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CHÂTEAU, Jean Alain Os grandes pedagogistas

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1
J
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i,1
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i !i 9.f !"
\' .f 10... .,,/
B. BIANCHI, Il sistema educaiiuo de M: M oniessori, Florença, Le
Monnier, 1952.
Fr. DE BARTOLOMEIS,Maria Montessorl e ia pedagogia scientifica, Flo-
rença, La Nuoua Italia, 1953.
11. G. CALO "M. Montessori" (comemoração solene de 6 de maio de
1953), em Vila dell'Infansia, maio-junho de 1953.
--r2-:-V ALITUTTI,1l prOblema dell'educazione 1tel'---Cp-=-el::-1s-:-!ie-=-r::-:o~df"i-J1,-;;[r.-1Y~fro::-:':-;lt-=-es-:-:s::-:o-:-:rI··,-
Roma, Ed. Vita dell'Infanzia, 1953.
-,
xv
ALAIN
I;í, G~~~:~./~~.
~Çl~:~~.Ir
il
I
r
I
326
(1868-1951)
"A educação pseudocientífica e pseudo-utilitáría inverte os termos, e
se acredita bem hábil começando a casa pelos andares, porque a gente os
habitará e não habitará as fundações".
(LAGNEAU, Disc. de Nallcy)
I . O h011~e1n
Aquilo que, em Alain, primeiro impressionava seus alunos era
a força da personalidade, com toda a ambigüidade dessa bela pala-
vra. Serenidade sem importância, segurança de si que não parecia
usar máscara alguma. Não se ocupava de disciplina, e a aula era
feita de um silêncio tenso que, entretanto, não nos pesava. Por
vezes, não hesitava em voltar atrás: "Não, risquem tudo isso"; e
BIOGRAFIA. - "Da antiga província de Perche e, todavia, mistura
de' Percheron e de Manceau ", Émile Chartíer nasceu em Mortagne, em 3
de março de 1868. Aluno do colégio de Mortagne (mantido pelos padres;
mas o jovem Chartier perderá a fé ali pelos 15 anos), depois, do Liceu
de Alençon. Prepara, no Liceu Michelet, em Paris, a Escola Normal Su-
perior, e tem então, por mestre, Lagneau, de quem dirá "é o único Grande
Homem que encontrei". Recebido na Escola Normal Superior, é agrégé
de filosofia em 1892. Professor em Pontivy, Lorient, Rouen. Começa, então,
em meio à agitação do caso Dreyfus, a publicar, no Dépêche de Rouen,
seus primeiros Propos, com o pseudônimo de Alain. Em 1902, é nomeado
para Paris, onde ensinará em classe de primei ra superior no Liceu Henri
IV. Alistado voluntário durante a guerra de 1914-1918, escreve, então, Mars
327
-:
admirávamos essa probidade que não ligava à prudência e, por isso
mesmo, não tinha, absolutamente, necessidade dela. Ria das
Importâncias e o vimos, um dia, apelar para um aluno a fim de
dar resposta a uma objeção do Sr. Inspetor Geral. Sabíamos que,
para ele, as honras mal contavam, que havia, por duas vezes (e
brutalmente) recusado a Legião de Honra, e até, mais tarde,
__ um.Iugar.nn.Colégio de F[ançª'----.Sabíamosque recnsaza toda ser-
vidão. E até a nosso respeito; pois, se corrigia - com espantosa
rapidez - todos os nossos ensaios, nossos "enche-lingüiças" por
vezes bem longos, não era sem certa indiferença, e como que
somente por obrigação. Por isso, entre ele e nós, o contato era,
de ordinário, todo escolar, e porque puramente escolar e intelec-
o aluno testemunha, a um tempo, seu cuidado e, no mais das
vezes, seu desprezo para com o mestre a quem quer meter à
bulha. Muitos de seus mais devotados alunos nunca, ou quase
nunca, lhe falaram em particular. E isso era o mais belo teste-
munho de respeito que um moço pudesse dar àquele a quem
chamávamos "O Homem".
··~N esse respeito pelo mestre, que--rrão po-u-e-exrstrr-sem-j-gual--
respeito do mestre pelos alunos, está, sem dúvida, com efeito, o
segredo de toda educação. E, por sua própria aula, Alain nos
dava melhor o exemplo dessa pedagogia severa, mas grande, da
qual, em seus escritos, definiu o espírito.
tual, de espantoso vigor. Não que, entre sua ordinária admiração
pelos grandes autores, não soubesse, por vezes, rir das bobagens
dos Importantes - que nos acontecia escrever no quadro negro,
e nem sempre sem segunda intenção - e esse riso era sem
segredo, sem pensamento orgulhoso, sem humor (1): pura ironia
de homem em face de crianças. Mas entre ele e nós estava banida
toda familiaridade, e essas conversas de depois-da-aula pelas quais
II. Fim da educação
A educação é um duplo respeito. Da criança, que deve ser
tratada em função da dignidade que é a sua, como homem futuro
:e, . não, como criança atual. - Do mestre, antes de tudo exemplo
'por- següii;-nãõ _.apenas "professor", mas homem. Por trás de
toda educação, em todos os níveis - embora de maneira dife-
rente - deve haver um horizonte de humanidade. Convém
considerar o homem sempre pelo mais alto, e não querer rebaixá-
10 ao brinquedo na infância, à profissão na idade madura. O
homem vale sempre mais, visa sempre a mais, e isso é a própria
humanidade.
Que é, pois, educar? É tirar o homem da barbárie primitiva,
Ievá-Io a conhecer seu poder de governar-se a si mesmo, e de não
crer sem provas (12) (1). Tal é o fim essencial; e é fim urgente,
pois a barbárie vive a ameaçar sob o verniz da cultura. Educar-se
é tornar-se senhor desses movimentos violentos que impulsionam
a juventude, não suprimindo-os, mas dirigindo-os, "de maneira
que a graça da infância neles ainda se faça ver, e o calor da
adolescência, mas regrados pelo juízo, o que perfaz a verdadeira
polidez" (Humanités, 16). A educação é, pois, "conquista de
cada momento", mas sem que sejam renegadas as idades prece-
dentes; é, pela polidez no sentido mais largo do termo - bem
diferente do savoir-vivre -, a conquista de si mesmo. Homem
educado é aquele que sabe utilizar com razão as forças vivas, e
como animais, de sua natureza, levando-as, por assim dizer, à sua
~u ia çuerre jugée, Svstême des Beoux-Arts, e Quatre-vingl-un chapitres swr
.l'esprit et les passions (refundidos, mais tarde, em Éléments de philosophie)
que vem ajuntar-se às quatro coletâneas de Cent un propos publicados
de 1908 a 1914. Mais tarde, os Propos serão publicados em diversos jornais
e revistas, e em particular nos Libres Propos de 1921 a 1924 (788 propos)
em L'Emancipatio» de 1924 a 1927 (101 propos), e novamente nos Libres
Propos (831 propos) de 1927 a 1935 (que concluem em 1935 nas Feuilles
Jibres). Numerosos propos foram classificados e publicados em volumes
diversos, na maior parte dos casos pelos cuidados de Michel Alexandre.
Cumpre a eles ajuntar volumes originais, cada vez mais numerosos. Em
1933 Alain se aposenta e passa para sua casa do Vésinet, onde morre em
Z de junho de 1951, depois de haver, nesse mesmo ano, recebido o Grande
Prêmio nacional de literatura. Havia sido amigo de Paul Valéry, de quem
comentou Charmes e La Ieune Parque.
PRINCIPAIS OBRAS (além das já citadas): Le citoyen contre Ies
pouuoirs, Vingt leçons sur les Beaux-Arts, Les idées et les ãçes, Entre-
tiens au bord de, Ia mer, Sentiments, passions et siçnes, Probos sur le
bonheu», Propos S'IW l' éducation, Les saisons de l' esprit, Les dieu», Histoire
de mes idées,
(1) "Adotei a regra de não disputar e de não me ofender em matéria
de problemas do espírito. Julguei como filho de Voltaire, se ouso dizê-l o,
esses furiosos pensadores que procuram sempre a falha da couraça... O
espírito é feito de tal arte, se podemos dizer assim, que é sempre mais
facilmente vencedor do outro que senhor de si... O sério e o riso devem
aprender a andar no mesmo passo" (Libres probos, julho de 1935, p. 348).
