estruturalismo, por outro lado, é uma filosofia que surge na 
França e se desvia e critica a fenomenologia e o existencialismo, ainda que muitos 
estruturalistas tenham tido que passar pelo pensamento de Husserl para fazer algo 
com a noção de estrutura; Derrida, por exemplo, que cria as bases para o pensamento 
da desconstrução. 
Mas para além dessa contextualização, o que visamos é o seguinte: pela 
fenomenologia podemos encontrar o visar a fé e os fenômenos que ela implica pelo 
 
10 
 
 
 
sujeito religioso em sua essência, entendendo o que significa ter fé quando se está 
nessa posição de sujeito, se abrindo, portanto, pergunta: o que é acreditar em Deus? 
O que é ter fé? No âmbito de uma investigação pela estrutura, por outro lado, 
consideramos os ritos, as instituições religiosas, mundo de utensílios e práticas dadas 
em uma religião, conquistadas e transformadas pela pessoa religiosa quando ela 
aparece como momento de uma estrutura onde dimensões visíveis e invisíveis 
passam compor sua vida pessoal e coletiva.Por fim, quando falamos de existência visamos o sujeito da fé em sua 
singularidade: aquele que vive sua fé, que pode ou não estar em uma relação de 
coincidência com as tradições religiosas de sua cultura. Certamente, não será 
possível responder todas as essas questões durante a exposição, mas visamos, ao 
falar delas, mostrar como o campo da filosofia da religião se configura 
complexamente; são questões importantes e respondendo algumas delas, ainda que 
de modo provisório, o estudante talvez possa se interessar por elas; e inclusive saber 
observar a sua própria fé (se for religioso) ou se não for religioso se permitir entender 
a fé do outro como experiência. 
A filosofia é desde sua origem uma preocupação com a totalidade, com as 
relações, com o tentar pegar em fenômeno em sua relação com outro, tendo em vista 
a cadeia de sentido que está com ele relacionado. Isso se dá na história da filosofia, 
primeiramente como a busca pelo elemento a partir do qual todos os outros existem e 
adquirem sentido, os primeiros filósofos gregos falavam da physis e identificavam em 
elementos da natureza ou de ordem ontológica (água, o fogo, o átomo, o ar e o infinito) 
a essência do mundo (BRUN, s/d). Na filosofia posterior, com Sócrates, Platão e 
Aristóteles, passa-se a falar de princípios e essências, de um mundo das ideias e um 
mundo sensível, buscando então descrever elementos ideais e essenciais que 
determinam o sentido do mundo e da experiência, como também entender as 
implicações éticas, antropológicas e políticas da investigação filosófica (BURNET, 
1994). 
Nos dois casos, o que se tem em vista é uma descrição do todo e não somente 
da parte. Nesse aspecto, o objeto da filosofia e seu conteúdo difere das ciências 
 
11 
 
 
 
particulares, limitadas a estudar uma região específica da experiência e do 
ser. Assim, se há a possibilidade de uma investigação filosófica do fenômeno 
religioso, ele visará entender o fenômeno religioso em sua totalidade, buscando 
descrever e explicitar sua origem, estruturas, princípios e essência, como também 
suas implicações éticas, políticas e existenciais na vida dos seres humanos. 
Nesse sentido, ela se difere da sociologia da religião, preocupada com o 
sentido social do fenômeno religioso, enquanto dimensão de sociabilidade e de 
relações de poder, que surgem em uma sociedade e uma cultura, o que não impede 
também inúmeras trocas entre as duas áreas, já que onde há sociologia pode haver 
filosofia e seria insuficiente uma filosofia que desconsiderasse as relações humanas 
e instituições sociais. 
A segunda dimensão da filosofia é o método pelo qual se busca uma explicação 
"racional'' para aquilo que é vivido e observado filosoficamente. Serão apresentadas 
duas metodologias nessa exposição: a analítica e a fenomenológica. 
A descrição fenomenológica busca a essência do fenômeno em seu aparecer, 
neutralizando nossas posições adquiridas e nossos hábitos de pensamento 
sedimentados. No que tange a investigação do fenômeno religioso isso é 
determinante, já que sempre nos aproximamos da fé do outro tendo a nossa como 
base ou como verdade, o que pode ser teoricamente desastroso. A especificidade da 
filosofia analítica é estudar o modo como as teorias estão estruturadas como 
linguagem. Nesse caso, ela considerará as formas pelas quais a fé, a crença na 
divindade e o sagrado podem ser pensados filosoficamente, investigando como essas 
experiências são expressas pela linguagem. 
Diferentemente de qualquer filosofia da religião, uma sociologia do fenômeno 
religioso se baseia, inicialmente, em reunir fatos e descrever as formas de 
sociabilidade implicadas em uma dada instituição religiosa. A religião pode ser tratada 
como fato social e como estrutura, dotada de leis de funcionamento quase 
universais. A diferença entre filosofia e sociologia, se revela na comparação entre a 
filosofia, arte, ciência e religião. A primeira forma de aproximarmos tais fenômenos e 
visitá-los pela sua diferença é nos voltarmos ao tema da fé perceptiva e entender como 
 
12 
 
 
 
todas essas formas de experiência humana estão remetidas primordialmente ao 
mundo da percepção, enquanto algo que é retomado e ampliado pela potencialidade 
de expressão humana. 
O artista retoma, transforma e amplia o mundo da percepção nos dando ver 
sua obra. O filósofo, por outro lado, busca dar sentido e investigar as estruturas da 
abertura da experiência ao mundo, ou seja, muitas vezes tem que começar pela 
percepção e pelos sentidos enquanto tais. A ciência tende a esquecer que está 
fundada em um corpo que se abre ao mundo através da percepção, mas cria 
complexos instrumentos de análise e recuperação das formas ideais que determinam 
o sentido dos fenômenos, mesmo quando lida com fatos e estruturas extremamente 
empíricas. 
A religião se constrói a partir das vivências perceptivas, das afecções e das 
pulsões humanas: é a forma de conhecer e experimentar o mundo pela aposta de um 
corpo na condição de fé que ele carrega desde sua abertura ao mundo, seja pela 
adesão aos valores de uma religião socialmente constituída, ou pela 'heresia' do 
experimento de uma fé religiosa singular e individual. Em todos os casos, a questão é 
que estamos lidando com formas de expressão e contato da experiência consigo, com 
outros, com a divindade, e com uma virtualidade de ser que é a própria existência 
humana em sua possibilidade. 
A especificidade da filosofia que nos interessa agora em relação a essas outras 
formas de experiência e conhecimento é a relação com o puro desejo de conhecer, 
que também pode ser encontrada em algumas ciências, mas não na religião e na arte. 
A religião não busca simplesmente conhecer e experimentar a divindade: o ‘ser 
humano' religioso se orienta e vive por sua religião, o seu caso é totalmente 
interessado, é quase de vida ou morte, pois seu mundo está organizado em torno da 
fé. O artista busca a criação e a expressão; se por uma eventualidade, sua arte 
exprime uma relação com a verdade, é porque aí onde ele se encontra, no estado da 
busca e da criação, pode haver um acontecimento do Ser, enquanto fenômeno de 
conhecimento, mas a finalidade da arte não é o conhecimento por ele mesmo. 
 
