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LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Lauro Roberto Lostada Edemilson Gomes de Souza CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Maria Aparecida de Oliveira e Silva Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2017 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 340 L878l Lostada, Lauro Roberto Legislação e direito educacional / Lauro Roberto Lostada; Edemilson Gomes de Souza. Indaial: UNIASSELVI, 2017. 138 p. : il. ISBN 978-85-69910-83-1 1.Direito. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Lauro Roberto Lostada Edemilson Gomes de Souza Doutorando em Educação (UFSC). Mestre em Educação (UFSC). Especialista em Práticas Pedagógicas Interdisciplinares (FACVEST). Especialista em Mídias na Educação (FURG). Filósofo (UFSC). Lattes: <http://lattes.cnpq.br/1469046395979183> Mestre em Educação, Comunicação e Tecnologia pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (2006). Lattes: <http://lattes.cnpq.br/3428954785179037> Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................01 CAPÍTULO 1 A Origem da Escola .....................................................................09 CAPÍTULO 2 A Educação no Brasil .................................................................27 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 A Legislação Educacional Brasileira .......................................71 A Educação no Século XXI .......................................................107 APRESENTAÇÃO Prezado estudante, neste livro de estudos iremos trabalhar a legislação e o direito educacional brasileiro, tecendo um debate crítico que poderá promover importantes reflexões sobre a sua própria prática pedagógica. Iremos conversar um pouco sobre a formação da escola, sua constituição histórica, e as práticas reprodutivistas comumente associadas à sua função. Apresentaremos como, a partir destas bases epistemológicas, a escola se constituiu no decorrer dos séculos até os dias de hoje. Com base nestas reflexões, iremos analisar as diversas mudanças vividas pelas pessoas no seu cotidiano, questionando o papel da escola e, destarte, do próprio educador tradicional, como figuras ultrapassadas, que ainda vivem um passado longínquo, transformando a escola num ambiente com resultados inexpressivos e com pouca participação. Vivemos um mundo onde há a exigência da sociedade para que as pessoas sejam ativas e participativas, mas muitas vezes nossa escola ainda se pauta por práticas alienantes, expressas por altos índices de evasão e reprovação. Nestes termos, precisamos conhecer a legislação que organiza este espaço e, a partir daí, elaborar um projeto que possa colaborar para a ressignificação deste espaço na vida das pessoas e em seus projetos de vida. A escola não pode ser vista como algo inerte, sem vida, pois é feita por nós, professores, e nossos alunos e comunidade. São nossas narrativas e nossos projetos que determinam esse ambiente e, portanto, nossas ações precisam ser revisitadas e planejadas em vista de nossos projetos e nossas intenções. E este, portanto, é o objetivo deste caderno: refletir sobre a nossa história e as bases de nossa escola para poder repensá-la e transformá-la em um ambiente realmente de aprendizagem, fundamental à vida das pessoas. Esperamos, enfim, que as reflexões que serão realizadas neste caderno de estudos sirvam como motivação para que você possa repensar suas práticas e que, portanto, lhe permitam um universo de novas possibilidades. Os autores. CAPÍTULO 1 A Origem da Escola A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar as concepções de educação e saber escolar desde suas origens até os dias modernos. Debater o contexto histórico da escola, possibilitando uma reflexão coerente sobre os fundamentos da educação e suas bases epistemológicas. 10 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 11 A Origem da Escola Capítulo 1 A educação é algo que nos caracteriza desde nossas origens, configurando aquilo que conhecemos costumeiramente como cultura. Contextualização Apresentaremos, neste capítulo, um pouco da origem da educação e como ela foi sistematizada institucionalmente naquilo que hoje conhecemos como escola. Também iremos mostrar como esta instituição foi se constituindo ao longo da história e como ela se consolidou como um mecanismo político na Idade Média. Por último, iremos apresentar como a escola se transformou, na Idade Moderna, num instrumento de reprodução social, cuja função primordial era a manutenção das estruturas de poder vigentes. Assim, toda essa panorâmica sobre a história da escola deve poder lhe oferecer subsídios suficientes para compreender os fundamentos epistemológicos da educação, que servirão como base para todo o mecanismo legislativo que iremos detalhar nos capítulos seguintes. Esperamos que você aproveite esse momento e as contribuições que lhe serão oferecidas para conhecer um pouco mais dessa complexa arquitetura, bem como para poder refletir sobre ela em busca de uma prática pedagógica mais livre e autônoma. Educação x Escola: Origens Cultura: significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento [...] indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização. Fonte: Abbagnano (2007, p. 225). 12 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Nestes termos, quando passamos a pensar a educação como resultado da cultura humana, acabamos por nos defrontar com os primórdios da nossa civilização. Essa fase primitiva é, portanto, onde vislumbramos as formas mais simples e elementares da educação, aspectos que determinavam diretamente a sobrevivência ou não do homem diante dos desafios que a natureza lhe impunha. Assim, nas civilizações primitivas, a família é que desempenha o papel fundamental na formação dos indivíduos, sem que exista ainda qualquer educação sistematizada ou instituição escolar organizada. O homem, certamente, já não é um ser animalizado nessas sociedades e, por isso, tece sua existência por parâmetros mais racionais que outrora – parâmetros estes que passam a desempenhar grande importância em sua vida, oferecendo as noções necessárias para a existência e os desafios impostos pela natureza. O objetivo da educação nesse primeiro momento é para com a satisfação imediata das necessidades materiais como a alimentação, o vestuário e o abrigo, de modo que a educação se realiza fundamentalmente através da promoção dos aspectos físicos, intelectuais e morais. A formação dos jovens é promovida através de uma grande liberdade no tocante às experiências físicas com os jogos e a imitação, que passam a ser as ferramentas mais importantes para a aprendizagem naquele momento – as crianças brincam nestas sociedades de fazer arcos e espadas, por exemplo, criando histórias nas quais vivenciam aquilo que mais tarde terão que viver nas caças e batalhas. Quanto à formação intelectual, a criança é formada desde cedo para ser capaz de prover as suas próprias necessidades e também as da família e da comunidade. Obviamente que esta educação varia dependendo do sexo da criança, que irá determinarsua função social diante da família e da comunidade: enquanto os meninos aprendem os hábitos dos animais, as artimanhas da caça e da pesca, mecanismos de defesa e navegação, desenvolvendo suas habilidades físicas e sua percepção natural, as meninas são educadas para a reprodução e cuidado dos filhos, além das ocupações domésticas. Por último, além da educação física e intelectual, os povos primitivos cultivam também uma rústica educação moral, mediante a qual formam as novas gerações, ensinando-as os preceitos de respeito aos mais velhos, honra, obediência, autoridade etc. Os povos primitivos compartilham, de modo geral, em relação à religião, a crença em espíritos independentes, poder, justiça, responsabilidade, dever e consciência moral, onde o pecado é punido e a obediência recompensada. 13 A Origem da Escola Capítulo 1 O MITO DE PANDORA Em tempos longínquos não existiam mulheres no mundo, apenas homens, que viviam sem envelhecer, sem sofrimento, sem cansaço. Quando chegava a hora de morrerem, faziam-no em paz, como se simplesmente adormecessem. Um dia, contudo, Prometeu roubou o fogo a que só os deuses tinham acesso e deu-o aos homens, para que também eles pudessem usufruir desse bem, na defesa contra os animais ferozes, na confecção dos alimentos, na garantia de aquecimento nas noites frias. O rei dos deuses não podia deixar passar em branco a afronta de Prometeu e concebeu um castigo terrível para a humanidade: mandou que, com a ajuda de Atena, Hefesto, o deus ferreiro, criasse a primeira mulher, Pandora, e cada um dos deuses dotou-a com uma das suas características: O conhecimento primitivo é resultado direto da linguagem e sua organização se dá através, principalmente, do senso comum, que é aquele: [...] conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepassados e ao qual acrescentamos os resultados da experiência vivida na coletividade a que pertencemos. Trata- se de um conjunto de ideias que nos permite interpretar a realidade, bem como de um corpo de valores que nos ajuda a avaliar, julgar e, portanto, agir (ARANHA, 2009, p. 35). Esse tipo de conhecimento, ainda segundo Aranha (2009), embora fundamental nessa fase de nossa existência, pode ser hoje entendido como ingênuo, fragmentário e conservador – ingênuo porque consiste num conhecimento não crítico; fragmentário porque é frequentemente assistemático, difuso e sujeito a incoerências; e conservador porque também resiste à mudança. O senso comum é, portanto, um primeiro degrau na escalada do conhecimento, que deve ser superado em vista de um conhecimento mais crítico e sistemático. Os povos primitivos, como dissemos, organizavam seu conhecimento através de suas experiências vivenciais e, portanto, tinham grandes dificuldades para compreender com exatidão muitos dos fenômenos e acontecimentos que permeavam sua existência. Por esta razão, podemos destacar que neste período os mitos tiveram um papel de grande importância na educação moral das pessoas. Sobre a origem do mundo, por exemplo, podemos encontrar a lenda de Pandora: 14 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Afrodite deu-lhe beleza e poder da sedução; Atena fê-la arguta e concedeu-lhe a habilidade dos labores femininos; mas Hermes deu- lhe a capacidade de mentir e de enganar os outros. Zeus ofereceu-a então de presente a Epimeteu, que era irmão de Prometeu. Sem pensar duas vezes e contrariando a advertência do irmão, que lhe dissera que nunca aceitasse nenhum presente vindo de Zeus, ele deixou-se seduzir pela bela Pandora e casou-se com ela. Pandora trazia um presente dado pelo pai dos deuses: a Caixa de Pandora, que estava proibida de abrir. Mas, roída pela curiosidade, um dia decidiu levantar só um bocadinho da tampa, para ver o que lá se escondia. De imediato dela se escaparam todos os males que até aí os homens não conheciam: a doença, a guerra, a velhice, a mentira, os roubos, o ódio, o ciúme. Assustada com o que fizera, Pandora fechou a caixa tão depressa quanto pôde, colocando-lhe de novo a tampa. Mas era demasiado tarde: todos os males haviam invadido o mundo para castigar os homens. Lá, muito no fundo da caixa, restara apenas uma pequena e tímida coisa, que ocupava muito pouco espaço: a esperança. Fonte: Disponível em: <http://www.olimpvs.net/index.php/ mitologia/a-caixa-de-pandora/>. Acesso em: 15 jul. 2016. O mito de Pandora nos faz ver que, em geral, esse tipo de conhecimento aborda a curiosidade, a desobediência e o castigo, constituindo-se como verdade intuída, ou seja, que não exige comprovações, sendo o seu critério de adesão a crença e não a evidência racional. Mito: Além da acepção geral de “narrativa”, na qual essa palavra é usada [...], do ponto de vista histórico é possível distinguir três significados do termo: 1. Como forma atenuada de intelectualidade; 2. Como forma autônoma de pensamento [...]; 3. Como instrumento de estudo social. Fonte: Abbagnano (2007, p. 673). 15 A Origem da Escola Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) Como vimos, o mito consiste em uma série de conceitos que servem para tranquilizar o homem diante do mundo em que vive e daquilo que ele não sabe explicar. Assim, podemos afirmar que o mito ainda existe até os nossos dias enquanto forma de conhecimento. Que tal agora você descrever uma situação em que o mito pode ser exemplificado? Pode ser algo que você viu ou ouviu. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Em geral, o mito surge como uma explicação daquilo que o homem não conhece, devido à sua capacidade imaginativa e fantasiosa, cuja função primordial é acomodar e tranquilizar o sujeito diante do mundo assustador em que vive. Assim, tudo aquilo que amedronta o homem passa a ser explicado através de narrativas mitológicas, que se eternizam através da cultura, sendo transmitidas de geração a geração. O Conhecimento Científico Até o momento você aprendeu que o conhecimento informal que compõe a bagagem dos povos primitivos acabou sendo sistematizado de alguma maneira através do senso comum e dos mitos. Agora iremos analisar a passagem do mito à razão, que se institui primordialmente no âmbito da Grécia antiga. Neste sentido, é interessante destacar que os povos gregos também compartilhavam das concepções míticas, expressas principalmente pelas epopeias, que eram transmitidas pela tradição, em que pese o poder da oralidade e da coletividade (não existia até esse momento a concepção de autoria e nem mesmo a preocupação em registrar as histórias contadas). As epopeias, de modo geral, tiveram um papel de grande importância para os povos gregos, porque descrevem a história de sua civilização, transmitindo os valores de sua cultura. Os poemas de Homero, por exemplo, eram tidos como narrativas históricas e, desta forma, eram ensinados e decorados pelas crianças como sendo um guia de história, com informações importantes sobre comportamento, cultura, religião, fatos históricos, mitologia grega e a sociedade da Grécia antiga. 16 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Epopeia é um poema extenso que narra as ações, os feitos memoráveis de um herói histórico ou lendário que representa uma coletividade. Que tal ler o livro A Ilíada e A Odisseia, de Márcia Williams, onde as aventuras dos heróis gregos na Guerra de Troia e a volta do herói Ulisses para sua casa em Ítaca se transformam em uma história em quadrinhos, cheia de personagens fantásticos e muito humor? A obra de Homero consiste na Ilíada: poema épico grego, considerado o mais antigo da literatura ocidental – são 15.693 versos que narram os acontecimentos do último ano da Guerra de Troia; e Odisseia – são 24 cantos que narram a viagem de 10 anos de volta do herói grego Odisseu (Ulisses) da Guerra de Troia até chegar à Ilhade Ítaca, onde era rei. As ações heroicas narradas nas epopeias, de modo geral, demonstram a constante intervenção dos deuses na vida dos homens, seja para auxiliá-los ou para prejudicá-los. Neste sentido, o homem grego é uma vítima do destino, que passa a orientar a vida de todos os homens desde seu nascimento até a sua morte. Essa situação permanece inalterada até o período arcaico da Grécia, por volta do século VII a.C., quando acontece a passagem do pensamento mítico para o pensamento crítico racional e filosófico. Essa mudança, contudo, não se deu de forma rápida e perceptível, mas como fruto de um longo e lento processo, que teve como fatores impactantes: a origem da pólis, as grandes navegações e o comércio entre os diferentes países e regiões. Considere o mapa a seguir, que mostra a Grécia no período arcaico: 17 A Origem da Escola Capítulo 1 Figura 1 – Grécia no período arcaico Fonte: Disponível em: <http://geacron.com/pt/>. Acesso em: 15 jul. 2016. Nesse cenário podemos observar a formação das chamadas comunidades gentílicas, que consistiam em pequenas unidades agrícolas autossuficientes, nas quais todas as riquezas eram produzidas de forma coletiva. Com o passar do tempo, porém, a falta de terras e o uso de técnicas de plantio pouco avançadas estabeleceram um crescimento populacional maior que a produção agrícola das comunidades gentílicas, obrigando a divisão social dos membros, com a formação de uma restrita classe de proprietários de terras, os eupátridas (bem-nascidos); e aqueles que não tinham qualquer tipo de propriedade agrícola, os thetas (marginais). Assim, mais do que controlar a posse da terra, os eupátridas também organizaram os instrumentos e instituições responsáveis pelas decisões políticas, as manifestações religiosas e todas as outras manifestações que pudessem reafirmar o seu poder. Na medida em que a propriedade da terra estabelecia disputas de poder, vemos que alguns grupos passaram a se mobilizar em defesa de seus territórios, as chamadas fratrias. Com o passar do tempo, as fratrias também se uniriam em tribos, que tinham como função a defesa das terras. A partir do momento em que as demandas políticas dessas comunidades se tornavam cada vez mais recorrentes, vemos que essas associações de cunho militar passaram a ter outro significado, determinando a formação das primeiras cidades- estado ou as pólis gregas, que eram povoações que se desenvolviam em torno da acrópole, onde no ponto mais alto da cidade se encontravam os palácios e templos. 