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Genética molecular Apresentação Uma grande parte das características dos seres vivos é determinada pela informação genética contida nas sequências de bases do seu genoma. Essa informação genética é transformada em informação útil para a célula por intermédio de uma série de fatores. Na maioria dos organismos, a sequência contida em uma molécula de DNA é transmitida para uma molécula de RNA por meio do processo de transcrição, e a informação pode então ser aproveitada para a síntese de proteínas pelo processo de tradução, como descreve o dogma central da biologia. Assim, o DNA assume, na maioria dos organismos, o papel de mantenedor da informação genética. Por esse motivo, a informação (sequência) contida no DNA deve ser replicada e reparada de forma eficiente. Além disso, para que a informação genética possa ser convertida em proteínas úteis às células, é necessária a tradução fiel de uma sequência de nucleotídeos em uma sequência de aminoácidos, o que é determinado pelo código genético. Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá compreender os mecanismos que permitem com que as moléculas de DNA e RNA trabalhem pelo fluxo da informação genética. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a estrutura do DNA e do RNA.• Identificar os mecanismos de replicação e reparo do DNA.• Descrever a organização do código genético.• Desafio Imagine que, em uma realidade hipotética, cientistas descubram organismos vivos em que os códons (as unidades de informação genética) são formados não por trincas de bases, mas por duplas de bases. Considerando que: Em comparação aos organismos que são conhecidos, os quais utilizam trincas de bases em seus códons, responda: Esses organismos hipotéticos seriam capazes de utilizar os 20 aminoácidos da mesma forma? Explique. O código genético destes também seria degenerado? Explique. Infográfico O DNA e o RNA são ácidos nucleicos, moléculas fundamentais para o fluxo da informação genética. Formados a partir da ligação em cadeia de diferentes nucleotídeos, eles dão origem a estruturas tridimensionais complexas. Veja no Infográfico a seguir, as diferenças entre a estrutura das moléculas de DNA e de RNA. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Conteúdo do livro O DNA assume, na maioria dos organismos, o papel de mantenedor da informação genética, o genoma. Por esse motivo, a informação (sequência) contida no DNA deve ser replicada e reparada de forma eficiente. Além disso, para que a informação genética possa ser convertida em proteínas úteis às células, é necessária a tradução fiel de uma sequência de nucleotídeos em uma sequência de aminoácidos, o que é determinado pelo código genético. No capítulo Genética molecular, da obra Biologia molecular, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai compreender os mecanismos que permitem que as moléculas de DNA e RNA trabalhem pela manutenção e pelo fluxo da informação genética. Boa leitura. BIOLOGIA MOLECULAR Genética molecular Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer a estrutura do DNA e do RNA. � Identificar os mecanismos de replicação e o reparo do DNA. � Descrever a organização do código genético. Introdução Uma grande parte das características dos seres vivos é determinada pela informação genética contida nas sequências de bases do seu genoma. Essa informação genética é transformada em informação útil para a célula por intermédio de uma série de fatores. Na maioria dos organismos, a sequência contida em uma molécula de DNA é transmitida para uma molécula de RNA por meio do processo de transcrição, e a informação pode então ser aproveitada para a síntese de proteínas pelo processo de tradução, como descreve o dogma central da biologia. Assim, o DNA assume, na maioria dos organismos, o papel de mante- nedor da informação genética. Por esse motivo, a