13 
 
 
 
Segundo Aristóteles, por outro lado, quando se faz filosofia, é preciso se 
interessar por essa verdade sem buscar a utilidade imediata para as demandas que 
caracterizam nossa ordinária vida mundana. A filosofia nasce de uma busca pelo 
saber, por meio da liberdade de pensamento daquele que pensa: o espanto de 
observar as coisas e pensá-las. A filosofia “[…] é fim em si mesma porque tem por 
objetivo a verdade: procurada, contemplada e desfrutada como tal […] toda a outras 
ciências podem ser mais necessárias do que esta, mas nenhuma será tão radical” 
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 23). 
Isso não quer dizer que a filosofia não tenha uma função prática; um lugar na 
vida social e um dizer sobre o que os seres humanos devem construir para tornar suas 
vidas mais interessantes. Sua radicalidade é nos dar os instrumentos para distinguir 
a autenticidade das nossas experiências, inclusive no campo ético e político e na vida 
social de todos os dias, revelando como ela está inserida na nossa vida cotidiana. Em 
Gaia Ciência (2001), encontramos, por exemplo, um filósofo como Nietzsche 
afirmando que autêntica filosofia é aquela que se preocupa até como os seres 
humanos constroem suas casas, já que aí eles fazem um momento importante do 
acontecer de sua habitação no mundo. Por isso também, mais do que nunca, a 
filosofia se interessa por tudo que o ser humano faz, inclusive pelas ciências e suas 
formas de consideração dos fenômenos. Assim, para compreender como a filosofia 
pode ser capaz de se comunicar e de interpretar a fé, é essencial, portanto, 
entendermos o que é a religião, nos interessando em examinar como outras ciências 
tratam aquilo que afilosofia quer compreender essencialmente. 
Segundo Émile Durkheim (1996), um sociólogo, a religião é um sistema 
solidário constituído por práticas e crenças que se baseiam em uma experiência do 
sagrado. Ou seja, mediante uma consonância entre as pessoas, mantém-se a 
harmonia em torno de valores e práticas que remetem a uma esfera de fenômenos 
que se diferenciam de outros que acontecem na vida ordinária; porque o passar da 
rua para o templo significa uma mudança de perspectiva e surgimento de relações 
sociais que se diferem daquelas que temos no trabalho e na escola. Assim, é formada 
 
14 
 
 
 
a crença religiosa entre aqueles membros que aderem a essa comunidade sem 
prejudicá-la e sem afetar a presença dos demais que a formam (DURKHEIM, 1996). 
Para Croatto (2010), o sagrado é a expressão humana repleta de religiosidade 
e fé, buscando o encontro e o contato com o transcendente, ou seja, com dimensões 
que ultrapassam o mundo tal como ele aparece em seu sentido material e ordinário. 
O autor cita que: “[…] pode-se afirmar que o sagrado não é a meta da atitude ou da 
experiência religiosa. Esse fim seria o próprio transcendente” (CROATTO, 2010, p. 
61). Ou seja, os atos religiosos são praticados para se encontrar o divino e o sagrado 
e através deles estamos lançados na possibilidade do encontro com o transcendente. 
Para Eliade (1992, p. 13), é o “Deus que fala com o homem” através da 
hierofania, ou seja, a manifestação do transcendente para com o ser humano em sua 
vida, transfigurando o seu mundo material e ordinário em signo de um não estar na 
sua singularidade, mas em um grande outro. 
Na história da religião esse grande Outro, familiar e distante do ser humano, 
comunica-se pela forma do ‘invisível’ que se manifesta no visível, voltando-se a alma 
que se confessa através do corpo e religa os seres humanos ao espírito. Nesse 
sentido, segundo Mendonça (1999), a ultrapassagem do sentido humano de uma 
experiência evidencia aquilo que é considerado sagrado. A partir dessas 
considerações, de que maneira é possível que a razão entenda a fé? Essa é a missão 
da filosofia da religião. Sweetman (2013, p. 16) define esse estudo como “[…] a 
tentativa feita por filósofos de investigar o sentido e mesmo a racionalidade das 
afirmações religiosas básicas”. Conforme o autor, a filosofia da religião não prevê que 
o indivíduo tenha uma determinada crença específica, tampouco, o contrário. 
Torna-se necessário, contudo, um distanciamento da filosofia da religião 
daquilo que é uma crença pura, a qual deposita uma total confiança na existência e 
na ação divina. Por isso, é necessária uma fenomenologia da religião. 
 
15 
 
 
 
3.2 Filosofia, sociologia e fenomenologia da religião (Descrição sociológica e 
definição filosófica do fenômeno religioso) 
O tratamento conceitual do fenômeno religioso teve, e ainda tem, muitas 
variações na história do pensamento filosófico e científico. Utilizar o termo ‘religião’ 
de modo universal acaba sendo muito difícil e mesmo incongruente, em razão dos 
diferentes contextos históricos e sociais em que as religiões se inserem. No Brasil, 
por exemplo, o tratamento do fenômeno religioso não pode esquecer como a 
sociedade brasileira e sua cultura se formou, como as diversas culturas e instituições 
religiosas estão ligadas a uma cultura que é sincrética, múltipla, conflituosa e marcada 
por grandes desigualdades políticas, econômicas e sociais. De acordo com Coutinho 
(2012, p. 175), podemos dividir essas diferentes definições de religião em duas 
classes: substantivas ou substancialistas, e funcionais. 
As substantivas se ocupam do que a religião é, “[…] da sua essência, das suas 
crenças e práticas, da experiência do Outro ou do sagrado”. Já as funcionais referem-
se ao que a religião faz, à sua função social. Nos dois casos, temos algumas relações 
que indicamos acima: de um lado a religião é um fato social e uma estrutura cultural; 
do outro ela é uma experiência e mesmo uma forma de ‘conhecer’ o mundo através 
de sua organização em mitos, crenças e narrativas sócio existenciais. 
Entre as tantas definições do fenômeno religioso podemos indicar pelo menos 
duas que estão enraizadas em nossa cultura e remetem a formas e momentos 
históricos determinados. A primeira, pode ser encontrada em Cícero, pensador da 
Roma Antiga, utiliza a origem de religio como a “[...] observância cuidadora” (HOCK, 
2010, p. 17). Com base nisso, Cícero define religio como cultus deorum, isto é, como 
culto aos deuses, ressaltando a importância dos rituais corretos nesse culto. Nesse 
caso, religio se atrela mais à correção dos ritos dirigidos aos deuses do que ao crer 
corretamente. 
A segunda definição foi apresentada por Lacâncio, escritor e orador cristão dos 
séculos III e IV e, mais tarde, adotada e explorada por Agostinho Hipona, o maior 
filósofo da patrística medieval. Segundo os dois pensadores, religio deriva de religare, 
expressando um religar, ligar de novo, fazendo ressurgir o laço que indica a ligação 
 
16 
 
 
 
do humano com o sagrado. Por isso, a religião seria um meio de orientar as almas 
que se afastaram de Deus; a “religião verdadeira”, portanto, seria aquela capaz de 
permitir essa religação do sujeito com a divindade. 
O termo religião passou a ser empregado de maneira universal no Iluminismo. 
De acordo com Coutinho (2012), podemos considerar que a característica comum a 
todas as religiões seja a ligação dos seres humanos com algo superior ou 
transcendente. Não se trata de uma ligação com o divino, pois o divino possui 
diferentes interpretações nas diversas religiões que existem, não podendo ser 
utilizado como termo comum a todos. O transcendente pode ser identificado como um 
deus, ou como deuses, em sentido panteísta. Por isso, várias designações buscam 
identificar o objeto da religião para dele abstrair seu conceito, como seres espirituais, 
poderes superiores, sagrado, realidades transcendentes, entre outras. 
Ao conceituar religião em seu sentido substantivo, ou substancialista, isto é, 
orientado por sua essência, Coutinho (2012) afirma que dessas definições sobressai 
a separação de realidades ou a designação de uma outra realidade ou instância para 
além da humana, considerada sagrada. Eliade (1992, p. 16) explica que “O sagrado 
manifesta sempre uma realidade inteiramente diferente das realidades ‘naturais’” e 
que “[...] o homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se 
mostra como algo absolutamente diferente do profano” (ELIADE, 1992, p. 16). Trata-
se, definitivamente, de dois modos de ser no mundo, como duas modalidades da 
experiência. O sagrado não pode ser contido na existência natural dos seres humanos 
e, por isso, pode ser considerado real ou uma mera construção humana, mas vige na 
experiência pela ambivalência de envolver práticas que são realizadas por humanos, 
mas se fundamentam na presença de estruturas que também transformam aquele que 
pratica sua religião (COUTINHO, 2012). 
Assim, de acordo com as definições substantivas, o sagrado é o elemento 
central, não importando se é real ou uma mera abstração dos seres humanos. O mais 
importante é considerá-lo elemento existente no sentido de um conjunto de crenças. 
Uma das dificuldades das definições substantivas é traspassar conceitos de sagrado, 
de transcendente, de experiência transcendente a todas as religiões. Isso porque o 
 
