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Profª Drª Amanda Franco Fevereiro, 2020 CENÁRIO EPIDEMIOLÓGICO DO GRUPO MATERNO- INFANTIL: PERFIL E DETERMINANTES Sumário da Apresentação • Epidemiologia: revisitando conceitos; • O público materno-infantil; • Epidemiologia do grupo materno-infantil; • Cuidado da Mulher da Criança: Políticas Públicas; • Considerações finais. O QUE É A EPIDEMIOLOGIA ❖É o campo da ciência que estuda a distribuição dos respectivos determinantes de estados ou eventos relacionados à saúde em populações específicas e sua aplicação na prevenção e no controle dos problemas de saúde. ❖ O estudo da distribuição e dos determinantes de estados ou eventos relacionados à saúde em populações específicas, e sua aplicação na prevenção e controle dos problemas de saúde (Last JM: A Dictionary of Epidemiology, 4th ed. New York, Oxford University Press, 2000) ❖ É a ciência que estuda os padrões da ocorrência de doenças em populações humanas e os fatores determinantes destes padrões (Lilienfeld, 1980) OBJETO DA EPIDEMIOLOGIA QUALQUER dano, agravo ou evento relacionado à saúde estudado em termos populacionais (por exemplo: hábito de fumar, peso ao nascer, violência urbana, consumo de drogas, etc) PREMISSAS DA EPIDEMIOLOGIA • Os agravos à saúde da população não ocorrem por ACASO. • A distribuição desigual dos agravos à saúde → ação de fatores que se distribuem desigualmente na população. • O conhecimento dos fatores determinantes das doenças permite a aplicação de medidas preventivas e curativas. ALVO DA EPIDEMIOLOGIA • O alvo de um estudo epidemiológico é sempre uma população humana, que pode ser definida em termos geográficos. • Em geral, a população utilizada em um estudo epidemiológico é aquela localizada em uma determinada área ou país em um certo momento do tempo. PESSOA, LUGAR E TEMPO Exemplos de características pessoais que interessam aos epidemiologistas: Demográficas: idade, gênero, raça, grupo étnico; Biológicas: níveis de anticorpos, substâncias químicas e enzimas no sangue; constituintes celulares do sangue; níveis de pressão Fatores sociais e econômicos: status socioeconômico, nível educacional, ocupação Genéticas: grupos sanguíneos APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA 1 – Informação sobre a situação de saúde da população: Determinação das frequências Estudo da distribuição dos eventos e diagnóstico dos principais problemas de saúde Identificação dos segmentos da população afetados por esses problemas 2 – Investigação dos fatores que influenciam a situação de saúde - Estudo dos determinantes do aparecimento e da manutenção dos danos à saúde na população 3 – Avaliação do impacto das ações propostas: - Determinação da utilidade e da segurança das ações, dos programas e dos serviços de saúde VAMOS OLHAR PARA OS DADOS DA MULHER E DA CRIANÇA E SEUS ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS? O Público materno-infantil e Mulheres em idade reprodutiva (mulheres entre 19 e 49 anos) Gestantes, nutrizes ou lactantes Lactentes (crianças de 0 a 1 ano 11 meses e 29 dias) Pré-escolares (crianças de 2 a 6 anos, 11meses e 29 dias) Escolares (crianças de 7 anos a 9 anos 11 meses e 29 dias) Adolescentes (jovens de 10 a 19 anos 11 meses e 29 dias) Grupo de reconhecida vulnerabilidade biológica, sobretudo a mulher e a criança. A Mulher no Brasil As mulheres representam 51,6% da população brasileira (IBGE, 2017) e são as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Os motivos para utilizarem esses serviços de saúde são vários, tanto para o seu próprio atendimento, quanto para acompanharem crianças, familiares, pessoas idosas, com deficiência, vizinhos e amigos. Outra característica marcante nas mulheres é que elas são também cuidadoras, e isso se estende não só às crianças ou familiares, mas, também, às pessoas da vizinhança e da comunidade. IBGE, 2018 A Mulher no Brasil A Saúde da Mulher no Brasil ❖ Encontram-se na literatura vários conceitos sobre saúde da mulher: ❖ Há concepções mais restritas que abordam apenas aspectos da biologia e anatomia do corpo feminino. O corpo da mulher é visto apenas na sua função reprodutiva e a maternidade torna-se seu principal atributo. A saúde da mulher limita-se à saúde materna ou à ausência de enfermidade associada ao processo de reprodução biológica. Nesse caso estão excluídos os direitos sexuais e as questões de gênero (BRASIL,2004) ❖ Outras