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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 1 Toxicologia Clínica SP 3.3: REGISTRO DE REUNIÃO 1) CONCEITUAR INTOXICAÇÃO E INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA; A interação medicamentosa pode aumentar ou diminuir os efeitos de um ou ambos os fármacos. As interações clinicamente significativas são frequentemente previsíveis e, geralmente, indesejáveis. Pode haver efeitos adversos ou falha terapêutica. Raramente, os médicos podem utilizar interações medicamentosas previsíveis com o objetivo de produzirem um efeito terapêutico desejável. Por exemplo, a coadministração de lopinavir e ritonavir a pacientes com infecção pelo HIV altera a biotransformação do lopinavir, aumentando sua concentração sérica e sua eficácia. Na duplicação terapêutica, tomam-se ao mesmo tempo 2 fármacos com propriedades semelhantes e que possuem efeitos aditivos. Por exemplo, a ingestão de benzodiazepínicos para a ansiedade e outro benzodiazepínico para a insônia ao deitar-se pode ter efeito cumulativo, levando à intoxicação. As interações medicamentosas envolvem farmacodinâmica e farmacocinética. Nas interações farmacodinâmicas, um fármaco modifica a sensibilidade ou a resposta dos tecidos a outro fármaco, por ter o mesmo efeito (agonista) ou efeito bloqueador (antagonista). Habitualmente, esses efeitos ocorrem no nível do receptor, mas podem ocorrer no nível intracelular. Nas interações farmacocinéticas, geralmente, um fármaco modifica a absorção, a distribuição, a ligação às proteínas, a biotransformação ou a excreção de outro fármaco. Assim, ocorre a modificação da quantidade e a persistência do fármaco disponível nos locais dos receptores. As interações farmacocinéticas alteram a magnitude e a duração do efeito, porém não o tipo do efeito. Esse tipo de interação é, com frequência, previsível com base no conhecimento dos fármacos individuais ou detectado pelo monitoramento das concentrações dos fármacos ou dos sinais clínicos. A intoxicação é um processo patológico causado por substâncias endógenas ou exógenas, caracterizado por desequilíbrio fisiológico, consequente das alterações bioquímicas no organismo. O processo é evidenciado por sinais e sintomas ou mediante exames laboratoriais, a intoxicação pode ser aguda (Único ou Múltiplos contatos; Dentro de 24h; Efeitos imediato ou até 2 semanas) ou crônica (Exposição prolongada; Doses acumulativas; De 3 meses a anos). Uma das principais fontes de intoxicação no mundo são os medicamentos. Eles constituem a segunda causa de mortalidade relacionada às intoxicações o que gera um grande impacto social e econômico. A maior parte destas intoxicações ocorre em faixas etárias mais jovens (1 a 4 anos) principalmente em a acidentes domésticos. Isto deve-se a diversos fatores, mas os principais seriam a própria fase de desenvolvimento da criança que envolve uma crescente curiosidade, desejo por formas coloridas e chamativas e o fator cultural de se ter em casa diversos medicamentos, seja de tratamentos inacabados ou para casos de emergência/automedicação. Dados de 2017 do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX) também mostram que os medicamentos ocupam a segunda posição (25%) dentre as causas de intoxicação no Brasil, sendo o número de casos seis vezes maior que a terceira maior causa, os agrotóxicos. Desses casos, cerca de 30% são tentativas de suicídio. Cabe frisar que a maior causa de intoxicação advém dos acidentes com animais peçonhentos (36%). 2) DESCREVER O MECANISMO DE AÇÃO FARMACOLÓGICA DOS ANTITÉRMICOS E ANALGÉSICOS (EX: PARACETAMOL); O paracetamol é um dos fármacos mais importantes utilizados no tratamento da dor leve a moderada, quando não há necessidade de efeito anti- inflamatório. A fenacetina, um profármaco que é metabolizado a paracetamol, é mais tóxica e não deve ser usada. O paracetamol é o metabólito ativo da fenacetina, sendo responsável por seu efeito analgésico. Trata-se de um inibidor fraco da COX-1 e da COX-2 nos tecidos periféricos, não possuindo efeito anti-inflamatório significativo. Farmacocinética: O paracetamol é administrado por via oral. As concentrações sanguíneas máximas são geralmente alcançadas em 30 a 60 minutos. O paracetamol liga-se fracamente às proteínas plasmáticas e é metabolizado, em parte, por enzimas microssomais hepáticas ao sulfato e glicuronídeo inativos. Menos de 5% são excretados de modo inalterado. Um metabólito menor, porém altamente reativo (N-acetil-p-benzoquinona), é importante em Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 2 grandes doses, visto que é tóxico tanto para o fígado como para o rim. A meia-vida do paracetamol é de 2 a 3 horas e não é relativamente afetada pela função renal. Com o uso de doses tóxicas ou na presença de doença hepática, pode ocorrer um aumento de duas vezes ou mais na meia-vida. Indicações: Apesar de ser considerado equivalente ao ácido acetilsalicílico como agente analgésico e antipirético, o paracetamol carece de propriedades anti-inflamatórias. Esse fármaco não afeta os níveis de ácido úrico e carece de propriedades inibidoras das plaquetas. Mostra-se útil no alívio da dor de intensidade leve a moderada, como cefaleia, mialgia, dor pós-parto e outras circunstâncias nas quais o ácido acetilsalicílico é um analgésico efetivo. O paracetamol como única medicação constitui um tratamento inadequado para condições inflamatórias, como a AR. Para a obtenção de uma analgesia leve, o paracetamol é o fármaco preferido para pacientes alérgicos ao ácido acetilsalicílico, ou quando os salicilatos são pouco tolerados. Ele é preferível ao ácido acetilsalicílico em pacientes com hemofilia, naqueles com história de úlcera péptica e em indivíduos nos quais o ácido acetilsalicílico desencadeia broncospasmo. Diferentemente do ácido acetilsalicílico, o paracetamol não antagoniza os efeitos dos agentes uricusúricos. Efeitos colaterais: Em doses terapêuticas, pode-se observar, em certas ocasiões, uma discreta elevação reversível das enzimas hepáticas. Com o uso de doses maiores, podem ocorrer tontura, excitação e desorientação. A ingestão de 15 g de paracetamol pode ser fatal, sendo a morte causada por hepatotoxicidade grave, com necrose centrilobular, algumas vezes associada a necrose tubular renal aguda. Dados atuais indicam que o paracetamol até mesmo em uma dose de 4 g está associado a um aumento nas anormalidades das provas de função hepática. Em geral, não se recomenda o uso de doses acima de 4 g/dia, e uma história de alcoolismo contraindica até mesmo essa dose. Os sintomas iniciais de lesão hepática consistem em náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal. Ocorreram casos de lesão renal sem lesão hepática, mesmo após a administração de doses habituais de paracetamol. O tratamento da superdosagem é muito menos satisfatório do que aquele para a superdosagem de ácido acetilsalicílico. Além da terapia de suporte, deve-se fornecer grupos sulfidrílicos na forma de acetilcisteína para neutralizar os metabólitos tóxicos. A anemia hemolítica e a metemoglobinemia constituem efeitos colaterais muito raros. Não foi constatada a ocorrência de nefrite intersticial nem necrose papilar – que constituem complicações graves da fenacetina –, e tampouco ocorreu sangramento GI. É necessário ter cautela em pacientes com qualquer tipo de doença hepática. 4. Dose: A dor aguda e a febre podem ser tratadas efetivamente com 325 a 500 mg, quatro vezes ao dia, com doses proporcionalmente menores para crianças. Na atualidade, recomenda-se que a dose para adultos não ultrapasse 4 g/dia na maioria dos casos. Para manejo de dor leve a moderada e febre, condições prevalentes no atendimento de adultos e crianças, usam-se preferencialmente analgésicos não opioides que incluem paracetamol,ácido acetilsalicílico e ibuprofeno, este como representante dos anti-inflamatórios não esteroides (Aine) por apresentar menor potencial de efeitos adversos. Todos esses fármacos, inclusive os Aine não citados, têm propriedades analgésica e antitérmica, mas as atividades anti-inflamatória e antiplaquetária não são compartilhadas por paracetamol e dipirona. Esta, embora largamente utilizada, é vista com restrição, como será posteriormente explicado. Sua propriedade analgésica é atribuída à inibição de ciclo-oxigenase 2 (COX-2), enzima induzida pela reação inflamatória e responsável pela formação de prostaglandinas. Estas sensibilizam nociceptores – terminações nervosas livres de nervos sensitivos – à presença de outras substâncias algógenas (bradicinina, histamina, serotonina, H+, K+ e ATP), liberadas a partir de estímulos traumáticos ou lesivos. O bloqueio da síntese de prostaglandinas determina analgesia e reduz a resposta inflamatória. A propriedade antitérmica tem sido imputada à inibição de ciclooxigenases no cérebro, levando ao bloqueio de síntese de prostaglandinas no hipotálamo. Tais medicamentos também atuam sobre a enzima ciclo-oxigenase 1 (COX1), a qual é expressa constitutivamente na maioria dos tecidos e é catalisadora da formação de prostaglandinas com funções homeostáticas, tais como proteção de mucosa gástrica, autorregulação de fluxo sanguíneo renal, ativação de agregação plaquetária e regulação de homeostase vascular. A inibição de COX-1, interferindo nessas funções, condiciona algumas das reações adversas desses fármacos, à exceção de paracetamol que não produz dano gastrintestinal ou efeitos cardiorrenais indesejáveis. Isso se explica por paracetamol exercer fraca inibição sobre COX-1 e COX- 2 periféricas, tendo ação basicamente central, o que também ocorre com dipirona. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 3 3) DESCREVER O MECANISMO DE AÇÃO TÓXICO D O PARACETAMOL; Visão geral É um analgésico de ação central e antipirético com propriedades anti-inflamatórias periféricas mínimas; Muito utilizado em crianças e também em medicamentos compostos por associações de analgésicos. Apresentações • Comprimidos: 500mg, 650mg, 750mg; • Solução oral (gotas): 200mg mL; • Sachê: 500mg por unidade; Atenção para apresentações de ação prolongada (ex: Tylenol AP – 650mg/comprimido); Atenção para apresentações com associação de outros medicamentos (Ex: Tylex - Comprimidos de 7,5 mg de fosfato de codeína e 500 mg de paracetamol ou 30 mg de fosfato de codeína e 500 mg de paracetamol). Mecanismo de hepatoproteção da NAC: NAC1 - aumenta a sulfatação. NAC2 - é um precursor da glutationa. NAC3 - é um substituto da glutationa. NAC4 - melhora a função de múltiplos órgãos durante a lesão hepática e possivelmente limita a extensão do dano hepático. Na overdose, as vias de glucuronização e sulfatação tornam-se saturadas e o metabolismo via citocromo P450 (principalmente pela enzima CYP2E1) aumenta. Desta forma aumenta a produção do NAPQI que rapidamente esgota a glutationa celular. Quando cerca de 70% da glutationa está esgotada, o NAPQI liga-se covalentemente com as macromoléculas de proteínas nos hepatócitos, causando alteração de membrana, morte celular e degeneração do fígado. Pode ocorrer dano renal pelo mesmo mecanismo, devido ao metabolismo do CYP renal. Dose tóxica • Adulto: 7,5 g a 10 g; • Crianças: Com menos de 6 anos: 200 mg/Kg; • Crianças com mais de 6 anos: 150 mg/Kg. Farmacocinética → Absorção • Rapidamente absorvido; • Pico de concentração plasmática: 30 a 45 minutos; • Apresentações de liberação prolongada alcançam o pico em 1 a 2 horas. Nestes casos a absorção pode persistir por até 12 horas em doses terapêuticas, e muito mais tempo em overdose. Por isso o nomograma de Rumack-Matthew não pode ser utilizado com preparações de liberação prolongada. → Distribuição • Volume de distribuição: 0,7 a 1,2 L/Kg; • Ligação Proteica: 10 a 25%. → Metabolismo • Hepático. → Eliminação • Renal; • Meia-vida: 1 a 3 horas; pode aumentar para 12 horas na overdose. Hepatotoxicidade induzida por paracetamol O paracetamol é um fármaco antipirético analgésico, bastante seguro em doses terapêuticas (1,2 g/dia para um adulto). Normalmente sofre glicuronidação e sulfatação aos conjugados correspondentes, que juntos compõem 95% do total de metabólitos excretados. A via de conjugação alternativa GSH dependente de P450 dá conta dos 5% restantes. Quando a ingestão de paracetamol excede as doses terapêuticas, as vias de glicuronidação e sulfatação ficam saturadas, e a via dependente de P450 se torna muito importante. Pouca ou nenhuma hepatotoxicidade resulta, contanto que a GSH hepática esteja disponível para conjugação. Contudo, com o tempo, a GSH hepática é gasta mais rápido do que pode ser regenerada, e um metabólito tóxico, reativo, se acumula. Na ausência de nucleófilos intracelulares como GSH, esse metabólito reativo (N- acetilbenzoiminoquinona) não só reage com grupos nucleofílicos de proteínas celulares, resultando em lesão hepatocelular direta, mas também participa na ciclagem redox, gerando assim espécies de O2 reativas (ROS) e consequente estresse oxidativo, que aumenta muito a hepatotoxicidade induzida por paracetamol. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 4 A caracterização química e toxicológica da natureza eletrofílica do metabólito reativo do paracetamol levou ao desenvolvimento de antídotos efetivos – cisteamina e N-acetilcisteína. Tem sido demonstrado que a administração de N-acetilcisteína (o mais seguro dos dois) em 8 a 16 horas após superdosagem de paracetamol protege as vítimas da hepatotoxicidade fulminante e morte. A administração de GSH não é efetiva, porque o medicamento não atravessa de imediato as membranas celulares. Manifestações Clínicas → Fase 1 (até 24 horas): Assintomático ou com sintomas gastrintestinais: anorexia, náusea, vômito; → Fase 2 (24 a 72 horas): Assintomático, mas á apresenta alterações de função hepática (TGO, TGP, INR, TP); → Fase 3 (72 a 96 horas): Necrose hepática: icterícia, náuseas, vômitos, distúrbios de coagulação, IRA, miocardiopatia, encefalopatia, confusão mental, coma e óbito; → Fase 4 (4 dias a 2 sem.): Recuperação hepática com fibrose residual nos pacientes que sobrevivem. 4) DESCREVER O PROCESSO DE BIOTRANSFORMAÇÃO HEPÁTICA (CITOCROMO 450); CYP representa citocromo P450. P450 é uma Fe-heme similar à encontrada nos citocromos de cadeias de transporte de elétrons (“P” denota o pigmento heme, e 450 é o comprimento de onda de luz visível absorvida pelo pigmento). Na CYP2E1, o “2” refere-se à família de gene, o qual compreende isoenzimas com mais de 40% de sequências de aminoácidos identificados, o “E” refere-se à subfamília, um grupo de isoenzimas com mais de 55 a 60% de sequências identificadas, e o “1” refere-se à enzima individual dentro dessa subfamília. Todas as enzimas do citocromo P450 têm dois componentes de proteína catalítica principais: um sistema doador de elétrons que os transfere a partir do NADPH (citocromo P450-redutase) e um citocromo P450. A proteína do citocromo P450 contém os sítios de ligação para o O2 e o substrato (p. ex., etanol) e realiza a reação. As enzimas estão presentes no retículo endoplasmático, que, isolado de células rompidas, forma uma fração de membrana após centrifugação que é formalmente chamada pelos bioquímicos de “microssomos”. Dentro da superfamília de enzimas do citocromo p450, ao menos 10 famílias de genes distintos são encontradas em mamíferos, e essas possuem mais de 100 isoenzimas do citocromo P450 diferentes. Cada isoenzima tem uma classificação distinta de acordo com a relação estrutural comoutras isoenzimas. As enzimas P450 são induzidas por seus mais específicos substratos e por substratos de algumas das outras enzimas do citocromo P450. A especificidade sobreposta na atividade catalítica de enzimas P450 e na suas induções é responsável por várias interações medicamentosas. O fenobarbital, por exemplo, um barbitúrico utilizado há bastante tempo como indutor do sono ou para epilepsia, é convertido em um metabólito inativo por CYP2B1 e CYP2B2 monoxigenases do citocromo P450. Após o tratamento com fenobarbital, a CYP2B2 é aumentada em 50 a 100 vezes. Como a CYP2B2 é induzida, indivíduos que utilizam fenobarbital por um período prolongado desenvolvem uma tolerância medicamentosa, e o medicamento é metabolizado a um composto inativo mais rapidamente. Como consequência, esses indivíduos utilizam doses progressivamente maiores de fenobarbital. Estrutura geral de enzimas do citocromo P450. O O2 liga-se ao Fe-Heme P450 no sítio ativo e é ativado a uma forma reativa para receber elétrons. Os elétrons são doados pela citocromo P450-redutase, que contém um FAD mais um FMN ou um centro Fe-S para facilitar a transferência de elétrons single do NADPH para o O2. As enzimas P450 envolvidas na esteroidogênese têm pouca diferença estrutural. Para CYP2E1, RH é etanol (CH3CH2OH) e ROH é acetaldeído (CH3COH). O Fígado é a Sede Central de Recebimento e Reciclagem para o Corpo O fígado pode executar uma multiplicidade de reações bioquímicas. Isso é necessário devido ao seu papel de monitorar, reciclar, modifi car e distribuir constantemente todos os vários compostos absorvidos vindos do trato digestivo e levados ao fígado. Se qualquer porção de um composto absorvido é potencialmente útil para o organismo, o fígado irá retê- la e convertê-la em substratos que possam ser usados pelas células hepáticas e não-hepáticas. Ao mesmo tempo, o fígado remove muitos compostos tóxicos que são ingeridos ou produzidos no corpo e os destina para excreção na urina e na bile. Como mencionado previamente, o fígado recebe sangue rico em nutrientes da circulação entérica pela veia porta; assim, todos os compostos que entram no sangue vindos do trato digestivo passam através do fígado no seu trajeto para os outros tecidos. A circulação entero-hepática permite ao fígado ter o primeiro acesso aos nutrientes para cumprir funções Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 5 específi cas (como a síntese de proteínas de coagulação do sangue, heme, purinas e pirimidinas) e ter o primeiro acesso a compostos tóxicos ingeridos (como o etanol) e a produtos metabólicos potencialmente perigosos (como o NH4 + produzido pelo metabolismo bacteriano no intestino). Além do suprimento sanguíneo que vem pela veia porta, o fígado recebe sangue rico em oxigênio pela artéria hepática; esse sangue arterial se mistura com aquele vindo pela veia porta nos sinusóides. Esse processo incomum de mistura dá ao fígado acesso a vários metabólitos produzidos na periferia e secretados na circulação periférica, como glicose, alguns aminoácidos particulares, certas proteínas, complexos ferro-transferrina e metabólitos de eliminação, bem como toxinas potenciais produzidas durante o metabolismo de substratos. Como já mencionado, a fenestração das células endoteliais, combinada com as aberturas entre as células, a ausência de membrana basal entre as células endoteliais e os hepatócitos, e a baixa pressão sanguínea portal (que resulta em fluxo sanguíneo lento) contribuem para a troca eficiente de compostos entre o sangue sinusoidal e os hepatócitos, e para a depuração de compostos indesejáveis do sangue. Assim, moléculas grandes destinadas para processamento, como proteínas séricas e quilomícrons remanescentes, podem ser removidas pelo hepatócito, degradadas, e seus componentes podem ser reciclados. Da