17 
 
 
 
sagrado e o transcendente podem se apresentar de modos distintos e, em alguns 
sistemas de pensamentos e crenças, pode ser complexo identificá-los. Esse problema 
faz com que não seja possível descrever com nitidez o que é religião. Tendo em vista 
que se trata de um fenômeno cultural que envolve outras áreas, pode ser difícil definir 
qual é o seu conteúdo essencial em diferentes sistemas (HOCK, 2010). 
Por outro lado, é possível pensar o conceito de religião de modo funcional; 
colocandoem primeiro plano não a essência da religião, mas sua função social, 
momento em que as abordagens sociológicas entram em cena e determinam um 
possível tratamento científico do fenômeno. As definições funcionais não perguntam 
pelo que é a religião, mas o que ela faz e causa (HOCK, 2010). Sob essa perspectiva, 
a religião é pensada como sistema que inclui “[...] crenças, práticas, símbolos, visões 
do mundo, valores, coletividades e experiências” (COUTINHO, 2012, p. 177), que 
influenciam os seres humanos pela sua estrutura e pelo seu contexto. 
A compreensão funcional da religião tem a vantagem de prescindir da 
identificação de um elemento essencial a todas as religiões, ou seja, ela não se depara 
com o problema ontológico que perpassa todos os fenômenos humanos. O que se 
analisa são seus efeitos comuns, vinculando a religião à suposição de sua 
universalidade, mas não buscando atestar o que é essa universalidade. Entende 
necessário se perguntar por aspectos específicos do fenômeno religioso com objetivo 
de suprir alguma necessidade ou resolver problemas que se mostram irresolúveis aos 
seres humanos. Podemos citar como exemplos as perguntas sobre o que acontece 
após a morte, quais são os fundamentos das regras sociais, morais e éticas, entre 
outros. O problema, nesses casos, já se mostra pela multiplicidade de questões a 
serem resolvidos pelas religiões, sendo, então, fundamental avaliar e descrever a 
função e a estrutura das respostas dadas em contexto religioso. 
Tendo em vista as diferenças culturais e o papel distinto de cada uma delas, 
pode ser difícil a tarefa de encontrar uma explicação comum e definitiva do que é 
religião, talvez isso nem seja necessário. Por isso, a sociologia da religião deve 
investigar, junto com a história, as modificações que surgem em uma orientação 
religiosa conforme o próprio desenvolvimento da sociedade. O catolicismo 
 
18 
 
 
 
contemporâneo não é o mesmo praticado no final do século XIX. No Brasil, o 
crescimento das religiões protestantes determinou modificações na prática religiosa 
católica. No mesmo sentido, podemos identificar trocas substanciais e quase 
inconscientes entre os cultos pentecostais e religiões de matriz africana, ainda que 
em alguns contextos existam, infelizmente, relações de intolerância de alguns grupos 
religiosos com outros. Desta maneira, perguntas sobre a morte, sobre a existência de 
Deus e sobre as formas de relação que são instituídas (e possíveis) entre os humanos 
e o sagrado adquirem novas formas e novas funções conforme o momento histórico 
considerado. 
Tendo em vista esses dois aspectos, isto é, a religião pensada segundo a busca 
da sua essência (substancialismo) e a percepção de que ela pode ser pensada pela 
multiplicidade de funções que assume na vida social, a fenomenologia enquanto 
método de investigação aponta para uma reunião das duas perspectivas, segundo a 
ideia que uma essência não se separa do modo como ela se manifesta. Em outros 
termos, se a função revela o lugar, o tecido social, no qual uma prática religiosa 
acontece, é também aí que a fenomenologia encontra uma descrição mais concreta 
da essência da experiência religiosa, já que para fenomenologia somente se descreve 
uma essência em sua relação com a existência (MERLEAU-PONTY, 1999). 
 Nesse sentido, a fenomenologia da religião foi um grande marco para os 
estudos da religião, permitindo demarcar o fenômeno religioso como objeto central da 
filosofia e das ciências da religião. A fenomenologia da religião teve início no século 
XX, com sua institucionalização em universidades europeias. Fortalecendo-se através 
da realização de ciclos de palestras, além da publicação de periódicos, coletâneas e 
enciclopédias sobre religiões, mas tem também sua origem no impacto da 
fenomenologia de Husserl em campos diversos das ciências humanas. Além disso, a 
partir do que escrevem Hock (2010) e Usarski (2014), é possível notar que a 
fenomenologia da religião tem sua origem relacionada à história da religião e a 
antropologia, disciplinas onde encontramos um esforço de descrever religiões 
diferentes das vigentes no mundo europeu e ocidental. 
 
19 
 
 
 
Nesse caso, a primeira abertura fenomenológica identificada é a presença do 
Outro a ser descrito pela religião que pratica, considerando sua experiência de fé e 
seu modo de estar no mundo. Assim, o conceito de ser-no-mundo, originalmente 
destacado dos textos de Husserl e Heidegger pode assumir a função de permitir uma 
descrição não do sujeito, mas do ‘sujeito coletivo’ que forma uma religião, 
apresentando-se também um ser-no-mundo. É nesse aspecto que se insere a 
fenomenologia da religião como uma proposta para avançar nos estudos das religiões 
para além da simples descrição histórica e funcional, mas buscando unir o esforço de 
uma definição filosófica do fenômeno religioso, considerando os dados culturais e 
sociais que envolvem o fenômeno religioso. 
A fenomenologia da religião propõe, desse modo, uma especial contribuição 
aos estudos das religiões ao se voltar aos fenômenos religiosos de uma maneira que 
ultrapassa a simples descrição de fatos. Por isso, como aponta Rodrigues (2015), a 
abordagem fenomenológica expressa um forte potencial hermenêutico. Ao analisar as 
correntes clássicas da fenomenologia da religião, Hock (2010) afirma que possuem 
em comum a pergunta e o interesse pelo sentido dos objetos e fatos religiosos quando 
comparados aos fatos não religiosos, por meio de um método capaz de acessar coisas 
religiosas de um modo distinto das demais ciências que já tratavam da religião. Essa 
forma de tratar o fenômeno religioso ampliou significativamente as possibilidades de 
abordagem, de modo que, mesmo dentro da fenomenologia da religião, existem 
abordagens distintas. 
Entre as correntes fenomenológicas da religião, é possível citar a abordagem 
proposta por W. Brede Kristensen (1867–1953), que propõe que a descrição e a 
comparação entre religiões são estágios prévios ao processo interpretativo, cujo 
objetivo final é compreender a experiência do crente em sua perspectiva 
(RODRIGUES, 2015). É possível, além disso, reconhecer o fenômeno religioso da 
perspectiva sociológica e fenomenológica de Georg Simmel (1958-1918), para quem 
o sentido ontológico da religião é suficiente para justificar a sua relevância. Husserl 
descreve os trabalhos de Simmel como aqueles que mais se aproximam de uma 
prática em ciências humanas não alinhada ou determinada por pressupostos 
 
20 
 
 
 
positivistas, estando, deste modo, próximo ao modelo fenomenológico de tratamento 
da experiência (HUSSERL, 1973). Simmel compreende a religião como mais uma 
forma de organizar a vida e com grande reflexo social, não se mostrando apenas como 
algo empírico, mas um tipo particular de fato humano capaz de ordenar o mundo. 
Desse modo, é uma concepção que busca reconhecer um aspecto profundo da 
religião que se comunica e impacta outros âmbitos da vida dos seres humanos 
(RODRIGUES, 2015; WAIZBORT, 2000). 
A principal contribuição da fenomenologia da religião às ciências da religião é, 
portanto, a proposta de estudar o fenômeno religioso em um aspecto amplo, 
analisando interpretativamente o significado e os efeitos dos fenômenos religiosos. 
Segundo Rodrigues (2015, p. 62), “[…] o ato de falar sobre algo e de explanar a 
respeito de algum tema com a finalidade de torná-lo compreensível ou revelá-lo é, em 
si, um ato de interpretação que produz conhecimento sobre a coisa”. O estudo dos 
fenômenos religiosos ultrapassa, portanto, através da fenomenologia, os limites do 
substancialismo e do funcionalismo, pois considera que uma descrição do fenômeno 
religioso é fazer aparecer a singularidade de cada prática e forma de religião, como 
também identificar e exprimir a sensível teia que liga o ser humano à necessidade de 
comunicação e expressão de uma experiência do sagrado.4 A EXPERIÊNCIA DA RELIGIÃO NA FILOSOFIA MEDIEVAL E NA MODERNA 
Nesse tópico, trataremos de tendências históricas do pensamento filosófico, 
tendo em vista o modo como uma discussão sobre a filosofia da religião começou a 
se formar a partir da Idade Média, enquanto uma forma de pensamento inicialmente 
ligada a teologia, para em seguida buscar independência, tornando-se na 
modernidade se formar como um campo laico de investigação. 
Ainda que seja impossível separar o problema teológico da filosofia da religião, 
no que tange a compreensão da religião cristã como base de pensamento e 
moralidade do ocidente, seja pela exclusão de outras formas pensamento religioso ou 
pela apropriação e transformação daquilo que é herdado de outras culturas, 
 