informação (sequência) contida no DNA deve ser replicada e reparada de forma eficiente. Além disso, para que a informação genética possa ser convertida em proteí- nas úteis às células, é necessária a tradução fiel de uma sequência de nucleotídeos em uma sequência de aminoácidos, o que é determinado pelo código genético. Neste capítulo, você receberá as ferramentas necessárias para com- preender os mecanismos que permitem que as moléculas de DNA e RNA trabalhem pelo fluxo da informação genética. Estrutura do DNA e RNA O DNA e o RNA são ácidos nucleicos formados a partir da ligação em cadeia de diferentes nucleotídeos, tendo sua estrutura conservada entre todos os organismos. Na prática Você sabe como o DNA é replicado e dá origem a novas moléculas? Veja por meio de um vídeo explicativo como funciona o processo de replicação da fita líder. Aponte para o QR code ou acesse o link https://goo.gl/wdRGe7 para ver o recurso. Genética molecular2 Os nucleotídeos são formados por um açúcar de cinco carbonos (pentoses), um grupo fosfato e uma base nitrogenada. A base é o componente de maior variabilidade nos nucleotídeos e permite a formação de diferentes sequências. Observe os componentes dos ácidos nucleicos na Figura 1. Figura 1. Dogma central da biologia. O DNA é replicado e dá origem a novas molé- culas de DNA. Além disso, ele também é transcrito em molécula de RNA por meio da transcrição, que, pelo processo de tradução, é utilizado na síntese de proteínas. Fonte: Adaptada de Alberts et al. (2017, p. 4). PROTEÍNA RNA DNA DNA Síntese de proteína TRADUÇÃO Síntese de RNA TRANSCRIÇÃONucleotídeos Síntese de DNA REPLICAÇÃO Aminoácidos 3Genética molecular A ligação de diferentes nucleotídeos em cadeia se dá por ligações fosfo- diéster entre: � o grupamento fosfato do carbono 5’ (5'-PO4) do primeiro nucleotídeo; � o grupamento hidroxílico do carbono 3' (3'-OH) do nucleotídeo adjacente. Essa característica da ligação fosfodiéster faz com que as cadeias dos ácidos nucleicos sejam direcionais (Figura 2). O nucleotídeo de uma extremidade da cadeia terá um carbono 5' com um grupamento fosfato livre, enquanto o nucleotídeo da outra extremidade terá um carbono 3' com um grupamento hidroxílico livre. Essa orientação tem consequências para as reações que envolvem ácidos nucleicos: o DNA e o RNA são sintetizados no sentido 5'→3' e o RNA é lido na síntese proteica também no sentido 5'→3'. Além disso, as cadeias de nucleotídeos que formam o DNA e o RNA são sempre representadas na orientação 5'→3' por convenção (ZAHA, 2014). Figura 2. Detalhe de dois nucleotídeos ligados em cadeia — por meio de uma ligação fosfodiéster — em uma molécula de ácido nucleico. No caso, esse ácido nucleico é o DNA. Note que a pentose representada é uma desoxirribose e a timina é uma das bases nitrogenadas presentes na molécula. Perceba também a orientação 5'→3' da cadeia. Fonte: Adaptada de Biologia molecular básica (2014, p. 30). Ligação fosfodiéster Extremidade 5'-fosfato Extremidade 3'-hidroxila O PO O- O O PO O- O O C C C C H H H H H C H2 2' 1' 3' 4' 5' O C C C C H H H H H C H OH 2 2' 1' 3' 4' 5' Adenina Timina Grupo fosfato Base PentoseN uc le ot íd eo Ca de ia d e nu cl eo tíd eo s Genética molecular4 DNA: ácido desoxirribonucleico O DNA é uma macromolécula extremamente longa que, na maior parte dos seres vivos, armazena todo o genoma. Sua função é, essencialmente, manter o genoma preservado e replicá-lo para que ele possa ser expresso e transmitido ao longo das gerações. Além de conter as unidades genéticas denominadas genes, que comportam a informação precursora para a síntese de proteínas, as sequências intergênicas no genoma também atuam na regulação da expressão gênica. O DNA tem como pentose uma desoxirribose e como bases nitrogenadas de uso a adenina, a guanina, a citocina e a timina. A molécula de DNA tem maior estabilidade que amolécula de RNA, tanto em função