18 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Filosofia: é o uso do saber em proveito do homem. [...] De nada serviria possuir a capacidade de transformar pedras em ouro a quem não soubesse utilizar o ouro, de nada serviria uma ciência que tornasse imortal a quem não soubesse utilizar a imortalidade, e assim por diante. É necessária, portanto, uma ciência em que coincidam fazer e saber utilizar o que é feito, e esta ciência é a filosofia. Fonte: Abbagnano (2007, p. 442). De outro modo, como podemos verificar no mapa apresentado, a geografia do universo grego evidencia os benefícios que este povo tinha a seu favor em relação ao Mar Mediterrâneo. Os gregos possuíam ao seu dispor o mar, notadamente calmo, como uma importante opção para a piscicultura de subsistência. A pesca, por sua vez, acabou oportunizando as navegações e o contato com outros povos e culturas. Esse contato, entendido como comércio, gerou um ambiente crítico, já que as explicações até então adotadas pelos gregos passaram a ser interpostas por outras explicações ou visões de mundo. A pólis, então, resume todo este processo de transição ao oferecer um ambiente fértil para o diálogo, onde as inquietações oriundas desses impasses passaram a ser analisadas, gerando o que conhecemos hoje como a filosofia. Figura 2 – Desenvolvimento da Filosofia na Grécia Fonte: Os autores. GEOGRAFIA GREGA AGRICULTURA PESCA NAVEGAÇÃO COMÉRCIO DIÁLOGO INQUIETAÇÃO FILOSOFIA Assim, podemos dizer que a filosofia não é necessariamente o que concebemos atualmente, pois ela resumia o conhecimento racional para além do senso comum e dos mitos, elaborado a partir do surgimento da pólis (cidade) e, consequentemente, da ágora (praça pública), onde as pessoas se encontravam para discutir os problemas de interesse comum, tornado espaço público. O saber, neste cenário, deixa de ser sagrado e passa a ser elaborado pelo conflito, discussão e argumentação. Assim é que surge a política, que permitiu que o homem se livrasse dos desígnios divinos e instituísse seu próprio destino através 19 A Origem da Escola Capítulo 1 da praça pública. Todos podem opinar nesse modelo de sociedade, desde que sejam cidadãos gregos, – não participavam desse modelo de democracia as mulheres, as crianças, os estrangeiros e os escravos – portanto, participavam apenas os homens que fossem livres e nascidos gregos. Restavam, pois, poucos que, diante da população da época, podiam participar dos processos democráticos; e, desta forma, vislumbramos um modelo de participação direta, onde cada um podia exercer a palavra, em favor de seus interesses, ditos como interesses de todos. Foi a partir desse cenário que surgiram os sofistas. Segundo Aristóteles, a sofística resume a sabedoria aparente, mas não real, que indica a habilidade de aduzir argumentos capciosos ou enganosos (ABBAGNANO, 2007, p. 918). Estes sábios, diante do universo que se erguia ao seu redor, perceberam um ambiente em que poderiam obter lucros. Assim, eles passaram a ensinar as técnicas da dialética, fundamentais para o exercício da democracia, onde o cidadão, no exercício da palavra na ágora, poderia convencer os demais sobre aquilo que tinha como verdade. Atividade de Estudos: 1) Diante do que vimos sobre a democracia e o surgimento dos sofistas, analise a frase de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha nazista, confrontando com o poder da propaganda e da persuasão: “A essência da propaganda é ganhar as pessoas para uma ideia de forma tão sincera, com tal vitalidade, que, no final, elas sucumbam a essa ideia completamente, de modo a nunca mais escaparem dela. A propaganda quer impregnar as pessoas com suas ideias. É claro que a propaganda tem um propósito. Contudo, este deve ser tão inteligente e virtuosamente escondido que aqueles que venham a ser influenciados por tal propósito nem o percebam”. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 20 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL A Atitude Filosófica Você viu há pouco como se deu a ruptura do conhecimento mitológico dos povos primitivos para o conhecimento filosófico grego, cujo fundamento é a crítica e a argumentação, com base no diálogo. Neste sentido, é importante avaliar que a base desse conhecimento, tal como revela a etimologia da palavra (philos- sophia = amor à sabedoria), aponta para uma atitude de admiração, que gera uma procura pela verdade. Não existe, para Platão, o processo filosófico se não houver antes uma atitude de espanto diante do mundo e, portanto, a filosofia aqui exposta não é de um saber abstrato, como muitos podem pensar, mas sim de um saber baseado no cotidiano, nos acontecimentos. Como diz Aranha (2009, p. 72): A filosofia se encontra no seio mesmo da história. No entanto, está mergulhada no mundo e fora dele: eis o paradoxo enfrentado pelo filósofo. Isso significa que o filósofo inicia a caminhada a partir dos problemas da existência, mas precisa se afastar deles para melhor compreendê-los, retornando depois a fim de dar subsídios para as mudanças. Sócrates é um grande exemplo desse modelo de filósofo, pois ele costumavaconversar com todos, independentemente da classe ou grupo ao qual pertenciam, sempre preocupado com o método do seu conhecimento. Assim, nas praças públicas, Sócrates interpelava as pessoas a partir do pressuposto básico de que “nada sabia”, que consiste exatamente na atitude de abertura ao novo, a partir do reconhecimento da ignorância. Em sua ânsia pela verdade, Sócrates elaborou um método pedagógico baseado basicamente em dois momentos: a ironia e a maiêutica. Nas suas conversas ele induzia as pessoas a pensarem que ele realmente não sabia do assunto abordado, levando o interlocutor a declarar suas crenças sobre a questão. Assim, com hábeis questionamentos, Sócrates conduzia a conversa, desconstruindo o que o seu interlocutor tinha como certo, até forçá-lo a perceber sua ignorância – essa era a etapa do processo conhecida como ironia. Após esse primeiro momento do diálogo, Sócrates começa a reconstruir um novo conceito, como que em um parto – essa etapa é conhecida como maiêutica e teve como fonte de inspiração a figura da mãe de sua mãe, que atuava como parteira. O interessante é que o processo não levava às conclusões já estipuladas por Sócrates, pois, às vezes, não havia nem resposta para as dúvidas levantadas. O que importava, portanto, era descontruir os pré-conceitos em busca de uma verdade que fosse universal. 21 A Origem da Escola Capítulo 1 Figura 3 - Método Socrático Pré-conceito Desconstrução Ironia Maiêutica Reconstrução Novo conceito Fonte: Os autores. Sócrates elabora, com esse modelo, um verdadeiro projeto didático onde o sábio/filósofo exerce o papel de mediador dialógico, cujo trabalho é desconstruir os pré-conceitos (mitos e senso comum) em busca de novas respostas, desta vez baseadas em argumentos coerentes, elaborados através de uma reflexão radical (por se tratar de uma busca de conceitos fundamentais utilizados em todos os campos do pensar e do agir), rigorosa (por ser uma argumentação baseada em uma linguagem rigorosa, livre das ambiguidades das expressões cotidianas) e de conjunto (porque examina os problemas sob a perspectiva de conjunto, relacionando os diversos aspectos entre si). A pedagogia grega representava, assim, um ideal não apenas de conhecimento, mas de aperfeiçoamento da personalidade através do conhecimento. O que é importante ressaltar também sobre esse tipo de educação é que ela não foi fruto de uma legislação e nem resultou de um sistema público de ensino, constituindo-se como uma iniciativa “particular” diante do idealismo do povo grego e do seu grande apego às ciências e às artes, tornado possível graças à liberdade de expressão que se cultivava na pólis. Assim, a educação grega, principalmente a ateniense, era dividida em duas fases distintas: 1) A educação da infância: Entre os cinco aos sete anos compreendia os ensinamentos paternos, frequentemente vagos diante do capital cultural das famílias. Nesse momento os preceitos intelectuais, físicos e morais eram ensinados a partir, principalmente, das poesias, fábulas, contos e cânticos. A partir dos sete anos as crianças eram entregues a um pedagogo, escravo, que acompanhava a criança, ensinando-a, levando-a à escola e cuidando dela. Na educação elementar todas as crianças aprendiam a gramática (escrita, leitura e cálculo) e, através da leitura e da recitação, aprendiam religião, história, geografia, política, geometria, cálculos, etc. Quando terminavam essa fase, as crianças provenientes das famílias pobres deixavam a escola e iam dedicar-se ao exercício profissional, enquanto as provenientes das famílias mais abastadas continuavam seus estudos. 22 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 2) A educação da juventude: Com 15 anos os jovens eram encaminhados para o ginásio, onde permaneceriam por mais três anos recebendo lições de diversas ciências, além da filosofia e da sofística. Quando atingiam os 18 anos, os adolescentes eram recebidos entre os efebos (palavra grega que significa aquele que atinge a idade da puberdade), tornando-se aptos para o serviço público, de caráter militar ou cívico, com duração de dois anos. Assim, cada efebo recebia uma preparação física e intelectual para o exercício das atividades de guerra e de paz. Há que se ressaltar, contudo, que a educação ateniense visava apenas a formação dos homens, já que as meninas eram educadas no interior dos gineceus (parte da habitação que, na Grécia antiga, era reservada às mulheres), pelas suas mães, para o exercício exclusivo das funções domésticas. Paideia: é a denominação do sistema de educação e formação ética da Grécia antiga, que incluía temas como ginástica, gramática, retórica, música, matemática, geografia, história natural e filosofia, objetivando a formação de um cidadão perfeito e completo, capaz de liderar e ser liderado e desempenhar um papel positivo na sociedade. O conceito surgiu nos tempos homéricos e permaneceu em sua essência inalterado ao longo dos séculos, embora variando suas formas de aplicação e as disciplinas envolvidas. Em geral, podemos dizer que Platão foi o primeiro pedagogo da história, não só por ter concebido um sistema educacional para o seu tempo, mas, principalmente, por pensá-lo numa dimensão ética e política. Tanto como seu mestre Sócrates, Platão rejeitava ardentemente a educação que se praticava na Grécia de sua época, cuja responsabilidade cabia aos sofistas, incumbidos de transmitir conhecimentos técnicos, sobretudo da oratória, aos jovens da elite, para torná-los aptos a ocupar as funções públicas. Platão, tendo por base a ideia de que os cidadãos que têm o espírito cultivado fortalecem o Estado e que os melhores entre eles serão os governantes, defendia que toda educação era de responsabilidade estatal - um princípio que só se difundiria muitos séculos depois. Além disso, ele também defendia a mesma instrução para os meninos e as meninas e o acesso universal ao ensino. 23 A Origem da Escola Capítulo 1 Apesar do que parece, contudo, Platão era um radical opositor da democracia, pois via no sistema democrático que vigorava em Atenas uma estrutura que concedia poder a pessoas despreparadas para governar, fato que fora provado, a seu ver, através da condenação de Sócrates, acusado de corromper a juventude e morto por isso. Para Platão, o poder deveria ser exercido por um tipo de aristocracia, mas não constituída pelos mais ricos ou por uma nobreza hereditária, porém, definido pela sabedoria. Os reis deveriam ser filósofos, pois a sociedade só pode ser salva, ou ser forte, se tiver à frente seus homens mais sábios. Para esta seleção Platão elaborou um modelo em que as aptidões dos alunos eram testadas em favor da comunidade. Assim, a formação dos cidadãos começaria antes mesmo do seu nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação. Após nascerem, as crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo, pois Platão considerava que a influência da família corrompia a juventude com pré-conceitos e falsas opiniões – lembre-se da famosa Alegoria da Caverna e dos grilhões que prendiam os cativos. Na Alegoria da Caverna de Platão (A República, Livro VII), encontramos a história de alguns homens que, tendo sido feitos prisioneiros desde a tenra infância, vivem acorrentados em uma caverna sem que lhes seja possível ver senão uma parede à sua frente, de tal modo que, assistindo somente às sombras que são projetadas por transeuntes que passam entre um muro e uma fogueira ali presentes, com toda a sorte de instrumentos e objetos, passam a acreditar que veem a realidade tal como ela é. Platão questiona nessa história sobre o que aconteceria se, de alguma maneira, um destes prisioneiros fosse liberto e seguisse o caminho que leva para fora da caverna. O prisioneiro, evidentemente, não poderia sair daquele ambiente sem que passasse por um cuidadoso processo de adaptação, de forma que viesse a conhecer gradativamente omundo de fora da caverna ao ponto de poder olhar diretamente para o Sol, se assim desejasse. Este sujeito, devidamente adaptado e ciente desta nova realidade, teria provavelmente o anseio de retornar aos seus companheiros de prisão com o objetivo de lhes oferecer um pouco daquilo que pôde provar em sua jornada, abrindo-lhes os olhos para a verdade que 24 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL lhes fora negada em sua existência; no entanto, nesse retorno à caverna é possível imaginar que os demais prisioneiros teriam muita dificuldade para acreditar em sua história e que julgariam que sua fuga deixou-o alienado ou louco, de tal modo que o desconsiderariam e talvez até zombariam dele, permanecendo fiéis às suas antigas concepções. Figura 3 – Ilustração da alegoria da caverna Fonte: Disponível em: <http://mito-da-caverna-platao.blogspot.com/2010/07/ interpretacao-da-alegoria.html>. Acesso em: 10 jul. 2017. Com essa metáfora Platão pretende demonstrar que a existência dos seres humanos se assemelha à dos prisioneiros da sua história, sendo a caverna o mundo onde eles vivem. As sombras simbolizam as coisas que são percebidas e as correntes são os preconceitos e as opiniões. O prisioneiro que se liberta é o filósofo e a luz do Sol que o ilumina é a verdade. O mundo fora dessa caverna seria, portanto, o mundo real, iluminado pelo Sol da verdade, e o instrumento que liberta o prisioneiro é a própria filosofia. Através desta alegoria Platão permite, portanto, refletir sobre a condição humana e sobre os riscos da crença e da opinião. A alegoria platônica possibilita compreender que a alma aspira a alcançar o objeto real, a essência inteligível, transcendental, mas os sentidos, a educação e os preconceitos dificultam esse encontro, agindo no sentido de acorrentar os sujeitos. De qualquer forma, no entanto, há um grande esforço em caminhar na direção da verdade, pois há uma afinidade de natureza entre a alma e a coisa inteligível. A inteligência é atraída para a verdade, porque não está sob a égide dos sentidos, constituindo-se também como algo imaterial 25 A Origem da Escola Capítulo 1 e inteligível, de modo que se pode perceber a existência de uma harmonia entre a inteligência e o inteligível. Segundo Platão, esse processo deixa ver que em geral o corpo não é fonte confiável de conhecimento, mas de engano. O mundo é feito de aparências, de ilusões. Deste modo, deve-se buscar a verdade das coisas. Platão falava que os prisioneiros da sua alegoria estavam presos desde a infância, simbolizando a prisão que o corpo impõe à alma, algemada à tradição. Os presos o estão pelas pernas, pois o conhecimento sugere um caminhar. Não veem, porque ver é conhecer. Todo o homem é prisioneiro de seus próprios preconceitos: tudo para eles é mera projeção do real, pura ilusão. Se os prisioneiros, contudo, reconhecessem a ilusão, reconheceriam também a sua ignorância. Não conversam, pois seria uma troca de informações que faz conhecer. A tarefa do filósofo é libertar as pessoas de suas prisões através do reconhecimento da própria ignorância. Os prisioneiros precisam de auxílio para deixar a ignorância e educar sua alma a uma escalada que parte da ilusão, passa pela crença, percorre os objetos matemáticos e chega finalmente às ideias. É possível imaginar, no entanto, que o prisioneiro que tivesse que passar pela experiência de se adaptar à luz do verdadeiro Sol preferiria permanecer nas sombras, pois a caminhada em vista do conhecimento é um percurso longo e difícil, mas o único possível para se chegar ao Sol da Verdade, do Bem e do Justo (CHAUÍ, 2002). Vive-se uma realidade onde o enganoso se faz, segundo Platão, verdade e a verdade se transforma em utopia, de modo que somente os momentos de crise, onde o certo se torna incerto, é que podem gerar mudanças de atitude. O sujeito passa a questionar suas crenças e suas opiniões, interrogando-se sobre suas causas e seu sentido (o que é, como é, por que é), em busca de razões, de certezas mais confiáveis, que serão, numa perspectiva política da teoria, fundamento de uma visão de mundo que valoriza o diálogo como fonte de libertação. Essa perspectiva também configura a filosofia e, de certo modo, as próprias tecnologias modernas, como instrumentos para romper os grilhões da opressão e guiar os homens que ainda não veem, pois elas funcionam como um espaço de encontro e de discussão – ágora, que era a praça principal na constituição da pólis grega, onde o cidadão grego convive com o outro e onde ocorrem as discussões políticas e os tribunais populares. 