mesma forma, moléculas recém sintetizadas, como lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL) e proteínas séricas, podem ser facilmente secretadas para o sangue. Além disso, o fígado pode converter todos os aminoácidos constituintes de proteínas em glicose, ácidos graxos e corpos cetônicos. A secreção de VLDL pelo fígado não apenas leva o excesso de calorias ao tecido adiposo para o armazenamento de ácidos graxos na forma de triacilglicerol, como também leva fosfolipídeos e colesterol para os tecidos que necessitam desses compostos para a síntese das membranas da célula, bem como para outras funções. A secreção de glicoproteínas pelo fígado é realizada pela sua capacidade gliconeogenética, seu acesso a uma variedade de açúcares da dieta para formar as cadeias de oligossacarídeos, bem como pelo seu acesso aos aminoácidos da dieta com os quais o fígado sintetiza proteínas. Assim, o fígado tem a capacidade de executar um enorme número de reações biossintéticas. Ele tem recursos bioquímicos para sintetizar uma miríade de compostos a partir de um amplo espectro de precursores. Ao mesmo tempo, ele metaboliza compostos a produtos bioquimicamente úteis. Por outro lado, o fígado tem a habilidade de degradar e excretar aqueles compostos apresentados a ele que não podem ser mais utilizados pelo corpo. Cada uma das células do fígado (hepatócitos; células endoteliais; células de kupffer; células estrelares hepáticas; e pit cells) possui mecanismos especializados de transporte e captação para enzimas, agentes infecciosos, fármacos e outros xenobióticos que especificamente destinam essas substâncias para certos tipos de célula do fígado. Isso é alcançado devido ao fato de esses agentes ligarem-se covalentemente a seus carreadores específicos por ligações biodegradáveis. Esses carreadores, então, determinam o destino particular do fármaco pelo uso de reconhecimento, captação, transporte e rotas de biodegradação celulares específicos. Inativação e Destoxificação de Compostos Xenobióticos e de Metabólitos Os xenobióticos são compostos que não têm nenhum valor nutritivo (não podem ser utilizados pelo corpo para os requerimentos de energia) e são potencialmente tóxicos. Eles estão presentes como componentes naturais dos alimentos ou podem ser introduzidos nesses como aditivos ou por processamento. As drogas farmacológicas e recreacionais também são substâncias xenobióticas. O fígado é o principal local do corpo para a degradação desses compostos. Como muitas dessas substâncias são lipofílicas, elas são oxidadas, hidroxiladas ou hidrolisadas por enzimas nas reações de fase I. Estas reações introduzem ou expõem grupos hidroxila e outros sítios reativos que podem ser utilizados para as reações de conjugação (as reações de fase II). As reações de conjugação adicionam à molécula um grupo carregado negativamente, como glicina ou sulfato. Os compostos xenobióticos são transformados por várias rotas diferentes. As rotas de conjugação e inativação são similares àquelas usadas pelo fígado para a inativação de seus próprios produtos metabólicos de eliminação. Essas rotas estão intimamente relacionadas às cascatas biossintéticas que existem no fígado. O fígado pode sintetizar os precursores que são requeridos para as reações de conjugação e inativação a partir de outros compostos. Por exemplo, a sulfatação é utilizada pelo fígado para retirar da circulação hormônios esteróides. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 6 O sulfato utilizado para esse propósito pode ser obtido a partir da degradação de cisteína ou metionina. O fígado, o rim e o intestino são os principais locais do corpo para a biotransformação de compostos xenobióticos. Muitos desses compostos contêm anéis aromáticos (como o benzopireno na fumaça do tabaco) ou estruturas de anel heterocíclico (como os anéis nitrogenados da nicotina ou da piridoxina), os quais os sereshumanos são incapazes de degradar ou reciclar em compostos utilizáveis. Essas estruturas são hidrofóbicas, o que provoca a retenção dessas moléculas no tecido adiposo a menos que sejam seqüestradas pelo fígado, rim ou intestino para as reações de biotransformação. Entretanto, algumas vezes, o efeito é contrário ao desejado, e as reações de fase I e II convertem moléculas hidrofóbicas inofensivas em toxinas ou produtos carcinógenos potentes. Citocromo p450 e metabolismo xenobiótico A toxificação/destoxificação de xenobióticos é obtida por meio da atividade de um grupo de enzimas com um amplo espectro de atividade biológica. Da extensa variedade de enzimas que estão envolvidas no metabolismo xenobiótico, apenas o sistema monoxigenase dependente de citocromo P450 é discutido aqui. As enzimas monoxigenases dependentes de citocromo P450 são determinantes na degradação oxidativa, peroxidativa e redutiva de substâncias exógenas (produtos químicos, carcinógenos e poluentes, etc.) e endógenas (esteróides, prostaglandinas, retinóides, etc.). Os constituintes enzimáticos principais desse sistema são a flavoproteína NA- DPH-citocromo P450-oxirredutase e o citocromo P450. Esse último é o aceptor de elétrons terminal e o sítio de ligação de substrato do complexo oxidase de função mista microssomal, um sistema catalítico muito versátil. Esse sistema recebeu seu nome em 1962, quando Omura e Sato descobriram um pigmento com características espectrais únicas derivado de microssomo hepático de coelhos. Quando reduzido e complexado com monóxido de carbono, ele exibia uma absorbância espectral máxima a 450 nm. O principal papel das enzimas citocromo P450é oxidar substratos e introduzir oxigênio em suas estruturas. Reações similares podem ser realizadas por outras flavina-monoxigenases que não contêm citocromo P450. A família de enzimas citocromo P450 contém pelo menos de 100 a 150 isoenzimas diferentes com no mínimo 40% de sequências homólogas. Essas isoenzimas têm especificidades diferentes, mas sobrepostas. As enzimas de seres humanos em geral são divididas em seis subfamílias maiores, e cada uma delas também é subdividida. Por exemplo, no nome da principal enzima envolvida na oxidação de etanol a acetaldeído, a CYP2E1, o “CYP” (cytochrome P450) denota a família citocromo P450, o “2” denota a subfamília, o “E” denota o etanol, e o “1” denota a isoenzima específica. A isoforma CYP3A4 representa 60% das enzimas CYP450 do fígado e 70% das enzimas de citocromo dos enterócitos da parede do intestino. Ela metaboliza a maioria dos fármacos em seres humanos. Os fármacos específicos são substratos para a CYP3A4. A ingestão concomitante de dois substratos da CYP3A4 poderia potencialmente induzir a competição pelo sítio de ligação, o que, por sua vez, poderia alterar os níveis sanguíneos desses dois agentes. O fármaco com maior afinidade pela enzima seria preferencialmente metabolizado, enquanto o metabolismo (e a degradação) do outro fármaco seria diminuído, e, então, sua concentração sanguínea aumentaria. Além disso, muitas substâncias ou fármacos prejudicam ou inibem a atividade da enzima CYP3A4, prejudicando, assim, a capacidade do corpo para metabolizar um fármaco. Os agentes de diminuição dos níveis de lipídeos conhecidos como estatinas (inibidores da HMG-CoA-redutase) requerem a CYP3A4 para a sua degradação. O tratamento medicamentoso adequado e sua dose levam em consideração a rota degradativa normal do fármaco. Entretanto, o suco de toranja (grapefruit) é um inibidor potente do metabolismo de fármacos mediado por CYP3A4. Evidências sugerem que, se a estatina é tomada regularmente com suco de toranja, seus níveis no sangue podem se elevar até 15 vezes. Esse aumento marcante na sua concentração plasmática poderia aumentar a toxicidade hepática e muscular da estatina em questão, pois os efeitos colaterais das estatinas parecem ser dose-dependentes. Todas as isoenzimas citocromo P450 apresentam certos aspectos em comum: 1. Todas contêm citocromo P450, oxidam o substrato e reduzem o oxigênio. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 7 2. Todas contêm uma subunidade redutase contendo flavina que utiliza NADPH, e não NADH, como substrato. 3. Todas são encontradas no retículo endoplasmático liso e são referidas como enzimas microssomais (p. ex., CYP2E1 também é referida como sistema microssomal de oxidação de etanol [MEOS, do inglês microsomal ethanol oxidazing system]). 4. Todas são ligadas à porção lipídica da membrana, provavelmente na fosfatidilcolina. 5. Todas são induzíveis na presença do seu substrato preferencial e um pouco menos induzíveis pelos substratos de outras isoenzimas P450. 