de suas caracte- rísticas químicas como em função de sua estrutura molecular, caracterizada por uma dupla-fita bastante estável. Esse modelo tridimensional da molécula de DNA propõe duas cadeias distintas de nucleotídeos (fitas) unidas entre si por ligações de hidrogênio, as quais se enrolam em torno do próprio eixo, formando uma hélice, por isso a denominação de dupla-hélice de DNA. Como consequência, temos algumas propriedades importantes a respeito dessa estrutura molecular. � Pareamento de bases: a manutenção da dupla-hélice de DNA depende do fato de que cada base nitrogenada de uma das cadeias interaja com a base oposta na outra cadeia, o que é possível em função do pareamento de bases nitrogenadas complementares entre as cadeias do DNA, por meio de ligações de hidrogênio. Essas ligações são fortes o suficiente para manter a sua estrutura, mas também podem ser desnaturadas e renaturadas de acordo com as condições do meio ou com a presença de proteínas específicas. ■ Pareamento G-C — guaninas pareiam com citosinas, e vice-versa, por meio de três ligações de hidrogênio. ■ Pareamento A-T — adeninas pareiam com timinas (ou uracilas no RNA), e vice-versa, por meio de duas ligações de hidrogênio. � Fitas antiparalelas: as ligações fosfodiéster das duas fitas de DNA da molécula ocorrem sempre em orientações opostas — uma fita na direção 5'→3' e a outra na direção 3'→5'. � Cavidades desiguais: o fato de as fitas girarem em torno do próprio eixo em hélice dupla faz com que existam cavidades na superfície do DNA. Formam-se então uma cavidade menor e uma maior em função de as 5Genética molecular ligações glicosídicas entre as pentoses e as bases nitrogenadas no DNA não estarem diretamente opostas na hélice dupla. Nessas cavidades — e em especial na cavidade maior —, as bases pareadas ficam mais expostas ao ambiente aquoso, o que permite o reconhecimento de sequência no DNA por proteínas, sem a necessidade de desnaturar as fitas. RNA: ácido ribonucleico O RNA tem como pentose uma ribose e como bases de uso alternativo a uracila em vez da timina. A molécula é mais instável que o DNA, boa parte em função de reflexos importantes em sua estrutura e da reatividade ocasionados pela substituição da desoxirribose por uma ribose (SCHRANK et al., 2015). Evolutivamente, isso ajuda a explicar por que a molécula assumiu, na maioria dos organismos, a função de expressar a informação genética e não de fazer a manutenção e a autorreplicação desta. No entanto, alguns vírus têm o RNA como material genético e representam uma exceção ao dogma do fluxo de informação genética (Quadro 1). DNA RNA Pentose: desoxirribose Pentose: ribose Bases nitrogenadas: C, G, A, T Bases nitrogenadas: C, G, A, U Maior estabilidade química Menor estabilidade química Quadro 1. Diferenças químicas entre as moléculas de DNA e RNA Além disso, a molécula se encontra frequentemente na forma de uma fita simples. Como consequência, no entanto, isso possibilita a formação de uma variedade de estruturas moleculares complexas, já que o RNA pode dobrar sobre si próprio para formar pequenas regiões de dupla-hélice entre sequências complementares. Por fim, as moléculas de RNA são alvos de muitas vezes extensas — e complexas — modificações pós-transcricionais, as quais variam de acordo com o tipo de RNA. Genética molecular6 Basicamente, temos três tipos de moléculas de RNA (Figura 3), descritos a seguir. � RNA mensageiro (mRNA): resultado da transcrição do DNA. É responsável pela transferência de informação genética do DNA aos ribossomos, no qual ocorre a síntese de proteínas. De maneira geral, esse RNA se mantém na forma de fita simples; no entanto, observa-se também a formação de estruturas secundárias por pareamento de bases, tanto intramolecularmente, como com outras moléculas de RNA. Além da formação dessas estruturas regulatórias, o processamento desses mRNAs também tem importante