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Maria Luiza Sena – Med XIV FASA O RGE (retorno do conteúdo gástrico para o esôfago) é um processo fisiológico normal que ocorre várias vezes por dia em todas as pessoas saudáveis, independente da idade. Normalmente, não causa incômodo ou repercussão nos hábitos de sono. No lactente (> 1 ano), é muito frequente, o RGE fisiológico acompanhar-se de regurgitações ou “golfadas” que não se associam a redução no ganho de peso ou outras manifestações clínicas. ❖ Trata-se de um distúrbio funcional gastrintestinal transitório e dependente da imaturidade funcional do aparelho digestivo no 1º ano de vida. ❖ Afeta até 60% de todos os lactentes e inicia-se antes de 8 semanas de vida -> essas regurgitações aumentam em número e volume entre 2-4 meses e diminuem progressivamente com o aumento da idade. ! Considera-se RGE -> regurgitações > 2x/dia por 3 semanas ou mais. FISIOPATOLOGIA É multifatorial e envolve vários mecanismos intrínsecos ou não. Fatores que possam prejudicar a competência dos mecanismos anti- RGE favorecem a ocorrência de relaxamentos transitórios do EEI, sendo que o aumento do número dos mesmos, predispõe ao RGE. O EEI está completamente formado aos 2 meses de vida, sendo menor que no adulto -> a extensão do EEI é de aproximadamente 1cm nos > 3 meses, atinge 1,6cm com 1 ano e cerca de 4cm na idade adulta. O relaxamento transitório do EEI ocorre fisiologicamente após uma deglutição, sendo um reflexo normal após distensão estomacal, através de estímulos vagais. Alterações em vários mecanismos anti- RGE permitem que os episódios de RGE causem a DRGE, entre os quais: ❖ Depuração insuficiente. ❖ Tamponamento do ácido pela salivação. ❖ Esvaziamento gástrico retardado. ❖ Anormalidades na cicatrização epitelial do esôfago. ❖ Diminuição dos reflexos neurais de proteção do TGI e sistema respiratório. O sono, pela redução de salivação, do tônus do EEI e deglutição, bem como a postura deitada nas crianças pequenas podem ser fatores agravantes que aumentam igualmente o número dos relaxamentos transitórios do EEI. O ângulo de His, uma angulação formada entre o esôfago abdominal e o fundo gástrico, é menos agudo em RN do que em adultos, o que favorece o RGE em neonatos -> é mais obtuso nas crianças, impedindo o refluxo. A DRGE pode ser classificada em: ❖ Primária -> quando existe disfunção no nível esofagogástrico. ❖ Secundária -> quando existem causas subjacentes que predispõem ao RGE (infecções, distúrbios metabólicos, malformações congênitas, obstruções duodenogástricas, lesões do SNC, alergia à proteína do leite de vaca, etc). ❖ Oculto -> não vomita, mas tem sintomas secundários (pneumonia de repetição, cárie, apneia). ! Vômito (processo ativo) x Regurgitação (passivo -> extravasamento do conteúdo). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS RGE NO LACTENTE (FISIOLÓGICO) “Regurgitador feliz” -> ocorre especialmente nos primeiros meses de vida, e em geral finda antes do final do 1º ano. Em geral, não são acompanhadas de ingestão insuficiente, portanto não determinam desaceleração de ganho ponderal. Podem ser acompanhadas de algum grau de desconforto até eructação, entretanto, não determinam índices de choro elevados. ❖ Para esse tipo de apresentação clínica, os lactentes com regurgitação não necessitam de investigação complementar. ! Pesquisa de anormalidades anatômicas no TGI superior, como obstrução gástrica ou má-rotação, deve ser considerada quando as regurgitações são acompanhadas de vômitos desde o início do período neonatal ou persistem após 1º ano de vida, ou quando há associação com vômitos biliosos. A regurgitação do lactente desaparece espontaneamente -> isso deve ser passado como uma orientação aos pais. Essa regurgitação pode estar associada à cólica (choro por tempo