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Endocardite Infecciosa 1 Endocardite Infecciosa Epidemiologia Definição: A EI afeta todas as estruturas do endocárdio (valvas, estruturas valvares), podendo se alastrar para dispositivos cardíacos elétricos implantáveis (ex.: marcapasso) Perfil epidemiológico: Em países desenvolvidos, a EI é frequentemente associada a cirurgias valvares prévias ou a infecção iatrogênica Em países em desenvolvimento, a doença reumática crônica apresenta maior relevância etiológica 📌 A endocardite infecciosa é subdiagnosticada, o que dificulta a determinação de sua incidência Fatores de risco: Idade > 60 anos: essa tendência se deve à maior incidência de doenças valvares degenerativas, o que aumenta o risco de EI devido à substituição valvar Sexo masculino: a proporção de casos entre os sexos é de 3:2 a 9:1 Uso de drogas injetáveis: responsável por “semear” a circulação com bactérias da flora oral/cutânea e outros contaminantes Infecção dentária: a realização de procedimentos que mobilizem a flora oral pode aumentar o risco de EI Doença valvar O prolapso da valva mitral, quando isolado (sem insuficiência), não promove elevação de risco de EI Prótese valvar ou implante transcatéter (TAVI) Histórico prévio de endocardite infecciosa: pode haver recorrência em 4,5% dos casos Dispositivo intravascular por tempo prolongado Hemodiálise crônica: esses pacientes tendem a apresentar combinações dos fatores acima, além de imunossupressão Implante de dispositivo eletrônico cardíaco: a proliferação de bactérias pode ocorrer tanto no dispositivo quanto na valva Internação hospitalar: a EI nosocomial se inicia 72h a 60 dias após a admissão (em pacientes sem EI anterior) Nesse caso, as etiologias podem apresentar agentes incomuns, como micobactérias não tuberculosas Classificação Endocardite Infecciosa 2 Por evolução clínica: Endocardite aguda: se desenvolve num período de dias a semana, marcada por picos de febre, sinais toxêmicos, taquicardia, fadiga e dano progressivo ao coração A evolução da doença pode apresentar sinais de IC ou de embolia periférica ou central Endocardite subaguda: tem evolução arrastada ao longo de semanas a meses, com sintomas constitucionais menos específicos É a apresentação mais comum! Conforme o local de infecção: Endocardite de valva nativa subaguda: a EVN tem como principais agentes etiológicos os estreptococos do grupo viridans (boca), seguidos por enterococos e estafilococos (pele) A EVN por streptococcus bovis é uma apresentação incomum, progredindo com lesões do TGI, como pólipos intestinais e neoplasias de cólon 📌 O “grupo HACEK” (Haemophilus aphrophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae) tem crescimento lento e hemocultura negativa Endocardite de valva protética: ocorre em 10-30% dos casos, podendo ser precoce (até 1 ano da troca valvar), causada por S. aureus e estafilococos coagulase-negativos, ou tardia (depois desse marco), com a mesma etiologia da EVN Endocardite relacionada a dispositivos: marcada por infecções situadas em parte dos DCEI Pode ser difícil diferenciar esse quadro da infecção na loja do dispositivo (próxima a ele) EI do lado direito: observada em usuários de droga IV, representa 5-10% dos casos de EI, especialmente na valva tricúspide, com o S. aureus sendo o causador mais comum (até 90% dos casos) Há possibilidade de metastização de êmbolos sépticos aos pulmões, formando múltiplos abcessos 📌 Quando afeta as valvas esquerdas, os microrganismos mais encontrados, além do estafilococo, são Pseudomonas, salmonela e E. coli Endocardite Infecciosa 3 Fisiopatologia Endocardite transitória não bacteriana (ETNB): Caracterizada pelo surgimento de lesões endoteliais na superfície endocárdica/valvar, geralmente secundárias a turbilhonamento sanguíneo Há formação de vegetação estéril (microtrombos), que pode ser colonizada por bactérias circulantes O trombo é formado pelo microrganismo agressor (fagocitado), criando um ciclo de lesão ao endotélio Endocardite infecciosa: Se desenvolve em causos de resposta imune insuficiente pelo hospedeiro, promovendo o desenvolvimento de vegetações infectadas Com o passar do tempo, esse “conglomerado” pode se fragmentar e disseminar-se