21 
 
 
 
consideramos pertinente notar a importância da seguinte ideia: o fenômeno religioso 
tal como investigado no medievo foi dominado pelo cristianismo, mais precisamente 
uma dada interpretação do cristianismo, a doutrina católica, e não tem caráter 
universal em relação a nenhuma outra forma de intepretação do sagrado. 
A modernidade começa pela abertura a outras formas de religiosidade e pelo 
esforço de pensar 'conceitualmente' os aspectos da experiência religiosa enquanto 
tal. Começaremos, nesse sentido, pela filosofia medieval. Não estamos com isso 
afirmando ou sugerindo a inexistência algo como uma filosofia da religião entre os 
gregos, ou helenistas, já tratamos de alguns aspectos importantes do esforço do 
pensamento da antiguidade em definir a experiência religiosa, quando tratamos das 
definições de religião dadas por filósofos estoicos como Cícero, ou apresentamos as 
diferenças entre uma abordagem ontológica e metafísica fenômeno religioso nos 
referindo as filosofias de Platão e Aristóteles, figuras que também surgirão ainda com 
todo seu brilho no restante da nossa exposição. 
4.1 A filosofia medieval da religião (alguns aspectos) 
Com o início da Idade Média, a filosofia greco-romana passou por diversas 
reformulações. Podemos dizer que tais desdobramentos filosóficos se deram em torno 
de argumentos religiosos, em especial das religiões abraâmicas, ou seja, do 
cristianismo, do judaísmo e do islamismo. Nesse contexto, no Ocidente e no Oriente, 
os filósofos medievais buscavam fundamentar a fé a qual pertenciam a partir da 
filosofia grega. Assim, cristãos, judeus e islâmicos buscaram pensar filosoficamente 
o problema da fé e as questões teológicas postas por suas religiões. 
As filosofias de Platão e Aristóteles se tornaram, assim, fundamentais, pois era 
através deles que as três grandes formações da filosofia medieval (medieval ocidental 
cristã, islâmica e judaica) buscaram conciliar a experiência religiosa com o caráter 
sistemático e racional do pensamento platônico e aristotélico. 
O cristianismo, em seu momento mais primitivo, ainda quando era uma forma 
de religião perseguida pelo Império Romano, carecia de formas e fundamentos 
 
22 
 
 
 
filosóficos. Nesse sentido, quando comparada com outras formas de pensamento 
vigentes naquele período, ele se apresentava como uma experiência que precisava 
de respaldo teórico, mas também se apresentava fortemente capaz de se mesclar 
com outras culturas, inclusive dando orientação interna às formas de pensamento 
estrangeiras ou estranhas ao cristianismo. Podemos entender isso, tomando, como 
exemplo, Paulo de Tarso. 
Nos últimos anos do helenismo, o cristianismo surgiu e conquistou cada vez 
mais fiéis, sendo que grande parte, destes cristãos, não pertencia à elite greco-
romana ou a qualquer elite das culturas, ou comunidades a quais os cristãos se 
sentiam inclinados a levar a Boa Nova, ou seja, a doutrina da salvação descrita nos 
Evangelhos. Assim, o cristianismo, enquanto religião que pregava que todos 
pertenciam ao reino de Deus e que Deus fez o homem à sua semelhança, acabou por 
dignificar a todos. Esse discurso de uma igualdade entre os seres humanos, pelo 
menos perante o olhar autêntico da divindade, acabou fazendo surgir suspeitas, 
questionamentos e mesmo resistência ao cristianismo na sociedade greco-romana e 
seu regime escravista, pois imbuia os escravizados da certeza de um direito 
à liberdade, já que é a única autoridade verdadeira era aquele que proviesse do Deus 
cristão. 
Nesse contexto, como dissemos, a figura do apóstolo Paulo foi essencial. Paulo 
era helenista e discípulo de Cristo. Foi também o principal responsável pela 
disseminação do cristianismo (GILSON, 2001). Após a morte de Cristo, Paulo 
(nascido na cidade de Tarso, na Cilícia, em 5 d.C. e falecido em Roma, por volta de 
60 d.C.) percorreu diversas cidades conduzindo a pregação dos ensinamentos de 
Jesus. O apóstolo tinha uma leitura combativa em relação à filosofia grega, e os 
padres gregos admitiam que Paulo fora formado como homem helenista, mas que 
soube absorver o cristianismo e contornar sua formação cultural aos moldes da fé 
cristã. Outro aspecto importante é que o cristianismo não se tratava de uma ilustração 
da filosofia, ou de seu elemento essencial, a saber, a verdade, e sim de uma 
substituição da filosofia pela fé (GILSON, 2001). 
 
23 
 
 
 
Foi a partir deste contexto, que a filosofia se tornou uma importante ferramenta 
para a religião cristã. Nesse sentido, podemos dizer que a filosofia, principalmente a 
platônica, serviu de base inicial para o cristianismo. Não estamos mais na época de 
Paulo, mas de um cristianismo organizado como Igreja que se apresenta enquanto 
religião de grande alcance cultural e institucional, buscando, também, se justificar 
através da filosofia grega. A primeira produção filosófica do contato do cristianismo 
com a tradição grega ficou conhecida como patrística. O maior representante da 
patrística foi, sem dúvida, como indicamos anteriormente, o filósofo Santo Agostinho 
(430 – 354 d.C.), que estabeleceu paralelos entre a concepção dualista platônica e as 
noções de bem e mal, principalmente em A cidade de Deus e As confissões. 
Enquanto ser humano, em busca de sua verdade e uma existência pautada na 
sustentação de um desejo autêntico, Agostinho teve uma trajetória singular: o bispo 
nasceu na África e se converteu ao cristianismo com 33 anos de idade. Sua conversão 
é descrita por ele como um processo que aconteceu até o fim de sua vida, sendo 
como uma dimensão fundamental do que podemos considerar como sua filosofia. Na 
obra Confissões (1996), o filósofo trata sobre o seu processo de conversão, que não 
se encerrou com o batismo em 387, em Milão, com o bispo Ambrósio. Nesse contexto, 
Agostinho trabalha as questões filosóficas e teológicas da fé cristã a partir da 
elaboração de uma concepção teórica. 
Nesse sentido, Agostinho foi um dos responsáveis por estabelecer os alicerces 
cristãos por meio da filosofia platônica. Contudo, é necessário compreender os 
principais princípios estabelecidos em sua obra para definir como se dá a leitura da 
obra platônica por uma ótica cristã. Antes de tudo, Agostinho conseguiu reunir a 
história, a fé e a filosofia. Em A cidade de Deus (1999), é apresentada uma crítica ao 
politeísmo greco-romano; desse ponto vista, Agostinho busca compreender a 
formação histórica do cristianismo, seus inúmeros embates com outras formas de 
religião, doutrinas filosóficas e comportamentos políticos e morais. Desta maneira, ele 
uniu uma crítica às religiões que ele considerava “bárbaras, selvagens” a uma crítica 
à invasão de Roma, que já se mostrava como a capital católica da Europa. 
 