papel regulatório. Em eucariotos, o processo denominado splicing de mRNA remove as sequências de íntrons e une as sequências de exons, dando origem a um mRNA maduro, que é então destinado à tradução de proteínas. Em multicelu- lares, ocorre ainda o splicing alternativo de mRNA, no qual diversas combinações de mRNAs maduros podem ser formadas a partir de um mesmo pré-mRNA. � RNA transportador (tRNA): fundamental para a tradução, transporta os resíduos de aminoácidos até o ribossomo e orienta a sua incorporação à cadeia polipeptídica em formação de acordo com o código genético. Esses RNAs formam estruturas secundárias bastante estáveis em forma de trevo, sendo estas fundamentais para a função da molécula na tradu- ção: em uma extremidade da molécula, pode ser ligado um aminoácido, enquanto na outra extremidade ocorre o reconhecimento da sequência do mRNA por pareamento de bases. � RNA ribossomal (rRNA): também fundamentais para a tradução de proteínas a partir do mRNA, são os componentes majoritários dos ribossomos e representam cerca de 80% do RNA total da cé- lula. Eles formam grandes e rígidas estruturas secundárias que, por meio da ligação com proteínas, formam os ribossomos e atuam no reconhecimento de sequências durante a tradução e na catálise da síntese proteica. 7Genética molecular Figura 3. Representação das estruturas moleculares clássicas de RNAs: (A) RNAs mensageiros de procariotos (acima) e de eucariotos (abaixo); (B) RNA transportador; (C) RNA ribossomal. Fonte: Adaptada de Zaha, Ferreira e Passaglia (2014, p. 42). UAG p RBS AUG UGA UAA 3'UTR5'UTR mRNA de bactéria UAG m7Gppp AUG UGA UAA 3'UTR5'UTR A(~200) mRNA de eucarioto a) b) c) Nos últimos 20 anos, no entanto, foram descobertas inúmeras outras estru- turas e funções para os RNAs. Muitos RNAs são comumente expressos em algumas células, sem que eles assumam algumas das três funções clássicas de mRNA, tRNA ou rRNA (WATSON et al., 2015). Principalmente em or- ganismos multicelulares, esses RNAs são expressos a partir do DNA e estão associados ao processamento dos próprios RNAs ou à regulação da expressão gênica, como é o caso de RNAs pequenos (sRNA), micro RNAs (miRNA) e RNAs de interferência (siRNA). Genética molecular8 Replicação e reparo de DNA A cada divisão celular, é necessário replicar o conteúdo do DNA para a geração de células-filhas. Apesar da ocorrência de erros durante esse processo — que acar- retam mutações e são importantes para a geração de variabilidade genética —, as maquinarias de replicação do DNA realizam esse trabalho com enorme precisão (ALBERTS et al., 2017). A propriedade do pareamento de bases entre fitas complementares é funda- mental tanto para a replicação quanto para o reparo do DNA. Essencialmente, ambos os processos dependem do fato de que, a partir de uma fita-molde, seja possível copiar uma nova fita com sequência de bases complementares. Isso exige a desnaturação da dupla-hélice de DNA em duas fitas-simples, permitindo que as maquinarias sejam capazes de polimerizar uma nova fita a partir de pareamento de bases entre o nucleotídeo presente na fita-molde com um nucleotídeo complementar livre. A DNA-polimerase é a enzima que catalisa a reação de polimerização de desoxirribonucleotídeos a partir do pareamento de bases com uma fita-simples de DNA. Ou seja, ela possibilita a formação de novas fitas de DNA a partir de um DNA-molde. As DNA-polimerases de todos os organismos realizam a mesma reação enzimática, que consiste na formação de uma ligação fosfodiéster entre a extremidade 3’-OH de uma cadeia preexistente com o grupo 5'-PO4 de um nucleotídeo livre, sintetizando a fita sempre no sentido 5’3’ (SAHA, 2014). Essa é a reação que o sítio catalítico com atividade de replicase realiza na duplicação do DNA. No entanto, polimerases também exercem — em um sítio catalítico distinto — a atividade de exonuclease, a qual provoca a