6. Todas geram um composto reativo radical livre como intermediário na reação. Exemplos de reações de destoxificação de citocromo p450 → Cloreto de Vinil A destoxificação do cloreto de vinil fornece um exemplo de destoxificação efetiva por uma isoenzima P450. O cloreto de vinil é usado na síntese de plásticos e pode causar angiossarcoma no fígado de trabalhadores expostos a ele. O cloreto de vinil é ativado em uma reação de fase I a um epóxido reativo por uma isoenzima P450 hepática (CYP2E1), que pode reagir com a guanina no DNA e outras moléculas celulares. Entretanto, ele também pode ser convertido em cloroacetato, conjugado com glutationa reduzida e excretado em uma série de reações de fase II. → Aflatoxina B1 A aflatoxina B1 é um exemplo de composto que pode se tornar mais tóxico por uma reação de citocromo P450 (CYP2A1). Pesquisas atuais sugerem que a aflatoxina B1 ingerida em alimentos contaminados (ela é produzida por um fungo [Aspergillus flavus] que cresce em amendoins estocados em condições de umidade) está diretamente envolvida na hepatocarcinogênese em seres humanos por introduzir uma mutação G > T no gene p53. A aflatoxina é ativada metabolicamente ao seu derivado 8,9-epóxido por duas isoenzimas de citocromo P450 diferentes. O epóxido modifica o DNA por formar adutos covalentes com resíduos de guanina. Além disso, o epóxido pode combinar-se com resíduos de lisina no interior de proteínas e, assim, também ser uma hepatotoxina. → Acetaminofen O acetaminofen (paracetamol) é um exemplo de um xenobiótico que é metabolizado pelo fígado para sua excreção segura; entretanto, pode ser tóxico se ingerido em altas doses. O acetaminofen pode ser glucuronado ou sulfatado para sua excreção segura pelo rim. Entretanto, a enzima citocromo P450 produz o intermediário tóxico N-acetil-p-benzoquinoneimina (NAPQI) que pode ser excretado de forma segura na urina depois da conjugação com glutationa. A NAPQI é um metabólito perigoso e instável que pode danificar as proteínas celulares e provocar a morte do hepatócito. Sob condições normais, quando o acetaminofen é tomado nas quantidades terapêuticas corretas, menos de 10% do fármaco forma NAPQI, uma quantidade que pode ser prontamente manipulada pelo sistema de destoxificação da glutationa (reações de fase II). Entretanto, quando ele é ingerido em doses potencialmente tóxicas, a capacidade dos sistemas da sulfotransferase e da glucuroniltransferase é ultrapassada, e mais acetaminofen é metabolizado pela rota da NAPQI. Quando isso ocorre, os níveis de glutationa no hepatócito são insuficientes para destoxificar a NAPQI, o que pode resultar na morte do hepatócito. A enzima que produz NAPQI, a CYP2E1, é induzida por álcool. Assim, os indivíduos que abusam cronicamente de álcool têm uma sensibilidade aumentada à toxicidade do acetaminofen devido ao fato de uma maior porcentagem do metabolismo do acetaminofen ser direcionada para a NAPQI, comparada com indivíduos com baixos níveis de CYP2E1. Portanto, mesmo doses terapêuticas recomendadasde Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 8 acetaminofen podem ser tóxicas nesses indivíduos. Um tratamento efetivo para a intoxicação por acetaminofen envolve o uso de N-acetilcisteína. Esse composto fornece cisteína como precursora para o aumento da produção de glutationa, o que, por sua vez, aumenta as reações de fase II que reduzem os níveis do intermediário tóxico. Obs.: O consumo crônico de etanol aumenta os níveis hepáticos de CYP2E1 cerca de 5 a 10 vezes e causa, também, um aumento de duas a quatro vezes em algumas das outras P450 da mesma família, de diferentes subfamílias e até mesmo de diferentes famílias de genes. O retículo endoplasmático sofre proliferação, com um aumento geral no conteúdo das enzimas microssomais, incluindo aquelas que não são diretamente envolvidas no metabolismo do etanol. O aumento na CYP2E1 com o consumo de etanol ocorre por meio de regulação de transcrição, pós-transcrição e pós-translação. Níveis aumentados de mRNA, resultantes da indução de transcrição do gene ou estabilização da mensagem, são encontrados em pacientes que consomem álcool com frequência. A proteína é também estabilizada contra degradação. Acredita-se que os sistemas de biotransformação de fármacos tenham evoluído a partir da necessidade de destoxificar e eliminar bioprodutos e toxinas vegetais e bacterianas, o que mais tarde se estendeu a fármacos e outros xenobióticos ambientais. A excreção renal desempenha uma função central no fim da atividade biológica de alguns fármacos, sobretudo daqueles que têm volumes moleculares pequenos ou que possuem características polares, como grupos funcionais completamente ionizados em pH fisiológico. Contudo, muitos fármacos não possuem essas propriedades físico-químicas. As moléculas orgânicas farmacologicamente ativas tendem a ser lipofílicas e permanecem não ionizadas, ou só parcialmente ionizadas, em pH fisiológico; e são reabsorvidas de imediato do filtrado glomerular no néfron. Com frequência, certos compostos lipofílicos são bastante ligados a proteínas plasmáticas e podem não ser prontamente filtrados no glomérulo. Em consequência, a maioria dos fármacos teria uma duração de ação prolongada se o fim de sua ação dependesse apenas da excreção renal. Um processo alternativo que pode levar ao término ou à alteração da atividade biológica é o metabolismo. Em geral, os xenobióticos lipofílicos são transformados em produtos mais polares e, portanto, excretados mais prontamente. A função que o metabolismo desempenha na inativação de fármacos lipossolúveis pode ser determinante. Por exemplo, barbitúricos lipofílicos, como tiopental e fenobarbital, teriam meias-vidas bastante longas, se não fosse por sua conversão metabólica a compostos mais hidrossolúveis. Os produtos metabólicos com frequência têm atividade farmacodinâmica menor do que o fármaco- mãe e, por vezes, são até inativos. Entretanto, alguns produtos de biotransformação têm propriedades tóxicas ou atividade aumentadas. É digno de nota que a síntese de substratos endógenos, como hormônios esteroides, colesterol, congêneres ativos da vitamina D e ácidos biliares, envolve muitas vias catalisadas por enzimas associadas ao metabolismo de xenobióticos. Por fim, enzimas metabolizadoras de fármacos têm sido exploradas no desenho de profármacos farmacologicamente inativos, convertidos em moléculas ativas no corpo. O papel da biotransformação na disposição de fármacos A maioria das biotransformações metabólicas ocorre em algum ponto entre a absorção do fármaco na circulação geral e sua eliminação renal. Poucas transformações ocorrem no lúmen ou na parede intestinal. Em geral, todas essas reações podem ser alocadas a uma de duas categorias principais chamadas de reações de fase I e fase II. As reações de fase I geralmente convertem o fármaco-mãe a um metabólito mais polar pela introdução ou pelo desmascaramento de um grupo funcional (–OH, –NH2, –SH). Com frequência esses metabólitos são inativos, embora, em alguns exemplos, a atividade seja apenas modificada ou até ampliada. Caso sejam polares o suficiente, os metabólitos de fase I podem ser excretados de imediato. Entretanto, muitos produtos de fase I não são eliminados rapidamente e sofrem uma reação subsequente na qual um substrato endógeno, como ácido glicurônico, ácido sulfúrico, ácido acético ou um aminoácido, combina-se com o grupo funcional recém-incorporado para formar um conjugado bastante polar. Essa conjugação ou reações sintéticas são os marcos do metabolismo de fase II. Uma grande variedade de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 9 fármacos sofre essas reações sequenciais de biotransformação, embora, em alguns casos, o fármaco- -mãe já possua um grupo funcional capaz de formar um conjugado diretamente. Sabe-se, por exemplo, que a metade hidrazida da isoniazida forma um N-acetil conjugado em uma reação de fase II. Esse conjugado é, então, um substrato para uma reação de fase I, ou seja, hidrólise a ácido nicotínico. Assim, é possível que reações de fase II precedam reações de fase I. Onde ocorrem as biotransformações dos fármacos? Embora cada tecido tenha alguma capacidade de metabolizar fármacos, o fígado é o principal órgão para isso. Outros tecidos que exibem atividade considerável compreendem o trato gastrintestinal, os pulmões, a pele, os rins e o cérebro. Depois da administração oral, muitos fármacos (p. ex., isoproterenol, petidina, pentazocina, morfina) são absorvidos intactos no intestino delgado e transportados primeiramente pelo sistema porta ao fígado, onde passam por metabolismo extenso. Esse processo é chamado de efeito de primeira passagem (ver Capítulo 3). Alguns fármacos administrados por via oral (p. ex., clonazepam, clorpromazina, ciclosporina) são metabolizados de forma mais extensa no intestino que no fígado, ao passo que outros (p. ex., midazolam) sofrem metabolismo intestinal significativo (cerca de 50%). Assim, o metabolismo intestinal pode contribuir para o efeito geral de primeira passagem, e os indivíduos com função hepática comprometida talvez dependam de forma crescente desse metabolismo intestinal para eliminação de fármacos. O comprometimento do metabolismo intestinal de certos fármacos (p. ex., felodipino, ciclosporina A) também pode resultar em elevação significante de seus níveis plasmáticos e interações farmacológicas relevantes do ponto de vista clínico (interações fármaco-fármaco, ver adiante). Efeitos de primeira passagem podem limitar tanto a biodisponibilidade de fármacos administrados por via oral (p. ex., lidocaína) que vias de administração alternativas devem ser usadas para se conseguir níveis sanguíneos com efeitos terapêuticos efetivos. Além disso, a parte inferior do intestino abriga microrganismos intestinais capazes de muitas reações de biotransformação. Fármacos podem ser metabolizados pelo ácido gástrico (p. ex., penicilina), por enzimas digestivas (p. ex., polipeptídeos como a insulina) ou por enzimas da parede do intestino (p. ex., catecolaminas simpatomiméticas). Embora a biotransformação de fármacos in vivo possa ocorrer por reações químicas espontâneas não catalisadas, a maioria das transformações é catalisada por enzimas celulares específicas. No nível subcelular, essas enzimas localizam-se no retículo endoplasmático (RE), nas mitocôndrias, no citosol, nos lisossomos, ou mesmo no envelope nuclear ou na membrana plasmática. SISTEMA MICROSSÔMICO DE OXIDASE DE FUNÇÃO MISTA E REAÇÕES DE FASE I Muitas enzimas metabolizadoras de fármacos localizam-se nas membranas do retículo endoplasmático lipofílico do fígado e de outros tecidos. Quando são isoladas por homogeneização e fracionamento da