24 
 
 
 
Ao contrário das problematizações que se deram posteriormente, em que o 
sistema fé e história significava um paradoxo inconciliável, criando uma distinção entre 
o Jesus histórico e o Cristo, tal como na teologia moderna, Agostinho entendia a 
história como chave de sentido ao cristianismo, buscando relações entre os poderes 
temporais do mundo e poder intemporal de Deus. Tratava-se, nesse sentido,de 
pensar a cidade dos homens através da cidade de Deus. 
Ao pensar a história, Agostinho a entendia como o espaço de criação divina. 
Assim, o homem é somente um ser que habita nesse espaço histórico criado e 
determinado por Deus e, inclusive, seu avanço só é possível porque Deus quis criar o 
tempo (AGOSTINHO, 1999). Portanto, a história humana existe porque Deus criou as 
formas de temporalização que caracterizam o viver humano em sua ocupação do 
mundo. Entende-se, assim, que a cidade dos homens só tem sentido através da 
cidade de Deus. É sob esse aspecto que podemos encontrar grandes paralelos entre 
a compreensão agostiniana e o dualismo platônico. 
Em A República (2000) e em outros textos, Platão apresenta a dualidade que 
caracteriza a existência humana e também o conjunto da realidade. Ele fala de um 
mundo material, acessível aos sentidos, localizado onde acontece o corpo humano e 
onde os corpos se comunicam e se refere também a uma realidade inteligível que dá 
sentido ao mundo material, porque é verdade e um conjunto de significações 
autênticas, marcadas pela universalidade e pela atemporalidade, escapando, assim 
das contingências do mundo sensível. 
O mundo das ideias platônica, o universo inteligível, não é um produto da mente 
humana, mas uma realidade que repousa na sua própria existência, marcada por uma 
densidade ontológica descrita em termos transcendentalidade. A ideia de um mundo 
inteligível, indica, portanto, para um universo de perfeição desde onde tudo se origina 
e toma sentido. 
No mundo dos sentidos, acessível através dos sentidos, temos apenas uma 
cópia do que são as coisas e os seres no mundo perfeito. Assim, até mesmo as 
virtudes — tais como a bondade (conhecimento), a amizade, a honestidade, entre 
outras — são reflexos desse mundo ideal com seu sentido dado pela sua remissão ao 
 
25 
 
 
 
arquétipo inteligível que orienta as formas de ser dos entes em sua essência e 
densidade. 
Retomando a perspectiva platônica, a interpretação agostiniana, nos 
apresenta duas formas de cidade: a cidade de Deus, remetida ao mundo inteligível, 
mas em uma perspectiva cristã, isto é, trata-se do mundo espiritual revelado pela 
palavra de Deus; e a cidade dos homens onde o desgoverno surge da incapacidade 
de dos seres humanos de considerarem que a cidade dos homens deve estar 
submetida a cidade de Deus. 
A esse primeiro nível de apresentação segue outro. Através das duas cidades, 
Agostinho, ilustra a diferença entre cristãos e não cristãos. A cidade de Deus se torna 
emblema da cidade orientada pelo cristianismo; são apresentadas duas sociedades 
para ilustrar o dualismo entre cristãos e não cristãos. Trata-se, assim, de duas 
cidades: a cidade de Deus, do povo de Deus; e a cidade dos ímpios, a cidade 
mundana, terrestre: 
[...] dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, 
levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo 
de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em 
Deus, porque aquela busca a glória dos homens e tem esta por máxima glória 
a Deus, testemunha de sua consciência (AGOSTINHO, 1999, p. 28). 
Uma das questões mais relevantes sobre a qual a filosofia se debruçava nesse 
período consistia na própria cristianização da filosofia e da linguagem gregas após o 
surgimento do cristianismo. Consequentemente, a principal tarefa da filosofia cristã foi 
compreender a realidade tal qual revelada por Cristo (no sentido de que todos os 
acontecimentos eram revelações de Cristo na realidade), mas utilizando determinados 
conceitos filosóficos. No caso da descrição de Santo Agostinho vemos isso acontecer 
com clareza: o argumento de uma dualidade da experiência e do ser atravessa o 
pensamento grego a partir de Platão e conforma a várias modalidades de experiência 
religiosa, entre elas o cristianismo. No entanto, a fé revelada não parece ser suficiente 
para convencer todos os seres humanos da necessidade de conversão, por isso, 
também os padres cristãos se farão filósofos. 
 
26 
 
 
 
Nesse sentido, Agostinho buscará demonstrar em seu livro que ambas as 
cidades formam um só povo, que deve conviver em suas diferenças; além disso, para 
alguns desses cidadãos, a cidade humana é a possibilidade de se misturar o 
cristianismo com outras doutrinas e religiões pagãs, no sentido de um embate que não 
precisa ser violento, mas que deve buscar vencer as doutrinas falsas através do 
testemunho da fé e também da filosofia (AGOSTINHO, 1999). 
No entanto, Agostinho denota o caráter teológico da história, pois é nesse 
sentido que o desenrolar da história como escrita por Deus acontece. Mesmo 
misturadas, existem duas cidades dentro dessa, dois povos dentro desse: trata-se 
daquela cidade, daqueles que se findarão com o Juízo Final e daqueles que reinarão 
ao lado de Deus, pois são os celestiais, que não se renderam às malícias terrestres. 
A obra de Agostinho é marcada por tais dualidades, que, apesar de decorrerem 
da leitura platônica, também foram influenciadas por outras dicotomias. Em relação à 
divisão entre as cidades, Agostinho recorre também às figuras simbólicas de Abel e 
Caim, que prefiguram, nessa narrativa, a distinção, a divisão entre os povos: enquanto 
Caim pertence à cidade terrestre, dos ímpios, Abel faz parte do povo de Deus. A partir 
dessa narrativa, podemos identificar a divisão entre ação moral e norma da fé em 
Agostinho. Se podemos falar em uma moral já preestabelecida pelo cristianismo, 
certamente ela se encontra ligada a uma forma de conceber a justiça e as virtudes 
ligadas a Deus. Logo, a moral agostiniana se enquadra naquilo que podemos chamar 
de moral teocêntrica — com ênfase para o cristocentrismo. Isto é, uma moral 
estabelecida com vistas ao juízo final, portanto, que trabalha a punição, a culpa, o 
mérito, a recompensa como norma, enquanto conduta, o que significa que a moral 
agostiniana está fundamentada na ação prática. 
Para tanto, o filósofo estabelece que, para se agir bem, de acordo com Deus, 
deve o humano se encontrar consigo para poder falar sobre Deus (AGOSTINHO, 
1999). Encontrar-se consigo, nesse sentido, é agir bem, virtuosamente. Vale ressaltar 
que, no período em que viveu Agostinho, na Patrística, o humano era entendido como 
sujeito, aquele que se sujeita socialmente: à monarquia, à Igreja, à sociedade, a 
 
27 
 
 
 
outrem. A salvação só era possível em relação a todos, uma vez que o amor-próprio 
era considerado um ato de vaidade, de individualismo e, por isso, de pecado. 
Esse novo pathos filosófico que marca o medievo encontra-se originalmente 
ligado ao pensamento judaico e, posteriormente, seria aprofundado também pelos 
filósofos árabes. No que concerne a uma história do monoteísmo, é importante 
entender que o cristianismo é uma ‘heresia’ e uma dissidência oriunda do judaísmo; e 
o islamismo está ligado a história da religião judaica, tanto do ponto de vista de uma 
mitologia onde o povo árabe já parece como indigno de uma fé que eles não podem 
assumir, a fé de Abraão, como também por inúmeros processos históricos que unem 
e separam essas culturas irmãs. 
Nesse sentido, encontramos muitos pontos em comum entre a proposta de uma 
filosofia judaica, orientada pelo estudo dos filósofos gregos, e a forma de fazer filosofia 
dos pensadores cristãos da Idade Média, onde será notável o papel dos árabes nesse 
processo de conformação da tradição filosófica a partir do helenismo pelas traduções 
e investigações que fizeram, inclusive apresentando maior liberdade na interpretação 
dos textos gregos, dando até um aspecto mais laico a suas interpretações. Uma 
questão a ser observada sob esse ponto é que no caso das três tradições: judaísmo, 
islamismo e cristianismo, estando em jogo uma apropriação da filosofia grega, tendo 
em vista uma justificação teórica da doutrina, cada uma delas contribui decisivamente 
para oambiente em que surgirá a filosofia moderna. 
A Filosofia Judaica propriamente dita surgiu com Filon de Alexandria (século I). 
Judeu egípcio helenizado. Trata-se de um pensador que pode ser classificado no 
âmbito do médio-platonismo. É considerado o primeiro a se lançar no esforço de 
tentar uma compatibilização sistemática entre a filosofia grega e as Escrituras. 
Partindo de uma leitura alegórica das Escrituras, Filon empreende uma espécie 
de exegese filosófica, buscando traçar equivalências entre a palavra revelada e a 
especulação racional, visando a defesa de uma única verdade expressa de modos 
diferentes. Seu modelo de compreensão teológica e metafísica é de inspiração 
platônica, comportando uma concepção monoteísta da divindade, isto é, ele concebe 
 