mais amplas que interagem com dimensões dos direitos humanos e questões relacionadas à cidadania. ❖ Brasil: heterogeneidade, seja em relação às condições socioeconômicas e culturais, seja em relação ao acesso às ações e serviços de saúde. ❖ Perfil epidemiológico da população feminina: diferenças importantes de uma região a outra do País. ❖ As estatísticas sobre mortalidade são bastante utilizadas para a análise das condições de saúde das populações. ❖ É importante considerar o fato de que determinados problemas afetam de maneira distinta homens e mulheres. ❖ No Brasil, as principais causas de morte da mulher em idade fértil são: as neoplasias, principalmente o câncer de mama, de pulmão e o de colo do útero; as doenças cardiovasculares, destacando-se o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral; e as causas externas (BRASIL, 2016). A saúde da mulher no Brasil A fecundidade, no Brasil, vem decrescendo Saúde reprodutiva no Brasil Saúde reprodutiva no Brasil ❖ Entre 1991 e 2000, a queda da fecundidade acentuou-se entre as mulheres mais pobres e menos escolarizadas, negras e residentes nas áreas rurais e nas regiões Norte e Nordeste. ❖ Censo de 2010: declínio da fecundidade entre mulheres de 15 a 19 anos. ❖ Possíveis causas: postergação da reprodução, ao contrário do que vinha se observando na década anterior, concomitantemente ao aumento significativo da escolaridade feminina. Gestação, parto e nascimento no Brasil: Dados da pesquisa “Nascer no Brasil” ❖ Sífilis congênita: dados de quase 24.000 puérperas da pesquisa “Nascer no Brasil”, em 2011-12, mostraram que a sífilis congênita persiste como problema de saúde pública. A incidência foi estimada em 3,51/1000 NV, com taxa de transmissão vertical de 34,3% . ❖ Na atenção ao parto, o nosso país acompanha a tendência mundial da hospitalização, com 98,5% das mulheres tendo seus filhos em uma instituição de saúde no ano de 2015. Gestação, parto e nascimento no Brasil: Dados da pesquisa “Nascer no Brasil” ❖ Nascimento por meio de uma cesariana ocorreu em 55% das gestantes, havendo um crescimento continuado dessa cirurgia entre 1987 e 2014, com excesso até nos grupos de menor quinto de riqueza. ❖ As usuárias da saúde suplementar no Brasil tiveram taxa de cesariana de 87%. ❖ A prematuridade no País alcança o valor de 11,1% sem diferença entre as regiões geográficas e entre as usuárias do setor público e privado. Essa prevalência é, aproximadamente, o dobro do observado em países europeus. ❖ A mortalidade associada ao ciclo gravídico-puerperal e ao aborto não aparece entre as primeiras causas de óbito nessa faixa etária. No entanto, a gravidade do problema é evidenciada quando se chama atenção para o fato de que a gravidez é um evento relacionado à vivência da sexualidade, portanto não é doença, e que, em 92% dos casos, as mortes maternas são evitáveis (BRASIL, 2016). *Subnotificação de óbitos maternos Saúde materna no Brasil • Mortalidade Materna (MM): bom indicador para avaliar as condições de saúde de uma população. • A partir de análises das condições em que e como morrem as mulheres, pode-se avaliar o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade. Razões de Mortalidade Materna (RMM) Mortalidade materna no Brasil Precárias condições socioeconômicas baixo grau de informação e escolaridade Dinâmicas familiares em que a violência está presente Dificuldades de acesso a serviços de saúde de boa qualidade Mortalidade materna no Brasil ❖ Conceitos: • Morte materna: “a morte de uma mulherdurante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais (OMS, 2016). • Razão de Mortalidade Materna: o número de óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos de mães residentes em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Mortalidade Materna no Brasil • No país, verifica-se importante declínio na RMM entre 1990 e 2000. Com taxa anual de decréscimo de 5,5%, e queda de 143,2 para 81,5 por 1000 Nascidos Vivos (NV). • Na década de 2000, o progresso foi bem mais lento, e a RMM mostrou uma redução inferior a 2% ao ano. • Nos anos posteriores a 2010, há uma suave recuperação da tendência de decréscimo, com taxa anual de declínio de 2,4%, e em 2015, a RMM alcançou o seu valor mínimo, de 59,7 por 1000 NV. • As taxas de MM permanecem com valores muito altos e ainda inaceitáveis, de 3 a 4 vezes maiores do que aquela encontrada no conjunto dos países desenvolvidos