célula, essas membranas lamelarestornam- -se vesículas chamadas de microssomos. Os microssomos retêm a maioria das características morfológicas e funcionais das membranas intactas, inclusive os aspectos de superfície lisa e rugosa do retículo endoplasmático rugoso (salpicado de ribossomos) e liso (sem ribossomos). Enquanto os microssomos rugosos tendem a ser dedicados à síntese de proteínas, os lisos são ricos em enzimas responsáveis pelo metabolismo oxidante de fármacos. Em particular, contêm a importante classe de enzimas conhecidas como oxidases de função mista (MFO) ou monoxigenases. A atividade dessas enzimas requer tanto um agente redutor (fosfato de dinucleotídeo de nicotinamida e adenina [NADPH]) como oxigênio molecular; em uma reação típica, uma molécula de oxigênio é consumida (reduzida) por molécula de substrato, com um átomo de oxigênio aparecendo no produto e o outro na forma de água. Nesse processo de oxidação-redução, duas enzimas microssômicas desempenham um papel-chave. A primeira dessas é uma flavoproteína, a NADPH- citocromo P450 oxidorredutase (POR). Um mol dessa enzima contém um mol de cada mononucleotídeo de flavina (FMN) e dinucleotídeo de flavina adenina (FAD). A segunda enzima microssômica é uma hemoproteína chamada de citocromo P450, que serve como oxidase Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 10 terminal. De fato, a membrana microssômica abriga múltiplas formas dessa hemoproteína, e essa multiplicidade é aumentada pela administração repetida ou exposição a produtos químicos exógenos (ver adiante). O nome citocromo P450 (abreviado como P450 ou CYP) deriva das propriedades espectrais dessa hemoproteína. Em sua forma reduzida (ferrosa), liga-se ao monóxido de carbono para formar um complexo que absorve a luz de forma máxima em 450 nm. A relativa abundância de P450, em comparação com a da redutase no fígado, contribui para fazer da redução do heme do P450 uma etapa limitante de velocidade nas oxidações hepáticas de fármacos. As oxidações microssômicas de fármacos requerem P450, P450-redutase, NADPH e oxigênio molecular. De forma breve, o P450 oxidado (Fe+3) combina-se com um substrato de fármaco para formar um complexo binário (etapa 1). O NADPH doa um elétron à flavoproteína P450-redutase que, por sua vez, reduz o complexo oxidado P450-fármaco (etapa 2). Um segundo elétron é introduzido a partir de NADPH por meio da mesma P450-redutase, que serve para reduzir o oxigênio molecular e formar um complexo oxigênio ativado-P450-substrato (etapa 3). Esse complexo, por sua vez, transfere oxigênio ativado ao substrato do fármaco para formar o produto oxidado (etapa 4). As potentes propriedades oxidantes desse oxigênio ativado permitem a oxidação de um grande número de substratos. A especificidade de substrato é muito baixa nesse complexo enzimático. A alta lipossolubilidade é o único aspecto estrutural comum da ampla variedade de fármacos e produtos químicos não relacionados estruturalmente que servem como substratos nesse sistema. Contudo, em comparação com muitas outras enzimas, inclusive da fase II, as P450 são catalisadores muito lentos, e suas reações de biotransformação de fármacos são vagarosas. ENZIMAS P450 DO FÍGADO HUMANO Conjuntos de genes combinados com análises por imunobloting de preparados microssômicos, assim como o uso de marcadores funcionais relativamente seletivos e inibidores seletivos de P450, têm identificado numerosas isoformas de P450 (CYP: 1A2, 2A6, 2B6, 2C8, 2C9, 2C18, 2C19, 2D6, 2E1, 3A4, 3A5, 4A11 e 7) no fígado humano. Dessas, CYP1A2, CYP2A6, CYP2B6, CYP2C9, CYP2D6, CYP2E1 e CYP3A4 parecem ser as formas mais importantes, responsáveis por cerca de 15%, 4%, 1%, 20%, 5%, 10% e 30%, respectivamente, do conteúdo total de P450 do fígado humano. Juntas, são responsáveis por catalisar a maior parte do metabolismo hepático de fármacos e xenobióticos. É digno de nota que a CYP3A4 sozinha é responsável pelo metabolismo de mais de 50% dos fármacos de prescrição metabolizados pelo fígado. O envolvimento de P450 individuais no metabolismo de um determinado fármaco pode ser triado in vitro por meio de marcadores funcionais seletivos, inibidores químicos seletivos de P450 e anticorpos P450. In vivo, essa triagem pode ser realizada por meio de marcadores não invasivos relativamente seletivos, que incluem testes respiratórios ou análises urinárias de metabólitos específicos, depois da administração de uma sonda de substrato seletiva para P450. → Indução de enzimas Alguns dos substratos de fármacos quimicamente dissimilares do citocromo P450, com a administração repetida, induzem a expressão de P450 pelo aumento da velocidade de sua síntese ou pela redução de sua velocidade de degradação. A indução resulta em metabolismo de substrato acelerado e, em geral, em uma diminuição da ação farmacológica do indutor e, também, de fármacos coadministrados. Contudo, no caso de fármacos transformados em metabólitos reativos, a indução de enzimas pode exacerbar a toxicidade mediada por metabólitos. Vários substratos induzem isoformas de P450, tendo massas moleculares diferentes e exibindo diferentes especificidades de substrato e características imunoquímicas e espectrais. Produtos químicos e poluentes ambientais também são capazes de induzir enzimas P450. A exposição a benzo[a]pireno e outros hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, que estão presentes na fumaça do tabaco, carne assada com carvão e outros produtos orgânicos de pirólise são conhecidos por induzir enzimas CYP1A e alterar as velocidades de metabolismo de fármacos. Outros produtos químicos ambientais que sabidamente induzem P450 específicas incluem as bifenilas policloradas (PCB), que no passado foram muito usadas na indústria como materiais isolantes e plastificadores, e 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 11 (dioxina, TCDD), um subproduto residual da síntese química do desfolhante 2,4,5-T. A síntese aumentada de P450 requer transcrição e translação aumentadas juntamente com aumento da síntese de heme, seu cofator prostético. Um receptor citoplasmático (denominado AhR) de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos [p. ex., benzo(a)pireno, dioxina] já foi identificado. A translocação do complexo indutor- receptor para dentro do núcleo, seguida por dimerização induzida por ligante com Arnt, uma proteína nuclear estritamente relacionada, leva à ativação subsequente de elementos reguladores de genes CYP1A, resultando em sua indução. Esse também é o mecanismo de indução de CYP1A por hortaliças crucíferas e do inibidor da bomba de prótons, omeprazol. Mostrou-se, há pouco tempo, que um receptor pregnano X (PXR), membro da família de receptores de hormônios esteroides-retinoides- tireoidianos, medeia a indução de CYP3A por vários produtos químicos (dexametasona, rifampicina, mifepristona, fenobarbital, atorvastatina e hiperforina, componente da erva-de-são-joão) no fígado e na mucosa intestinal. Um receptor similar, o receptor constitutivo de androstano (CAR), foi identificado na classe de indutores fenobarbitúricos considerados grandes e de estrutura diversa dos indutores de CYP2B6, CYP2C9 e CYP3A4. O receptor α proliferador de peroxissomo (PPAR-α) é ainda outro receptor nuclear altamente expresso no fígado e nos rins que usa fármacos redutores de lipídeos (p. ex., fenofibrato e genfibrozila) como ligantes. Em compatibilidade com a sua função principal na regulação do metabolismo de ácidos graxos, o PPAR-α medeia a indução de enzimas CYP4A, responsáveis pelo metabolismo de ácidos graxos, como o ácido araquidônico e seus derivados fisiologicamente relevantes. Note-se que, ao se ligar com seu ligante particular, PXR, CAR e PPAR-α, cada qual forma heterodímeroscom outro receptor nuclear, o receptor X retinoide (RXR). Esse heterodímero, por sua vez, liga-se a elementos de resposta dentro das regiões promotoras de genes P450 específicos, para induzir expressão de genes. As enzimas P450 também podem ser induzidas por estabilização de substrato, por exemplo, degradação diminuída, como é o caso da indução de enzimas CYP3A mediada por troleandomicina ou clotrimazol, a indução de CYP2E1 mediada por etanol e a indução de CYP1A2 mediada por isossafrol. → Inibição de enzimas Certos substratos de fármacos inibem a atividade enzimática do citocromo P450. Fármacos que contêm imidazol, como cimetidina e cetoconazol, ligam-se fortemente ao ferro do heme P450 e reduzem com efetividade o metabolismo de substratos endógenos (p. ex., testosterona) ou de outros fármacos coadministrados, por meio de inibição competitiva. Antibióticos macrolídeos, como troleandomicina, eritromicina e seus derivados, aparentam ser metabolizados por CYP3A a metabólitos que fazem complexo com o heme do ferro do citocromo P450 e o tornam cataliticamente inativo. Outro composto que atua por meio desse mecanismo é o inibidor pró- adifeno (SKF-525-A, usado em pesquisa), que se liga ao ferro do heme e inativa a enzima de modo quase irreversível, assim inibindo o metabolismo de substratos potenciais. Alguns substratos inibem de modo irreversível o P450 por meio de interação covalente de um intermediário reativo gerado de forma metabólica, que pode reagir com a apoproteína P450 ou com a metade heme, ou mesmo causar a fragmentação do heme e modificar a apoproteína de forma irreversível. O antibiótico cloranfenicol é metabolizado por CYP2B1 de forma que modifica a proteína P450 e, assim, também inativa a enzima. Uma lista crescente desses inibidores suicidas – inativadores que atacam o heme ou a metade proteica – inclui certos esteroides (etinilestradiol, noretisterona e