28 
 
 
 
a presença de Deus único, absolutamente transcendente, acompanhado de 
“potências” através das quais atua. 
Entre essas potências, ele considera a existência de um ente intermediário, 
responsável por poupar o ser divino do contato direto com a matéria impura. Essa 
potência intermediária ele nomeia Logos, caracterizando-o como formado de uma 
'face' transcendente e uma expressão imanente. Seu pensamento teve grande 
impacto entre os cristãos e foi pouco absorvido pela comunidade judaica. Entre os 
cristãos, o Logos Filônico foi associado ao Verbo Encarnado, ou seja, a figura de 
Jesus. 
Dentre os filósofos que contribuíram com a reflexão filosófica judaica desse 
período medievo, alguns são de maior destaque: como Isaac Israeli (955–865 
d.C.). Isaac Israelense ben Salomão, também conhecido como Isaac Israelense, o 
Velho, ou Isaac Judeu, foi um importante médico judeu e também filósofo, vivendo 
entre os judeus que viviam no mundo árabe de sua época. Ele se enquadra no âmbito 
de um pensamento neoplatônico; apresentando-se, como o iniciador desta 
perspectiva em ambiente judeu. Sua trajetória intelectual e científica ficou mais 
conhecido pelas investigações no campo da fisiologia (GILSON, 2001), por aproximar 
a medicina do exercício reflexivo, uma vez que era médico; e por dar os primeiros 
impulsos a uma reflexão filosófica propriamente judaica. 
Ao longo de suas principais obras: O livro das definições, O livro dos elementos, 
O livro do espírito, encontramos um constante paralelismo entre a noção dualista 
platônica e sua concepção emanatista sobre a origem do mundo e sobre a doutrina 
da alma, assim como concepções agostinianas neoplatônicas e dualistas em relação 
à realidade e à alma. Interessante notar, que mesmo sendo judeu, ele recolhe formas 
de pensar e compreender oriundas de formulações do cristianismo católico, tal como 
séculos antes os cristãos tomaram de Filó, uma doutrina do Logos que estaria em 
consonância com o sentido da encarnação do sagrado através da pessoa de Jesus. 
Saadi ben Josef de Fayyum (892–942. d.C.) foi outro nome importante dos 
primórdios da filosofia judaica. Sua filosofia, ao contrário da de Israeli, apresenta uma 
preocupação fundamental com a conciliação entre a ciência filosófica da época e a 
 
29 
 
 
 
religião judaica. Na juventude chegou a se corresponder com Isaac Israeli, mas sua 
preocupação era mais propriamente em relação à construção de uma teologia 
racional, pois julgava a investigação racional como um preceito religioso, o que não 
estava em consonância com o pensamento médico neoplatônico. Assim, suas 
principais obras, como o “Comentário do Livro Jeira” e o “Livro das crenças e das 
opiniões”, apresentam argumentos em torno da prova da existência de Deus e da 
origem do mundo, paralelos à origem do tempo, visando fazer uma crítica das 
posições cristãs e islâmicas. 
No Livro das “Crenças e Opiniões”, por exemplo, expõe seu sistema e critica 
os seus oponentes, especialmente os dualistas, os cristãos e os muçulmanos, assim 
como qualquer concepção que se apresente contrária aos ensinamentos do judaísmo. 
Ele defende, assim, que a religião judaica é a única verdadeiramente revelada por 
Deus e se difere, por isso, de todas as outras que são construções intrinsecamente 
humanas, que reivindicam falsamente uma origem divina (GILSON, 2001). 
Nesse sentido, Fayyum argumenta que, se o universo é finito, composto de 
substância e acidente, não pode ser eterno, o que, por outro lado, comprova que 
nunca existiu um tempo infinito, pois o mundo, como é descrito nas escrituras, 
começou com o tempo. Assim, paralela à filosofia aristotélica, a filosofia de Fayyum 
tem em vista refutar o argumento platônico da dualidade do real, adotado pelos 
primeiros pensadores cristãos. Para ele, Deus é uno, sua composição, sua vida, seu 
poder e sabedoria em nada alteram a sua unidade, pois seus atributos metafísicos 
não são excludentes entre si, mas se conformam a sua absoluta perfeição 
(GUTTMANN, 2001). 
Com isso, refuta também a concepção cristã da Trindade. Além disso, a alma 
não é entendida pelo filósofo como pré-existente e sim como criada por Deus no 
instante em que cria o corpo, estando, portanto, duplamente unidos. Após a morte, a 
alma adormece e espera até a ressurreição, que deverá acontecer no dia do Juízo 
Final. Tal reflexão, como aponta Gilson (2001), se aproxima do movimento 
escolástico, protagonizado por São Tomás de Aquino, que buscava aplicar a teoria 
aristotélica como método de compreensão da realidade conforme a cosmologia cristã, 
 
30 
 
 
 
o que será possível pelo enfraquecimento do platonismo no ambiente intelectual da 
cristandade. 
O primeiro filósofo originalmente árabe e muçulmano foi Al-kindi (não se sabe 
a data de nascimento, mas faleceu em 873 d.C). Além de um grande pensador, era 
também uma figura enciclopédica ou multidisciplinar, pois tinha profundos 
conhecimentos em geometria, aritmética, medicina, lógica, psicologia, política e 
meteorologia. O seu título de «o filósofo dos árabes» justifica-se, certamente, elo 
facto de ter sido o primeiro a levantar um paradigma autenticamente filosófico, em 
consonância com a verdade revelada pela religião islâmica e no cumprimento de um 
determinado programa que adotou. Como aponta Carvalho (2020), a orientação 
básica desse programa era o de que se deve captar a verdade em qualquer lugar 
onde ela se encontre. Desta maneira, “[...] semelhante perfil confere-lhe uma visão 
culturalmente pluralista e torna-o sensível à necessidade de transmissão da tradição 
filosófica grega no mundo árabe” (CARVALHO, 2020, p. 58). 
Sua principal obra intitula-se "Do intelecto" desenvolve uma abordagem do 
pensamento, suas normas e formações, a partir da filosofia aristotélica. Para Al-kindi, 
o intelecto é sempre a ação de uma potência ao ato. Portanto, o intelecto se efetiva 
na demonstração da finalidade do ato de compreender, isto é, se investiga o 
pensamento pelo modo como ele faz pensar os objetos visados e representados pela 
mente humana. Ele considera, ainda, que a inteligência é superior à alma, pois a 
inteligência tem o papel e a responsabilidade de tornar a alma inteligente em ato e de 
retirá-la do estado inerte de potência. 
 A filosofia árabe compreendida entre os séculos X ao XII seguiu sob intensa 
influência da filosofia greco-aristotélica. Com o surgimento do islamismo ao longo do 
século VII d.C., a religião avistou na filosofia aristotélica a possibilidade de 
fundamentação da fé muçulmana. Nesse contexto, o Alcorão, enquanto ensinamentos 
e práticas reveladas por Alá ao profeta Maomé, necessitava ser compreendido e 
pensado em relação à realidade como revelação divina. Cabe dizer que a fé 
muçulmana, em seus costumes e práticas, foi fortemente influenciada tanto pelo 
judaísmo quanto pelo cristianismo, mas também influenciou essas tradições, na 
 