26 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Até os 10 anos, portanto, a educação seria predominantemente física e constituída de brincadeiras e esporte; só depois começaria a etapa da educação musical, que criaria uma propensão à justiça, e para atrair e tornar mais interessantes os conteúdos de matemática, história e ciência; depois dos 16 anos, à música se somariam os exercícios físicos, com o objetivo de equilibrar força muscular e aprimoramento do espírito; aos 20 anos, os jovens seriam submetidos a um teste para saber que carreira deveriam abraçar – os aprovados receberiam mais dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter. No teste que se seguiria, os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os aprovados para a filosofia - neste caso, os objetivos dos estudos seriam pensar com clareza e governar com sabedoria. Aos 35 anos terminaria a preparação dos reis-filósofos. Mas ainda estavam previstos mais 15 de vida em sociedade, onde testariam os conhecimentos entre os homens comuns, trabalhando para se sustentar. Somente os que fossem bem-sucedidos em todas estas etapas é que se tornariam governantes. Você conheceu um pouco do modelo educacional grego, das propostas educacionais de Sócrates e Platão, além das noções humanistas que permeavam seu ensino. Platão foi o primeiro pedagogo, não só por ter concebido um sistema educacional para o seu tempo, mas, principalmente, pensando numa dimensão ética e política. Agora sugerimos que você vá até a internet e pesquise um pouco mais sobre como funcionava a Paideia de Platão, cujo modelo inspirava-se na figura de Sócrates e no cuidado das crianças desde a mais tenra idade para que não fossem corrompidas pelo poder das crenças e das opiniões. É uma proposta radical de ensino, nunca implementada, mas muito interessante para pensar as possibilidades para uma educação cosmopolita! O Conhecimento como Instrumento de Poder É interessante notar que Aristóteles, discípulo de Platão e um dos grandes filósofos gregos, atuou como mestre de Alexandre III, comumente conhecido como Alexandre, o Grande – rei da Macedônia; e encerrou a história grega até aqui apresentada. O espírito romano, como resultado direto de um inventário de 27 A Origem da Escola Capítulo 1 conquistas, se caracterizou por ter um sentido prático e utilitário e a educação romana, por sua vez, passou a ser orientada para o aperfeiçoamento do próprio Estado. O ideal educativo dos romanos, durante seu período antigo, que se seguia ao fim da civilização grega, foi a preparação da juventude para os serviços militares, através de uma rígida educação física e pelo desprezo da cultura intelectual. Há também nesse período uma grande valorização do poder pátrio, com o advento do absolutismo familiar, onde o homem mantinha a função de rei e sacerdote, podendo exercer o direito de vida e de morte sobre a sua esposa, filhos e escravos. Dentro da sociedade, contudo, o homem era ainda um cidadão e, sendo membro da República, tinha que servir ao Estado. A educação dos filhos, da mesma forma, era atribuição do pai, que detinha absoluta liberdade no ensino das novas gerações, transmitindo seu capital cultural, econômico, social e político. Somente após um período de transição, aproximadamente no século III a.C., é que Roma passaa receber a influência dos povos e intelectuais gregos, que estabeleceram ali as primeiras escolas, destinadas a completar os estudos domésticos e, posteriormente, expandi-los através do ensino secundário. Foi assim que, com a helenização da cultura romana, houve a fusão entre a educação romana e a grega, fazendo com que os romanos perdessem suas virtudes cívicas e familiares, além das tradições religiosas e morais. O ensino passa a se dirigir, portanto, para a formação de oradores e magistrados, com a formação de cursos superiores e a estruturação de métodos empíricos (baseados na experiência e na observação), aplicados sob a égide de uma disciplina severa e muitas vezes até mesmo cruel. O ensino, ao contrário dos gregos, não visava a totalidade, harmonia e perfeição, pois estava subordinado, como dissemos, a um objetivo prático e utilitário, que resultava num modelo pragmático de ensino. É importante destacar que neste período houve também o surgimento do cristianismo, que inicialmente foi perseguido diante do risco que oferecia à ordem da República e ao poder exercido pelos governantes – havia uma esperança popular de que a proposta apresentada de um novo reino satisfaria o anseio de justiça diante de um governo cruel e opressor da época. Assim, o Império Romano passou a perseguir os cristãos, que muitas vezes eram presos, torturados e mortos – o Coliseu, em Roma, foi o palco de muitas dessas cenas, onde os cristãos eram lançados aos leões como entretenimento às multidões. Contudo, ao longo de séculos, a perseguição, que se instituíra cada vez mais cruel, culminando com a morte de milhares de cristãos, tornara-se inútil e até mesmo não proveitosa. Esse cenário permaneceu inalterado durante muito tempo, até a conversão de Constantino, que, enquanto imperador romano, determinou o fim da perseguição aos cristãos e, paralelamente, incentivou a sua expansão, ao adotar o cristianismo enquanto religião “oficial”. Foi assim que, aos poucos, enquanto o Império Romano sucumbia, sendo dividido, a Igreja Católica se estabelecia e se 28 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL fortalecia através de acordos entre aqueles que aos poucos passavam a ocupar o poder, na conformação daquilo que conhecemos hoje como sistema feudal. Os novos reis, detentores das terras, estabeleciam relações com os senhores feudais, que mantinham uma teia de contatos com seus vassalos, mediados sempre pela Igreja, que exercia um importante papel ideológico nesta tessitura. Para saber mais sobre o cristianismo e a perseguição do Império Romano, acesse: <http://imperioroma.blogspot.com. br/2010/03/perseguicao-aos-cristaos.html>. Diante desse novo cenário, a Igreja passou a realizar pactos paralelos com os reis, organizando teias de relacionamentos, que lhe fomentavam poder suficiente para gerir um modelo político e econômico capaz de erigir uma estrutura em que ela podia dirigir os rumos dos acontecimentos, determinando acordos e estabelecendo as diretrizes para os feudos, que passaram a ter que se subjugar ao poder ora imposto. O poder da Igreja, portanto, estava intimamente ligado ao do Estado. Foi isso que verificamos no decorrer da Idade Média com o advento das Cruzadas e da Inquisição, cujo papel era consolidar o poder da Igreja diante dos ateus (aqueles que não participavam dos acordos promovidos, ditos como dogmas). A perseguição ora impingida aos que não corroboravam com os dogmas da Igreja produziu um saldo de incontáveis vítimas de torturas e perseguições, que eram condenadas e forçadas ao silêncio. Galileu Galilei foi um exemplo dessa situação, tendo sido perseguido por afirmar que a Terra girava em torno do Sol e não o contrário (pense no impacto desta teoria diante da pregação da Igreja de que o homem teria sido feito à imagem e semelhança de Deus e que a Terra fora feita para seu uso, como um presente, que, portanto, não podia ser visto como algo periférico dentro de um sistema geocêntrico/antropocêntrico). 29 A Origem da Escola Capítulo 1 Depois de conhecer sobre a perseguição da Igreja contra Galileu Galilei, que tal pesquisar um pouco mais sobre o monge Giordano Bruno e Joana D’Arc, que também foram perseguidos, mas que acabaram mortos por não voltarem atrás em suas crenças e afirmações? Isto para poder pensar um pouco sobre a relação entre esta perseguição e seu resultado, expresso pela afirmação de que a Idade Média se constituiu como um período de trevas. A Igreja passou a determinar até mesmo a transmissão do conhecimento, organizando uma lista de livros proibidos (Index Librorum Prohibitorum). Além do mais, a cópia/guarda/distribuição dos livros passou a ser de responsabilidade da instituição, que mantinha as bibliotecas e detinha o controle das reproduções, que eram realizadas pelos seus monges copistas. O ensino também acabou sendo controlado pela Igreja Católica, que passou a deter a responsabilidade sobre a educação formal, organizando pela primeira vez um modelo formal de educação, com a abertura das primeiras universidades, sempre controladas pelo clero, a quem cabia o ensino das elites. É interessante destacar que nesse momento o controle da educação e da leitura/escrita era extremamente importante para a manutenção do poder ideológico atribuído à organização eclesial. O clero era detentor de uma educação privilegiada e era responsável pela exclusiva tarefa de leitura e interpretação das escrituras sagradas, o que oferecia à Igreja a possibilidade de determinar os rumos da história. Assim, a educação foi organizada em vista da exclusão das grandes massas, que deveriam apenas trabalhar para manter as castas superiores, dentre as quais o clero. Apenas as elites que compunham as relações de poder mais elevadas é que recebiam o letramento e a educação necessários para a manutenção de seu status e da ordem estabelecida. Em resumo, esse período, a partir do século II, é conhecido como patrística e compreende a fase em que é estabelecida uma rígida aliança entre fé e razão – nesse período são elaboradas interpretações e adaptações das obras clássicas em defesa do cristianismo. De outro modo, a partir do século IX até o século XIV, a patrística é substituída pela escolástica, que continua a aproximar fé e razão – a razão era tida comumente como serva da teologia e, por isso, com frequência as disputas terminam com o apelo ao princípio da autoridade, que consiste na recomendação de humildade para se consultar os intérpretes devidamente autorizados pela Igreja. 30 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Atividade de Estudos: 1) Assista ao filme O Nome da Rosa, inspirado na obra de Umberto Eco, que relata um pouco dessa história de controle da Igreja sobre o conhecimento, e descreva quais são as suas impressões sobre esse período e o impacto que teve no desenvolvimento da educação. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Escola como Mecanismo de Reprodução Social na Idade Moderna O poder da Igreja Católica e a conformação escolar aos seus interesses acabam entrando em decadência por uma série de fatores que, em conjunto, por um longo período, determinaram também o fim da Idade Média e do feudalismo, com maior abertura ao conhecimento e surgimento de novos mecanismos de subordinação. Assim, podemos dizer que a peste negra, que dizimou entre 25 e 75 milhões de pessoas – mais ou menos um terço da população europeia –, a Guerra dos Cem Anos e a fome que se estabeleceram na Europa do século XIV criaram um ambiente aterrorizador, onde não havia expectativas para as pessoas. Foi assim que, com a grave crise que o sistema feudal passou a vivenciare com o advento da Revolução Industrial, aqueles que não participavam dos acordos da época, conhecidos como burgueses (eram comerciantes que se estabeleceram na beira das estradas que ligavam os feudos e viviam basicamente do comércio de trocas), e não tinham obrigações civis como os vassalos, aproveitaram o momento e, com os recursos que mantinham, promoveram o início da industrialização manufatureira, oferecendo vagas de empregos àqueles famintos e miseráveis que ora se amontoavam nos falidos feudos. 31 A Origem da Escola Capítulo 1 SOBRE A INVENÇÃO DA PRENSA TIPOGRÁFICA A cidade alemã de Aachen foi palco de uma verdadeira revolução: havia grandes peregrinações para visitar relíquias consideradas as mais sagradas do cristianismo (o cueiro de Jesus, os mantos da Virgem Maria e o pano no qual a cabeça de João Batista foi enrolada). Acreditava-se que esses objetos tinham poderes miraculosos, emitindo raios invisíveis capazes de curar doenças e conceder outras graças. Como havia uma corrida de grandes multidões, em 1300 deliberou-se que os objetos seriam expostos apenas uma vez a cada sete anos, durante apenas duas semanas. Para evitar que as pessoas precisassem se aglomerar para tocar as relíquias, foram criados espelhos que teriam a função de reter a energia sagrada. Poucos tinham autorização para fabricar esses espelhos. Tendo sido criado entre fabricantes de moedas, Gutenberg teve a ideia de tornar o processo de fabricação massivo através de prensas. Com esse mecanismo Gutenberg passou a enxergar outro mercado próspero com relação aos livros e assim repensou sua tecnologia desenvolvendo uma prensa tipográfica, onde fez a Bíblia com 42 linhas, apresentando-a numa feira em Frankfurt, onde Enea Picolomini, mais tarde Pio II, a viu, escrevendo uma carta para um clérigo da alta hierarquia sobre a novidade, que se espalhou como uma febre, primeiro em versões caras, como as manuscritas, sendo depois popularizadas em versões de bolso. Fonte: Powers (2012, p. 113-125). Neste novo cenário presenciamos também o surgimento da prensa tipográfica, cujo papel seria o de automatizar a produção de livros, possibilitando sua reprodução em massa. 32 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL A prensa possibilitou a impressão em grande escala da Bíblia, o que, por sua vez, gerou uma verdadeira revolução diante da democratização do acesso à interpretação, o que presenciamos através da Reforma Protestante de Martinho Lutero. A reforma protestante tem como principal contribuição a possibilidade de liberar a interpretação dos textos sagrados à exegese popular, permitindo uma abertura do cenário medieval à produção do conhecimento e livre circulação de ideias. A partir desta nova relação de forças surge o Iluminismo e, consequentemente, a Idade Moderna, como um ambiente fértil, no qual se manifestarão em breve as teorias do liberalismo que justificam e fundamentam o capitalismo enquanto modelo de regulamentação social, econômica, política e cultural. Iluminismo: Segundo Kant, o Iluminismo é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles mesmos. Minoridade é a incapacidade de utilizar o próprio intelecto sem a orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles mesmos se não for causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para utilizar o intelecto como guia. ‘Sapere aude! Tem coragem de usar teu intelecto!’ É o lema do Iluminismo. Fonte: Abbagnano (2007, p. 535). O Iluminismo, de forma geral, caracterizou-se pela defesa de ideais que pautavam a renovação das práticas e das instituições vigentes em vista da felicidade, da justiça e da igualdade. Assim, sua crítica dirigia-se à dominação religiosa, ao estado absolutista e aos privilégios das elites e, como forma de superar tais injustiças, a razão passou a ser vista como o instrumento fundamental para promover o progresso da humanidade – visão esta que fundamentou as concepções liberalistas e positivistas enquanto núcleos basilares da Idade Moderna. Por defender a razão como instrumento para a conquista da felicidade, justiça e igualdade, o período também passou a ser conhecido como Século das Luzes ou Ilustração. De modo geral, os pensadores da época estabeleceram importantes contribuições para a escola moderna ao determinar a liberdade de pensamento e expressão como norte da prática educativa, que teria como princípios a universalidade, a individualidade e a autonomia. Ademais, por entender que sem a devida ilustração ninguém alcançaria a felicidade, os pensadores do período 33 A Origem da Escola Capítulo 1 defendiam que a educação deveria ser gratuita, obrigatória e laica. Para o campo da educação, são exemplos de importantes pensadores desse período: Erasmo de Roterdã, Jan Amos Komensky (Comênio), Jean-Jacques Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi, Johann Friedrich Herbart e Friedrich Froebel. Resumidamente, o movimento iluminista acabou nutrindo grandes transformações, com a expansão dos direitos civis e a diminuição das influências das elites, de modo que um dos marcos desse momento foi a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, enquanto documento político de grande impacto sobre o direito internacional e, destarte, da própria legislação educacional. Para conhecer a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, acesse: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/>. A grande mudança neste cenário, contudo, se estabeleceu com o advento da Revolução Industrial, séculos mais tarde (XVIII e XIX). Essa revolução se deu, basicamente, pela substituição do trabalho artesanal pelo assalariado, com o uso das máquinas (lembre-se de que, como vimos anteriormente, o início deste processo foi organizado pelos burgueses). Até esse período a maioria da população ainda vivia no campo, produzindo o que consumia, agora, contudo, a economia passa a se organizar em torno da concepção de mais-valia e, por isso, o empregado passa a vender sua força de trabalho aos donos das fábricas. As novas condições de emprego nessas primeiras fábricas se assemelhavam à escravidão, pois eram oferecidas mínimas condições de trabalho: muitos dos trabalhadores tinham um cortiço como moradia e ficavam submetidos a jornadas de trabalho que chegavam até a 80 horas por semana; o salário era medíocre (em torno de 2,5 vezes o nível de subsistência) e tanto mulheres como crianças também trabalhavam, recebendo um salário ainda menor. Assim, ou as pessoas se sujeitavam a estas novas condições de trabalho ou permaneciam atreladas ao antigo regime e, desta forma, padeciam na miséria. No tocante à educação, os impactos da Revolução Industrial se deram, principalmente, pela necessidade das indústrias, de mão de obra qualificada, o que fez com que se estabelecesse grande expansão da educação para as camadas mais pobres da população. A oferta, porém, era de uma educação 34 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL de baixa qualidade, utilitarista, com fins profissionalizantes, conformadores