espironolactona); fluroxeno; alobarbital; os sedativos analgésicos como alilisopropilacetil-ureia, dietilpentenamida e etclorvinol; bissulfeto de carbono; furanocumarinas do pomelo; ticlopidina e clopidogrel; ritonavir; e propiltiouracila. Verifica-se que o barbitúrico secobarbital inativa CYP2B1 por modificação de ambas as suas metades, heme e proteína. Outros fármacos ativados metabolicamente cujo mecanismo de inativação de P450 não está de todo elucidado são mifepristona, troglitazona, raloxifeno e tamoxifeno. REAÇÕES DE FASE II Fármacos-mãe, ou seus metabólitos de fase I que contêm grupos químicos adequados, com frequência sofrem reações de acoplamento ou conjugação com uma substância endógena para gerar conjugados de fármaco. Em geral, os conjugados são moléculas polares excretadas de imediato e, com frequência, inativas. A formação de conjugados envolve intermediários de alta energia e enzimas de transferência específicas. Essas enzimas (transferases) podem estar localizadas em microssomos ou no citosol. Delas, as uridino 5’-difosfato (UDP)- glicuroniltransferases (UGT) são as enzimas mais dominantes. Essas enzimas microssômicas catalisam o acoplamento de uma substância endógena ativada (como o derivado UDP do ácido glicurônico) com um Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 12 fármaco (ou um composto endógeno como a bilirrubina, produto final do metabolismo do heme). Dezenove genes UGT (UGTA1 e UGT2) codificam proteínas UGT envolvidas no metabolismo de fármacos e xenobióticos. De modo semelhante, 11 sulfotransferases (SULT) humanas catalizam a sulfurização de substratos, usando 3’-fosfoadenosina 5’-fosfossulfato (PAPS) como o doador endógeno de sulfato. As glutationas (GSH) transferases (GST) citosólicas e microssômicas também estão engajadas no metabolismo de fármacos e xenobióticos e no de leucotrienos e prostaglandinas, respectivamente. Produtos químicos contendo uma amina aromática ou uma metade hidrazina (p. ex., isoniazida) são substratos de N-acetiltransferases (NAT) citosólicas, codificadas por genes NAT1 e NAT2, que utilizam acetil- CoA como o fator endógeno. A O, N e S-metilação de fármacos e xenobióticos por metiltransferases (MT) mediada por S-adenosil-l- metionina (SAMe; AdoMet) também ocorre. Finalmente, epóxidos endobióticos, de fármacos e xenobióticos gerados por meio de oxidações catalisadas por P450 também podem ser hidrolisados por hidrolases de epóxido (EH) microssômicas ou citosólicas. A conjugação de um fármaco ativado, como o derivado S-CoA do ácido benzoico, com um substrato endógeno, como a glicina, também acontece. Como os substratos endógenos se originam da dieta, a nutrição desempenha uma função determinante na regulação das conjugações de fármacos. As reações de fase II são relativamente mais rápidas do que as reações catalisadas por P450, assim acelerando com efetividade a biotransformação de fármacos. Acreditava-se que as conjugações de fármacos representassem eventos terminais de inativação e, como tal, eram vistas como reações de “destoxificação verdadeira”. Entretanto, esse conceito precisa ser modificado, pois já se sabe que certas reações de conjugação (acil glicuronidação de fármacos anti- - inflamatórios não esteroides, O-sulfatação de N- hidroxiacetilaminofluoreno e N-acetilação de isoniazida) podem levar à formação de espécies reativas responsáveis pela toxicidade dos fármacos. Além disso, sabe-se que a sulfatação ativa o profármaco minoxidil oralmente ativo em um vasodilatador muito eficaz, e o glicuronato-6-morfina é mais potente do que a própria morfina. 5) DESCREVER AS FORMAS DE TRATAMENTO EMPREGADAS NOS CASOS DE INTOXICAÇÃO MEDICAMENTOSA; Medidas de suporte • Desobstruir vias aéreas e administrar oxigênio suplementar quando necessário; • Monitorizar sinais vitais; • Obter acesso venoso calibroso e coletar amostras biológicas para exames de rotina e toxicológicos; • Hidratação adequada. Descontaminação • Considerar a realização de lavagem gástrica e a administração de carvão ativado após uma ingestão potencialmente tóxica. É mais eficaz quando realizados no prazo de 1 hora após a ingestão. Antídoto N- acetilcisteina (NAC) Deve ser administrado a qualquer paciente com risco de lesão hepática: • Nível sérico de paracetamol acima da linha de possível toxicidade no Normograma RumackMatthew; • História de ingestão de doses tóxicas e concentração não disponível ou tempo de ingestão desconhecido; • Iniciar NAC dentro das 8 primeiras horas após ingestão em pacientes com qualquer possível risco de hepatotoxicidade; • Os pacientes com mais de 24 horas após a ingestão que têm níveis mensuráveis de paracetamol ou evidências bioquímicas de hepatotoxicidade devem receber terapêutica com NAC até melhora da função Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 13 hepática, mantendo a última fase do protocolo por dias, se necessário. Apresentações de NAC disponíveis no Brasil: Fluimucil® (Zambon) • Ampolas com 300mg/3mL para uso IV; • Envelopes granulados sabor laranja contendo 100, 200 ou 600 mg. Medidas de eliminação Não estão indicadas, pois a terapia com antídoto é suficiente. Sintomáticos • Em intoxicações leves, protetores de mucosa e antieméticos são suficientes; • Transplante hepático: pode aumentar a sobrevivência nos casos de insuficiência hepática fulminante. 6) CARACTERIZAR O PAPEL DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA NO CONTROLE DOS MEDICAMENTOS. Em acordo com a Política Nacional de Medicamentos do Ministério da Saúde e com a Lei de criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no ano de 2003, a Agência redefiniu as regras para o registro de medicamentos no Brasil e sua renovação. As mudanças se basearam nos seguintes pontos: 1. Reconhecimento de três categorias principais parao registro de medicamentos: homeopáticos, fitoterápicos e substâncias quimicamente definidas; 2. Verificação da qualidade quanto à reprodutibilidade (igualdade entre lotes), segurança e eficácia terapêutica dos medicamentos dentro das três categorias, por meio de comprovação laboratorial ou de estudos clínicos; 3. Controle da matéria-prima; 4. Redefinição das categorias de venda para medicamentos: isentos de prescrição médica, com prescrição médica e controlados; 5. Exigência da certificação de Boas Práticas de Fabricação para a concessão de registro para linha de produção de medicamentos; 6. Redução da assimetria de informação (diferenças dos níveis de informação na cadeia prescritor- farmácia-paciente) e aumento do controle sobre o direcionamento e conteúdo adequados da propaganda de medicamentos; 7. Aumento do controle da venda de medicamentos de tarja preta; 8. Participação nas estratégias que facilitam o acesso a medicamentos pela maioria da população; 9. Informatização e desburocratização do processo de registro e das alterações pós-registro; 10. Ampliação do monitoramento da qualidade dos medicamentos em comercialização; 11. Redução do número de associações irracionais (dois ou mais princípios ativos que possam levar a um aumento da toxicidade sem aumento de eficácia; princípios ativos em quantidade insuficiente para atingir o efeito desejado ou em desacordo com guias de prática clínica); 12. Reforço na fiscalização quanto à utilização de nomes comercias pelos fabricantes que possam induzir erros de prescrição e automedicação. As três categorias Cada categoria, por conta de suas especifi cidades, exige legislação própria. A Homeopatia afi rma que os medicamentos têm propriedades terapêuticas produzidas por uma energia vital proveniente do processo de dinamização de extratos vegetais, animais ou minerais. A Fitoterapia entende que os extratos vegetais, compostos de substâncias produzidas pela natureza, são tão ou mais seguros e efi cazes que os produzidos sinteticamente. A produção de medicamentos com substâncias quimicamente defi nidas faz uso da tecnologia de produção oriunda de sínteses químicas ou biológicas ou do isolamento de substâncias da natureza. Qualidade A inspeção nas linhas de produção de medicamentos é um meio para comprovar seu funcionamento em acordo com padrões que garantem a qualidade dos produtos. Na inspeção, a linha de produção deve estar condizente com a descrição detalhada do processo de produção e com as metodologias de controle de qualidade nas diferentes etapas. O perfil de segurança e eficácia é obtido por meio da análise dos ensaios clínicos (fase 3) de produtos novos ou da revisão bibliográfica de utilização em diferentes subgrupos populacionais em produtos de uso tradicional. Para as cópias, genéricos e similares, não há necessidade de repetir os ensaios clínicos (fase 3), desde que seja comprovada equivalência farmacêutica (teste in vitro, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 14 para comprovar que têm a mesma formulação) e bioequivalência (teste in vivo - biodisponibilidade relativa - para comprovar que têm a mesma absorção e distribuição na corrente sanguínea) para os que necessitam ser absorvidos pelo trato gastrintestinal. Os medicamentos de referência são aqueles que tiveram eficácia e segurança comprovadas por ensaio clínico de fase 3 (além de terem sido aprovados nas fases 1 e 2). Controle da matéria-prima A qualidade das matérias-primas influência na qualidade dos medicamentos. As empresas devem certificar seus fornecedores para garantir a equivalência e a bioequivalência dos medicamentos que produzem. Se houver alterações no processo de fabricação de uma matéria-prima ou alteração de fornecedor, a equivalência farmacêutica e a bioequivalência podem ser comprometidas. A certificação de fornecedores e o controle de qualidade