ao início da década de 2010. Mortalidade Materna no Brasil Estudos sobre o ambiente alimentar em âmbito local ❖ Tendo em vista as situações de ilegalidade e clandestinidade, a redução da MM por aborto constitui um grande desafio a ser superado. ❖ Em um inquérito nacional realizado em áreas urbanas em 2010, 22% das 2.002 mulheres entrevistadas com idades entre 35–39 anos declararam já ter realizado um aborto induzido. Este inquérito foi repetido em 2016,confirmando a alta ocorrência, especialmente nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. ❖ Abortos inseguros são uma grande causa de morbidade; em 2008, 215.000 hospitalizações do SUS foram realizadas por complicações de abortos, das quais somente 3.230 estavam associadas a abortos legais. ❖ Dentre as mulheres de melhor nível socioeconômico, a alta taxa de cesarianas desnecessárias potencialmente eleva o risco de óbito por hemorragia pós-parto e complicações anestésicas. ❖ As estimativas das razões de mortalidade materna no Brasil são afetadas pelo subregistro de óbitos – especialmente em áreas rurais e pequenas cidades, locais onde a mortalidade tende a ser maior – e pela subnotificação de causas maternas nas mortes registradas. Mortalidade Materna no Brasil SAÚDE INFANTIL ❖Nutrição Infantil: • Houve redução na prevalência de déficit de altura de 37,1% em 1974-75 para 7,1% em 2006-2007. • Redução da desnutrição infantil no Brasil nos últimos 15 anos, bem como da desigualdade de prevalência entre estratos sociais. • Aumento do sobrepeso e obesidade: transição nutricional. • Amamentação: crianças amamentadas aos 12 meses de idade evoluiu de 26% em 1986 para 47% em 2006, permanecendo neste nível até 2013 (45%). Aumentou o aleitamento exclusivo entre menores de 6 meses, o qual era praticamente inexistente em 1986 (5%) e atingiu 37% em 2013. ❖ Conceitos: • Mortalidade em menores de 5 anos (ou mortalidade na infância): estima o risco de morte dos nascidos vivos durante os 5 primeiros anos de vida. Mortalidade infantil no Brasil Expressa o desenvolvimento socioeconômico e a infraestrutura ambiental precários, que condicionam a desnutrição infantil e as infecções a ela associadas. O acesso e a qualidade dos recursos disponíveis para atenção à saúde materno-infantil são também determinantes da mortalidade nesse grupo etário. • Mortalidade infantil (menos de 1 ano): neonatal precoce (zero a 6 dias de vida), neonatal tardio (7 a 27 dias), pós-neonatal (28 a 364 dias). Mortalidade na infância no Brasil Sarampo: não havia registro de óbito infantil desde 1999 Tétano neonatal: apenas um óbito em 2015 (141 em 1990). * 2018 (novos casos) E como esses dados epidemiológicos evolutivos se relacionam com o cuidado da mulher e da criança e seu acompanhamento? Impacto das Políticas Públicas x Perfil Epidemiológico A formulação de políticas intersetoriais precisam se ater e se preocupar com os impactos sobre a saúde e redução das desigualdades sociais (desafiador). Existem exemplos de políticas públicas que, embora não tenham sido elaboradas sob essa óptica, produzem resultados que impactam positivamente o perfil epidemiológico exatamente porque são capazes de modificar alguns dos determinantes sociais importantes na produção de problemas de saúde específicos ou não. A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas ❖ As ações voltadas à saúde das crianças no Brasil remontam ao início do século XX. • 1973: Programa Nacional De Imunização (PNI), primeiro marco em programas de saúde, que teve mais tarde grande impacto sobre a saúde infantil. • 1983: Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) -considerado um programa de referência ao superar a perspectiva materno-infantil, e tratar a mulher para além da sua especificidade reprodutiva. Ao situar o planejamento familiar como direito de cidadania e à saúde A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas • 1985: Programa de Atenção Integral à Saúde da Criança – (PAISC) visando o crescimento e o desenvolvimento destas crianças, promovendo atenção a saúde do recém nascido, da criança e do adolescente, com a promoção ao aleitamento materno, com a prevenção de violência infantil e com o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil. • 1988: Sistema Único de Saúde (SUS): ampliação do acesso aos serviços de saúde, promoção de saúde. (*vigilância epidemiológica) A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas • 1990: Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) - tem como primeiro objetivo o de “reduzir a morbimortalidade infantil ao diminuir a incidência de doenças infecciosas. A IHAC e outras ações da Política Nacional de Aleitamento Materno levariam o Brasil, em 2016, a ser reconhecido, por seus avanços nas taxas de aleitamento materno, como referência numa comparação entre cerca de 150 países A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas • 1991: Programa de Agentes Comunitários de Saúde • 1994: Estratégia de Saúde da Família (ESF) A cada 10% de aumento da cobertura da ESF, observou-se redução em 4,6% da mortalidade infantil (MACINKO et al., 2006) Estudos de avaliação da ESF: Municípios com alta cobertura de ESF - redução da mortalidade infantil (principalmente pós-neonatal) e de crianças menores de cinco anos e em especial por algumas causas especificas como diarreias e infecções respiratórias. Interiorização de equipes de saúde da família e a ampliação do acesso aos serviços de Atenção Básica à Saúde A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas • 2000: Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM): redução de 2/3 da mortalidade na infância e de 3/4 a mortalidade materna até o ano de 2015. • 2005: Atenção humanizada ao abortamento e a Lei do acompanhante que passou a garantir às parturientes o direito a acompanhante de sua livre escolha durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no SUS. A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas ❖MM decréscimo lento: torna-se compulsória a notificação do óbito materno, e programas foram dirigidos para a Redução da Mortalidade Materna e Infantil no Nordeste e Amazônia Legal, de modo a reduzir as desigualdades regionais. • 2011: Rede Cegonha - rede de atenção materna, neonatal e infantil, se constituiu como um programa que incorporou todas as ações anteriores, para garantir acesso, acolhimento e resolutividade na atenção ao parto e nascimento, ao crescimento/desenvolvimento da criança até os 24 meses e acesso ao planejamento reprodutivo. • 2013: Programa Mais Médicos. A saúde da mulher e da criança e as políticas públicas • 2015 em diante: Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Criança – PNAISC. Diretrizes Nacionais sobre a realização de Cesarianas e do Parto Normal. Marco Legal da Primeira Infância (Lei Federal nº 13.257) e o lançamento do Programa Criança Feliz. A saúde da mulhere da criança e as políticas públicas ❖ Política para redução da pobreza e desigualdade: • Programas de transferência condicional de renda (PTCR) - Brasil: Programa Bolsa Família (BF) Objetivo: intensificar a redução da pobreza, pela transferência de certa quantia de dinheiro para famílias pobres, condicionada a exigências pré-estabelecidas O BF, entre outros efeitos, contribuiu para estimular o acesso à utilização de alimentos e serviços de saúde, melhorar o estado nutricional e reduzir as taxas de mortalidade das crianças (RASELLA et al., 2013) Sintetizando... ❖Ao longo do anos: • Impacto sobre a saúde de mães e crianças. • Determinantes sociais como a pobreza, a baixa escolaridade, as más condições de moradia e saneamento, e a exclusão social, foram enfrentados através de políticas sociais intersetoriais e da redistribuição da riqueza. • Muitas políticas públicas foram desenvolvidas para a promoção da saúde das mães e crianças após a implantação do SUS como política de Estado. • Cobertura e impacto sobre indicadores de saúde: saldo positivo nas últimas três décadas, em especial quanto à saúde infantil. Sintetizando... ❖ Dados epidemiológicos apresentando um cenário com velhos e novos desafios: • Saúde da mulher: RMM ainda elevadas - ilegalidade do aborto; qualidade da atenção ao parto e a peregrinação de gestantes de um serviço para outro; altíssimas taxas de cesarianas desnecessárias. • Saúde da Criança: prematuridade (atribuída à cesarianas) e a obesidade infantil. E o cenário atual? ❖ Retrocessos políticos nas conquistas sociais colocam em risco não apenas a existência do SUS, mas também a preservação de programas e políticas que enfrentaram, com sucesso, os principais determinantes sociais da saúde. ❖ As consequências dessas mudanças ainda não são relatadas na literatura, mas a possibilidade de um efeito adverso sobre os indicadores de saúde materno-infantil parece real.
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