e disciplinadores. Em geral, a escola passa a exercer um papel de grande importância para a conformação das massas aos interesses das elites. De qualquer forma, apesar dos esforços empreendidos pelas elites em vista do disciplinamento popular, alguns ainda se revoltaram, promovendo diversos movimentos com o objetivo de defender o trabalhador, o que gerou um conturbado momento social. Para conhecer mais sobre o poder das fábricas e das escolas na formação do sujeito moderno, sugerimos que você leia a obra Vigiar e Punir, de Michel Foucault, que fala sobre a evolução histórica da legislação penal e respectivos métodos coercitivos e punitivos adotados pelo poder público na repressão da delinquência. Métodos que vão da violência física até instituições correcionais. O que percebemos é que, com a democratização do conhecimento e acesso à educação impingidos por tais movimentos, foipreciso elaborar um sistema cada vez mais complexo para manter as relações de dominação até então constituídas. Para tanto, instituições como a própria família, a escola, a Igreja e o Estado se tornaram fundamentais – elas passaram a operar com a formulação de mecanismos estruturais que agem no sentido de organizar a sociedade e as relações que se estabelecem em torno dela. Para Bourdieu (1982, 1998, 2001, 2003), por exemplo, o habitus é o princípio ativo de unificação das práticas e das representações, que é construído e naturalizado através destas instituições. É como se fôssemos vítimas inconscientes de uma violência simbólica, constituída como tal por que não dispomos de ferramentas para entendê-la assim, tornando nossa história uma mera legitimação de processos distintivos em que o capital, seja ele econômico, cultural ou social, por exemplo, se constitui como um marco diferencial de uma disparidade já constituída e, desse modo, incorporada, objetivada e institucionalizada. Temos, resumidamente, disposições que marcam nossa posição e que geram, por sua vez, as diferenças entre o que se prega como sendo bom e mau, belo e feio ou certo e errado. Bourdieu (1982, 1998, 2001, 2003) oferece, neste sentido, um sistema complexo de conceitos (habitus, campos, capital cultural, capital econômico, capital institucional, capital social, violência simbólica, illusio, éthos, héxis corporal etc.) que nos permitem vislumbrar como funciona a sociedade e como 35 A Origem da Escola Capítulo 1 somos determinados à reprodução de um sistema arbitrário. Somos educados pelas diversas instituições sociais de modo a não compreender como funciona realmente a sociedade, bem como somos motivados de diversas maneiras a perceber o “jogo” como interessante de ser jogado e, portanto, investir nossas forças e nosso capital para mantê-lo em funcionamento, pois assim mantemos nossa posição e os nossos privilégios herdados ou conquistados. A luta que se estabelece eventualmente não é para mudar as estruturas, mas para mudar a ordem das posições dentro do sistema, perpetuando o modelo e as arbitrariedades já constituídas nesse modelo. Essa relação de cooptação à ordem estabelecida é conhecida em Bourdieu (1998) como a illusio e se constitui essencialmente como o conjunto das estratégias incorporadas nos indivíduos que o fazem acreditar que o jogo é importante e que, portanto, precisa ser jogado. A escola ocupa, portanto, uma função de grande importância na constituição do cenário moderno, estabelecendo, através de suas práticas, a manutenção das posições herdadas e a permanência das relações de poder entre aqueles que são dominados e os que dominam. Para tal, a escola elabora e executa esquemas cada vez mais poderosos e bem articulados para produzir pessoas aptas a exercer seu papel dentro da sociedade. A educação se torna parte integrante da formação humana e o professor uma ferramenta de controle através de suas práticas e métodos pedagógicos. A escola se transforma, portanto, num instrumento de massificação, à luz das próprias fábricas. Atividade de Estudos: 1) O Iluminismo tece um projeto democrático para a educação que, contudo, se choca com os interesses comerciais do liberalismo/ capitalismo, tornando a escola mais um ambiente de reprodução social. Neste sentido, que tal refletir um pouco e descrever como seria se os princípios originais deste projeto libertário fossem aplicados à educação? Seja crítico e descreva como seria a escola se o “capital” não tivesse adquirido tamanha importância para nossa sociedade e se, portanto, tivéssemos a autonomia como guia de raciocínio em nossas práticas pedagógicas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 36 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Algumas Considerações Caro estudante, esperamos que você tenha conseguido se apropriar dos conceitos apresentados neste capítulo, pois eles compõem os fundamentos epistemológicos da educação, perante os quais ela se instituiu e sob os quais toda a legislação educacional e o direito irão atuar. Você conheceu uma perspectiva teórica a partir da qual a história da educação foi construída desde os primórdios da civilização, passando pelos gregos, romanos, até chegar ao período moderno. É importante lembrar, porém, que tecemos a conjuntura da civilização ocidental e, portanto, muitos cenários foram desprezados nestas considerações, sem que com isso tenhamos exercido qualquer julgamento de valor. Há, pois, muitas outras culturas e povos que poderiam ter sido citados, mas nosso objetivo contemplou apenas uma linha sócio-histórica, perante a qual construímos nossas reflexões. Assim, com as contribuições oferecidas neste capítulo esperamos tê- lo capacitado para seguir adiante, com o objetivo de conhecer melhor como a educação se constituiu no Brasil ao longo da história até os dias mais recentes. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 5ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2009. BOURDIEU, Pierre. As contradições da herança. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora da UNESP, 2003. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982. POWERS, William. O Black Berry de Hamlet: uma filosofia prática para viver bem a era digital. São Paulo: Alaúde Editorial, 2012. VALENTE, Nelson. Sistemas de Ensino e Legislação Educacional. São Paulo: Editora Panorama, 2000. CAPÍTULO 2 A Educação no Brasil A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Definir os vários períodos pelos quais a educação passou na história do país e as bases legais norteadoras de cada um. � Distinguir como a educação se consolidou no país, permitindo um debate sobre a história da escola brasileira e sua legislação 38 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 39 A Educação no Brasil Capítulo 2 Contextualização Você é convidado, neste momento, a navegar conosco em torno da história da educação de nosso país, conhecendo melhor suas características e aquilo que contribuiu para a sua constituição. Nosso objetivo é conseguir entender como a educação foi estruturada e a partir de quais fundamentos as práticas pedagógicas foram se constituindo ao longo do tempo. Esperamos, portanto, que você seja capaz de, ao final do capítulo, poder descrever em linhas gerais todo esse cenário histórico, posicionando-se sobre os seus aspectos mais relevantes. A Educação no Período Colonial Brasileiro Diante do que estudamos até o momento, você deve lembrar como a “fé” acabou se tornando um importante elemento para justificar o poder do Estado, colaborando para a sua afirmação e manutenção, bem como aproveitando-se dele em seu próprio benefício. Poderíamos dizer que, de algum modo, a religião foi utilizada como um mecanismo de propaganda ou marketing, na medida em que ainda não existiam o jornal, o rádio, o outdoor ou a televisão para executar tal empreendimento. Assim, o período colonial brasileiro nos remete a um momento da nossa história em que os colonizadores estavam ansiosos por encontrar novas terras onde pudessem explorar suas riquezas, gerando poder e glória, sem qualquer tipo de preocupação com os meios necessários para tanto, já que de antemão possuíam o consentimento e a bênçãoda Igreja para seus planos – a justificativa para a conquista das novas terras e povos era a obtenção de almas para o Reino de Deus. Os conquistados, por sua vez, precisavam, para obter a felicidade eterna, renunciar às suas crenças e seus modos de vida em favor das crenças e modos de vida dos conquistadores, a quem serviriam como escravos, sofrendo toda espécie de abusos. O Brasil se tornou, desta maneira, para os europeus, apenas uma fonte de recursos naturais e humanos, que devia ser mantida na opressão, maximizando desde então um sistema econômico capitalista injusto, em que o país exportava produtos como a borracha e o café, por exemplo, importando todos os produtos manufaturados de que necessitasse a preços elevados. Em conformação com esse ideal de colonização europeu e em reação à Reforma Protestante, estudada no capítulo anterior, encontramos os jesuítas atuando no país em vista da educação das novas gerações e da conversão dos povos para a fé católica. O trabalho jesuíta também se atrelava, como 40 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL dissemos, aos interesses políticos de Portugal, ao oferecer uma justificativa para a exploração dos povos e da terra. Foi por este motivo, em especial, que eles receberam a incumbência de, além de expandir o poder da Igreja Católica, dedicar-se ao trabalho educativo do povo brasileiro. A intenção, basicamente, era catequizar os povos para que os colonizadores pudessem explorá-los com maior facilidade e ensinar-lhes a língua e a gramática para que pudessem aprender os costumes europeus e as doutrinas católicas. Para atingir seus objetivos, as escolas jesuítas unificavam seu método de ensino, dando ênfase à concentração e atenção silenciosa dos alunos, num processo de ensino ligado à repetição e memorização dos conteúdos apresentados pelos professores. Todos estes princípios foram apresentados num compêndio, denominado Ratio Studiorum (Ordem dos Estudos), que resumia as normas e estratégias para a pedagogia jesuíta. O documento condensava estudos humanísticos e científicos com o objetivo de formar homens capazes de pensar e escrever, no exercício do que denominavam como virtude. Assim, o educando deveria poder desenvolver suas disposições espirituais e suas faculdades mentais, volitivas e afetivas, conforme sua natureza e seu destino. Neste sentido é interessante lembrar daquilo que foi falado sobre Platão no capítulo anterior, em relação à sua perspectiva ideal de ensino, acrescentando que sua teoria, durante a escolástica, foi reconfigurada diante dos interesses da Igreja, o que tornou o pensamento dualista do filósofo totalmente integrado com os dogmas da Igreja – essa releitura foi um projeto escolástico aplicado a grandes pensadores como Platão e Aristóteles como forma de adequá-los ao pensamento cristão da época, quando suas obras já não puderam ser restritas à leitura das pessoas por causa do surgimento da prensa de Gutemberg. Além das regras e das normas, o Ratio Studiorum apresentava também níveis de ensino e as disciplinas que os alunos deveriam cumprir em sua vida escolar. Desta forma, havia um período de quatro anos que seria dedicado ao currículo teológico, com estudos da teologia escolástica, teologia moral e sagrada escritura. Já na base filosófica, que compreendia um período de três anos, seriam abordados estudos sobre lógica, cosmologia, ciências, psicologia, física, matemática, metafísica e filosofia moral. Por último, na parte do currículo humanista, que correspondia ao que hoje entendemos como Ensino Médio, com duração de mais três anos, havia estudos direcionados à retórica, humanidades e gramática. 41 A Educação no Brasil Capítulo 2 Ratio Studiorum: Conjunto de normas criado para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Sua primeira edição, de 1599, além de sustentar a educação jesuítica, ganhou status de norma para toda a Companhia de Jesus. Tinha por finalidade ordenar as atividades, funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas. Não estava explícito no texto o desejo de que ele se tornasse um método inovador que influenciasse a educação moderna, mesmo assim, foi ponte entre o ensino medieval e o moderno. A Guerra Guaranítica foi um confronto violento entre índios guaranis e soldados portugueses e espanhóis ocorrido no Sul do Brasil em meados do século XVIII após a assinatura do Tratado de Madri (1750), o qual delimitava as fronteiras espanholas e portuguesas da América do Sul. Para saber mais sobre a Ratio Studiorum acesse a obra completa em: <http://www.bc.edu/sites/libraries/ratio/ratio1599.pdf>. O currículo jesuíta era constituído com base numa disciplina rígida, com cinco horas diárias de estudos e pautada nos sentimentos de honra e dignidade, além do espírito de competição. Contudo, se fosse necessário fazer uso dos castigos físicos, era chamado um corretor para aplicar a palmatória, com o objetivo não de ferir ou humilhar o aluno, mas apenas causar-lhe uma pequena dor física como um meio eficiente de disciplina. Esse projeto educacional foi desenvolvido por aproximadamente 210 anos, até os jesuítas serem expulsos do Brasil, entre os anos de 1759 e 1760, por serem acusados pelo Marquês de Pombal de conspiração contra Portugal durante as Guerras Guaraníticas, episódio no qual os padres das missões do Sul teriam armado os índios contra as autoridades portuguesas em uma sangrenta batalha. 42 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Outro motivo da expulsão teria sido dar fim aos conflitos envolvendo os colonos e os padres jesuítas, já que os religiosos se negavam a ceder seus catequizandos para o empreendimento colonial (escravização dos indígenas brasileiros). Assim, na época de sua expulsão os jesuítas chegaram a manter 36 missões, 17 colégios e seminários, além das escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus, de modo que a saída dos jesuítas determinou uma verdadeira crise no processo educacional brasileiro, que viveu uma ruptura radical em seu sistema de ensino. Extintos os colégios jesuítas, o governo não poderia deixar de suprir a enorme lacuna que se abria na vida educacional tanto portuguesa como de suas colônias e, desta maneira, em substituição ao modelo jesuíta de educação, acabamos assistindo à reforma pombalina dos estudos menores, cujo objetivo principal foi criar uma escola que fosse útil para os fins do Estado e não mais para os fins da Igreja Católica, como outrora se passava. O que aconteceu, contudo, foi que na prática não existia um sistema de ensino no país. O novo modelo era baseado em “aulas régias”, compreendidas enquanto unidades de ensino, desvinculadas umas das outras, sem qualquer articulação ou projeto. Não havia, portanto, currículo e nem foram instituídas estruturas de ordem ou tempo capazes de organizar o desenvolvimento pedagógico das escolas. Em lugar de um sistema mais ou menos unificado, como acontecia com as escolas jesuítas, fundamentado na seriação dos estudos, o ensino passou a ser disperso e fragmentado, baseado em aulas isoladas que eram ministradas, em geral, por professores leigos e mal preparados. Os alunos tinham a liberdade de se inscrever nas disciplinas que lhes interessassem, independentemente de qualquer tipo de pré-requisitos. Já os professores eram pessoas indicadas por um Diretor Geral dos Estudos que deveria, em nome do Rei, nomear professores e fiscalizar sua ação na colônia, em concordância com os bispos católicos de ordens como a beneditina, franciscana ou carmelita. Esses professores, nomeados pelo poder do Estado, passavam a deter a propriedade das suas disciplinas para o restante da vida, independentemente de sua capacidade intelectual para exercê-las ou de seu desempenho para ministrá-las, como dissemos. De modo geral, esses professores eram mal pagos e constituíam um grupo improvisado, que recebia a docência como um título de nobreza e a gozavapor toda a vida. A situação se tornou tão caótica que Portugal logo percebeu que a educação no Brasil estava estagnada e que seria preciso oferecer uma solução urgente para o problema. Assim, em 1767, a Real Mesa Censória, que fora instituída com a função de examinar os livros que chegavam ou que circulavam em Portugal, passa a atuar também na administração e direção dos estudos das escolas menores de Portugal e suas colônias. As falhas experiências da reforma pombalina passam a serem revistas e, em 1772, foi criado o “subsídio literário” para a manutenção das escolas brasileiras – um imposto que possibilitou a criação de diversas aulas, 43 A Educação no Brasil Capítulo 2 como leitura e escrita, gramática latina, retórica, língua grega e filosofia, além do pagamento do salário dos professores, compra de livros, construção de museu de variedades, escolas e um gabinete de física experimental. A preocupação básica da educação neste período passou a ser a formação da nobreza, para a qual eram exportados professores da Europa. Neste sentido, os objetivos passaram a ser simplificar os estudos, abreviando o tempo do aprendizado de latim, além de facilitar os estudos para o ingresso nos cursos superiores. Pedagogicamente, esta nova organização e os novos investimentos não representaram um avanço, afinal, as mudanças atendiam apenas às necessidades da elite da colônia. De outro modo, as transformações implementadas no nível secundário de ensino não afetaram o ensino escolar inicial, que permaneceu totalmente desvinculado da realidade. Assim, quem tinha condições de cursar o Ensino Superior, acabava tendo que enfrentar os perigos das viagens marítimas para frequentar a Universidade de Coimbra ou outros centros de ensino europeus – como as reformas pombalinas visavam transformar Portugal numa metrópole como a Inglaterra, a elite masculina deveria ser educada fora das colônias, para poder servir melhor na sua função de articular os interesses da camada dominante portuguesa. Atividade de Estudos: 1) Faça uma breve reflexão sobre as mudanças que ocorreram após a expulsão dos padres jesuítas do Brasil e de como a laicização do ensino favoreceu as classes dominantes da colônia. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 44 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL A Educação no Período do Império: Independência? A Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, tendo como berço principalmente a Inglaterra, representou um impulso aos planos portugueses para o Brasil. Houve assim um grande incentivo ao desenvolvimento das colônias, principalmente do Brasil, de onde se originavam as matérias-primas necessárias à emergente economia portuguesa, e onde se poderiam comercializar em grande escala os produtos manufaturados dos países europeus, sempre com grandes margens de lucro para a Pátria Mãe, Portugal. Assim, a Inglaterra ofereceu grande apoio à transferência da família real portuguesa para o Brasil (lembramos que junto com a família real foram transferidos para o país cerca de 15 mil funcionários) em troca da abertura do mercado aos produtos ingleses, com taxas alfandegárias reduzidas em relação aos concorrentes. Sobre a educação, o reflexo da chegada da família real foi a concretização da reforma pombalina, que transformou a escola num verdadeiro centro de formação das elites dirigentes do país. Juntamente com a criação de cursos para a formação militar, médica, de agricultura, química, entre outros, também foi aberta a imprensa oficial e a primeira biblioteca brasileira. Quanto ao ensino primário, não foram feitas mudanças significativas, apenas foi estabelecida através da Constituição de 1824 que esta fase de aprendizagem, ainda que não claramente expressa na letra da Constituição, seria gratuita a todos os cidadãos (Art. 179). Também através de uma lei de 15 de outubro de 1827 foi estabelecido que escolas primárias deveriam ser criadas, desde que necessárias, em todas as cidades. A mesma lei determinava que escolas para meninas seriam também abertas nas cidades mais populosas e que os professores ingressassem na carreira através de concurso público. Por último, em 1854, o ensino primário foi dividido em duas etapas: na primeira, a elementar, seriam ensinadas noções de moral, religião, leitura e escrita, gramática, aritmética e pesos e medidas; já na segunda, a superior, os estudos da etapa anterior seriam explorados através de disciplinas específicas. De forma geral, o ensino primário não era difundido e nem ao menos oferecido como previam as regulamentações legais, seja pela falta de dinheiro das províncias, seja porque essa fase não era um requisito para a entrada no nível secundário, seja porque os índios escravizados eram proibidos de frequentar a escola, ou porque, principalmente, o objetivo era a formação das elites, motivo este pelo qual o Estado concentrou suas energias no ensino secundário e superior. 45 A Educação no Brasil Capítulo 2 Tornava-se necessário dotar o país com um sistema escolar de ensino que correspondesse satisfatoriamente às exigências da nova ordem política, habilitando o povo para o exercício do voto, para o cumprimento dos mandatos eleitorais, enfim, para assumir plenamente as responsabilidades que o novo regime lhe atribuía. Esta aspiração liberal, embora não consignada explicitamente na letra da lei, conquistou os espíritos esclarecidos e converteu-se na motivação principal dos grandes projetos de reforma do ensino no decorrer do Império (CARVALHO, 1972, p. 2). Já o ensino técnico-profissional era praticamente desprezado pelo Estado, pois aqueles que terminavam essa modalidade de ensino não podiam adentrar no Ensino Superior. As elites utilizavam a escola apenas como via de acesso ao Ensino Superior e, desta forma, não ingressavam neste tipo de curso, que acabava sendo, portanto, desprezado pela administração pública. Para se ter uma ideia sobre esse panorama, em 1864 havia apenas 106 alunos matriculados em todo o país em cursos técnicos. Da mesma forma, o ensino normal também não fazia parte das prioridades do Estado e, por essa razão, a formação dos professores acabou sendo desprezada. O ensino normal passou a ser oferecido em algumas poucas escolas pelo país, sempre no período noturno, e seus estudos abrangiam a base curricular do ensino secundário com algumas disciplinas relacionadas à docência. O ensino secundário, por sua vez, tinha como objetivo preparar os estudantes para os cursos superiores, mantendo a base curricular do período colonial, com a organização das disciplinas de forma dispersa e pouco relacionada. Neste período foram criadas algumas escolas superiores, que serviam para a formação profissional. A partir da Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, essas escolas passaram a ser de responsabilidade do poder central, que delegou o ensino primário e secundário para a administração das províncias, a quem caberia a responsabilidade pela legislação relativa à instrução pública e as formas de promovê-la. Foi por esta razão que as províncias criaram os liceus, que basicamente consistiam num estabelecimento que congregava as aulas que antes eram oferecidas de forma dispersa. O objetivo destes liceus, contudo, permanecia sendo o fomento dos estudantes para os exames preparatórios para ingresso nos cursos superiores. O Colégio Dom Pedro II foi uma das poucas experiências que aUnião promoveu na época para aplicar o ensino secundário, com o objetivo de estabelecer um modelo para os demais estabelecimentos de ensino secundário do país, o que acabou não acontecendo devido à exigência de exames parcelados para acesso ao Ensino Superior, que acabaram tornando os cursos preparatórios muito mais atrativos. 46 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Para saber mais sobre o Colégio Dom Pedro II, acesse: <https:// pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_Pedro_II>. De qualquer maneira, o Império possibilitou o acesso de cerca de 10% das crianças às escolas primárias e aproximadamente 10 mil vagas ao ensino secundário em escolas públicas e privadas. Considerando que neste período a população era de 14 milhões e que havia 300 mil alunos matriculados nos diversos níveis de ensino, podemos concluir que aproximadamente 15% da população em idade escolar foi devidamente atendida – considere que a Constituição de 1824 previa ensino primário gratuito a todos os cidadãos em escolas que deveriam ter sido criadas em cada uma das cidades do país. O período também apresentou grande dispersão em relação à integração do seu sistema de ensino, já que, como dissemos anteriormente, o ensino primário era desconexo do secundário e não lhe servia nem como prerrogativa; o ensino secundário era composto por uma grade de disciplinas avulsas, orientadas exclusivamente para os exames de ingresso aos cursos superiores, não sendo nem ao menos exigência para frequentá-los; por último, o Ensino Superior era oferecido em escolas isoladas, que ofereciam cursos específicos para o exercício de carreiras, sem qualquer integração comum. As estratégias adotadas durante este período acabaram gerando um clima desfavorável ao ensino público e abriram paulatinamente o caminho para a expansão da iniciativa privada, que acabou sendo um movimento em favor do liberalismo em vigor no período. Algumas tentativas de promover uma reforma sobre esse modelo de escola foram organizadas, o que aferimos em 1882 e 1883 com os Pareceres de Rui Barbosa, que, tendo analisado as deficiências do ensino brasileiro, correlacionadas com as teorias e práticas educacionais da época, propôs uma reforma educacional que deveria atribuir importância à educação dentro da sociedade como forma de modernização da nação. Rui Barbosa era a favor de um ensino primário obrigatório, dos sete aos 14 anos, gratuito e laico, onde deveria ser substituída a antiga escola de primeiras letras pela escola primária moderna, com um ensino renovado e um programa enciclopédico, voltado para o progresso do país. 47 A Educação no Brasil Capítulo 2 Com oito anos de duração, a nova escola primária deveria ser dividida em três graus: o elementar e o médio, cada um com dois anos, e o superior com quatro. O dia escolar, por sua vez, teria a duração de aproximadamente seis horas, onde seria aplicado o método intuitivo, conhecido também como lições de coisas – esse método baseava-se num tratamento indutivo pelo qual o ensino deveria ir do particular para o geral, do conhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato. A ampliação do programa escolar teria como princípio a educação integral (educação física, intelectual e moral). Atividade de Estudos: 1) Presenciamos em nossas discussões uma organização econômica que era considerada “mundial”, onde o ideal era assegurar a divisão internacional do trabalho para que fosse garantido o crescimento máximo da economia. O liberalismo econômico deste período impunha as regras e tudo o que era possível para demonstrar que esta prática era melhor para a economia mundial. Sob este pressuposto, faça uma reflexão sobre a escola dentro deste contexto mundial. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A Educação na Primeira República A Primeira República (1889-1930) marca um período da história do país em que o modelo educacional do Império passa a ser questionado, principalmente em relação aos grandes privilégios oferecidos às elites, no ensino secundário e superior, em prejuízo direto à população, no ensino primário, normal e profissional – este processo foi iniciado já através das propostas de Rui Barbosa que apresentamos há pouco. Com a República, as ideias democráticas que visavam o progresso econômico e a independência do Brasil não se concretizaram. O 48 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL país passou a ser controlado pelo chamado coronelismo, as eleições só eram permitidas para os homens com idade acima de 21 anos (mesmo assim, as eleições eram frequentemente fraudadas, com votos duplicados, atas falsificadas, mortos votantes etc.), as classes médias se viram impedidas de participação nas estruturas do poder, a dependência da economia ao café gerou grave crise e depressão econômica, e a dependência cultural dos modelos europeus gerou grande revolta dos intelectuais e artistas (lembre-se da Semana de Arte Moderna, promovida em 1922). Com idealização do pintor Di Cavalcanti, a Semana de Arte Moderna ocorreu em 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, tendo como objetivo mostrar as novas tendências artísticas que já vigoravam na Europa. O evento, contudo, não foi compreendido e nem aceito pela elite paulista, que era influenciada pelas formas estéticas europeias mais conservadoras. Para conhecer um pouco mais da Revolução de 1930, sugerimos que você acesse o site: <http://cpdoc.fgv.br/revolucao1930/acervo>. Todos esses fatores contribuíram para desencadear a Revolução de 1930, que trouxe ao poder as classes menos privilegiadas politicamente, que passaram a organizar uma série de mudanças, como o voto para ambos os sexos a partir dos 18 anos, a jornada de trabalho de oito horas, as férias remuneradas, o salário mínimo, entre outros. Já na educação, as mudanças mais importantes se deram com o estabelecimento de uma política nacional de educação, que passou a operar segundo alguns princípios básicos organizados na Constituição de 1934. O documento foi antecipado em alguns pontos pela Constituição de 1824 e desprezado em sua totalidade pela Constituição de 1891, que relegava toda a responsabilidade sobre a educação para os Estados. De maneira geral, contudo, os aspectos que revolucionaram a política nacional de educação na Constituição de 1934 foram os seguintes: 49 A Educação no Brasil Capítulo 2 • Gratuidade e obrigatoriedade do ensino de 1º grau: a gratuidade do ensino já havia sido estabelecida na Constituição de 1824, mas a novidade agora recai sobre a vinculação da obrigatoriedade à oferta da educação. O artigo 150, por exemplo, estabelece o “ensino primário integral gratuito e a frequência obrigatória, extensiva aos adultos”. • Direito à educação: em seu artigo 149 aparece pela primeira vez a ideia de que a educação é um direito de todos, o que foi retirado da Constituição de 1937, mas restabelecido decisivamente na Constituição de 1946. • Liberdade de ensino: o artigo 150 da Constituição de 1934 estabelece a “liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação”. Assim, em consoante com o artigo 72 da Constituição de 1891, se prega a liberdade da oferta da educação por instituições particulares, a autonomia das instituições educativas para a prática de suas atividades, bem como a independência de pensamento para o ensino. • Dever do Estado/Dever da família: na Constituição de 1934 aparece pela primeira vez o princípio de que deve haver uma responsabilidade compartilhada entre a família e o Estado com relação à educação. Assim, o artigo 149determina que o Estado mantenha e organize o sistema educativo nacional; os artigos 151 e 156 determinam que exista um mínimo percentual a ser investido na educação (a União e os municípios aplicariam ao menos 10% e os Estados e o Distrito Federal 20% das receitas provenientes dos impostos – valores revistos através de algumas emendas constitucionais e pela Constituição de 1988, que elevou os índices para 18% e 25%, respectivamente). • Ensino religioso interconfessional: com a separação entre a Igreja e o Estado durante o Império, a religião católica deixou de ser a religião oficial do Estado e, assim, a Constituição de 1891 instituiu, em seu artigo 72, o ensino laico nas escolas públicas. Com a Constituição de 1934 (artigo 153), o ensino religioso foi reintroduzido ao currículo escolar, mas passou a ser facultativo e interconfessional, de acordo com a confissão religiosa de cada aluno. Com relação às competências organizadas já a partir da Constituição de 1891, os Estados permaneceram responsáveis pelo ensino primário, ficando a União responsável pelo ensino secundário e superior, embora de forma não privativa. O que aconteceu, contudo, foi que a União se limitou a manter apenas o Ensino Superior. Caberia ao Congresso Nacional, segundo a Constituição de 1891 (artigo 34 e 35), legislar sobre a educação nacional, e abdicou desta função, autorizando o Poder Executivo a realizar tal função, o que resultou diretamente na realização de cinco reformas educacionais durante o período da Primeira República – todas objetivando, em resumo, proporcionar a instrução secundária e fundamental necessárias para o ingresso nos cursos superiores e para o bom desempenho dos deveres do cidadão. As reformas educacionais organizadas na 50 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Primeira República foram as seguintes: 1) Reforma Benjamin Constant – 1890. 2) Reforma Epitácio Pessoa – 1901. 3) Reforma Rivadávia Correia – 1911. 4) Reforma Carlos Maximiliano – 1915. 5) Reforma João Luís Alves – 1925. Diante da fragmentação organizativa e da falta de uma orientação nacional, surgiram diversas propostas de reforma, que eram calcadas em diferentes ideais. Os principais embates se deram entre o positivismo e o escolanovismo, mas também estavam presentes os ideais católicos e o anarquismo. Durante o período, de forma geral, houve uma redução de conteúdos e de tempo das disciplinas de humanidades e ciências sociais em benefício das de matemática e ciências. No Ensino Superior mantiveram-se as mesmas características do período anterior, com disciplinas isoladas, fragmentadas e direcionadas para a formação profissional. Por último, vale ressaltar que os cursos técnicos permaneceram na marginalidade, destinados apenas aos grupos excluídos, como os cegos, surdos-mudos e menores abandonados. Esse quadro acaba por promover, na década de 20, um novo debate sobre o papel da educação na formação das elites, gerando uma revisão sistemática dos modelos educacionais e a consequente valorização dos níveis primário e secundário de ensino enquanto oportunidades de formação democrática. As escolas foram novamente analisadas e este trabalho resultou na consolidação de um projeto educacional atento à extensão (onde toda a população pudesse frequentar), articulação (onde os cursos sequenciais seriam articulados para promover uma constante formação) e adaptação ao meio (onde a escola se estruturaria conforme o ambiente onde se encontra). O professor e sociólogo brasileiro Fernando Azevedo, grande representante desta revisão, pregava que a escola deveria ser única, ou seja, que deveria representar o princípio igualitário da sociedade, congregando todas as classes e oferecendo uma base comum única, gratuita e obrigatória. Para Azevedo, a escola também deveria se basear na organização do trabalho, promovendo um ensino que tivesse por meta a formação profissional. Por último, a intenção era aproximar a escola da comunidade, fomentando a cooperação entre as pessoas, com a promoção de um espírito coletivo. Para viabilizar essa mudança, os professores foram incentivados a mudar suas práticas através do oferecimento de bibliotecas, premiações e intercâmbios. Diante da fragmentação organizativa e da falta de uma orientação nacional, surgiram diversas propostas de reforma, que eram calcadas em diferentes ideais. Os principais embates se deram entre o positivismo e o escolanovismo, mas também estavam presentes os ideais católicos e o anarquismo. 