quando do recebimento da matéria-prima na empresa são itens inerentes às Boas Práticas de Fabricação. A Anvisa vem certificando as indústrias nacionais de farmoquímicos que seguem as Boas Práticas de Fabricação, além de manter atualizado o regulamento técnico destes procedimentos. Um banco de dados com informações sobre produtos rejeitados em testes de qualidade está em construção para maior controle dos insumos. A Agência também investe recursos nas pesquisas da Farmacopéia Brasileira para incremento da produção de padrões a serem utilizados em testes analíticos no País. Em complemento a isto, a atualização da Denominação Comum Brasileira, para fins de publicação e utilização para a importação, permitirá conhecimento amplo e específico de quais matérias-primas estão entrando no Brasil. Essas informações se somarão às informações sobre quais matérias-primas são produzidas dentro do País. Este conjunto de medidas possibilitará a criação de um banco de dados que contenha a procedência e a qualificação do fornecedor. Assim, haverá monitoramento de produtos específicos desde o momento de sua entrada no País, o que, em situações de risco sanitário, pode ser uma informação de fundamental relevância para tomadas de decisão pela Vigilância Sanitária. Categoria de venda Foi criada legislação específica para definição de medicamentos de venda sem prescrição a partir de uma lista que contempla três quesitos definidos a priori, e que os medicamentos devem preencher: grupo terapêutico, indicações terapêuticas e exceções. Em função de um grande afluxo de propagandas de medicamentos que não estavam sujeitos à prescrição, porém de indicações terapêuticas cuja eficácia é controvertida, alguns medicamentos foram incluídos como de venda com prescrição médica. Exemplos: probióticos e anti-sépticos locais. Boas práticas de fabricaçâo e controle Inspeções periódicas em linhas de produção no espaço fabril pela Vigilância Sanitária têm levado à modernização das linhas de produção e a uma maior capacidade de garantir a qualidade de medicamentos pelos fabricantes. Para fortalecer o cumprimento da legislação específica que trata das Boas Práticas de Fabricação e Controle, o registro de produtos somente será aprovado em caso de condições satisfatórias na última inspeção e com o pedido de certificação da linha inspecionada já protocolado na Anvisa, por parte da empresa. Assimetria de informação e falsa propaganda As bulas e rótulos são instrumentos de informação sobre medicamentos dirigidos aos pacientes, dispensadores e prescritores por parte da indústria. Estes instrumentos costumavam a ser usados para fins de marketing e não havia controle por parte da Vigilância Sanitária sobre o conteúdo das bulas. Este ano será lançado um Compêndio de Bulas de Medicamentos que suprirá a necessidade de informação para pacientes, dispensadores e prescritores. As informações que estavam presentes nas bulas dos medicamentos em seu país de origem, não poderão ser suprimidas. Similares e genéricos deverão seguir o conteúdo das bulas dos medicamentos de referência. As propagandas diretas ao consumidor e aos prescritores vêm sendo monitoradas por meio de um convênio com universidades. Aqueles que violarem as leis atuais e divulgarem falsas informações estarão sujeitos a multas e processos judiciais. A existência de um Compêndio de Bulas e de um Bulário Eletrônico, com conteúdo validado pela Vigilância Sanitária, em muito contribuirá para o aperfeiçoamento das ações de assistência farmacêutica, uma vez que haverá maior confiança nas informações. Controle da venda de medicamentos com tarja preta O uso racional de medicamentos depende de diversas iniciativas, incluindo o aperfeiçoamento dos recursos humanos na área da saúde. A Anvisa, por meio da Gerência de Vigilância em Serviços de Saúde, vem promovendo cursos de Boas Práticasde Prescrição em alguns Hospitais-Escolas do País. Porém, além da prescrição racional, cabe o controle informatizado da distribuição e do consumo de medicamentos de alto Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 15 risco para evitar abusos em sua utilização. Este ano será implantado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), que permitirá o aperfeiçoamento do controle da movimentação de medicamentos, substâncias e plantas controladas. Após a efetivação deste sistema para medicamentos controlados, o mesmo será estendido a medicamentos de tarja vermelha. Desta forma, o gerenciamento das movimentações, desde a fabricação/ importação até o consumo final de tais produtos, poderá ser efetivamente acompanhado pelos órgãos de controle competentes. Participação nas estratégias para ampliar o acesso Hoje, a aprovação de um medicamento novo no Brasil também leva em conta dados de preço no mercado internacional, para que o governo possa negociar valores adequados ao consumidor brasileiro. Os medicamentos genéricos, no momento do seu lançamento, são 35% mais baratos que os medicamentos de referência. Os laboratórios oficiais que produzem medicamentos distribuídos pelo SUS, gratuitamente, estão isentos das taxas da Anvisa e têm prioridade na análise de seus processos. A execução da política de controle de preços de medicamentos é definida pela Câmara de Medicamentos com participação interministerial. Informatizar e desburocratizar A construção do banco de dados da Anvisa (Datavisa) facilitará a rastreabilidade, a verificação de toda a história de um produto desde o seu registro. É um processo em construção que se aprimora dia a dia com a entrada de dados no sistema e seu desenvolvimento concomitante em termos de complexidade. Processos como petição eletrônica, avaliação de bulas e transmissão de dados de farmacovigilância já estão em andamento. Hoje as petições são organizadas eletronicamente o que facilita a transparência das atividades e o planejamento adequado para suprir a demanda de análise de processos. A introdução da notificação de contratos de terceirização de etapas de produção no lugar de petições para a análise e a anuência prévia para estes contratos pela Anvisa vem contribuir para a desburocratização. O cumprimento das regras dos contratos de terceirização será averiguado durante as inspeções de Boas Práticas de Fabricação por linha de produção. Monitoramento do mercado A farmacovigilância tem uma rede que já conta com a adesão de várias empresas, centros de toxicologia, secretarias estaduais de saúde e cem hospitais- sentinela, além de acesso a dados internacionais. Para este ano, está prevista a conclusão do processo informatizado da coleta e análise de dados. Os hospitais-sentinela já estão conectados em rede e o envio dos relatórios à Organização Mundial da Saúde (OMS) ocorrerá por meio eletrônico. Hoje, existem atividades regulares de monitoramento do mercado de medicamentos genéricos, área onde estão sendo buscados os avanços necessários. Para facilitar a produção de padrões de qualidade no Brasil a preços compatíveis houve um grande apoio ao crescimento e estruturação da Farmacopéia Brasileira (instituição que cuida da padronização das fórmulas farmacêuticas). Redução de associações irracionais Na alopatia sintética, associações racionais são aquelas em que há evidência de aumento de eficácia sem aumento de toxicidade; os diferentes fármacos têm mecanismos de ação distintos e atendem a um único diagnóstico. As associações podem se apresentar em uma mesma formulação ou em duas ou mais apresentações em uma mesma embalagem, para uso concomitante ou sequencial. A nova legislação exige estudos clínicos (fase 3) para a permanência no mercado de associações entre drogas sintéticas e fitoterápicos, e/ou homeopáticos, e/ou vitaminas, e de associações com quatro ou mais princípios ativos sintéticos. Entre antigripais e hepatoprotetores, alguns princípios ativos foram listados para serem retirados das formulações. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 16 TRATAMENTO INICIAL DO PACIENTE ENVENENADO A condução inicial de pacientes em coma, apresentando convulsão ou com outra alteração do nível de consciência, deve seguir a mesma abordagem independentemente da substância envolvida: as medidas de suporte são o tratamento básico (“ABCD”) das intoxicações. Primeiro, as vias respiratórias (airways) devem estar desimpedidas, sem vômito ou qualquer tipo de obstrução; se necessário, deve-se estabelecer acesso a vias respiratórias oral ou endotraqueal. Para muitos pacientes, o simples posicionamento em decúbito lateral esquerdo será suficiente para mover a língua flácida e liberar a via respiratória. A ventilação (breathing) deve ser avaliada por observação, oximetria de pulso e, se persistir dúvida, gasometria arterial. Os pacientes com insuficiência respiratória devem ser entubados e ventilados mecanicamente. A circulação deve ser avaliada por observação contínua da frequência cardíaca, da pressão arterial, do débito urinário e da perfusão periférica. Deve-se instalar linha de acesso intravenoso e coletar amostra de sangue para determinação da glicemia e outros exames de rotina. Nesse ponto, todos os pacientes com alterações do nível de consciência devem receber uma carga de glicose (dextrose) concentrada, a não ser que um teste rápido de glicose feito à beira do leito demonstre ausência de hipoglicemia. Os adultos devem receber 25 g (50 mL de solução de glicose a 50%) por via intravenosa, e as crianças, 0,5 g/kg (2 mL/kg de glicose a 25%). Os pacientes com hipoglicemia podem parecer intoxicados e não há meio rápido e confiável para distingui-los dos pacientes intoxicados. Pacientes alcoolizados ou desnutridos também devem receber 100 mg de