degradação de DNA a partir de uma extremidade 3’ de DNA. Essa última atividadeé fundamental para o reparo de incorporações de nucleotídeos incorretos durante a replicação. Replicação do DNA Na década de 1960, algumas análises de cromossomos em replicação revelaram que a região em que ocorria a reação de duplicação do DNA se deslocava progressivamente ao longo da dupla-hélice do DNA original, provocando a abertura das fitas em uma estrutura em forma de Y, sendo esta chamada de forquilha de replicação (ALBERTS et al., 2017). É nessa região que um complexo multienzimático — no qual a DNA- -polimerase se inclui — permite a abertura das fitas e a síntese de duas novas fitas. As características da reação de polimerização têm algumas implicações. Veja a seguir. 9Genética molecular � Primeiramente, a síntese é semiconservativa. A partir de uma dupla- -hélice original, ela gera duas novas moléculas de DNA fita-dupla, contendo, cada uma delas, uma fita do DNA parental e uma fita do DNA recém-sintetizado. � A maquinaria de replicação não é capaz de polimerizar uma fita de DNA unicamente a partir de nucleotídeos livres e uma fita-molde. A DNA- -polimerase necessita da presença de uma fita iniciadora (ou primer) preexistente, que nada mais é do que um pequeno fragmento de RNA com sequência complementar à fita-molde. A partir desta, a síntese da nova fita pode ser iniciada e, posteriormente, é substituída por DNA. � Na síntese semidescontínua, apenas uma das fitas é sintetizada de forma contínua (fita-líder), enquanto a outra é polimerizada de forma descontínua (fita retardada). Em função de a síntese ocorrer apenas no sentido 5’3’, uma das reações de síntese pode ocorrer na mesma direção da abertura da forquilha de replicação sobre a dupla-hélice de DNA original, enquanto a outra reação ocorre no sentido oposto e precisa ser continuamente reiniciada a cada trecho de DNA fita-simples liberado pela desnaturação do DNA. Dessa forma, a forquilha de replicação é assimétrica (Figura 4). Figura 4. Forquilha de replicação do DNA. Enquanto a forquilha se desloca e abre a dupla- -hélice de uma extremidade à outra da molécula de DNA, uma das fitas (fita-líder) pode ser copiada continuamente no sentido do deslocamento da forquilha e gerar uma fita complementar com orientação 5’3’. A outra fita da hélice (a retardada), com orientação antiparalela, precisa ser duplicada no sentido contrário ao da abertura da forquilha. Essa fita tem sua replicação constantemente reiniciada, dando origem a pequenos fragmentos (denominados fragmentos de Okazaki em homenagem ao pesquisador que os descobriu) que, apenas depois da síntese, são unidos entre si. Fonte: Adaptada de Alberts et al. (2017, p. 243). 5' 5' 5' 5' 5' 3' 3' 5' 5' 5' 3' 3' 5' 5' 3' 3' 3' 3' 3' 3' DNA sintetizado mais recentemente Fita retardada com fragmentos de Okazaki Fita-líder Genética molecular10 Além de a síntese de DNA ocorrer de forma contínua ou descontínua, a forma como os sistemas biológicos realizam a dinâmica da duplicação do DNA também varia. Os organismos procarióticos duplicam seu genoma circular, geralmente a partir de uma única origem de replicação, enquanto nos organismos euca- rióticos (com genomas muito maiores) são, em geral, formadas forquilhas a partir de múltiplas origens de replicação. A partir da origem, o deslocamento da replicação pode ocorrer de forma unidirecional, com uma forquilha se deslocando em uma só direção na dupla-hélice, ou ainda de forma bidirecional, com duas forquilhas se locomovendo em direções opostas no DNA Reparação de erros no DNA A fidelidade da síntese de DNA pela maquinaria de replicação é tão grande que um erro é cometido apenas a cada 1010 nucleotídeos (ALBERTS et al., 2017). Essa eficiência em gerar cópias idênticas de DNA, no entanto, não depende apenas do pareamento entre bases complementares, mas, sim, da capacidade da própria maquinaria de