51 A Educação no Brasil Capítulo 2 Para saber mais sobre a educação na Primeira República, acesse: <http://www.virtual.ufc.br/solar/aula_link/llpt/A_a_H/estrutura_ politica_gestao_organizacional/aula_01/04.html>. A ideia da Escola Nova era desenvolver um trabalho com base na iniciativa do aluno, valorizando as suas tendências espontâneas. Assim, os professores teriam a função de orientá-los, oferecendo métodos e programas adaptáveis para cada situação, favorecendo a prática do cooperativismo e da produção criativa e crítica. Segundo Anísio Teixeira (1989, p. 435): Não pode ser uma escola de tempo parcial, nem uma escola somente de letras, nem uma escola de iniciação intelectual, mas uma escola sobretudo prática, de iniciação ao trabalho, de formação de hábitos de pensar, hábitos de fazer, hábitos de trabalhar e hábitos de conviver e participar em uma sociedade democrática, cujo soberano é o próprio cidadão. Atividade de Estudos: 1) A Primeira República foi um momento marcado pelos movimentos sociais, que acabaram estimulando uma série de transformações, entre elas a da própria escola. - Apresente algumas das mudanças legais promovidas no período, comentando seu impacto sobre a democratização do ensino. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 52 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL A Educação na Revolução de 30: a Escola Nova A Revolução de 1930 exerceu um papel fundamental na instituição de um sistema articulado de ensino para o país. Uma de suas primeiras ações para a educação, por exemplo, foi a criação do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de Educação, com o objetivo principal de ampliar a participação federal no desenvolvimento da educação, estabelecendo instrumentos para a articulação e integração dos sistemas escolares antes isolados e fragmentados, além de criar uma rede de cooperação entre a União e os estados. Para John Dewey, a escola não pode ser uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida. Assim, a educação tem como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem, fazendo com que a função da escola seja a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. Então, para ele, a educação teria uma função democratizadora de igualar as oportunidades. De acordo com o ideário da Escola Nova, quando falamos de direitos iguais perante a lei, devemos estar falando de direitos de oportunidades iguais perante a lei. A Constituição de 1934, desta forma, apresentou os primeiros passos para tal empreendimento, incumbindo ao Governo Federal a função de integrar e planejar a educação brasileira através de um plano nacional de educação, o qual caberia também a ele fiscalizar (art. 150). Também ficou determinado que o Governo Federal passaria a ter a função de normatizar a educação nacional em todos os seus níveis (art. 5). Quanto aos Estados deficitários, caberia também à União a tarefa de suplementação tanto técnica quanto financeira (art.150). Essas atribuições, apesar de constituírem um campo unívocopara a educação em todo o território nacional, promoveram a centralização do setor, instituindo um cenário de dependência administrativa, cujo resultado foi a organização de inúmeros departamentos, leis e portarias, engessamento das práticas escolares, burocracia e, muitas vezes, estagnação. Todo esse aparato institucional acabava, muitas vezes, deixando de lado o maior princípio da educação escolar: a formação humana. Sobre essa crise, estabelecida desde os primórdios da educação brasileira, foi realizada uma Conferência em 1931 pela Associação Brasileira de Educação. Participaram do encontro grandes nomes, Para John Dewey, a escola não pode ser uma preparação para a vida, mas sim, a própria vida. Assim, a educação tem como eixo norteador a vida-experiência e aprendizagem, fazendo com que a função da escola seja a de propiciar uma reconstrução permanente da experiência e da aprendizagem dentro de sua vida. Então, para ele, a educação teria uma função democratizadora de igualar as oportunidades. De acordo com o ideário da Escola Nova, quando falamos de direitos iguais perante a lei, devemos estar falando de direitos de oportunidades iguais perante a lei. 53 A Educação no Brasil Capítulo 2 como Anísio Teixeira, Roquete Pinto, Cecília Meireles, Afrânio Peixoto, entre outros tantos educadores e escritores, que discutiram o cenário do país e estratégias possíveis para a sua transformação. Deste encontro surge um manifesto, que se tornou um marco na proposta de reconstrução da escola (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova – 1932): Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e frequentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... (Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/ doc1_22e.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2017.). Acesse o Manifesto completo em: <http://www.histedbr. fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/o%20 manifesto%20dos%20pioneiros%20da%20educa%E7%E3o%20 nova.htm>. De maneira geral, o Manifesto apresenta a concepção de que a educação é vista como instrumento fundamental para a reconstrução democrática do país, com a integração dos diversos grupos sociais; a educação deve constituir- se enquanto pública, obrigatória, gratuita e laica, exercendo sua tarefa sem qualquer tipo de discriminação racial, étnica, religiosa ou social; a educação 54 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL deve ser alinhada em seus diversos níveis, concebendo as diversas fases do desenvolvimento humano; a educação deve se estruturar com base nos interesses dos alunos, com currículos funcionais; e para o exercício da docência será impreterível a formação superior. Para promover tais mudanças, o Governo Federal estabeleceu uma série de reformas no ensino secundário (é interessante destacar que esse nível era até então destinado às elites e foi o primeiro a receber mudanças, sendo os demais alvo de algumas reformas somente uma década depois). De qualquer maneira, a reforma do ensino secundário passa a ter a finalidade não apenas de preparar os estudantes para o Ensino Superior, mas também a formação geral do indivíduo para a vida em sociedade. O ensino secundário passou a ter duração de sete anos e dividir-se, então, em duas etapas: uma de cinco anos, considerada fundamental, e outra de mais dois anos, considerada complementar. Essa divisão oferecia, na base fundamental, uma formação geral para todos e, na base complementar, uma preparação exclusiva para aqueles que pretendiam o ingresso nos cursos superiores. Assim, com vistas na função complementar do ensino, os conteúdos de humanidades novamente foram retidos em benefício daqueles ligados às ciências e matemática. Todas essas transformações do ensino secundário foram organizadas e normatizadas pelo Governo Federal através do Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Quanto ao Ensino Superior, estabeleceram-se uma série de mudanças que foram projetadas através do chamado Estatuto das Universidades (Decreto nº 19.851, de 14 de abril de 1931). A intenção principal dessas mudanças era o fim das escolas superiores isoladas de caráter profissional, até então em atividade no país. As transformações mais significativas deste projeto foram a criação de um sistema universitário mais livre, aberto à pesquisa, unificado e integrado em suas múltiplas redes de conhecimento, autônomo e livre para o pensar e o produzir. Estas bases legais assentaram-se junto aos anseios dos intelectuais brasileiros que há muito desejavam a criação de universidades no país, afinal, o Brasil e o Paraguai eram os dois únicos países onde até então não existia esse tipo de instituição. Assim, em 25 de janeiro de 1934 é que é fundada a Universidade de São Paulo (USP), a primeira do país, cujo principal papel foi abrir o campo para todas as demais, que aos poucos estabeleceram um novo modelo de Ensino Superior, mais popular e democrático. 55 A Educação no Brasil Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Sobre a formação da USP em 1934, declarou Sérgio Milliet: “De São Paulo não sairão mais guerras civis anárquicas, e sim ‘uma revolução intelectual e científica’ suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros”. Sobre essa base, o lema da Universidade de São Paulo passou a ser: Scientia Vinces, ou Vencerás pela Ciência. Como você percebe essa perspectiva diante de um sistema educacional que sempre privilegiou as elites (recorde que as mudanças realizadas neste período foram exatamente nos níveis que atendiam esse grupo social)? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O Estado Novo No dia 30 de setembro de 1937, o General Góes Monteiro, chefe do Estado- Maior do Exército brasileiro, noticiou através do programa de rádio Hora do Brasil que foi descoberto um plano, que teria sido arquitetado pelo Partido Comunista Brasileiro e por organizações internacionais, para derrubar o então presidente Getúlio Vargas e assassinar centenas de políticos brasileiros. O plano, chamado de Cohen, anunciava uma insurreição armada, com a agitação de operários e estudantes, a libertação de presos políticos, o incêndio de casas e prédios públicos, manifestações populares que terminariam em saques e depredações – é interessante destacarque mais tarde foi descoberto que o golpe não passou de um artifício impetrado por um capitão do Exército, partidário do Integralismo, que era contra a democracia. 56 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Estado Novo: Sistema político de caráter ditatorial que foi implantado no país, na pessoa do Presidente Getúlio Vargas, a partir de 10 de novembro de 1937. Através da cadeia de estações rádio-difusoras, Getúlio anunciou a implantação do Estado Novo, instituindo um período de despotismo que duraria até 29 de outubro do ano de 1945. Para saber mais sobre o Estado Novo, acesse: <https://www. youtube.com/watch?v=PWfNaRP71cU>. Diante de tal ameaça, Getúlio Vargas solicitou ao Congresso Nacional a decretação do Estado de Guerra, que foi logo concedido. Assim, utilizando dos poderes atribuídos pelo instrumento, Vargas deu início a uma grande perseguição aos comunistas e opositores políticos, instaurando no dia 10 de novembro de 1937 a ditadura do Estado Novo. Algumas semanas mais tarde o Exército cercou o Congresso Nacional e Vargas anunciou uma nova Constituição, centralizando todo o poder em suas mãos. A nova legislação também permitia que Vargas expedisse leis e decretos, dissolvesse o Congresso Nacional, nomeasse interventores para os Estados, extinguisse os partidos políticos, abolisse a liberdade de imprensa (censura), estabelecesse a pena de morte e prorrogasse o seu mandato até a realização de um plebiscito, que nunca foi realizado. Os impactos do Estado Novo na educação se deram já com a retirada da obrigação de oferta de educação pública, o que foi substituído, no artigo 129 da Constituição Federal, pela garantia de ensino em instituições públicas às crianças e adolescentes que não tiverem recursos para acessá-lo em instituições particulares – o artigo 130, por exemplo, previa uma contribuição mensal para as escolas por parte daqueles que não pudessem provar escassez de recursos. Outro aspecto importante estabelecido pela Constituição de 1937 foi a oferta de ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas como primeiro dever do Estado. 57 A Educação no Brasil Capítulo 2 Sobre a integração dos sistemas escolares iniciada a partir da Revolução de 30, o governo do Estado Novo continuou o processo, com a manutenção de uma legislação única, válida para todos os Estados. Assim foi que a reforma do ensino secundário acabou regulamentando o ensino técnico industrial, comercial e agrícola, o ensino normal e o ensino primário, com uma centralização nunca antes vista, com normas rígidas e detalhadamente elaboradas, incluindo currículos e programas únicos que não levavam a regionalização em consideração. O ensino secundário, por exemplo, foi reformado através da Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, que determinava que seus objetivos deveriam ser: 1. Formar a personalidade integral dos educandos; 2. Acentuar e elevar a consciência patriótica e humanística; 3. Preparar os educandos intelectualmente para os graus mais elevados de formação. Resumidamente, portanto, tais objetivos tinham como meta a formação de homens portadores das concepções e atitudes que eram almejadas para as massas. A estrutura do ensino secundário, por sua vez, permaneceu dividida em dois níveis (ginasial e colegial). O nível ginasial, com quatro anos de duração, era considerado preparatório, enquanto o nível colegial, com três anos de duração, perdeu seu caráter de preparação para os cursos superiores, voltando-se à formação geral, com ensino de línguas (português, latim, francês, inglês), história, matemática, física, química, ciências, estudos sociais, geografia, filosofia, entre outras disciplinas. O ensino técnico-profissional, mesmo tendo sido estabelecido como o primeiro dever do Estado, continuou como uma alternativa modesta ao ensino secundário, ainda visto como caminho para o ingresso das classes mais elevadas ao Ensino Superior. Os estudantes, por exemplo, que completassem o curso técnico-profissional não poderiam entrar na Universidade sem antes completar seus estudos secundários. Essa constatação deixava claro que esse tipo de curso era utilitário e servia apenas para as classes menos favorecidas. De qualquer maneira, a partir da década de 40 é que o ensino técnico-profissional passa a receber uma legislação própria com os decretos nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942 (ensino técnico industrial), nº 6.141, de 28 de dezembro de 1943 (ensino técnico comercial) e nº 9.613, de 28 de agosto de 1943 (ensino técnico agrícola). Neste mesmo período foi criado, pelo Decreto nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e, pelo Decreto nº 8.621, de 10 de 1946, o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), cujo trabalho atendia aos interesses do trabalhador, realizando sua aprendizagem profissional e formação humana; das empresas, que nutriam suas necessidades formativas de mão de obra qualificada; e do país, que mantinha em movimento a economia e a cultura. 58 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL O ensino primário, normatizado pelo Decreto nº 8.529, de 2 de janeiro de 1946, enfim regulamentado pela primeira vez desde a Constituição de 1827, passou a objetivar a iniciação cultural, a formação e desenvolvimento da personalidade e a elevação do nível dos conhecimentos necessários à vida na família, à defesa da saúde e à iniciação no trabalho (art. 1). Sua estrutura era dividida em duas modalidades: 1. O ensino primário fundamental, destinado às crianças de até 12 anos, com duração de cinco anos; 2. O ensino primário supletivo, destinado aos adolescentes e adultos em distorção idade-série. Já o ensino normal, normatizado pelo Decreto nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946, passou a ter como objetivos a formação de professores e administradores para as escolas primárias, além de desenvolver e propagar conhecimentos e técnicas sobre a educação da infância. Da mesma forma que os demais, o ensino normal também se dividia em dois ciclos: O primeiro, com quatro anos de duração, tinha como meta a formação de regentes para o ensino primário (espécie de auxiliar de sala); e o segundo, de três anos, cujo objetivo era a formação de professores para o ensino primário. Atividade de Estudos: 1) Durante o Estado Novo o Brasil viveu uma forte intervenção estatal, que determinava os rumos de cada um dos ramos da sociedade, entre eles o da própria educação. Neste sentido, a escola passou a ocupar um lugar importante no projeto que vinha se delineando em relação à formação das pessoas. A partir do que você estudou nesta seção, escreva a sua visão sobre esse período em relação à educação. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 59 A Educação no Brasil Capítulo 2 A Educação Durante a República Populista Entre os anos de 1945 e 1964 iremos acompanhar um período de redemocratização do país, com a promulgação da Constituição de 1946, que permitiu a realização de eleições diretas, o retorno dos partidos políticos e a participação dos diversos setores da sociedade na política. Obviamente que havia ainda muitas restrições nesse período, afinal, analfabetos não podiam votar, permaneciam as desigualdades na distribuição de renda e propriedades, entre outros. De qualquer forma, a redemocratização recolocou o direito de todos à educação, sendo oferecida de forma gratuita e obrigatória até o nível primário. Também foi restabelecida a função do poder público na oferta da educação, embora as iniciativas particulares permanecessem autorizadas a continuar a atuar no ramo. Apesar das mudançasconstitucionais promovidas no campo do direito educacional, a legislação herdada do Estado Novo permaneceu em vigor até 1961, quando foi lançada a primeira versão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – a LDB. O que se assistiu neste período foi uma série de campanhas (Campanha de Erradicação do Analfabetismo, de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, de Material de Ensino, de Merenda Escolar etc.), que resultaram na ampliação e melhoria do atendimento escolar e, consequentemente, também no aumento do número de matrículas escolares. Com as mudanças projetadas a partir deste novo momento, estabeleceu- se uma articulação entre os níveis de ensino, que seriam acessados mediante exames, como é o caso das universidades, que passaram a exigir exames vestibulares para os alunos do 2º grau. Da mesma forma, a passagem do 1º para o 2º grau se daria através de exames de conhecimentos. Somente em 1971 foi suprimido o exame para acesso ao ginásio, com a fusão dos níveis primário e ginasial num único nível de ensino, chamado de 1º grau (o interessante é que essa divisão persiste até hoje, com o primário sendo confundido com as séries iniciais, em que apenas um professor leciona praticamente todas as disciplinas da grade curricular; e o ginásio com o Ensino Fundamental, aquele a partir da 5ª série, em que há grande ruptura estrutural, com inclusão de grande número de disciplinas e professores). 