31 
 
 
 
medida, em que levou muito sério a investigação das filosofias gregas, principalmente, 
o pensamento de Aristóteles. 
Entende-se, assim, que a filosofia islâmica desse período apresentava uma 
extensaprodução que mais do que se dissociar do pensamento grego, partiu dele 
rumo à sua própria filosofia. Diversos pensadores cunharam filosofias nesse contexto. 
No entanto, destaca-se, no século X, o esforço filósofo de Al-Farabi (870–950 d.C.) 
Esse filósofo estudou e lecionou em Bagdá e ficou conhecido por suas traduções e 
comentários da obra Organon, de Aristóteles. Além disso, produziu as obras A alma, 
inteligência e o inteligível, A Unidade e o uno e a mais importante, Concordância de 
Platão e Aristóteles (CARVALHO, 2020). 
Convém ressaltar que a filosofia islâmica desse período apresenta uma extensa 
produção que mais do que se dissociar do pensamento grego, partiu dele rumo à sua 
própria filosofia. Al-Farabi, por exemplo, opera em sua reflexão um esforço de junção 
entre as perspectivas de Platão e Aristóteles, o que revela que os intelectuais árabes 
daquele período estavam convencidos de que Platão e Aristóteles concordavam e que 
suas concepções não eram irreconciliáveis. 
Esse traço conciliador ficou bem conhecido dos árabes daquele período, que 
antes tiveram que operar a conciliação entre o Antigo Testamento e o Deus islâmico, 
Alá, para se chegar a um acordo sobre a criação. Tal problematização sobre a criação 
foi uma das temáticas centrais entre os séculos X e XII. A principal questão em torno 
do tema era: quais são os direitos de Deus sobre a realidade que se mostra 
autossuficiente? Um dos grandes protagonistas dessa problematização foi Al-Achari 
(873–935 d.C.), que também ficou conhecido como um reformador do Islã e que 
chegou à constatação de que o universo fora criado pela luz espontânea de Deus, 
enquanto manifestação direta de seu ser perfeito. 
Portanto, Deus é compreendido por esse pensador como aquele que depende 
totalmente de seu próprio poder e que elaborou tanto o bem quanto o mal. Esses 
princípios metafísicos guiaram os pensadores do período em suas reflexões sobre o 
universo e sua origem. A compreensão recorrente pode ser sintetizada da seguinte 
maneira: […] tudo era desarticulado para permitir que a onipotência de Deus pudesse 
 
32 
 
 
 
circular à vontade. Uma matéria de átomos disjuntos perdurando num tempo 
composto de instantes disjuntos, efetuando operações nas quais cada momento é 
independente que o precede e sem efeito sobre o que o segue (GILSON, 1995, p. 
428). 
Nesse contexto, Al-Farabi, porém, nutria uma concepção um pouco distinta. 
Para ele, a criação deve ser compreendida a partir da distinção entre essência e 
existência; posição que se tornou um marco na história da metafísica, pois Al-Farabi 
conseguiu de uma só vez unir a filosofia grega à existência mística de Deus, tal como 
concebido pelos orientais, partindo de uma diferenciação do acontecimento da 
necessidade e da experiência da contingência. 
A concepção de experiência da contingência proposta por Al-Farabi consiste 
na compreensão de onde e como os seres naturais, os corpos humanos e animais e 
também os eventos do universo estudados pela física, são necessariamente 
contingentes; pois, simultaneamente, em que são dotados de uma materialidade 
física, também são dotados de uma essência que dá vida à existência e que pode ser 
perdida, tornando-se assim matéria morta. Desse modo, Al-Farabi estabelece a 
distinção entre existência e essência, garantindo que Deus tenha sido a causa 
primeira, já que nem toda essência deve participar da mesma essência de Deus, que 
não pode ser contingente, mas é necessariamente absoluta e atemporal. 
Essa teoria foi inspirada na filosofia aristotélica, especificamente na concepção 
de que o que a coisa é não comporta, necessariamente, o que ela possa ser; a 
essência, portanto, não é existência, ainda que a essência de alguns seres seja 
simplesmente existir e existir materialmente. O importante, nesse caso, é a 
compreensão de que se essência e existência fossem a mesma coisa, não haveria 
necessidade de se distinguir, logo o fato de existir já significaria o fato de ser. 
Assim, a operação da morte, por exemplo, seria inconcebível, pois o corpo teria 
de portar necessariamente uma essência chamada vida enquanto estivesse vivo. 
Outro aspecto é que, se a essência e a existência fossem a mesma coisa, a 
imaginação não poderia criar uma distinção entre ambas. Al-Farabi, para exemplificar 
sua tese, ainda introduz uma hipótese bastante ilustrativa: podemos saber que do 
 
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outro lado do mundo habitam humanos sem que tenhamos de ir até lá verificar, logo 
a existência é um acidente acessório. Segundo Gilson (2001), a teoria de Al-Farabi foi 
responsável por introduzir a distinção metafísica com base na lógica aristotélica. Para 
tanto, sua hipótese passava por três momentos: 
 
a) análise das noções de essência e existência; 
b) a constatação de que a essência não necessariamente participa da 
existência; 
c) A existência se configura como um acidente da essência. Tal operação 
permite compreender uma união entre a teoria de Aristóteles e Platão. A 
teoria aristotélica se mostra presente na compreensão lógica relacionada à 
análise da coisa em si, ao passo que a existência enquanto resultado 
acidental da essência se mostra fundamentalmente platônica. Tal 
dignificação da existência frente à essência acontece, posteriormente, 
somente com a obra de Tomás de Aquino. 
 
Nesse sentido, Al-Farabi se destaca ao associar as coisas à possibilidade 
epistemológica contida nelas, teoria profundamente aplicada e demonstrada na obra 
em seus comentários da obra de Aristóteles. Assim, a filosofia alfarabiana entende 
que a finalidade do homem seja utilizar sua inteligência para compreender a 
inteligibilidade do mundo, realizando de uma só vez sua capacidade intelectiva e 
descobrindo uma superioridade inacessível a não ser pelo amor. A obra desse 
importante filósofo tratou também sobre outras temáticas caras ao mundo islâmico. 
Sobre a política, pensava que, mesmo que houvesse uma cidade quase perfeita, 
qualquer experiência comunitária não expressa a necessidade de a cidade ser o seu 
próprio fim. Tal compreensão deriva da noção de que uma cidade perfeita fará parte 
somente de um mundo supraterrestre. 
Segundo Gilson (2001), um dos movimentos mais curiosos nesse período foi a 
influência de uma seita franco-maçônica criada originalmente em IV d. C. sobre os 
filósofos muçulmanos de então. Os membros dessa seita se tratam por “irmãos da 
 
34 
 
 
 
pureza” e tinham como principal objetivo não a compreensão das revelações 
religiosas por meio da filosofia, mas antes recorrer à filosofia para aprimorar as leis 
religiosas e legitimá-las racionalmente. Essa seita produziu 51 tratados sobre física, 
matemática, religião, teologia e doutrina da alma. A relevância dessa seita consiste 
na disseminação da filosofia entre os muçulmanos, principalmente a partir do século 
X. 
Foi nesse meio que se destacou a figura de Avicena (980–1037 d.C.), que se 
tornou um dos nomes mais importantes da filosofia árabe, inclusive no Ocidente. A 
obra que mais intrigou Avicena desde a juventude foi a aristotélica. Ao entrar em 
contato com a filosofia de Al-Farabi, mais precisamente com a leitura alfarabiana de 
Aristóteles, Avicena decidiu se dedicar aos problemas contidos na metafísica do 
filósofo grego. 
A obra de Avicena que mais se destacou foi a Al Schifá (A cura), que, mais do 
que tecer comentários elucidativos sobre a obra aristotélica, apresenta uma 
interpretação própria. Nela, a doutrina aristotélica é combinada ao neoplatonismo, 
com a religião islâmica e a judaica. Outro aspecto da obra é o argumento lógico. Para 
Avicena (GILSON, 2001), a categoria universal só pode ser aplicada a uma definição 
específica de realidade mental, entendida como essência. No mais, cada realidade é 
composta de propriedades distintas. Assim, universal, por exemplo, é a alma, 
essencial, já o corpo não afeta as propriedades da alma, proporcionando-lheou não 
sensações internas, ou externas. Avicena concebe, então, o universo como que 
composto por essências, sendo elas o objeto da especulação filosófica metafísica. A 
essência é compreendida como aquilo que define a si mesma, o que acaba por criar 
uma cisão entre a metafísica e a ciência, antecipando um problema que veio a se 
aprofundar na Idade Moderna. 
Nesse sentido, se quando falamos de essência não importam as categorias de 
universalidade ou de singularidade, é porque ela é independente das propriedades 
adquiridas. Como ressalta Gilson (2001), a essência do cavalo é a cavalidade, não 
sendo necessário que todos os cavalos sejam iguais em suas propriedades. A ciência 
 