4. • •• prescrever-se a si mesmo o sentimento da segurança e o humor ale-
gre" (L. P., abril de 1934, 178).
(1) As referências puramente' numéricas se reportam aos números
dos diversos propos contidos nos Propos sur l'éducation,
328 329
maturidade (ibid.). Toda a obra de Alain - e, de resto, em
outros domínios, estética ou política, por exemplo - considera,
de começo, no homem, esses súbitos e violentos movimentos do
animal, tão perigosos quando expressos espontaneamente, tãoefi-
c~zes quand.?_.r.~~~~o~ )::()~, discipIi?a i?!erf!a.~ Edu~ar, é, r){)!~'
aJudar-a;"·cnança a atingir ou, antes, a talhar em SI a persona- /
--Ihladelivre e âí-sC1JJIínaâaque é o ente moral-o - ,
-f-? --~~fr~ conseqüência: a educação vale para todos, e, não,
somente para um escol. Querer, antes de tudo, formar um escol
é tomar como fim certa organização social e, não, esse agrupa-
mento de homens livres que constituem uma república. A educa-
çao bª?_e,aç!a.jia .técnica, e na medição dasaptidões, traz em SI o
víêiO de estar sempre mais ou' menos a serviço dos poderes: Sele-
cióna' os mais dignos com o fim de fazer deles "recrutas, para a
panego:V:érnante; conduta ridícula, se quisermos, realmente, cida-dãos esc!arêc'idos"'T20T-·É·-tfistrumento de tirania: "O projeto
de instruir os que são dignos disso é inútil. O projefodé-ilão
instruir senão "os que são dignos disso é aborrecido. Há nessa
medição das aptidões que se anuncia, e nessa barreira contra os
espíritos espessos e terrosos, algo de profundamente injusto, e
toda a injustiça, talvez ( ... ). Temo um recrutamento de ministros
e de marechais; e, de degrau em degrau, uma fi!tragem de oficiais
em todas as ordens. Assim o povo ficará sem espírito; basta que
seus senhores tenham espírito" (Libres propos, setembro de 1932,
445). Muito ao contrário, os que devem interessar, em primeiro
lugar, ao educador, não são os gênios, que "saltam ao primeiro
apelo, e atravessam as urzes", mas aqueles que tropeçam em tudo
e se enganam em tudo, aqueles que estão sujeitos a perder a
coragem e a desesperar de seu espírito ( ... ). Se nos puséssemos
a instruir os ignorantes, veríamos algo de novo" (20).
Sublinhemos quanto essa concepção pedagógica é inseparável
da doutrina política do Citoyen contre les pouvoirs. Há muito
arbítrio em querer, num pensamento assim firme, separar opeda-
gógico do político, ou, até, do estético; os Propos passam, sem
cessar, e muito naturalmente, de um dos planos para os outros.
O que fica sempre no primeiro plano, é o homem em sua integra-
Iidade, E é por isso que o cidadão deve, sempre e sempre, opor-
se aos poderes, pois, desde que estão no poder, os melhores têm
sempre tendência a deslizar para a solução fácil da tirania. Os
poderes têm sempre tendência a ser técnicos, a fazer passar os
meios à frente do fim, são como politécnicos que pensam por
épuras, seguem pensamentos fáceis, mas desarraigados e sem
corpo. O cidadão, ao contrário, pode pensar lentamente, mas a
330
partir do real que o toca, e sente melhor o preço de sua liber-
dade. Um se ocupa de sinais, é "burguês", vive no abstrato; o
outro representa o verdadeiro poder espirtual e, se seu pensamento
é mais lento, é mais concreto e mais seguro (1).
-i/ A educação deve, pois, endereçar-se igualmente a todos e,
- -----pnmeiTo~os--espiritos-l·entos-(2~-;--0-pT0blema-qu'e-corrsiste-em-rráo----
deixar "um só gênio a guardar os carneiros" (Éléments d'icne
doctrine radicale, 272), está hoje resolvido, "mas o outro mal chega
a ser tocado, que é despertar todo espírito o mais possível, .pelos
mais altos e mais preciosos conhecimentos, e dar o maior cuidado
} ••••• ••.• .•. ,1,,1.... •••..••••.•• .•.• •••••<5- --- - -------..., ""
bem dotados, e sim pelos menos dotados. E é, entretanto, o que
importa, pois o verdadeiro progresso não está no espírito de
Tales, e sim no espírito de sua criada" (ibid.) . Reservar :10
espírito lento o saber técnico, é não ver nele senão o instrumento
por colocar nas mãos do chefe, é preparar o escravo para sua
função de escravo (ibid.), é esquecer o homem. Muito ao con-
trário, cumpre dar a todos a mais alta educação, não uma habili-
dade técnica, não um saber, mas o poder de governar-se, e de
resistir tanto aos assomos do humor, como às persuasões' interes-
seiras 'dos hábeis e dos Importantes. Educação, pois, que se
dirija mais à vontade que ao saber ; e dê maior importância à
maneira de pensar que ao conteúdo do pensamento.
lH. A criança e o difícil: o método severo
Em conseqüência, também uma educação que tome sempre o
homem pelo mais alto, enquanto os preconceitos e a propaganda
o tomam sempre pelo mais baixo, pelo animal. Ora, essa parte
superior do homem aparece muito depressa: "O homem é um
animal altivo e difícil. E, nessa matéria, a criança é mais homem
que o homem" (1). A infância não é um estado, é um ato;
a educação também será ato. A criança não está satisfeita com
(1) "A facilidade é o mal do espírito; nunca é mais que a aptidão
de passar da coisa para o sinal, e de pensar sobre sinais ( ... ). Espero
alguma coisa daquele que pensa dificilmente" (L. rrotos, setembro, 32,
445-6) .
(2) "A democracia tem por primeiro dever voltar aos retardatários,
que são multidão; pois, segundo o ideal democrático, um escol que não
instrui o povo é mais evidentemente injusto que um rico que recebe seus
aluguéis c seus dividendos" (60). fel., ; (,rf'
.»>: \6
331
I
I:
'II,
I!
11,
li: seu estado de criança, não quer ser tratada como criança; quer
fazer de homem, Não é como um animal, ou uma planta, pro-
pensa ao sono, mas é desejosa de superar-se, de alçar-se acima
de si mesma (1), Para ela, o crescimento consiste em desem-
baraçar-se incessantemente de seu ser de ontem, "em esquecer a
cnançaaa véspera" T3). A criança é, antes de tudo, ambição
(5) , "nada mais deseja que não 'Ser mais criança" ( 3)
(Propos d'un Normand, 151).
Enganamo-nos, pois, quando queremos apelar para os inte-
resses desse ser ativo; é adulá-Io, é apelar para sua frivolidade,
I';I'r
,I
ti
j,
11
I
mante-Io em seu ser ae cnança, "'oU o~6
p~azeres ~ais a1to~ ,q.ue '<:!e pressente., T~l como o homem, a~
criança "visa ao QilicII, ~; ao agradável (4), 'e reclama que
a ajudemos, que a tiremos -do jogo; "ela não o pode fazer por
si mesma, mas por si mesma o quer; é o começo, e como que
o germe, de sua vontade" (3) (1). Não devemos, pois, "temer
desagradá-Ia, e, até, devemos temer agradá-Ia" (3), pois, no
fundo de si mesma, despreza os "diversores" que querem pôr-se
em seu nível. A ela lhe cabe ganhar seu prazer próprio, prazer
realmente superior ao prazer imediato, de uma parte porque lhe
será superior, doutra, porque terá sido. conquistado: "Não há
experiência que eduque melhor um homem que o descobrimento
de um prazer superior, o qual teria sempre ignorado se não
houvesse tido, primeiro, um pouco de trabalho" (5). Não
somente o interesse imediato não educa a criança, "o que interessa
jamais instrui" (27); mas a criança não se limita a si mesma,
não conquista disciplina 'Sobre si mesma senão por essa luta
contra o difícil (2).