60 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Outra grande novidade que a Lei nº 1.706, de 31 de março de 1950, trouxe foi a concepção de equivalência, perante a qual o ensino técnico passou a ter o mesmo valor do secundário, desde que fossem prestados exames de adaptação. Mais tarde, através da Lei nº 1.821, de 12 de março de 1953, os alunos do ensino técnico também tiveram possibilidade de acesso ao nível superior, com a prestação de exames que incluíam, contraditoriamente, disciplinas que não compunham o currículo destes cursos. A equivalência plena se daria somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, quando foi finalmente dissolvida qualquer diferença entre o ensino técnico e o normal – a partir de então os alunos das duas modalidades teriam as mesmas oportunidades e direitos. Essas mudanças fizeram parte da nova LDB, Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação brasileira em todos os seus níveis de ensino. Os debates travados calorosamente em torno da constituição dessa lei deixaram em evidência a existência de dois grupos, a saber, dos que de- fendiam a escola pública e aqueles que defendiam a escola privada. De qualquer forma, os fins estabelecidos pela LDB de 1961 podem ser resumidos nos seguintes princípios (art. 1): • A compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; • O respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem; • O fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; • O desenvolvimento integral da personalidade humana e sua participação na obra do bem comum; • O preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhe permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio; • A preservação e expansão do patrimônio cultural; • A condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça. Para conhecer a LDB de 1961 na íntegra, acesse: <http://www. planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L4024.htm>. 61 A Educação no Brasil Capítulo 2 A mesma LDB coloca os seguintes objetivos para cada um dos níveis de ensino: • Ensino primário: “desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social” (art. 25); • Ensino Médio: “em prosseguimento à ministrada na escola primária, destina-se à formação do adolescente” (art. 33); • Ensino Superior: “tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes, e a formação de profissionais de nível universitário” (art. 66). As novas diretrizes também acabaram por flexibilizar o currículo escolar, que deixou de ser padronizado, segundo os interesses e preferências de cada unidade de ensino. Assim, foi organizada uma base curricular composta por uma unidade nacional (constituída por disciplinas obrigatórias em todo o país, como português, história, geografia, matemática, etc.), uma unidade regional (composta por disciplinas obrigatórias, estabelecidas por cada Estado) e uma unidade local (composta por disciplinas escolhidas pelas próprias escolas). Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas, que ele qualificou de educação bancária. Nela o professor age como quem deposita conhecimento num aluno, como uma doação. Trata-se, portanto, de uma escola alienante: “Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade", escreveu Paulo Freire. Enquanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção de inquietá-los. Uma das grandes bandeiras deste período foi a defesa da escola pública. Se você se recorda, nas seções anteriores acabamos constatando a prevalência das instituições privadas de ensino, bem como a configuração do ensino secundário como um privilégio das elites. Assim, em consonância com o preceito constitucional que garantia educação como direito de todos, houve uma intensa luta pelo aumento do número de escolas públicas pelo país, bem como pela sua qualidade. Esse movimento, nutrido pela nova LDB de 1961, também acabou motivando uma série de outras mobilizações em torno da educação popular. Deste modo, podemos citar o Movimento de Educação de Base (MEB), que foi um importante programa de alfabetização, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em parceria com o Ministério da Educação (MEC), tendo como fundamento a proposta de instalação de escolas radiofônicas Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas, que ele qualificou de educação bancária. Nela o professor age como quem deposita conhecimento num aluno, como uma doação. Trata-se, portanto, de uma escola alienante: “Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade”, escreveu Paulo Freire. Enquanto a escola conservadora procura acomodar os alunos ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção de inquietá- los. 62 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL em todo o território brasileiro, mas principalmente na região Nordeste. Também podemos citar a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), que, a partir de 1941, estabeleceu um excelente papel em torno da alfabetização em unidades de ensino, que recebiam financiamento governamental para desenvolver tais atividades – é interessante destacar também que a CEAA foi a primeira iniciativa governamental em favor da educação de jovens e adultos no Brasil. Ainda outra importante campanha do movimento popular foi o Programa Nacional de Alfabetização, que, a partir de 1963, criou uma rede com diversas instituições, agremiações e organizações em vista da alfabetização de adultos com base no sistema freireano. Atividade de Estudos: 1) Paulo Freire, em sua Terceira Carta Pedagógica, escreveu: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda” (FREIRE, 2000, p. 67). Assim, resume-se o movimento organizado em torno da LDB de 1961, que redemocratizou o ensino, trazendo conceitos cada vez mais atinados com os movimentos populares. Que tal agora você pesquisar um pouco mais sobre Paulo Freire, grande representante deste viés, e descrever um pouco do seu trabalho?____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 63 A Educação no Brasil Capítulo 2 A Educação no Período da Ditadura (1964-1985) As conquistas populares obtidas nos últimos anos acabaram sendo freadas através do regime militar, que se instaurou no país em 1964 com a deposição do então presidente João Goulart. Consolidou-se um momento na história do país em que muitos políticos e pensadores acabaram sendo perseguidos e exilados. O povo encontrou-se impossibilitado de escolher seus representantes. Na economia houve grande concentração da riqueza e da propriedade, com aumento expressivo de preços. Com a situação cada dia mais difícil, o êxodo rural provocou grande inchaço nas cidades, causando ainda mais problemas sociais, como a falta de trabalho, de moradia, crescimento das favelas, aumento na mortalidade, doenças, fome e pobreza. Já as multinacionais expandiram seu alcance na economia nacional e a dívida externa multiplicou-se, acentuando ainda mais os problemas do país. Na educação o impacto também foi desastroso, afinal, inúmeras escolas foram invadidas pela polícia, sendo seus estudantes e professores presos, torturados e muitas vezes também exilados. Da mesma forma, instalou-se uma vigilância nas escolas e universidades, através de agentes infiltrados, que tinham a função de avaliar o funcionamento e as práticas destas instituições com relação às diretrizes impostas pelo novo sistema. Para exemplificar essa perseguição podemos citar a Lei nº 4.464, de 9 de novembro de 1964, que tinha como objetivo extinguir os movimentos estudantis, transformando-os em entidades diretamente vinculadas ao Ministério da Educação. Na prática, os estudantes não podiam se reunir, nem discutir seus problemas – embora continuassem a fazê-lo clandestinamente, o que repercutiu em diversos episódios em que dezenas de alunos acabaram presos (em outubro de 1968, por exemplo, foi organizado o XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes, órgão já extinto pela ditadura, ocasião em que 900 estudantes acabaram presos). Foram 21 anos de regime ditatorial no país, que significaram um período de muitos conflitos, violência e resistência. Muitos líderes estudantis foram presos, universidades foram invadidas e controladas, a União Nacional de Estudantes foi sufocada. Boa parte da população que viveu esse tempo conheceu formas muito específicas de dor e silêncio que, no contexto do regime, tiveram uma conotação de coerção e medo (ROSA, 2006, p. 37). Assim, acirrando a perseguição política, foi instituído em 13 de dezembro de 1968 ao Ato Institucional nº 05, que dava plenos poderes ao presidente para, por exemplo, fechar o Congresso Nacional, cassar Foram 21 anos de regime ditatorial no país, que significaram um período de muitos conflitos, violência e resistência. Muitos líderes estudantis foram presos, universidades foram invadidas e controladas, a União Nacional de Estudantes foi sufocada. Boa parte da população que viveu esse tempo conheceu formas muito específicas de dor e silêncio que, no contexto do regime, tiveram uma conotação de coerção e medo (ROSA, 2006, p. 37). 64 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL mandatos, entre outros. Da mesma forma foi instituído o Decreto nº 477, em 26 de fevereiro de 1967, com o objetivo de definir infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, dando providências (BRASIL, 1967): Art 1º Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: I - Alicie ou incite à deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento; II - Atente contra pessoas ou bens tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV - Conduza ou realize, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; V - Sequestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro de corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública. § 1º As infrações definidas neste artigo serão punidas: I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza, pelo prazo de cinco (5) anos; II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento, e a proibição de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de três (3) anos. § 2º Se o infrator for beneficiário de bolsa de estudo ou perceber qualquer ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não poderá gozar de nenhum desses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos. § 3º Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada de território nacional. Art 2º A apuração das infrações a que se refere este Decreto-lei far-se-á mediante processo sumário a ser concluído no prazo, improrrogável, de vinte dias. Parágrafo único. Havendo suspeita de prática de crime, o dirigente do estabelecimento de ensino providenciará, desde logo, a instauração de inquérito policial. Art 3º O processo sumário será realizado por um funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino, designado por seu dirigente, que procederá às diligências convenientes e citará o infrator para, no prazo de quarenta e oito horas, apresentar defesa. Se houver mais de um infrator o prazo será comum e de noventa e seis horas. § 1º O indiciado será suspenso até o julgamento, de seu cargo, função ou emprego, ou, se for estudante, proibido de frequentar as aulas, se o requerer o encarregado do processo. 65 A Educação no Brasil Capítulo 2 § 2º Se o infrator residir em local ignorado, ocultar-se para não receber a citação, ou citado, não se defender, ser-lhe-á designado defensor para apresentar a defesa. § 3º Apresentada a defesa, o encarregado do processo elaborará relatório dentro de quarenta e oito horas, especificados a infração cometida, o autor e as razões de seu convencimento. § 4º Recebido o processo, o dirigente do estabelecimento proferirá decisão fundamentada, dentro de quarenta e oito horas, sob pena do crime definido no Art. 319 do Código Penal, além da sanção cominada no Item I do § 1º do Art. 1º deste Decreto-lei. § 5º Quando a infração estiver capitulada na Lei Penal, será remetida cópia dos autos à autoridade competente. Art 4º Comprovada a existência de dano patrimonial no estabelecimento de ensino, o infrator ficará obrigado a ressarci- lo, independentemente das sanções disciplinares e criminais que, no caso, couberem. Para organizar o ensino de 1º e 2º graus conforme os moldes do sistema ditatorial e empresarial brasileiro foi elaborada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, sendo reformulada em seguida pela Lei nº 7.044, de 1982. Esta Lei, em seu primeiro artigo, estabelecia como objetivo destes níveis de ensino “proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, preparação para o trabalho, e para o exercício consciente da cidadania”. No âmbito estrutural, essa reforma modificouo antigo curso primário e ginasial, que acabaram unificados no chamado 1º grau, com duração de oito anos, destinado à educação geral. O ensino técnico também foi extinto com essa reforma e o 2º grau passou a apresentar um viés profissionalizante – desta forma, o aluno poderia obter um diploma de auxiliar técnico, se cursasse três anos do Ensino Médio, ou de técnico, se cursasse quatro anos. Foram criadas mais de 200 habilitações profissionais para o 2º grau e o ingresso para o Ensino Superior passou a ser definido através da apresentação de documento de conclusão de estudos do 2º grau e classificação em concurso vestibular. O grande problema desta proposta foi a falta de condições para a oferta do ensino profissional nas escolas do país, o que gerou um verdadeiro caos na educação, sendo revisto somente em 1982, com a Lei nº 7.044, que vai alterar a Lei 5.692 no que se refere à profissionalização do ensino de 2º grau, possibilitando às escolas escolherem se ofereciam ou não as habilitações profissionais aos seus estudantes. Sobre o currículo da educação, foram incluídas disciplinas como Comunicação e Expressão, Estudos Sociais, Organização Social e Política do Brasil, entre outras, que acabaram prejudicando a liberdade dos sistemas estaduais e das escolas em introduzir outras disciplinas, mais convenientes às suas realidades. Medidas mais extremas foram a exclusão de disciplinas como Filosofia, Sociologia e Psicologia do currículo do 2º grau, por apresentarem maior caráter crítico e reflexivo, ora perturbador da ordem do sistema político ditatorial estabelecido no país. 66 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL No Ensino Superior, por sua vez, presenciamos um movimento de retenção de vagas, onde alunos eram impedidos de ingressar nas universidades, embora tivessem obtido nota suficiente para acessá-las. Para este nível de ensino também foi estabelecida uma reforma, instituída através da Lei nº 5.540, de 28 de novembro e 1968, que, de maneira geral, determinava a extinção da cátedra e a instituição dos departamentos e carreira universitária aberta; também foi estabelecida a reorganização das universidades em institutos, dedicados à pesquisa e ao ensino básico, e em faculdades e escolas, dedicadas à formação profissional; de outra maneira, a reforma previa currículos mais flexíveis, cursos parcelados, semestrais, com regime de créditos; foi estabelecida a introdução de exames vestibulares unificados; além disso, foram regulados os cursos de pós- graduação e de curta duração. O que se criticava pela comunidade acadêmica da época, porém, não era exatamente as ações acima mencionadas, mas a intensificação da burocracia e da centralização sobre a universidade, pois desejava-se uma instituição crítica, livre e aberta. Um dos exemplos desse movimento foram os acordos de cooperação como o MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura / United States Agency International for Development), que previam assistência financeira e assessoria técnica junto aos órgãos, autoridades e instituições educacionais. O funcionamento do programa previa a reestruturação administrativa, planejamento e treinamento de pessoal docente e técnico, bem como o controle do conteúdo geral do ensino, por meio do acompanhamento, publicação e distribuição de livros técnicos e didáticos para todos os níveis do ensino brasileiro. O que predominou, portanto, em todo o período da ditadura, foram os interesses das minorias responsáveis pelo golpe militar de 1964, e os da burguesia internacional, que iriam determinar o texto legal e os efeitos práticos sobre a ordenação da educação brasileira. Para saber mais sobre a educação no período da ditadura, acesse: <http://www.seer.ufv.br/seer/educacaoemperspectiva/index. php/ppgeufv/article/viewFile/171/89>. A Constituição Federal de 1967 assegurou a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino em oito anos, mas retirou a vinculação constitucional de recursos com a justificativa de maior flexibilidade orçamentária. Na prática, o que aconteceu é que o corpo docente acabou sofrendo um rebaixamento dos seus salários e a duplicação ou triplicação da sua jornada de trabalho. A Constituição de 1967 também manteve a estrutura organizacional básica da educação nacional, 67 A Educação no Brasil Capítulo 2 preservando dessa maneira os sistemas de ensino dos Estados; contudo, apresentou um fortalecimento do ensino particular, mediante previsão de meios de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo; a necessidade de bom desempenho para garantia da gratuidade do Ensino Médio e Superior aos que comprovassem insuficiência de pecúnia; a limitação da liberdade acadêmica pelo medo subversivo; a diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Para regular melhor aquilo que já havia sido exposto parcialmente através da Constituição de 1967, foi instituída a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. A LDB de 1971 tinha o propósito de possibilitar formação, com o objetivo de que essa formação pudesse concorrer para a autorrealização do educando, para sua qualificação visando o exercício de uma atividade profissional e para sua atuação consciente no meio social e político em que vive. Assim, caberia à escola prover-se de conteúdo e métodos que possibilitassem, além da cultura geral básica, também a educação para o trabalho e para o relacionamento humano. Foi organizada pela nova Lei a ampliação da escolaridade obrigatória de quatro para oito anos, conforme estrutura que conhecemos anteriormente – podemos dizer que esta foi a maior conquista da LDB de 1971. Segundo a Lei nº 5.692, de 1971, o ensino de 1º grau, obrigatório, com oito anos de duração e carga horária de 720 horas anuais, seria destinado à formação da criança e do pré-adolescente da faixa etária dos sete aos 14 anos. O ensino de 2º grau, com três ou quatro anos de duração e carga horária de 2.200 horas para os cursos de três anos, e de 2.900 horas para os quatro anos, destinado à formação do adolescente. A educação de jovens e adultos ficou a cargo do ensino supletivo, destinado a suprir a escolarização incompleta, ou a aperfeiçoar e atualizar conhecimentos. Já o ensino de 3º grau se estruturaria através de cursos de graduação, abertos à matrícula de candidatos que concluíram o ensino do 2º grau e que tenham sido classificados em concurso vestibular; cursos de pós-graduação, abertos à matrícula de candidatos diplomados em curso de graduação, que preencham as condições prescritas em cada caso. Os cursos de pós-graduação levam a: especialização e aperfeiçoamento para candidatos diplomados em cursos de graduação ou que apresentem títulos equivalentes; extensão; mestrado (curso de um a três anos); e doutorado (curso de dois a quatro anos). 