35 
 
 
 
e a lógica, portanto, partem de pressupostos universais para compreender ao máximo 
os seres em suas propriedades, sem que isso lhes afete a singularidade essencial. 
Entende-se, assim, que mesmo partindo dos pressupostos filosóficos gregos, 
em especial os aristotélicos, a filosofia árabe se construiu não com os gregos, mas a 
partir deles. Avicena, que se tratou de um personagem caro à tradição medieval, 
contribuiu para a filosofia ocidental com reflexões que ainda não haviam sido 
desenvolvidas, como a unidade da inteligência do agente como possibilitadora da 
compreensão da inteligibilidade. Nesse horizonte, encontramos o diálogo entre Al-
Farabi e Avicena. Este último admitiu diversas vezes que sem a filosofia alfarabiana 
não teria sido possível o desenvolvimento de sua lógica e metafísica. 
 Uma figura que deve também ser considerada nesse contexto é o pensador 
Averróis. Com ele o aristotelismo se torna a tendência fundamental do pensamento 
do medievo, sendo possível encontrar pontos de consonância entre ele e o 
pensamento de Tomás de Aquino; como também diferenças fundamentais, já que 
Averróis defendeu, em sua época, a ousada tese de uma diferença fundamental entre 
filosofia e doutrina religiosa, baseando-se na consideração de investigação racional 
não é igual ou substituível pelo ‘conhecimento’ revelado através da fé. 
Nascido em Córdoba, Espanha, após ter estudado matemática e filosofia, 
Averróis se dedicou ao estudo e fazer comentários sistemáticos dos escritos de 
Aristóteles. Foi condenado por heresia em razão da polêmica contra os teólogos do 
Islã, apresentada na obra “Destruição da destruição Filosofia”, onde ele planejou 
delimitar os campos do saber e da fé islâmica (HERNÁNDEZ, 1997). 
Esse livro consiste também em uma réplica as objeções que o teólogo Algazali 
(1050 – 1111) moveu contra a filosofia e os filósofos A questão mais proeminente 
posta pelo livro, é que se trata da defesa de uma posição intelectual precisa, baseada 
na diferença entre teologia e filosofia. O teólogo é o personagem, na perspectiva de 
Averróis, que tende ao primado absoluto da fé, baseado na experiência mística da 
divindade ou mesmo no costume religioso como fonte de sentido de sua existência. O 
filósofo, por outro lado, é aquele que se preocupa em compreender racionalmente 
 
36 
 
 
 
aquilo que o místico considerava aceder através do salto religioso. As posições de AL 
ghazali e Averróis podem ser usadas para compreender essa diferença. 
Para Alghaza li, no mundo não existem causas estáveis e necessárias, não 
existe propriamente uma ordem e tampouco podemos falar de uma racionalidade 
como essência das coisas ou do ser humano; tudo é contingente uma vez que procede 
de Deus que não é concebido como um tirano, mas como um bom príncipe que 
governa segundo leis justas e estáveis impostas por ele mesmo. 
Para Averróis, por outro lado, o mundo é uma espécie de escritura divina: a 
filosofia e a ciência nos ajudam a compreender o seu significado mais profundo. Na 
grande construção do mundo, o que se deve reconhecer é a "engenharia divina", isto 
é, a realização de um benéfico projeto racional, o que é mais acessível pela filosofia 
do que pela fé. 
Nesse sentido, a razão o levou a afirmar, com Aristóteles, a eternidade do 
mundo, mas negação da imortalidade da alma individual. Justamente, porque 
construída sobre estas bases, o caminho percorrido por Averróis se transformou em 
uma fonte de preocupação para as autoridades religiosas e em grandes debates entre 
os mestres da filosofia católica parisienses. 
O caminho percorrido por Averróis foi o de conciliar fé e razão, atribuindo à 
filosofia a missão de interpretar e desenvolver a verdade revelada no Alcorão. O 
pressuposto desta tentativa é que a investigação racional é a continuação coerente, 
lógica e histórica da doutrina presente no alcorão. Em razão disso, o ensinamento 
religioso deve aprofundar e desenvolver esta investigação de tal forma que a torne 
supérflua. A perspectiva de tal caminho é aquela destinada a conservar somente um 
valor prático e ético junto às multidões incultas. Em relação às elites intelectuais, 
administradas pela filosofia e pela ciência, a perspectiva é outra. Averróis considera 
que a religião possui uma função política; isto é, serve para afirmar os princípios de 
uma ética necessária à convivência civil. As pessoas comuns, isto é, os movidos de 
paixões destrutivas, incapazes de compreender e administrar tais paixões, podem 
aceitar os princípios desta convivência pacífica somente na perspectiva dos prêmios 
 
37 
 
 
 
e dos castigos divinos; os intelectuais dominam tais paixões e podem aderir livremente 
a estes princípios. 
Contra o teólogo do Islã, Algazali (1050 – 1111), que reivindicara a 
superioridade do espírito religioso islâmico sobre as demais expressões de fé e sobre 
a ciência, Averróis sustenta o primado da razão sobre todo tipo de fé. O impacto do 
pensamento de Averróis e sua leitura da filosofia aristotélica pode ser considerado 
revolucionária, uma vez que contribuiu para uma maior valorização da investigação 
racional em relação à fé, pondo em relevo ainda que a vida contemplativa não é 
superior à vida ativa. Por isso, a tradução latina da obra de Averróis, ocorrida por volta 
de 1230, influenciou, não somente pensadores dispersos, mas adquiriu a forma de 
uma verdadeira tendência, constituindo o que foi posteriormente denominado de 
averroísmo latino ou aristotelismo integral. 
4.2 A teoria do profeta e dos atributos divinos de Maimônides e os argumentos 
filosóficos de Aristóteles 
O pensamento de Maimônides se faz incontornável ao se tratar dos 
desdobramentos da obra aristotélica na cultura judaica. Nascido em uma região onde 
a cultura hebraica se mesclava com a cultura islâmica, na cidade de Córdoba, atual 
Espanha, o filósofo judeu pode desenvolver suas teorias à luz das obras de Al-Farabi, 
Avicena e Averróis, às três figuras máximas do pensamento aristotélico no mundo 
islâmico (GILSON, 2001). Trata-se, portanto, de um dos mais importantes pensadores 
medievais, autor de obras que influenciaram profundamente os autores latinos da 
escolástica cristã, sendo, ainda, atualmente muito lido entre intelectuais de judeus e 
cristãos. Sua obra mais conhecida e famosa é o Guia dos perplexos, onde são 
tratados muitos temas, dentre eles: a função do profeta e do filósofo, como também 
da questão do mal, bem como discussões éticas e teológicas. 
Seu mestre foi o filósofo Abacar Maomé ibne (Avempace), um filósofo originário 
da Saragoça, Espanha, conhecido por ser estudioso da obra aristotélica; 
principalmente no que compete aos tratados sobre a alma, o intelecto e o pensamento 
 
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ético. Avempace teve também como referência a obra do filósofo Al-Farabi, que, como 
vimos, se orientava segundo uma leitura original da obra de Platão (PEREIRA, 2015). 
Ainda que não seja seu objetivo, Leo Strauss, em seu clássico estudo sobre a 
fundamentação da Lei na filosofia, acaba por fornecer um guia para a compreensão 
da filosofia de Maimônides. Ele carateriza a posição do filósofo judeu, como um 
pensamento medieval das luzes em matéria de religião. Todavia, como observa

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