A criança precisa, pois, do chamariz do difícil, se lhe qui-
sermos pôr nas mãos "a própria aprendizagem" (2), em vez de
adestrá-Ia de fora. Nesse propósito, bem longe de facilitar-lhe o
trabalho, cumpre deixá-Ia ante as dificuldades naturais. Nada de
taça amarga debordas untadas de mel ; "gostaria mais de tornar
li
:/
I
(1) Assinalemos a semelhança entre essas opiniões e as da Sra. MON-
TESSORI e de PESTALOZZI.
(2) Do medo também, cumpre desconfiar, como do interesse, pois em-
pregar o medo é afastar o espírito, essa parte do homem que faz rir:
"Os padres que me instruíram até os doze anos eram ignorantes, e isso
era visível; mas eram, sobretudo, medrosos, que chegavam a me fazer
medo ( ). Os padres têm medo e fazem medo; e (:!2~§Th--yez)fica a
marca ( ). O que a criança encontra na escola leiga é uma visão do
mundo sem tragédia e, bem ao contrário, um espírito ele au~ácia, de pru-
dência, e dc indústria ante as coisas, as coisas que nada jPcllsam, nada
querem, não são nem boas nem más" (86). ,
( ~
332 /Ó,. I
I,----1-- '.
amargas as bordas de uma taça de mel", mas isso não é neces-
sário. "Não prometerei, pois, o prazer, mas darei como fim a difi-
culdade vencida; talo chamariz que convém ao homem" (2).
Não há dúvida de que essa opinião de Alain seja valiosa.
Não caberia, porfub dar-lhe rigidez que está bem longe de apre-
sentar. Alain observou as crianças, e sabe, tanto quanto os outros ~~~-
pedagogistas, que cumpre levar em conta as idades; não é, porém,
essa idéia trivial de uma educação funcional que convém acentuar;
senão; continuamos como diversor, perdemos o homem, As idades
não serão consideradas senão em função das provas, a fim de
assegurar triuntos : "Toda a arte esta em
em medir os esforços; pois a grande preocupação é dar, à criança,.
alta idéia de seu poder, e sustentá-Ia com vitórias; não é, contudo,
menos importante que essas vitórias sejam penosas, e alcançadas
sem nenhum socorro estranho" (2). Se o essencialda educação
fosse adquirir conhecimentos ou técnicas, o interesse poderia,
talvez, ser utilizado; mas o que conta é aprender a "interessar-se
voluntariamente", a talhar sua pessoa; e ninguém pode fazê-Io por
procuração, e ninguém o pode sem pôr em jogo esse princípio
de altivez que é o próprio homen:.
Que a própria criança procure, pois, seu caminho, através do
difícil; não se trata de empanturrar o espírito, mas de aguerri-lo,
de formar "um pensamento magro que cace sua caça" (5). Para
isso, certa indiferença do meio é necessária. O trabalho escolar
deve ser bem diferente do jogo, reclama outra atmosfera, atmos-
fera na qual a criança saiba que lhe convém praticar em sua
tarefa de homem. Tal é a escola.
IV. A escola
A família, com efeito, não permite à criança desenvolver-se
suficientemente, "a família instrui mal e, até, educa mal" (8),
porque põe em jogo sentimentos vigorosos; toda falta, na família,
é ofensa contra a afeição, e julgada como tal; "o amor é impa-
ciente" (9); e o pai, justamente por efeito ele sua afeição, não
pode, suficientemente, deixar a criança a si mesma, e, por isso,
faz sempre participar o trabalho feito em casa, de interesse
muito vivos, os quais desviam esse trabalho ele sua direção (8 a
13). Ajuntemos que, "na família, a criança não é ela mesma;
toma tudo emprestado, imita o que não' é de sua idade" (13, e
Les idées et les ãqes, I, 191), e, desobedecendo a cada passo à
333
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I!
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II
'b,
regra exterior, chega facilmente ao arrebatamento, ou à timidez
e à vergonha, o que bem se vê na criança mimada. Esse arreba-
tamento, não se livrará dele senão por atividades regradas, que
encontrará na escola (1).
A escola, ao contrário, é como que o meio natural da criança
Cr,T3~14)-.-NâoéUi.11a granaetamTlla-Cro), porque ---a-justiça
aí substitui os sentimentos afetuosos, sempre, por algum aspecto,
injustos (7). As crianças, na escola, 'São reunidas num "povo
criança", com suas cerimônias e suas regras - e o trabalho esco-
lar também é cerimônia, como o brinquedo - numa sociedade
li"
I'
:1
I
11
, ~t'~. '~~a U~ "a'LU~úU 'e'apanaaa da socIedade 'am.!
escola está fora da natureza verdadeira, constitui "poderosa barreira
contra as coisas da natureza", fontes de terrores insanos; está,
"por necessidade, fora da natureza" (Les idées et les âges, I, 177).
Mas está, também, fora do "movimento arrebatado" dos negócios
humanos (14). Nela, a criança encontra regra e lazer. Pode, a
um tempo, aprender a controlar-se e preparar-se, em paz, para
sua futura tarefa de homem. A escola é um meio especialmente
adaptado à criança, "uma natureza desenhada, ordenada, limitada
pelo homem" (15), sem deslealdade, sem armadilhas. "A escola
é sociedade de certo gênero, bem distinta da família, bem distinta,
-17 também, da sociedade dos homens e que tem condições próprias
e organização própria, como também culto próprio e paixões
própria. Bela matéria para o sociólogo" (15) (2).
N essa escola, apartada do mundo adulto, onde a criança está
afastada do ciclo dos trabalhos reais, vai ela conhecer um trabalho
escolar que é atividade muito particular, nem jogo nem aprendiza-
gem. "A escola é solicitada em dois sentidos, para o brinquedo
e para a aprendizagem; mas está entre os dois" (29). A criança
(1) Se a educação visa ao controle do eu, compreende-se que o ar-
.rebatamento é o grande obstáculo. Único, ao que saibamos, foi ALAIN,
numerosas vezes (V. Les idées et les ãçes, r, 186, 190, rr, 176; Vingt leçons
sur les Beau%-Arts,._.29.,~ .que lhe analisou a natureza e sublinhou-lhe a
)
importância. O ;írrebatamentõ'~ atividade doida e de modo algum contro-
lada. Se não esquecermos-o quê" os movimentos do corpo estão na base de
todas as instituições superiores do homem, educação, arte, religião, etc., to-
I
das são também um triunfo sobre o arrebatamento. Mas esta lição de
ALAr, N é facilmente esquecida e constroem-se pedagogias, ou estéticas, de
[Juro intelecto.
'-......-.(2) Não podemos aqui mencionar senão as admiráveis análises socio-
lógicas que ALAIN levou a cabo, por várias vezes, do brinquedo infantil,
esse conjunto de cerimônias e de culto, no qual cada um é como que
protegido de si mesmo pelo juramcnto: "Qucm brinca jurou" (V., em
particular, Lcs idées et les âges, r, 183 a 198).