tiamina por via intramuscular ou em infusão intravenosa para prevenir a síndrome de Wernicke. O antagonista opioide naloxona pode ser administrado na dosagem de 0,4 a 2 mg por via intravenosa. A naloxona reverte a depressão respiratória e do SNC causada por todas as variedades de fármacos opioides. Vale lembrar que esses fármacos causam morte principalmente por depressão respiratória; assim, se já tiverem sido instituídos acesso às vias respiratórias e assistência ventilatória, talvez não haja necessidade de administrar naloxona. Para os pacientes com superdosagem de propoxifeno, codeína e alguns outros opioides, talvez haja necessidade de doses maiores de naloxona. O antagonista de benzodiazepínicos flumazenil pode ser útil em pacientes com suspeita de superdosagem de benzodiazepínicos, mas não deve ser utilizado se houver história de superdosagem de antidepressivo tricíclico ou algum distúrbio convulsivo, uma vez que tem potencial de induzir crises convulsivas nesses pacientes. História e exame físico Uma vez que as intervenções essenciais iniciais que compõem o ABCD tenham sido instituídas, é possível realizar uma avaliação mais detalhada para um diagnóstico específico. Aqui estão incluídas a obtenção da história disponível e a realização de exame físico orientado pelos aspectos toxicológicos. Outras causas de coma ou convulsão, como traumatismo craniano, meningite ou anormalidades metabólicas, devem ser investigadas e tratadas. Alguns envenenamentos comuns estão descritos em “Síndromes tóxicas comuns”. → História: Afirmativas acerca da quantidade e mesmo do tipo de substância ingerida em casos de emergência toxicológica podem não ser confiáveis. Ainda assim, familiares, policiais e bombeiros ou paramédicos devem ser instados a descrever o ambiente em que a emergência toxicológica ocorreu e orientados a levar ao setor de atendimentoqualquer seringa, frasco vazio, produtos de limpeza ou medicamentos de venda livre que tenham sido encontrados próximo ao paciente envenenado. → Exame físico: Deve-se proceder a um breve exame, com ênfase nas áreas com maior probabilidade de fornecer pistas para o diagnóstico toxicológico. Aqui estão incluídos sinais vitais, olhos, boca, pele, abdome e sistema nervoso. 1. Sinais vitais – A avaliação cuidadosa dos sinais vitais (pressão arterial, pulso, respiração e temperatura) é essencial em todas as emergências toxicológicas. Hipertensão arterial e taquicardia são típicas de envenenamento por anfetaminas, cocaína e antimuscarínicos (anticolinérgicos). Hipotensão e bradicardia são características de superdosagem por bloqueadores dos canais de cálcio, β-bloqueadores, clonidina e sedativos- -hipnóticos. Hipotensão com taquicardia é comum com antidepressivos tricíclicos, trazodona, quetiapina, vasodilatadores e β-agonistas. A aceleração da respiração é típica de salicilatos, monóxido de carbono e outras toxinas que produzem acidose metabólica ou asfixia celular. A hipertermia pode estar associada a simpatomiméticos, anticolinérgicos, salicilatos e fármacos que causem convulsões ou rigidez muscular. A hipotermia pode ser causada por qualquer agente depressor do SNC, em especial quando acompanhada por exposição a ambiente frio. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 17 2. Olhos – Os olhos representam uma fonte inestimável de informações toxicológicas. A constrição das pupilas (miose) é típica de opioides, clonidina, fenotiazínicos e inibidores da colinesterase (p. ex., inseticidas organofosforados) e coma profundo provocado por sedativos. A dilatação pupilar (midríase) é comum com anfetaminas, cocaína, LSD, atropina e outros anticolinérgicos. O nistagmo horizontal é característico de intoxicação por fenitoína, álcool, barbitúricos e outros sedativos. A presença de nistagmo vertical e horizontal sugere enfaticamente intoxicação por fenciclidina. Ptose e oftalmoplegia são características de botulismo. 3. Boca – A boca pode apresentar sinais de queimadura por substâncias corrosivas ou fuligem de fumaça inalada. É possível perceber odores característicos de álcool, solventes à base de hidrocarbonetos, ou amônia. A intoxicação por cianeto pode ser reconhecida por alguns examinadores como um odor semelhante ao da amêndoa. 4. Pele – A pele com frequência aparece ruborizada, quente e seca nos casos de envenenamento por atropina e outros antimuscarínicos. Há sudorese excessiva com organofosforados, nicotina e simpatomiméticos. A cianose pode ser causada por hipoxemia ou metemoglobinemia. A icterícia pode indicar necrose hepática causada por paracetamol ou por envenenamento pelo cogumelo Amanita phalloides. 5. Abdome – O exame do abdome pode revelar íleo paralítico, típico do envenenamento por antimuscarínicos, opioides e sedativos. Ruídos intestinais hiperativos, cólicas abdominais e diarreia são comuns nos envenenamentos por organofosforados, ferro, arsênico, teofilina, A. phalloides e A. muscaria. 6. Sistema nervoso – Um exame neurológico minucioso é essencial. Convulsão focal ou déficit motor sugerem lesão estrutural (p. ex., hemorragia intracraniana causada por traumatismo) e não encefalopatia tóxica ou metabólica. Nistagmo, disartria e ataxia são característicos de fenitoína, carbamazepina, álcool e outros sedativos. Fasciculações e hiperatividade muscular são comuns com atropina e outros anticolinérgicos, além de cocaína e outros simpatomiméticos. Rigidez muscular pode ser causada por haloperidol e outros agentes antipsicóticos e por estricnina ou tétano. A hipertonicidade generalizada de músculos e o clônus de membro inferior são típicos da síndrome serotoninérgica. As convulsões, com frequência, são causadas por superdose de antidepressivos (em especial antidepressivos tricíclicos e bupropiona [como no estudo de caso]), cocaína, anfetaminas, teofilina, INH e difenidramina. Coma flácido com abolição de reflexos e, até mesmo, eletrencefalograma isoelétrico podem ser encontrados nos casos de coma profundo causado por sedativo- hipnótico ou outro depressor do SNC, podendo haver confusão com morte cerebral. Laboratórios e procedimentos de imagem → Gasometria arterial: A hipoventilação resulta em aumento da Pco2 (hipercapnia) e redução da Po2 (hipoxia). A Po2 também pode estar baixa em pacientes com pneumonia de aspiração ou edema pulmonar induzido por fármaco. A oxigenação tecidual insuficiente causada por hipoxia, hipotensão ou envenenamento por cianeto resulta em acidose metabólica. A Po2 mede apenas o oxigênio dissolvido no plasma e não o conteúdo de oxigênio no sangue total ou a saturação de oxiemoglobina, podendo parecer normal em pacientes com intoxicação grave por monóxido de carbono. O oxímetro de pulso também pode fornecer leituras falsamente normais nos casos de envenenamento por monóxido de carbono. → Eletrólitos: Devem ser medidos sódio, potássio, cloro e bicarbonato. O intervalo aniônico (anion gap) é então calculado subtraindo-se os ânions dos cátions medidos: Intervalo aniônico = (Na+ + K+) – (HCO3– + Cl–) Normalmente, a soma dos cátions excede a soma dos ânions em não mais de 12 a 16 mEq/L (ou 8 a 12 mEq/L se a fórmula usada para estimar o intervalo aniônico omitir o nível de potássio). Um intervalo aniônico acima do esperado é causado pela presença de ânions não medidos (lactato, etc.), acompanhando a acidose metabólica. Isso pode ocorrer em diversas situações, como cetoacidose diabética, insuficiência renal ou acidose láctica induzida por choque. Entre os fármacos com capacidade de induzir elevação no intervalo aniônico estão ácido acetilsalicílico, metformina, metanol, etilenoglicol, isoniazida e ferro. Alterações no nível sérico de potássio são perigosas porque podem causar arritmias cardíacas. Entre os Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2022.2 Página | 18 fármacos capazes de causar hiperpotassemia a despeito de função renal normal estão o próprio potássio, β-bloqueadores, glicosídeos digitálicos, diuréticos poupadores de potássio e flúor. Os fármacos associados à hipopotassemia são bário, β-agonistas, cafeína, teofilina e diuréticos tiazídicos ou de alça. → Provas de função renal: Algumas toxinas têm efeitos nefrotóxicos diretos; em outros casos, a falência renal é causada por choque ou mioglobinúria. Há indicação para dosagem de ureia e creatinina e de exame de urina. O aumento da creatina-cinase (CK, de creatine kinase) sérica e da mioglobina urinária sugere necrose muscular causada por convulsão ou rigidez muscular. Cristais de oxalato em grande número na urina sugerem intoxicação por etilenoglicol. → Osmolalidade sérica: A osmolalidade sérica calculada varia principalmente em função do sódio e da glicose séricos e do nitrogênio ureico sanguíneo (BUN*) e pode ser estimada a partir da seguinte fórmula: Esse valor calculado é normal entre 280 e 290 mOsm/L. O etanol e outros álcoois podem contribuir de forma significativa para a osmolalidade sérica medida, mas, como não estão incluídos no cálculo, produzem um intervalo osmolar: → Eletrocardiograma: O alargamento do complexo QRS (para mais de 100 milissegundos) é típico de superdosagem por antidepressivos tricíclicos e por quinidina. O intervalo QTc pode estar aumentado (para mais de 440 milissegundos) em muitos envenenamentos, incluindo os por quinidina, antidepressivos e antipsicóticos, lítio e arsênico. Bloqueio atrioventricular (AV) variável e diversas arritmias atriais e ventriculares são comuns nos casos de envenenamento por digoxina ou outros glicosídeos digitálicos. A hipoxemia causada por envenenamento por monóxido de carbono pode resultar em alterações isquêmicas
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