excessivo). DRGE NO LACTENTE Os principais sintomas gastrintestinais são: ❖ Regurgitações frequentes, acompanhadas de vômitos. REFLUXO GASTROESOFÁGICO NA CRIANÇA Maria Luiza Sena – Med XIV FASA ❖ Recusa da alimentação. ❖ Irritabilidade. ❖ Baixo ganho ponderal. Além disso, há sintomas disfágicos e alterações de sono. O diagnóstico diferencial entre regurgitação do lactente e DRGE muitas vezes não é fácil, principalmente no lactente com choro intenso como principal sintoma associado ou irritabilidade ou sono intranquilo. ❖ Nestas situações, quando ainda é mantida, boa aceitação alimentar e ganho ponderal adequado, o diagnóstico pende para o RGE fisiológico. O acompanhamento da evolução após as orientações é essencial. DRGE NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Os principais sintomas já são mais facilmente identificados pela verbalização das crianças maiores -> dor abdominal epigástrica, azia e prose retroesternal. Pode haver sintomas acompanhantes, como náuseas e sensação de plenitude pós-prandial. Podem ocorrer também manifestações extra esofágicas. ! Não devem ser esquecidas as manifestações respiratórias e otorrinolaringológicas. Sinais de alarme: ❖ Vômitos biliosos. ❖ Sangramento gastrintestinal. ❖ Febre. ❖ Vômito. ❖ Diarreia. ❖ Abome distendido. DIAGNÓSTICO O critério de Roma IV apresenta as seguintes recomendações para o diagnóstico da regurgitação do lactente -> ocorrência obrigatória das duas características seguintes em um lactente saudável com idade entre 3 semanas-12 meses: ❖ 2 ou mais episódios diários de regurgitação por pelo menos 3 semanas. ❖ Ausência de náuseas, hematêmese, aspiração, apneia, déficit de ganho ponderal, dificuldade para alimentação/deglutição, postura anormal. História clínica cuidadosa, avaliação do estado nutricional e exame físico constituem os dados mais importantes para caracterizar o refluxo gastroesofágico. O pediatra deve estar atento aos sinais de alerta que indicam a DRGE. ❖ Uma história de curta duração, sintomas clínicos mais expressivos e ausência de comprometimento do estado nutricional podem sugerir DRGE não complicada. RADIOGRAFIA CONTRASTADA DE ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO (RxEED) Baixo custo e fácil execução, mas não apresenta boa sensibilidade e especificidade para diagnóstico da DRGE -> avalia apenas o RGE pós- prandial imediato, não tendo capacidade de quantificar o RGE nem de estabelecer se existe ou não DRGE. A curta duração do exame produz resultados falsos negativos e a ocorrência frequente de refluxo não patológico, de falsos positivos. Portanto, seu uso de rotina para diagnosticar DRGE não está justificado. Sua principal função é a avaliação anatômica do TGI alto. Deve ser solicitado para confirmar/excluir alterações anatômicas, congênitas ou adquiridas, como: ❖ Estenose esofágica. ❖ Hérnia hiatal. ❖ Aclásia. ❖ Má rotação intestinal. ❖ Estenose de piloro. CINTILOGRAFIA GASTROESOFÁGICA Permite identificar RGE mesmo após dieta com pH neutro, habitualmente utilizada em lactentes. Maria Luiza Sena – Med XIV FASA Possibilita o estudo do esvaziamento gástrico e a detecção de aspiração pulmonar. Porém, apresenta baixa sensibilidade para o estudo do RGE pós-prandial tardio. US ESOFÁGICA Não é recomendado para avaliação clínica de DRGE no lactente nem na criança maior. Tem um papel importante no diagnóstico diferencial com a estenose hipertrófica de piloro. A US pode avaliar o esôfago intra-abdominal e detectar os movimentos fluidos através do EEI, assim como detectar hérnia de hiato e a magnitude do ângulo de His. pHmetria ESOFÁGICA A grande vantagem deste método diagnóstico é avaliar o paciente em condições mais fisiológicas por longos períodos. Não é sensível aos episódios de refluxo não ácidos ou fracamente ácidos. ❖ Deve ser realizada apenas nas