334
conhece a seriedade do trabalho escolar, nele experimenta dificul-
dades que o jogo não apresenta. É bom, até, que a passagem do
recreio para a aula seja "assinalada e solene" (5), que a sineta
ou o apito marquem a volta a uma ordem mais severa, e signifi-
quem que a atenção deve ser elevada de um grau: deve a gente
fazer mais estrita polícia de si mesma (AJ_(Pr0/2..Q.Ld'UI.LNoL1:JJ,flnd..,
151). Mas, inversamente, o trabalho escolar não tem a severidade
da aprendizagem; não é trabalho de verdade no qual todo erro é
perda de dinheiro e acarreta castigo, no qual as coisas apresentam
sua dureza desumana de coisas: "O trabalho escolar ainda não é
senão meio trabalho. As coisas, quando as há, não passam de
ceados preparados para o estudo. Uma naste de trigo no vaso
não é um campo de trigo, e o tubo de Torricelli está bem sepa-
rado desses furos e montanhas de ar que fazem a chuva, o vento
e o ciclone. As experiências escolares são na redoma"; e por aí
o meio escolar deixa escapar "a severa lei do mundo, que é pesa-
rem todas as coisas sobre cada coisa" (Préliminaires à la mytho-
logie, 53-4). Por outro lado, a escola está bem longe do trabalho
nisso de que é o momento da paciência, "o momento do lazer"
(L. P., abril de 1935, 158), o momento em que a gente não está
premida pelo tempo nem pelas coisas. Alain definiu um dia a
educação como "esse precioso momento em que a luta contra o
obstáculo exterior pode sempre ser mudada numa luta contra si
mesmo" (L. P., outubro de 19.34,502). Por isso que posso enga-
nar-me e recomeçar, pois "as adições erradas não arruínam nin-
guém" (29), posso rir de mim mesmo e discutir meus erros. E
cumpre que me engane, "busque 'e me agite" (29), para pensar
verdadeiramente, pois o verdadeiro pensamento jamais nasce senão
dos erros superados. Bem mais: "toda a arte de ensinar está em
nunca levar a criança até esse ponto da obstinação" (32) onde se
condena e corre para a própria infelicidade, mas-calcular o obstá-
. culo de maneira que ela possa transpô-lo, e não assinalar, de
ç.<C --começo, todas as faltas ;tpor aí a criança pode aprender a enganar-
se de bom humor, a não ter medo de enganar-se, a não ter medo
de pensar (32).
O mestre tampouco é um pai; é bom que manifeste certa
indiferença, e interesse sem o querer e, sobretudo, sem mostrar
) que o quer (4), a fim de deixar a criança face a face com as
~iculdade~ -Pois que "o amor não tellL-paciência~,_o mestre
.., nãõ deve interessar-se de~o qual visa: "Segundo
/ penso, o bom mestre é assaz indiferente, e quer sê-lo, e se exercita
em sê-lo" (9), é insensível às gentilezas do coração; o que agora
conta, é o verdadeiro e o justo. "As lições tomam o aspecto da
335
22 - G.P.
.,~ -
I
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necessidade. É o que importa, pois a criança jamais se resignará I'
à seriedade e à atenção, Se tiver a menor esperança de perder 1
um pouco de tempo" (10). Só essa indiferença pode levar a. "),/,
criança à disciplina de si e ao trabalho: "Observei, quando era '; :
criança, que aqueles que mantinham a ordem como se varre, como
se arrumam os objetos materiais, eram Iogo temidos por essa indi-
ferença, que tirava toda esperança. E, sem exceção, os que queriam T
persuadir, escutar, discutir, perdoar, enfim, as promessas, eram I
desprezados, apupados e, triste de dizer, ao cabo, odiados : ao I
passo que os outros, os homens sem coração, eram, ao cabo,
amados" (12). Pois a criança, lembremo-los, não gosta dos diver-
sores, mas antes dos que "a elevam .
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v. Caracteres e vontades
Como, pois, veremos a classe? Como uma !!espécie de oficina"
na qual as crianças trabalham de si mesmas: "De ordinário, con-cebo a classe primária como um lugar onde o professor quase não ,\\
trabalha, e onde a criança trabalha muito. Nada, pois, dessas "\
lições que caem como a chuva, e a criança escuta de braços cru-{ ,>
zad?s. Mas c~m as cria~,Ç;ls .a ler, escrever, de~en~ar, .c~l~ular;il.
copiar e recopiar " (33j :)Paredes ,Q porque e so a atividade "
dõ escola-rque conra,-"não há prog~, para nenhum escolar do .
"mnndo, nem no que ouve, nem no que vê, mas no que faz", e '
\.não convém distrair-lhe a at~!lção.Ç6).
-------.,'UlmpõTIanté-e:~COmefeito, conheça a criança o poder que
tem de governar-se, e faça, por seu trabalho, como que a apren-
dizagem desse poder (2). ºue __~4~gJ1~_a_,domar em ~Lo arrebata-
mento e as paixões. O saber conta menos que essa políCia:-ôe'-si
, inesmo~assegurada'péii trabalho feito sem zelo excessivo, unica-
mente para triunfar do obstáculo e de si mesmo - o que é, aqui,
a mesma coisa. Os pedagogos são por demais "crianças bem
comportadas",'que esquecem o poder das paixões (2); não sentem
a insuficiência de uma "instrução na qual falta a educação do
espírito" (L. P., agosto de 1936, 148), não vêem que a criança
deve, antes de tudo, "fortalecer a vontade" (2). Para isso, o
saber é secundário, e pouco importa que se não trate senão de
opiniões, de "dizem"; "urna educação não tem que ocupar-se do
valor do feno que distribui" (L. P., agosto de 1936, 149). A
educação. se ocupa, sobretudo, de .regrar o espírito; "o estudo dos
sinais, que é polidez e cultura, é quase o todo da educação e da
instrução" (Les idées IJ'tles âges,: r, 138).
, ,
336
Os exames mostram ben: qual é a função da educação, pois
são "exercícios de vontade" (78), prova,Lpor vencer, nas quais ,
não entra mais essa política do cOflS.ão que funciona na família. .
""S3:berenão fazer uso do que a gen'tesabe; é pior que ignorar.
A ignorância não é nada; não leva a conhecer vício algum do
espir ito-j-ao-ccntrário, a-falta-por emoçãn.faz aparecer. um.espírito
inculto, e diria, até, um espírito injusto" (78).
A eQlt=caçãotem por fim "libertar" desses laços de emoção. e
de costtinie e, não, modificar as naturezas (ver, nos Propos d/wn
Normanti, a alegoria do jardim, 145). A .natureza "é um fundo
. . -' ~.---, erra. Dor si
mesmo, nem virtude nem vício, mas, antes, uma forma inicial de
ser franco ou astuto, cruel ou caridoso, avaro ou generoso" (11);
"o humor, seja qual for, não anuncia nem bem nem mal, mas,
anteS;certo colorido do bem e do mal" (Les idées et les âges,
Ir, 183). O caráter é a maneira pela qual tiramos partido dessa
natureza, é "(),,-'i1iúli.or reconhecido e julgado como tal (Éléments
de philosophie, 200). "Ter caráter é aceitar sua própria aparência
e dela fazer uma arma. Como gaguejar, ou ter a vista curta"
(Les idées et les âges, Ir, 185). A per§9nalic~de forte "incorpora
em vez de negar" e, sem humor, sem natíTreza selvagem, não há
personalidade forte (Éléments de philosophie, 201). É essanatu-
reza ~e cumpre saber utilizar, que cumpre "liberar".
r-~@ , idéia capital para Alain, que a ela volta a cada
, passo. Mas, também, realizar-se, o que é a mesma coisa. Se "oF!.~.dC':ício não passa de estrangulamento do eu pelo eu, por falta de
1-' <: ginástica e de música" (22), é que o vício não passa de virtude e
meio-caminho ( 23) num homem que não chegou, por suficiente
polícia de si mesmo, a liberar-se; "tudo quanto é liberado é
bom" (22).
Segue-se daí que cada um não se realizará, não se conhecerá
enquanto não houver aprendido a governar-se, e a utilizar sua
natureza de maneira integral. A escola não tem, pois, de procurar
conhecer; e os psicólogos são perigosos por acreditar poder
conhecer, quando se trata de realizar. A medida das aptidões
pelos testes é bem medíocre, pois a aptidão não é simples meca-
nismo: "Pode dar-se que os obstáculos de natureza fortaleçam a
vontade, enquanto vemos, muita vez, que os dons mais felizes
são anulados pela preguiça, ou pela incúria" (L. P., maio de 1936,
85) . Pensemos na gaguez de Demóstenes, que teria sido, sem
dúvida, julgada bem imprópria para a tribuna, se houvesse sido
julgado pela aparência. Prosseguindo nessa rica idéia, Alain chega
a reintegrar a vontade na inteligência, e isso por duas conside-
337
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rações. A primeira é que a experiência nos mostra assaz quanto,
nesse domínio da inteligência, é difícil julgar antecipadamente:
"Decidir do que um homem poderá, ou não poderá, segundo as
promessas, os sinais e as aptidões, é um prazer de enfatuação do
qual me guardo. Há já tantos exames que nos enganam quanto
ao.valor dos homens! Jamais 'acontece que se tenha vantagem em
pôr em grande desfãque aquele que foi primeiro numa certa coisa.