pela circulação (bacteremia e embolia) Quadro Clínico Manifestações gerais: São variáveis, oscilando desde quadro agudo rapidamente progressivo (sinais de IC e destruição valvar) a sintomas inespecíficos (sensação geral de mal estar) A febre (> 38ºC) é o achado mais comum, geralmente associada a calafrios, anorexia e perda de peso Outros sintomas são cefaleia, mialgia, sudorese noturna, dor abdominal, dor pleurítica e dispneia Progressão fisiopatológica da EI Endocardite Infecciosa 4 Os sopros cardíacos são auscultáveis em 85% dos pacientes com EI 📌 ATENÇÃO: febre com ou sem bacteremia + sopro são indícios da ocorrência de EI, especialmente em pacientes com fatores de risco relevantes Fenômenos imunológicos: Nódulos de Osler: formações violáceas subcutâneas dolorosas nas polpas digitais de mãos e pés, além das eminências tenar/hipotenar O diagnóstico precoce e a antibioticoterapia tornam esse achado ainda mais raro Manchas de Roth: lesões hemorrágicas exsudativas e edematosas na retina, com centro pálido, visíveis na fundoscopia Fenômenos embólicos/vasculares: Lesões de Janeway: máculas eritematosas não dolorosas nas palmas e plantas, observadas principalmente na EI aguda Endocardite Infecciosa 5 Hemorragia de Splinter: sangramento em formato de “lascas” no leito ungueal, em disposição longitudinal Hemorragia conjuntival 📌 Apesar de menos frequentes, os fenômenos embólicos e imunológicos são altamente sugestivos para EI Complicações: Podem surgir como sintomas iniciais ou ser secundárias à embolização séptica Complicações cardíacas: Insuficiência cardíaca: mais comum, geralmente causada por insuficiência valvar, causando dispneia Fístula intracardíaca: a comunicação aorta-atrial ou aorta-ventricular se dá pela disseminação da infecção ao miocárdio Abscesso perivalvar: focos de bacteremia persistente (difícil atingir com ATB), podendo gerar BAVs Aneurisma micótico: apresenta-se como AVCI (embólico), AVCH ou meningoencefalite, secundários à oclusão do vasa vasorum (especialmente em áreas de bifurcação) Complicações renais: Glomerulonefrite: causada por mediação imune Infartos e abscessos Êmbolos sépticos: causam infartos em múltiplos órgãos, com destaque para a repercussão esplênica e pulmonar (migração pelas valvas tricúspide e pulmonar) Infecção metastática: resulta em osteomielite vertebral, artrite séptica, infarto eplênico e abcesso do músculo psoas Diagnóstico Critérios modificados de Duke: Endocardite Infecciosa 6 Critérios maiores: Cultura positiva (staph, strep e enterococo), Ecocardiograma (vegetação, abscesso ou deiscência de prótese , Sopro regurgitativo novo Critérios menores: Predisposição, Imunológicos (fenômenos ou ⬆ de FR), Febre, Embólicos, Microrganismos atípicos Lembre dos critérios de Duke ante que CES PIFEM! Exames complementares: A realização de dois exames é fundamental para o fechamento dos critérios de Duke: Hemocultura: devem ser obtidos ao menos 3 conjuntos em locais de punção distintos antes de iniciar ATB Com o início do tratamento, é razoável o monitoramento do clearence bacteriano a cada 48-72h Ecocardiograma: o ECOTT é o primeiro teste diagnóstico na suspeita de EI, com boa sensibilidade e ótima especificidade para o quadro O ECOTE é mais sensível e é melhor para a detecção de complicações e EI em próteses 📌 Para pacientes com prótese valvar implantada > 3 meses e sintomas de EI, porém sem diagnóstico no ECOTE, é indicada avaliação por PET-CT O diagnóstico de EI é descartado na presença de confirmação de quadro alternativo, resolução dos sintomas em < 4 dias de ATB, ausência de evidências patológicas em cirurgia ou autópsia nesse intervalo, ou nonão fechamento de critérios definitivos Endocardite Infecciosa 7 Nos exames laboratoriais, observa-se aumento de marcadores inflamatórios (VHS e PCR), anemia normocítica e normocrômica, e fator reumatoide positivo Outros marcadores imunes, como globulinas, imunocomplexos e proteínas do sistema complemento podem estar alterados A urinálise pode evidenciar hematúria microscópica, proteinúria ou piúria, sendo que a presença de cilindros eritrocitários ajuda a compor os critérios de Duke (glomerulonefrite) Fluxograma de investigação diagnóstica para a EI Endocardite Infecciosa 8 No