situações em que proporciona alterações no diagnóstico, no tratamento ou no prognóstico do paciente. Indicações da pesquisa de RGE por pHmetria: ❖ Avaliação de sintomas atípicos. ❖Presença de sintomas extradigestivos da DRGE. ❖ Pesquisa de RGE oculto. ❖ Avaliação da resposta ao tratamento clínico em pacientes portadores de esôfago de Barret. ❖ DRGE de difícil controle. Em resumo, a pHmetria é útil para diferenciar o RGE da DRGE, bem como para correlacionar os episódios de refluxo ácido com os sintomas, especialmente os extradigestivos (tosse, dor torácica), selecionando, dessa forma, os pacientes que vão se beneficiar do tratamento para a DRGE. IMPEDANCIOMETRIA INTRALUMINAL Detecta o movimento retrógrado de fluidos, sólidos e de ar no esôfago, para qualquer nível, em qualquer quantidade, independentemente do pH, pois mede as alterações de resistência elétrica e é realizado com múltiplos canais. O princípio básico da impedanciometria intraluminal é a gravação das alterações da impedância elétrica do lúmen, ocasionadas pela passagem de um bolo, independentemente de suas características físicas ou químicas. ❖ A vantagem principal sobre a pHmetria é detectar também os refluxos não ácidos. MANOMETRIA ESOFÁGICA Avalia a motilidade do esôfago, estando indicada naqueles pacientes que apresentam quadro sugestivo de dismotilidade esofágica, cujos principais sintomas são disfagia e odinofagia. Pode ser útil em pacientes que não responderam à supressão ácida e que tem EDA normal, no sentido de buscar um possível distúrbio de motilidade. Pode ser utilizada ainda para localizar o EEI. ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA COM BIÓPSIA Permite a avaliação macroscópica da mucosa esofágica e a coleta de material para estudo histopatológico. Logo, possibilita o diagnóstico das complicações esofágicas da DRGE. Apresenta também papel fundamental no diagnóstico diferencial com outras doenças pépticas e não pépticas, como a esofagite eosinofílica, a úlcera duodenal e a gastroenteropatia eosinofílica, capazes de produzir sintomas semelhantes aos da DRGE. TRATAMENTO REGURGITAÇÃO NO LACTENTE Orientação e apoio aos familiares são os princípios fundamentais do tratamento. A compreensão pelos pais de que se trata de uma manifestação transitória inócua pode aumentar a segurança e reduzir a tensão e estresse e melhorar a interação com o lactente. ! Os pais devem ser orientados de que não se faz necessário intervenção medicamentosa para o controle dos sinais e sintomas. Orientação postural -> o lactente deve ser mantido em posição vertical de 20-30min após a mamada, o que facilita a eructação e o esvaziamento gástrico, diminuindo os eventos de regurgitação. ❖ Sono -> o lactente deve permanecer em decúbito supino dorsal, com a elevação da cabeceira entre 30-40 graus. Para os lactentes em aleitamento materno, mantém-se as mamadas por livre demanda, corrigindo apenas erros técnicos de amamentação, que incluem tempo muito prolongado de sucção não nutritiva. DRGE NO LACTENTE O emprego de antiácidos ou procinéticos deve ser reservado para as situações mais graves após avaliação criteriosa. Nos lactentes com DRGE que recebem fórmulas à base de leite de vaca e que muitos dos quais, não responderam ao uso de fórmulas AR, recomenda-se a exclusão das proteínas do leite de vaca e introdução ou de fórmulas extensamente hidrolisadas da proteína ou fórmula à base de aminoácidos. O tratamento farmacológico deve ser reservado aos pacientes com DRGE nos quais os sintomas são mais graves e com dados de dificuldade alimentar, desaceleração do ganho ponderal e/ou com comprovação de esofagite no exame endoscópico, incluindo dados de biópsia – IBP. ❖ Procinéticos e Antiácidos. ❖ Metoclopramida/Bromoprida. ❖ Domperidona.
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