.Esse gênero de desigualdade não dura: é absorvido, é apagado por
mil modos" (Minerve, 91). A inteligência de um homem depende
de seus esforços, de sua vontade; posso ser inteligente no ofício
que escolhi, ao passo que me mostrei sem inteligência em face da
geometria. "Daí me veio essa idéia de que cada um é tão exata-
mente inteligente quanto quer. A linguagem poderia haver-me
instruído' suficientemente acerca' disso; pois, imbecil quer dizer,
exatamente, fraco ( ... ). Vontade, e preferiria dizer trabalho,
eis o que falta" (24); antes julgar o homem pela mandíbula, pela
'''parte que abocanha e não larga mais" (24) do que pela cabeça.
. Segunda consideração que leva ao mesmo ponto, é que dá-se
com as inteligências o que se dá com os corpos. Não se pode
julgar um homem pela estatura, porque cada 'estatura tem suas
vantagens. Assim também a "inteligência tem bem mais de um
caminho. Um é míope,. mas, também, observa melhor", o outro
é vivo, e por isso se engana (M inerue, 90-91). O que importa é
a maneira pela qual faço uso de minhas capacidades ou, antes,
o ponto até onde as levo, liberando-as: "Que de variedades na
inteligência, no juízo, na invenção! Que dois homens desenvol-
vam seus poderes, como fizeram Platão 'e Aristóteles; ei-los
diferentes por sua mesma perfeição; e, dizei qual vale mais, se
assim ousardes" (ibid., 92) (1).
Chega-se, assi.f!1.J_ªessa .,g!§tndeidéia de que, pois que se trata,
somente, d~e~r .sua natu~e, não, de vencê-Ia, a cultura
(1) A] untemos, ainda, essa observação importante de que é sempre
bom contrariar os' gostos do aluno. Há, nisso, uma idéia' profunda à qual
ALAIN volta frequentemente (19, 20, etc.). Citemos um Propos dós últimos
(L. P., 'abril de 1935, 164):'" Agora tenho ainda por dizer que não cum-
pre orientar a instrução segundo os sinais de uma vocação. Primeiro, por-
que as preferências pode~ntar. E também p0!9.ue é2..~!!illre.J}Orn.J.nstruir-
se a gente daquilo qu.e~~@~.,-deJ~htr. Contrariai, pois, os gostos, de
Come~ tempó. 'ESte não gosta senão de ciências; que estude,
pois, a história, o direito, as belas-letras; tem necessidade disso mais que
outro ( ... ); todo homem deve ser tomado inteiramente como gênio uni-
versal; ou, então, nãó cabe até falar de instrução; falemos de aprendi-
zagem. E estou muito seguro de que o apelo, rude embora, à vocação
universal de julgar, de governar e de inventar, é sempre o melhor tônico
338
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comum vale para todos: "A cultura comum faz florescer as dife-
renças" (22). A própria escrita se diferencia, nos vários indivi-
duos, pela cultura. Cada um aprende à sua maneira a mesma
disciplina, a mesma atividade, mas continua ele mesmo, como se
vê no violinista, ou no esgrimista; ou antes, torna-se melhor ele
mesmo. O mesmo método é, pois, bom para todos, posto sejam
todos diferentes, e esse mesmo método não tem por fim o torná-
10s semelhantes, e, sim, torná-Ias ainda mais diferentes, com per-
mitir, a cada um, descubra-se a si mesmo.
Para isso são úteis as mil necessidades da disciplina escolar.
Libertar-se é aprender a seguir uma regra, a não usar de ardis.
Quando, vindo de um mestre indiferente, as lições tomam o
aspecto da necessidade, a criança não mais pode trapacear consigo
mesma, aprende o sentido de "É preciso"; e já é saber muito (10).
O trabalho escolar exige toda a atenção, e com tanto maiseficácia
quanto foi usado o zelo primeiro (6). A própria ortografia e a
leitura são, aqui, meio de libertar-se, pelas regras que impõem:
"É preciso ler e ainda ler. A ordem humana se mostra nas regras,
e é polidez seguir as regras, ainda ortograficamente. Não há
melhor disciplina. O selvagem animal, porque nasceu selvagem,
encontra-se, por isso, civilizado e humanizado, sem pensar nisso,
e somente pelo prazer de ler" (25). Vê-se melhor, por esse viés,
o sentido do "método severo". Se a criança se dobra a ele, se
gosta da dificuldade, é justamente para elevar-se, isto é, para
realizar-se. As lições divertidas não passam, jamais, de jogo. E
cumpre ainda observar que o próprio jogo é já, muita vez, "ceri-
mônia". Com mais forte- razão, o trabalho escolar é cerimônia e
polidez, polícia de si e, por isso mesmo, libertação.
VI. o programa
Que disciplinas deve a criança praticar? Deixaremos 'essa
escolha às crianças, ou às famílias? Certamente não; "acho ridí-
culo que se deixe a escolha às crianças, ou às famílias, de apren-
der isto antes que aquilo. Ridículo também acusar o Estado de
querer impor isto e aquilo. Ninguém deve escolher, e a escolha
para um caráter ( ... ) Desejaria dizer que essas aventuras, que alargam
o ofício, alargam também a alma e dão paisagem ao conhecimento do eu.
Ter alma é, talvez, escapar para ofícios possíveis, de modo a julgar do
alto o ofício real. O homem está tão acima daquilo que faz; conservemos-
lhe esse lugar".
339
~
I
:1
está f9ta __N apoleâo, acredito, exprimiu em duas palavras o que
tõ(1o homem deve saber o melhor possível: geometria e latim.
Ampliemos; entendamos por latim o estudo das grandes obras, e,
principalmente, de toda a poesia humana. Então, tudo está
dito" (19).
-~~'~É.b0m-que,à-s-vezes,Hm-Ala-in-veHha-81'-Htalme-n-te-lem8mr-a--
pedagogos simplórios que" a escolha 'está feita", que não cabe às
crianças fazer o programa; mas esse programa depende de ríeces-
siàã.aes-psíq-1ilcãs e morais que as crianças não podem senão
ignorar. Essas necessidades dependem dós passos naturais do espí-
fito humano. da maneira Dela aual est '
11.I
J
1
li
sociedade ou, para dizer melhor, da maneira pela qual a criança
vá para o homem. A todos, sem exceção, o que falta é o "batismo
humano" (19) (1). E as disciplinas que importam são aquelas que
melhor permitem, à criança, elevar-se para o homem, assegurando
seu poder sobre si mesma, e seu poder sobre o mundo.j:
, Cremõs-~~it-;fa.~iimente que a criança deva começar pelo
mundo, que deva, de início, ser posta em contato com a natureza.
Ora, a ordem necessária é inversa. "Não nascemos para o mundo,
nascemos para os homens, para suas leis, seus decretos, suas
paixões. Daí essa ordem invertida segundo a qual nossa física é
uma política prolongada, adaptada, retificada. Se ajuntarmos aqui,
à guisa de lembrete, que a criança aprende quase tudo dos outros,
e sempre o nome antes da coisa, compreenderemos que ( ... )
todo espírito é religioso e mágico para começar" (Les idées et
les âges, l, 129-130). A essa idéia, herdada de A. Comte, Alain .
volta a cada passo; dela tirou, em particular, as profundas
análises dos deuses infantis e da mentalidade infantil que se
encontram em Les dieu» e nos Préliminaires à Ia mythologie.