replicação e de sistemas de reparo em corrigir os erros de incorporação durante a síntese (Quadro 2). Na verdade, incorporações errôneas são frequentes, principalmente em função do pareamento padrão de bases não ser o único possível. Fonte: Adaptado de Alberts et al. (2014, p. 244). Etapa de replicação Erros por nucleotídeo adicionado Polimerização 5’3’ 1 a cada 106 Correção exonucleolítica 5’3’ 1 a cada 102 Reparo de pareamento incorreto 1 a cada 103 Combinação 1 a cada 1010 Quadro 2. Etapas do reparo que garantem a alta fidelidade na replicação do DNA 11Genética molecular A primeira etapa da correção de erro na incorporação de um nucleotí- deo ocorre durante a própria polimerização 5’-3’, imediatamente após o pareamento, mas antes que a ligação fosfodiéster seja formada entre o novo nucleotídeo e a cadeia. No mesmo sítio catalítico com o qual se realiza a síntese, a DNA-polimerase verifica se a geometria do pareamento de bases é exata antes de catalisar a reação de ligação do nucleotídeo à cadeia. A segunda etapa ocorre depois da incorporação do nucleotídeo à cadeia, ou seja, após a catálise da ligação fosfodiéster entre a extremidade 3’-OH da cadeia preexistente ao 5'-PO4 de um nucleotídeo incorreto, mas em outro sítio catalítico da DNA-polimerase com atividade de exonuclease 3’5’. As DNA- -polimerases corrigem erros na cadeia preexistente, removendo nucleotídeos não pareados ou mal pareados, até que a extremidade 3’-OH esteja corretamente pareada para que a síntese prossiga. Dessa forma, a DNA-polimerase é capaz de autocorrigir eventuais erros de incorporação enquanto se desloca pelo DNA. Ainda assim, a DNA-polimerase pode deixar passar erros durante a síntese. O denominado sistema de reparo de pareamento incorreto remove erros inseridos durante a replicação que escaparam à atividade de exonuclease. Para isso, esse sistema identifica e remove alterações apenas na fita recém- -sintetizada em que o erro ocorreu e não na fita original. Em organismos procarióticos, modificações epigenéticas no DNA auxiliam esse sistema a identificar a fita recém-sintetizada, enquanto em eucariotos a presença de quebras temporárias nas fitas retardadas auxilia o sistema. O sistema de reparação não detecta somente substituições de bases mal pareadas, mas também adições e deleções de pares de bases. Código genético A informação necessária para a produção dos diferentes tipos de proteínas que o organismo deve formar ao longo de sua vida está no seu genoma. O código que define como essa informação, disponível na forma de sequências de nucle- otídeos no DNA, deve ser transformada em sequências de aminoácidos para a formação das proteínas é chamado de código genético. É importante ressaltar que, com pouquíssimas exceções, os mais variados organismos com as mais diferentes informações no seu genoma empregam o mesmo código genético. O mRNA transmite a informação do genoma para a síntese de proteínas por meio de unidades de informação genética (denominadas códons) compostas por uma trinca de bases na sua cadeia (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). A sequência das bases nitrogenadas presentes nos nucleotídeos dos Genética molecular12 ácidos nucleicos determina a composição desses códons e cada um deles, por sua vez, determina a incorporação de um dos 20 aminoácidos na cadeia da proteína — ou ainda o fim ou o início da tradução (Figura 5). Figura 5. Código genético. Os códons no mRNA (que são gerados a partir das sequências no DNA) se encontram acompanhados da notação dos aminoácidos codificados por eles. Os códons de início e fim de tradução não codificam para aminoácido algum, enquanto dois aminoácidos (Asx e Glx) não são codificados por códon algum e dependem de modificações em aminoácidos previamente incorporados à cadeia peptídica. Fonte: Borges-Osório e Robinson. (2013, p. 23). Código genético no mRNA para todos os aminoácidos