ECG, há presença de bloqueios ou atrasos na condução (inicia como intervalo PR prolongado), que auxiliam a avaliar a infecção em direção paravalvar Achados sugestivos de infarto indicam a presença de êmbolos na circulação coronariana Outros exames úteis para identificação de embolização séptica são USG de abdome, tomografia e radiografia de tórax 📌 Recomenda-se a realização de colonoscopia (com repetição anual) para investigação de CCR oculto em pacientes positivos para Streptococcus bovis (hoje, gallolyticus) Diagnósticos diferenciais: Febre reumática Tem sintomas similares, porém os critérios diagnósticos (de Jones) consistem em cardite, poliartrite, coreia, eritema marginado, nódulos subcutâneos e evidências de infecção precedente por estreptococos No ECOTT não há sinais de vegetações, mas pode ocorrer ICC Mixoma atrial Sintomas com aspecto cíclico (flutua) A ecocardiografia seguida por exame histológico é o método mais sensível e específico para o diagnóstico Endocardite de Libman-Sacks Ocorre em pacientes com histórico de LES (anticorpo antifosfolípide +) Associa-se a abortos de repetição, trombose venosa ou trombocitopenia Geralmente é assintomática Há neutrófilos e resposta inflamatória, como na EI ETNB Pode causar TVP recorrente, aceleração da aterosclerose, IAM ou AVC Não há bacteremia associada Avaliações complementares secundárias para identificação da porta de entrada do microrganismo Endocardite Infecciosa 9 Tratamento Abordagem empírica: Subagudo (estável): o tratamento deve aguardar o resultado da hemocultura Agudo (instável): graças ao risco de piora e complicações, deve ser iniciada terapia empírica com descalonamento do ATB, se necessário Manejo específico: A antibioticoterapia IV deve ser mantida por períodos prolongados, de 4 a 6 semanas A escolha dos ATB deve ser guiada para o perfil bacteriano na cultura 📌 Todos os pacientes devem colher hemoculturas em 1 a 2 semanas após o tratamento, de forma a assegurar a ausência de bacteremia persistente Em caso de persistência da febre ou novos eventos, recomenda-se repetir a hemocultura e fazer outra investigação para complicações O uso de anticoagulação profilática em pacientes sem indicação prévia NÃO é recomendado (possível aumento do risco de hemorragia) Tratamento cirúrgico: Tem como principal objetivo a reconstrução da anatomia cardíaca, seja com a remoção total do tecido infectado ou o reparo valvar São indicações para a cirurgia na EI: IC descompensada Embolização séptica mesmo em terapia otimizada Endocardite Infecciosa 10 Infecção descontrolada (abscessos, fístulas, vegetação disseminada) EI fúngica Vegetação > 30 mm 📌 A remoção de dispositivos intracardíacos é recomendada para obtenção de melhores resultados terapêuticos O tempo ideal para realização desse procedimento é definido por fatores como a sintomatologia do paciente, grau de complicações e o controle da infecção: Cirurgia de emergência (até 24h) Cirurgia de urgência (em alguns dias) Cirurgia eletiva (após 1-2 semanas de ATB) 📌 Após a intervenção cirúrgica, deve ser feito novo cálculo de duração da ATBterapia, estendendo-a por mais 4-6 semanas Profilaxia Recomendações: Atualmente, de acordo com diretrizes internacionais, considera-se que o impacto da profilaxia a população geral é baixo, não superando os riscos do uso de ATB São considerados procedimentos de alto risco para EI as intervenções odontológicas com perfuração da gengiva No Brasil, devido à má saúde bucal e a elevada prevalência de doenças reumáticas, as indicações são mais amplas, direcionadas também a intervenções do TGI/TGU 📌 Independentemente da diretriz, não há indicação para profilaxia na realização de cirurgias de revascularização, implantação de marcapasso/CDI, colocação de stent, prolapso de mitral sem regurgitação ou CIA isolada Pacientes de alto risco para EI, que também devem ser alvo de profilaxia medicamentosa Endocardite Infecciosa 11 A primeira escolha para a abordagem profilática é a amoxicilina (2 g VO), administrada de 30-60 min antes do procedimento a ser realizado Em pacientes alérgicos, pode ser usada clindamicina, azitrmicina claritromicina ou cefalexina (atenção em quadros graves)
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