"Fomos crianças antes de ser homens", segundo frase de Descartes
que Alain gostava de lembrar, e ser criança é viver num mundo
humano, num mundo protegido, num mundo onde temos, de
começo, trato com as vontades desses grandes magos que são os
I
:1
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11
(
(1) Citemos ainda o fim desse Propos 19, no qual ALAIN mostra que
cumpre transpor para o plano leigo esse esforço para a salvação que era
o essencial do cristianismo: "Geometria e poesia; isso basta. Uma tempera
a outra. Mas as duas são necessárias. Hornero e Tales a levarão pela
mão. A criança tem a ambição de ser homem; cumpre não enganá-Ia;
ainda menos dar-lhe a escolher no que ignora. Sem isso o catecismo nos
faria enrubescer. Pois, os teólogos ensinavam a todos tudo quanto sabiam,
detendo-se no espírito rebelde. E, na dúvida, batizavam toda forma huma-
na. Iremos nós escolher, e recusar o batismo humano ao frívolo, ou ao
adormecido?" Como dizíamos atrás, trata-se de formar, homens, não um
escol e escravos.
310
1
pais e a ama e, não, com essa existência pura que o filósofo não
chega a conceber senão tardiamente e a duras penasw'. Dizer isso
é ainda dizer que não vamos diretamente para o mundo, mas não
o encontramos, em sua realidade, senão graças a esse rodeio do
qual Platâo, na República, mostrou a importância.
~--_. ~É>Pois;-insânia-querer-pTucutar;-numa-ação-direta-s~Jbre()
mundo, de uma parte o conhecimento do mundo, doutra, a polícia
de si mesmo. Não que as técnicas, as quais se contentam com
multiplicar as experiências, não possam ter êxito; mas, se "milha-
res de ensaios conduzem bem mais longe que a observação mais
"h~~·--- ·\ ..•..-..•.·-vv •• ...-..v• .,v,,-V""') J...-., I··;,
a esse "pensamento da ponta dos dedos" (como dizia, muita vez
Alai n, em seus cursos), característico do técnico, do homo faber,
o espírito nada ganha com isso. "Qual é, pois, o próprio desse
pensamento técnico? É que ensaia com as mãos, em vez de pro-
curar pela reflexão. O primeiro movimento da telefonista:, que é
sacudir o aparelho, é movimento de técnico" (Humanités, 193).
O técnico é o homem que diz: "Vamos ver", que busca a solução
do problema fora de si mesmo. Dessa prática nasce facilmente
certa precipitação e impaciência e, ao mesÍ110 tempo, certo cepti-
cismo; é que, com efeito, o resultado obtido continua sendo um
"acontecimento" e, por isso, incompreensível. Para que fosse
assegurado, seria preciso compreender-lhe a engrenagem, transfor-
má-Ia em "fato" verdadeiro. Ora, isso não é possível senão pela
/" intervenção do espírito. Ciência puramente técnica, limitada aos
acontecimentos, não é verdadeira: "Nada há de verdadeiro nas
ciências se chamarmos verdade o que é; pois, o que é muda e se
dissimula. A verdade verdadeira, se assim pudermos dizer, é essa
revisão de nossas idéias, que fazemos segundo o espírito, combi-
nando o_simples com o simples, como vemos em aritmética e. em
geometria ( ... y. Nessa matéria, porém,mal se crê em Platão;
caçoamos das puras idéias; não temos consideração pelo espírito;
daríamos todos os teoremas do mundo por um pequeno fato. Tal
a embriaguez dos técnicos, e, ademais, orgulhosa" (L. P., junho
de 1933, 296).
O selvagem é aqui testemunho cujas técnicas aperfeiçoadas se
acomodam muito bem com as mais desvairaclas mitologias; pode
mais do que sabe. Quando quer compreender o mundo, usa não
(1) Sobre esse problema da existência pura --' e sobre o do entendi-
mento - ALAIN escreveu talvez a mais profunda de suas obras, e a mais
difícil, Eniretiens au. bord de Ia mer, infelizmente muito pouco conhe-
cida.
341
"I
mais as técnicas aqui ineficazes, mas sinais humanos. Pois, repi-.
tamo-lo, são os sinais que vêm primeiro: "Qual a criança a quem
não se mostraram as coisas e, primeiro, os homens! Onde está
a que aprendeu sozinha a direita e a esquerda, as semanas, os
meses, o ano?" (Humanités, 207). O homem conheceu os sinais
humarros-antes das=coisas; bem mais, conheceu-os -sinais antes de
compreendê-I os ; "é experimentando os sinais que ele chega às
idéias; e é compreendido bem antes de compreender; isto é, fala
antes de pensar" (ibid., 208). É, pois, pelos sinais e, não, pelas
coisas que o ensino deve começar. E cumpre nos lembremos de. .. .• ...., . .... ,
_ -', Y'" .•..•..•..•.•....•..•.•...•, ........, .•..•.•.•.•..•..•.""'.... U>J L LV.l ..•.••.•••••••I.>J,
comunicação antes de ser significação. Por conseqüência, "apren-
der a pensar é, pois, aprender a por-se de acordo; aprender a
. 'bem-pensar é concordar com os homens mais eminentes, pelos
melhores sinais... Lições de coisas, sempre prematuras; lições
de sinais, ler, escrever, recitar, bem mais urgentes. 'Pois, se não
são nossas primeiras idéias falsas que encaminhamos pouco a
pouco no sentido da verdade, pensamos em vão. Como acontece
com as maravilhas datécnica; todo o espírito está na máquina, e
continuamos tolos" iHumanités, 209).
VII. As ciências
Agora se compreende por que a ciência-rainha é a geometria,
"a chave da natureza" (19). É o teórico, o geômetra, que com-
preende melhor o real, por exemplo o eclipse. Os casos particulares
não são dados, mas compreendidos com base em idéias universais
forneci das à criança pela sociedade. A criança não começa por
pensar o particular, mas o geral ou, antes, o universal, como o
"papá" que designa todos os homens, 'e "vamos sempre de
pequeno número de idéias muito gerais, para um número maior
de idéias particulares" (Humanités, 212).
Cumpre, pois, partir da idéia mais simples e mais conhecida,
se quisermos compreender a natureza; e progredir, depois, lenta-
mente: "Ir do conhecido para o desconhecido, é a nossa sorte;
vale dizer, do simples e abstrato para o concreto e individual, que
não esgotaremos" (30). Partamos, pois, da aritmética e da
geometria, e sigamos a série das ciências traçada por A. Comte.
Mas o importante não é ir longe; "pouca ciência, mas boa ciência"
(19); é preciso tomar seu tempo - o que o Secundário sabe
342
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, bem fazer (26) - a fim de fazer "o difícil rodeio" (27) pela
"abstração preliminar" (31).
Em lugar desse ensino das ciências que é, quase inteiramente,
tempo perdido, até no secundário, pois, "sob o nome de trabalhos
práticos, ensinamos uma técnica imperfeita que não ensina ofício
algumr-e arrolha -(') espírito", em vez-de seguic..o. impulso-da
técnica, iremos, ao contrário, "reencontrar a ordem do espírito.
isto é, a ordem que esclarece, faz compreender, dá alguma idéia
da necessidade natural, e, por oposição, alguma idéia também da
liberdade do espírito, valor supremo agora sacrificado à ernbria-.. .. .. ,.............. ....• .•...•.....• ,....... . ,~,
pelas experiências mais simples. Pela aritmética e pela geometria,
nas quais se descobrem as necessidades mais evidentes, as razões .
E é notável que 'Seja somente mediante a necessidade geométrica
que possamos compreender a necessidade exterior, como a his-
tória das idéias o ensina assaz: o selvagem pode, realmente, ser
maravilhoso atirador de arco, mas, por falta de geometria, con-
tinua no nível da magia (27 e 19). E cumpre, primeiro, a prova
mais rigorosa, degraus de provas, o que tem o duplo resultado
de assegurar, com a noção da necessidade, a polícia de si mesmo.