Início AUG Fim UAA UAG UGA A (Ala) GCU GCC GCG GCA R (Arg) CGU CGC CGG CAA AGG AGA D (Asp) GAU GAC N (Asn) AAU AACC (Cys) UGU UGC E (Glu) GAG GAA Q (Gln) CAG CAA G (Gly) GGU GGC GGG GGA H (His) CAU CACI (Ile) AUU AUC AUA L (Leu) CUU CUC CUG CUA UUG UUA K (Lis) AAG AAA M (Met) AUG F (Phe) UUU UUC P (Pro) CCU CCC CCG CCA S (Ser) UCU UCC UCG UCA AGU AGC T (Thr) ACU ACC ACG ACA W (Trp) UGG Y (Tyr) UAU UAC V (Val) GUU GUC GUG GUA B (Asx) Asn ou Asp Z (Glx) Gln ou Glu O mediador desse processo é o tRNA, que reconhece o códon no RNA mensageiro, por meio do anticódon presente na sua sequência, e direciona o aminoácido adequado para a incorporação na cadeia polipeptídica. Uma característica marcante a respeito do funcionamento do código ge- nético consiste no fato de ele ser degenerado, ou seja, mais de um códon pode codificar um mesmo aminoácido na síntese proteica (ZAHA, 2014). Os códons que representam os mesmos aminoácidos são denominados códons sinônimos, os quais, em geral, variam apenas na sua terceira base. A carac- terística de degeneração, além de minimizar os efeitos de possíveis mutações, explica-se pelo fato de que os 20 aminoácidos disponíveis para a tradução precisam ser codificados por 20 ou mais possibilidades de arranjos de bases nos códons. É importante ressaltar que, por mais que um aminoácido possa ser codificado por mais de um códon, o inverso não é verdadeiro: cada códon só pode codificar um único aminoácido, caso contrário, o código genético 13Genética molecular permitiria a incorporação de aminoácidos variáveis na síntese de proteínas para uma mesma composição de códons no DNA. ALBERTS, A. et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. 3. ed. Porto Alegre: Art- med, 2013. WATSON, J. D. et al. Biologia molecular do gene. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. ZAHA, A.; FERREIRA, H. B.; PASSAGLIA, L. M. P. (Org). Biologia molecular básica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. Genética molecular14 Dica do professor A replicação do DNA é capaz de gerar cópias idênticas da molécula com uma eficiência muito alta: é cometido aproximadamente um erro a cada dez milhões de nucleotídeos incorporados. Essa eficiência em gerar cópias idênticas, no entanto, não depende apenas do pareamento entre bases complementares, mas da capacidade da própria maquinaria de replicação e de sistemas de reparo em corrigir os erros de incorporação durante a síntese de DNA. Entenda melhor no vídeo a seguir. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Exercícios 1) A respeito do RNA: I. Os RNAs são fundamentais para a transformação da informação gênica do DNA em informação para a síntese de proteínas funcionais para a célula. II. O uso da ribose como açúcar nos seus nucleotídeos torna as moléculas de RNA mais estáveis em comparação ao DNA. III. O emprego de uracila no lugar de timina altera o padrão do pareamento de bases. IV. As moléculas de RNA são muitas vezes suceptiveis de sofrer extensas e complexas modificações pós transcricionais. Quais são as afirmações verdadeiras? A) Apenas I. B) Apenas II. C) I, II e III. D) I e IV. E) II e IV. 2) Sobre a dupla-hélice de DNA e sua replicação: I. As ligações covalentes entre as fitas antiparalelas são fortes o suficiente para manter a sua estrutura. II. O reconhecimento de sequências no DNA por proteínas especializadas pode ocorrer sem a necessidade de abertura das fitas. III. A síntese de DNA ocorre sem a necessidade de abertura das fitas da dupla-hélice. IV. A DNA-polimerase depende da presença de uma fita iniciadora (um primer de RNA), em cuja extremidade 3’-OH são ligados os nucleotídeos livres. V. A obrigatoriedade da síntese de DNA na orientação 5'→ 3' tem como consequência que a denominada fita líder da dupla-hélice é replicada de forma descontínua, enquanto a fita retardada é replicada de forma contínua. Quais afirmações são corretas? A) Apenas