Depois da geometria, pouco de física, mas física elementar
ou, antes, mecânica elementar. Evitar, antes de tudo, essa idéia
perigosa de que a última verdade da ciência contemporânea con-
vém ao aluno; é preciso ser um Poincaré para compreender em
que sentido se pode duvidar do movimento da Terra. Cumpre
voltar aos antigos, a Descartes, ou, melhor, a Tales. É bom
"reconduzir toda idéia à primeira infância" (17), considerá-Ia
como os antigos a consideraram. O que falta à criança, "não é a
última palavra do homem, ( ... ) mas, antes, a primeira" (ibid.).
O pensamento dos antigos pode estar ao nível do da infância;
não, porém, o de Einstein. Partir dos antigos, é guardar-se da mar-
gem, da esperança, do impulso, porque resta por fazer. Assim, é
porque a criança tem necessidade de futuro, que cumpre voltar
aos antigos; então acorremos, de certo modo, das antigas idades
e estamos, desde o começo, lançados segundo o movimento justo
(ibiã.). Vale mais, pois, refletir sobre os princípios elementares.
sobre a polia, sobre a alavanca. Alain freqüentemente voltou a
esses exemplos simples, para ele mais instrutivos que a física
moderna, porque estão em nosso nível, ao nível de nossos erros
(18). Escrevia: "Aproveito mais em ler a física celeste de Des-
cartes, que em procurá-Ia no jornal da manhã" (30), e seus
alunos ficavam, por vezes, surpresos por vê-Io insistir neste ou
343
r
naquele ponto da Dioptrique cartesiana, hoje em dia bem obsoleto.
Mas é que, para ele, era, antes de tudo, necessário compreender
aquilo de que se falava em ciências. Donde seu desprezo por
essas classes primárias que são "Universidades em miniatura"
(42), onde o mestre deve saber tudo e falar de tudo: "Odeio
-essas-pequenas-SorbomresJ'-(-2S-)-. -0 que deve penetrar, por foda
parte, é o espírito científico, não a ciência que esmaga; e é mais
seguro procurar esse espírito científico em suas origens que na
massa dos últimos descobrimentos que não podem esclarecer (60).
Simples reflexão sobre a polia leva mais longe que o conheci-
14- •.•....1 ...........•..... 1....•4-:,..1 •... 1 _~_ l'
- - "rente à quarta dimensão. Cumpre "graduar a experiência, é a
arte "de instruir" (61).
VIII. Lição e experiência
Compreende-se, assim, que Alain rejeite toda lição magistral
que vá além da. criança. Não se trata de poder recitar lições de
física, ou de ciências naturais, que não passariam de palavras;
trata-se," primeiro, de compreender. Não é ao mestre que cabe
trabalhar, mas ao aluno, e a lição magistral não tem valor senão
quando o aluno, em seguida, repuser a aula em forma, coisa que
não vale, evidentemente, para um garotinho (35). De outra
forma, são "bobas" lições de moral, de história, ou de ciências
naturais, ante crianças que ignoram o sentido das palavras;
daquilo tudo nada resta depois de oito dias (35, 36). Convém
lembrar que "a gente não aprende a escrever e a pensar escutando
um homem que fala bem e pensa bem. Cumpre experimentar,
fazer, refazer, até que o ofício entre, como se diz" (37); é
preciso longo rodeio para saber somente um pouco (64). Até em
aritmética, é bom que a criança assimile primeiro bem as noções,
com "o auxílio dê cubos, de preferência a passar muito depressa
para operações algébricas inteiramente mecânicas (53). Os mes-
tres "de piano nos mostram, aqui, o caminho, eles que se não
espantam com o fato de uma criança aprender tão pouco numa
hora.' É, sem dúvida, mais demorado fazer de modo que a própria
criança prove,. primeiro, todas as verdades; mas esse é um tra-
balho que deixa alguma coisa (37). Lembremo-nos sempre de
que "não se trata "de mostrar toda a natureza", mas de "regrar o
espírito peloobjeto, segundo a necessidade claramente percebida"
(19). Que o mestre "escute e vigile bem mais do que fale" (33).
344
IX. As humanidades
Essas prescrições valem tanto para as letras como para as
ciências, para o "latim" C01110 para a "geometria". Aqui ainda
_____ a.-cr:iança.-de'.'c-t~contato_direto_co.ill-Qs_p.r.oblemas_e_co.ill-Qs~ _
sinais. E aqui ainda é bom voltar aos antigos (1).
A leitura é meio de tomar contato com o pensamento dos
grandes homens. Por isso, cumpre aprender não somente a ler,
mas a ler depressa, a ler" facilmente, vivamente, sem esforço, de
r ',' :Ia letra. e possa nrestar atencão
J,
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ao sentido" (42). Só sob essa condição a criança sairá da escola
com o gosto de ler, e não esquecerá o pouco que sabe. Ora, o
livro deve ser sempre "ia professor-chefe", e os mestres "os
adjuntos do livro" (41), pois é pelo livro que se conhecem os
grandes autores, expressos pelos grandes sinais. "Ler é o verda-
deiro culto" (5). Inventemos, pois, técnicas para fazer a criança
ler depressa; e que sem cessar a criança leia, releia e aprenda,
assim, a ler baixinho, a ler com os olhos (42 e 44) : "Se o mestre
se calar, e se as crianças lerem, tudo vai bem" (25).
"É preciso ler, e ainda ler" (25), pois é esse conhecimento
dos sinais que, verdadeiramente, civiliza. O de que a criança tem
necessidade, é, antes de tudo, das Humanidades, "As Belas-
Letras são boas para todos e, sem dúvida, mais necessárias ao
mais grosseiro, ao mais pesado, ao mais indiferente, ao mais
violento" (25). Os grandes autores são bons para todos. E que
se não diga que a criança quase não compreenderá, pois o poder
da poesia - a qual deve vir em primeiro lugar - está "nisso
de que, em cada leitura, primeiro, antes de nos instruir, nos dis-
põe, pelos sons e pelo ritmo, segundo modelo humano universal"
(19). Que a criança escute "o belo gorgeio" humano, que seja,
de começo, tomada pela harmonia. Demos-lhe, pois, para ler, os
melhores autores, La Fontaine (melhor que Florian),Corneille,
Racine, Vigny, Hugo; que ouça as belas coisas, como a música;
e veja os belos desenhos de Rafael, de da Vinci, de Miguel
Angelo; que ouça Beethoven desde o berço, "nada é belo demais
para essa idade" (5). Há nesse ponto, sem dúvida, um paradoxo,
e Alain não teme sublinhá-lo, e voltar a ele freqüentemente:
~
t
(1) "Se me perguntarem que livro é bom para as crianças, direi
Hornero, a Bíblia, as Fábulas; e logo se vê porquê. A infância do indi-
víduo se parece com a infância da espécie. Se quiserdes conhecer o estado
primi tivo de nossas idéias, lede os livros mais antigos. Se quiserdes segui I"
nossa sabedoria até as raízes, haveis de encontrar os magos, os prodígios e
os dcuscs " (Propos SlW la reliqion, 53).
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"Tenho uma idéia estranha, bem afastada do que se diz cornu-
mente, na matéria, idéia verificada muitas vezes, é que o que é
belo para todos e universalmente humano, é, justamente, o que
parece ter sido escrito para cada qual" (21) (1). Aliás, é perigoso,
aqui, substituir os mestres por comentários medíocres, cumpre
-_YQltàr_à-ÍontLuma-v:ez-mais~Mas,aqui-ainda,temo-os-comen~
tários. Busco o incontestável, até no contestável; e os gênios,
poetas, oradores ou panfletários, são fatos humanos incontestáveis.
Quero que sejam lidos; quero que sejam sabidos, e recitados;
isso mesmo é compreendê-los e faço muita questão de que sejam
compreendidos como são. Se o mestre ~_ ._..L -,.,., ,.
loas, ou vOciferações, então já não tenho garantias. Há realmente
100 liceus e 200 colégios; não temos 300 gênios" (L. P., agosto
de 1935, 342).
Nem sempre é fácil, sem dúvida, captar "essa antiga ciência
da natureza humana, dispersa nos grandes livros que cumpre ler
vinte e trinta vezes; e, se a trigésima leitura é agradável, a pri-
meira é ingrata e difícil" (85). De início, a criança não compre-
enderá. Mas pode, como vimos, ser tomada por esse "gorgeio
humano". Alain não se arreceia de atribuir o maior lugar à reci-
tação e à cópia de belos textos. Cumpre dar, à criança, um modelo,
e como "um espelho no qual se veja logo engrandecida e puri-
ficada" (21). Aqui, é tal como no desenho; no desenho livre a
criança não' vai bem porque se deixa ir, porque nele não encontra
uma liberação. Na cópia, porém, de. um modelo, encontra segu-
rança; "seja qual for o modelo, não 'se pode fazer um desenho
conveniente senão moderando e temperando todos esses tumultos
do coração, tão sensíveis no tremor e no peso da mão. A vulgari-
dade se exprime só nesses traços pesados que furam o papel" (21).
Assim também, no copiar os belos autores - ou no recitá-los _
a criança se liberta dos movimentos do humor; "será melhor ela
mesma, só pela atenção na cópia de uma bela obra" (21'), os
"pensamentos de aventuras" (40) aí encontrarão apoio e, pouco
a pouco, forma estável.
A escrita é, com efeito, uma disciplina, e cumpre conservar-
lhe esse caráter de disciplina. Pelo respeito da ortografia; mas,
também, pelo cuidado de fazer obra arquitetural; e querem-se
belo caderno, belos títulos em' rondo, belas margens (45, 42); e,
no caderno, copiar belas fórmulas, "Pensamentos". Há nisso
ginástica que desata os músculos, torna flexível, guia o pensa-
(1) Cumpriria, aqui, expôr as opiniões estéticas de ALAIN, cujo fun-
damento essencial reside em que o belo' regra os movimentos dó corpo. V.,
sobretudo, as Vingt leçons sur les Beaus-Arts.
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mento. Alain gostava de dizer que não se pensa verdadeiramente
senão com a pena na mão e, segundo ele, isso valia para todas
as idades (34). Sem dúvida não se trata de escrever sempre da
mesma maneira. Cópia, versão latina, aula ditada (34), feitura
laboriosa e lenta de frases (37), todos esses exercícios de diversas
~idades_pr.ep.aram_p.ar.a_escr.e.v.er:,_mais_tar.de,_sem-T.ascunhO-e-se.m_---
rasuras, como Alain pedia aos alunos que fizessem, pois o rascunho
se presta a muitos rodeios, muitas evoluções, não permite essa
disciplina excelente que consiste em achar, assim-assim, fim
conveniente para uma frase já começada.
Mas é. sempre. em torno das zrandes o
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procuremos nossas idéias, nos grandes textos - e, não, em
extratos (45), ficando o mestre como repetidor que faz a apresen-
tação (L.P., agosto de 1935, 342), mas instruído ele próprio, nas
fontes. Pois, a invenção não é tão fácil; quer coisa diversa da
livre espontaneidade, é obediência a modelos. "Nunca se saberá
suficientemente que é mais importante fixar o espírito que ins-
trui-lof ... ) Eis porque penso que a cultura é algo de muito
importante e de muito sério, que nos mune de formas belas e
invariáveis, sobre as quais cumpre refletir bem, pois não podemos
mudá-Ias. E é loucura querer que alguma idéia nova nos dê novos
destinos; não, mas uma idéia bem velha, a repetir sempre a
mesma canção; pois é verdade que tudo está dito, mas, também,
nada está pensado" (L.P., agosto de 1933, 394). Voltemos, pois,
aos antigos (1), aos clássicos, aos provérbios, a Homero, a Platão,
a Shakespeare, a Balzac, para neles encontrar nosso próprio pensa-
mento; "entregues a nós mesmos, e sempre sem defesa contra a
paixão do dia, derivamos naturalmente de pensamento em pensa-
mento" (ibid.) (2).
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Conclusão
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Ao próprio Alain cumpre aplicar-lhe a doutrina. Não o
conhecer por extratos, nem por comentários, mas por freqüenta-
(1) "Não há Humanidades modernas, pela mesma razão que faz que
cooperação não seja sociedade. Cumpre que o passado esclareça o pre-
sente, sem o que nossos contemporâneos são, a nossos olhos, animais enig-
máticos" (Propos sur le christianisme, 28).
(2) Vê-se aqui como ALAIN podia concordar com VALÉRY,para quem
"a filosofia é questão de forma ", e como, na poesia de VALÉRY, ALAIN
podia encontrar seu próprio pensamento. V. a Introduction de VALÉRY ao
Commeniaire de charmes, de ALAIN.
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"I
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ção assídua, sempre fecunda. Adotar-lhe primeiro as idéias, como
ele recomendava a todos os leitores das grandes obras - e como
também o havia dito Rousseau - depois compreendê-Io, reescre-
vendo-lhe' as reflexões. Não tentar separar num pensamento de
vigorosa unidade, ter sempre presentes ao espírito os cuidados
essenciais: o corpo selvagem por domar ou, antes, por liberar,
coisa que se faz por pequenas mudanças, pequenos cuidados coti-
dianos; a prudência que remonta sempre à fonte a fim de nela
encontrar o. mais simples e o mais humano; a veneração da huma-
nidade representada pelos grandes autores; e a indomável vontade
de conservar sempre em sua posse o aguilhão da dúvida.
o que basta para dizer que não' teríamos desculpa alguma
se ihouvéssemos querido simplesmente dar, aqui, um resumo da
doutrina (e esse pensamento nos fez hesitar por longo tempo).
Trata-se apenas, para nós, numa galeria dos grandes pedagogistas,
de. não esquecer aquele que foi, talvez, o maior; trata-se, por
esta .introdução insuficiente à sua obra, de convidar os educadores
a tomar consciência do proveito que tirarão, voltando à fonte pura,
e freqüentando um pedagogista que, pela ação que exerceu sobre
tantos alunos, soube provar, pela prática, o valor de seu método (1).
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I"
Jean CHÂTEAU
BIBLIOGRAFIA DAS PRINCIPAIS OBRAS
PEDAGóGICAS
o essencial da doutrina se encontra nos Propos SUl' l' éducatio», publi-
cados pelo editor Rieder em 1932, e reeditados pelas Presses Universi-
taires de France. Trata-se de Propos publicalos anteriormente e reunidos
por Michel ALEXANDRE. ' .. - .
Mas, para esclarecer certos pontos, é bom referirmo-nos também às
outras 'obras, em 'particular às seguintes:
-Lib;e~Pfop;s, de 1927 a 1936, passim,
(1) Citemos a propósito um pensamento que - ai de nós I - vai
longe, 'referente aos ensaios de métodos pedagógicos, tanta vez inúteis: "Os
ensaios são decididos, em parte, por' homens que ensinavam bem, .mas
não ensinam mais; em parte, par outros que ensinavam mal, e por essa ra-
zão, escolheram a administração; em parte, por homens de escritório, que
nunca ensinaram, e não seriam absolutamente capazes disso, e que me pcr-
mito' chamar os ilctrados da instrução pública" (43).
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i
I.(,,
'.
Propos d'ml Normand reeditados por Gallimarel em cinco volumes, 1952,1960.
Les idées et les ãqes, Gallímard, 1927.
Les dieu», Gallimarel, 1934.
Préliminaires à Ia m:yfhologie, Hartmann, 1934.
Humanités, Mérielien, 1946 (em particular capo III, de 1925).
Esquisses d'Alain, I, Pédagogie en'[antinc, P.U,F .. 1963 (curso de Sévigné ).
As edições ele La PféIade reuniram em três volumes as obras prin=--
cipais de ALA!!': o volume de Pro pos traz boa biooibliografia ; 05 três
volumes trazem índices.
Um Alain éducateur foi publicado em 1964, por G. Pxscxt, nas P.U.F.
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