I. B) Apenas II. C) II e IV. D) II, III e IV. E) I e V. 3) As estratégias adotadas para duplicar o genoma completo variam entre os organismos. Em relação à dinâmica de replicação do DNA (ilustrada a seguir), qual das alternativas está correta? A) A síntese é não conservativa, a partir de duas origens de replicação e com duas forquilhas de replicação no DNA. B) A síntese é não conservativa, a partir de uma única origem de replicação e com uma única forquilha de replicação se deslocando de forma direcional no DNA. C) A síntese é semiconservativa, a partir de uma única origem de replicação e com uma forquilha de replicação se deslocando de forma unidirecional no DNA. D) A síntese é semiconservativa, a partir de uma única origem de replicação e com duas forquilhas de replicação bidirecionais no DNA. E) A síntese é semiconservativa, a partir de duas origens de replicação e com duas forquilhas de replicação bidirecionais no DNA. 4) A atividade de exonuclease da RNA-polimerase é um importante mecanismo de reparo de pareamentos incorretos, os quais podem ocorrer durante a replicação. Em relação a essa atividade exercida pela polimerase, assinale a alternativa correta. A) Atua na correção de erro de nucleotídeos que ainda não foram incorporados à cadeia em extensão. B) Remove nucleotídeos mal pareados presentes na extremidade 3’-OH da cadeia em extensão. C) Ocorre no sentido 5'→ 3'. D) Ocorre no mesmo sítio de replicase. E) É a última etapa de reparo de pareamentos incorretos. 5) Analise a afirmação a seguir a respeito das características do código genético. “A degeneração do código genético diz respeito ao fato de que um mesmo (I) pode estar representado por diferentes (II). O inverso, no entanto, não é verdadeiro”. Quais são as palavras que completam corretamente as lacunas (I) e (II) na afirmação? A) (I) códon; (II) nucleotídeos. B) (I) códon; (II) aminoácidos. C) (I) nucleotídeo; (II) códons. D) (I) aminoácido; (II) nucleotídeos. E) (I) aminoácido; (II) códons. Na prática A replicação do DNA é um processo fundamental para sistemas biológicos, sendo crucial para aqueles que dependem de uma alta taxa proliferativa. Esse é o caso de células tumorais e genomas virais. Por esse motivo, diversos fármacos foram desenvolvidos com o objetivo de inibir a síntese de DNA em células neoplásicas e em células infectadas por agentes virais. Veja os exemplos a seguir: Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Estrutura dos ácidos nucleicos Aprofunde os seus conhecimentos sobre a estrutura do DNA e do RNA. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Como as células leem o genoma: do DNA à proteína A informação genética é transmitida do DNA ao RNA e do RNA às proteínas. O código genético é fundamental para a transformação dessa informação. Entenda os mecanismos desse fluxo de informação no capítulo a seguir. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A descoberta da estrutura do DNA A caracterização da estrutura tridimensional da molécula de DNA teve grande impacto na pesquisa em biologia molecular. Veja como ocorreu essa descoberta no link a seguir. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Estudando a origem da vida O que surgiu primeiro: o DNA ou o RNA? A pergunta pode parecer estranha em um primeiro momento, mas ela ajudou muito os pesquisadores a entenderem melhor a origem da vida. Entenda melhor a teoria do mundo do RNA. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Replicação do DNA A síntese de DNA é um processo celular complexo que envolve, além da DNA-polimerase, uma série de outras proteínas. A replicação fornece cópias do genoma original com alta fidelidade com o auxílio de mecanismos de reparo de pareamentos incorretos. Entenda o processo em maiores detalhes no seguinte capítulo. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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