68 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Atividade de Estudos: 1) O período da ditadura foi um momento marcante da história de nosso país, onde muitos foram perseguidos, torturados, exilados e mortos. Assim, lhe convidamos para tecer um comentário sobre os impactos da ditadura na escola, principalmente, no que diz respeito à censura. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações Caro estudante, você vislumbrou no decorrer deste capítulo um pouco da história de nosso país, bem como da escola brasileira, com seus percalços e dificuldades, avanços e retrocessos. Assistimos à constituição de uma escola que servia inicialmente aos interesses da Igreja, mas que, com o tempo, foi reorganizada segundo os interesses das próprias elites,devidamente representadas nas estruturas políticas do país. Assistimos também como os movimentos sociais colaboraram para grandes transformações no regime escolar nacional. Por último, acabamos vendo como o período da ditadura trouxe grandes restrições e, em muitos aspectos, retrocessos às conquistas obtidas durante décadas pela educação. Vimos que, de certo modo, toda a legislação educacional foi organizada ao longo dos anos para justificar os modelos políticos constituídos e que, portanto, a cada nova organização política a escola sofria uma nova ruptura que lhe impunha mudanças muitas vezes profundas, fragmentando o processo anterior, exigindo novas posturas, novos pensamentos e novas posturas docentes. De certo modo, o que acabamos por constatar é que à educação escolar, a cada novo período, se exigiu uma nova função da escola em relação à conformação dos sujeitos à sociedade. Assim, vislumbramos, paralelamente, a inquietação de muitos pensadores que passaram a discordar desse caráter utilitarista da escola, culminando com uma série de movimentos e correntes ideológicas que nutriram a transição para o período contemporâneo da escola, que passamos a apresentar a partir do próximo capítulo. 69 A Educação no Brasil Capítulo 2 Referências BASTOS, Aurélio Wander. Coletânea da legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. BRASIL. Senado Federal. Decreto-Lei nº 477/67. Brasília: 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0477.htm. Acesso em: 16 jul. 2016. BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: n. 4.024/61. Brasília: 1961. CARVALHO, Laerte Ramos de. Introdução ao estudo da história da educação brasileira: o desenvolvimento histórico da educação brasileira e a sua periodização. São Paulo, 1972. CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. 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São Paulo: Panorama, 2000. 70 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL CAPÍTULO 3 A Legislação Educacional Brasileira Na perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Definir o contexto do direito educacional brasileiro ao longo da história. � Possibilitar um entendimento do direito educacional e suas bases legais. 72 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 73 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Contextualização Você estudou, até o momento, que a educação sempre caminhou alinhada aos interesses das elites, expressando um movimento de justificação das posições herdadas ou, por assim dizer, de estagnação social. Vimos que a ditadura militar constituiu um período da nossa história em que foi promovido um verdadeiro aborto dos movimentos sociais. O país, contudo, foi marcado, mesmo que veladamente, por uma intensa mobilização que pedia a democracia, logo transfigurada em novos caminhos para a própria educação, que aqui serão apresentados. Pretendemos, a partir das questões apresentadas nos capítulos anteriores, possibilitar a você, aluno, entender as bases epistemológicas do direito educacional brasileiro e sua construção histórica. Esperamos, enfim, que você tenha aproveitado muito a trajetória que escolhemos para apresentar a legislação e o direito educacional e torcemos para que você aproveite ainda mais este espaço de debate para conhecer melhor a legislação que norteia a escola contemporânea e, portanto, também o trabalho pedagógico que desenvolvemos nas nossas salas de aula. O Direito Educacional Nas Constituições Brasileiras Constituição Brasileira de 1824 Conforme já apresentamos no capítulo anterior, foi no período do Império que encontramos a primeira Constituição brasileira, datada de 1824. Essa Constituição foi promulgada pelo então Imperador Dom Pedro I, num momento em que se comemorava a independência do país, afirmando, portanto, os princípios de um liberalismo moderado. O poder do imperador era diretamente justificado por essa legislação, que lhe outorgava grande poder de decisão sobre a vida política do país. De modo geral, a primeira Constituição não traz grandes novidades sobre o campo da educação, apresentando apenas dois parágrafos de um único artigo sobre a matéria, em que fica estabelecido que "a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos" (art. 179, § 32), e depois outro que trata dos "colégios e universidades, onde serão ensinados os elementos das ciências, belas letras e artes" (art. 179, § 33) (BRASIL, 1824). 74 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL O que se evidencia é que havia naquele momento uma pequena preocupação com a educação, embora a referência à ideia de gratuidade da instrução primária para todos constituiu um grande passo para o país, mesmo que, na prática, não tenha sido cumprida – é importante ressaltar que o Brasil foi um dos primeiros países a inscrever em sua legislação a gratuidade da educação para todos os seus cidadãos. Constituição Brasileira de 1891 Já a Constituição de 1891 constitui-se como o produto da Primeira República, que fora proclamada pelos militares. Assim, os princípios da Federação inscritos na nova Lei buscam aumentar a autonomia das antigas províncias, ao mesmo tempo em que criam os três poderes, o voto direto reservado aos homens com mais de 21 anos (analfabetos não podiam votar) e, principalmente, a separação entre Estado e Igreja. Da mesma forma, em paralelo com a tessitura da Carta Magna de 1891, surgem anseios de um novo projeto para educação, como é o caso da proposta de Benjamin Constant, que aprova os Regulamentos da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal, do Ginásio Nacional e do Conselho de Instrução Superior. O que podemos perceber é a existência de um número muito maior de dispositivos sobre a educação na Constituição de 1891 em relação à de 1824. Esses dispositivos acabam por inscrever princípios que nortearão o campo da educação durante toda a sua história, como é o caso da laicidade, ao dispor que seria "leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos" (art. 72, § 6º). A nova Constituição de 1891 define também a atribuição do Congresso Nacional em legislar sobre o ensino (art. 34, inciso 30), da mesma forma que "não privativamente: animar, no país, o desenvolvimento das letras, artes, e ciências [...] sem privilégios que tolham a ação dos governos locais, criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados e prover a instrução primária e secundária no Distrito Federal" (art. 35, incisos 2º, 3º e 4º). O interessante é que já neste documento se estabelece o modelo federalista que rege a educação brasileira, em que a União assume a responsabilidade de “animar” a educação, que se institui como responsabilidade direta dos estados federados, que assim determinarão a sua natureza, número e a abrangência. Constituição Brasileira de 1934 A terceira Constituição brasileira, datada de 1934, expressa um momento de nossa história inscrito com base numa série de revoltas, que materializam seus anseios através da ascensão de Getúlio Vargas ao poder. 75 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 O momento vivido neste período é de grandecontrovérsia, decorrente, principalmente, da crise de 1929 e da necessidade de transformações econômicas que garantissem o desenvolvimento do país. Assim, também para a educação foi um momento de grandes mudanças, com a criação do Ministério da Educação e com a realização de uma série de reformas do ensino superior e secundário. No campo ideológico presenciamos a forte influência do escolanovismo, cujo movimento já debatemos no capítulo anterior. Tais influências acabaram gerando um significativo espaço para a educação na Constituição de 1934 – eram 17 artigos que tratavam do ensino. De qualquer forma, contudo, a estrutura anterior do sistema educacional foi mantida, cabendo à União "traçar as diretrizes da educação nacional" (art. 5º), "fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos”, “organizar e manter os sistemas educativos dos territórios” (art. 150), assim como exercer "ação supletiva na obra educativa em todo o país" (art. 150). Ainda conforme o artigo 151 da Constituição de 1934, a organização e manutenção de sistemas educativos permanecem sob a responsabilidade direta dos próprios estados da Federação, que deverão se basear no princípio geral de um "ensino primário integral e gratuito e de frequência obrigatória extensivo aos adultos”, bem como a uma “tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário, a fim de o tornar mais acessível" (art. 150). O texto da nova Constituição também abarca tendências conservadoras, favorecendo o ensino religioso "de frequência facultativa [...] nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais" (art. 153). A mesma tendência conservadora se expressa no apoio ao ensino privado através da isenção de tributos a quaisquer "estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos" (art. 154). Um aspecto de grande relevância em torno deste item é a questão do financiamento da educação, já que, pela primeira vez na história do país, são definidas vinculações de receitas para a educação. Assim, foi definido que caberia à União e aos municípios aplicar "nunca menos de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento do sistema educativo" (art. 156). Outras importantes novidades da Constituição de 1934 são a exigência de que as empresas com mais de 50 empregados ofertassem o ensino primário gratuito aos seus empregados (art. 139); a "liberdade de ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação federal e da estadual e reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando asseguradas a seus professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma 76 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL remuneração condigna" (art. 150); a oferta do ensino em língua pátria (art. 150); a isenção de impostos para a profissão de professor (art. 113); e a exigência de concurso público como forma de ingresso ao magistério oficial (art. 158). Constituição Brasileira de 1937 A era de Vargas, correspondente a um período de grande autoritarismo, também foi um marco num processo mais amplo, a partir do qual foram instituídas as bases para a modernização do país, mas onde também foi retomada a centralização da educação com reformas educacionais desencadeadas diretamente pelo poder central. Assim, a competência da União é ampliada com a Constituição de 1937, de forma que lhe é facultado "fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude" (art. 15). Contraditoriamente, porém, a Constituição de 1937 determinava, através do artigo 128, a livre iniciativa para a oferta do ensino público e privado, reduzindo a responsabilidade do Estado, que passa a desempenhar uma função meramente compensatória na oferta escolar destinada à "infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares" (art. 129). Nesse sentido, apenas o ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é compreendido como dever do Estado em matéria de educação (art. 129). O que se estabelece, portanto, é um modelo educacional centralizado nas instituições particulares, sendo a oferta pública destinada exclusivamente àqueles que não puderem arcar com os custos desse modelo – lembremos, contudo, que o artigo 130 acrescenta que o caráter parcial dessa gratuidade "não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar". O que se verificou com tal mecanismo é que a educação pública foi reduzida à educação dos menos favorecidos. Você que trabalha na educação já deve ter se deparado com as escolas que pediam contribuições para as famílias, pois necessitavam dessa colaboração para manter suas atividades, em complementação a uma política pública ineficiente para com a educação. Assim, você acaba de descobrir que essa prática surgiu com a Constituição de 1937, mantendo-se ativa até os dias de hoje em muitas de nossas escolas. Como, portanto, você percebe a continuidade desse mecanismo de financiamento educacional diante de todas as mudanças que assistimos desde 1937? 77 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Constituição Brasileira de 1946 A quinta Constituição brasileira foi promulgada em 1946, a partir de uma série de movimentos pós-Segunda Guerra Mundial, que viabilizaram a redemocratização do país e o fim da ditadura, instituída pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Assim é que se estabelece o cenário desta nova Constituição, que passa a se orientar por princípios liberais e democráticos, que também basearão diversas reformas educacionais pelo país. Vemos nesse período o surgimento de toda uma série de leis que regulamentam o ensino industrial, o secundário e o comercial, criando instituições como o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). Também foram organizadas nesse momento reformas voltadas para o ensino fundamental, normal e agrícola. Lembramos que tais movimentos estruturam o cenário que irá resultar na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, estabelecida em 1961. A Constituição de 1946 retrata, de modo geral, um período onde se procura uma convivência entre tendências antagônicas, como as conservadoras e liberais, revelando um momento de contradições sociais e políticas vivido no país. Assim, se estabelece como competência da União, no artigo 5, o poder de legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Esta Constituição também estabelece, a exemplo das demais, que a educação é um direito de todos, mas passa a relacionar esse direito com o dever do Estado em prover tal demanda, fixando que "o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos Poderes Públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem" (art. 167). A novidade é que o ensino posterior ao primário, considerado oficial e como de direito de todo cidadão desde há algumas cartas costitucionais, passa também a ser oferecido de forma gratuita a todos os que não puderem acessá-lo em redes privativas, por falta de recursos (art. 168). É interessante que esse texto indica a intenção de manter uma rede que fosse para a maioria, sendo o ensino gratuito em nível subsequente ao primário, exclusivo àqueles mais pobres. Também a laicidade não é assegurada na Constituição de 1946, ao passo que o ensino religioso "constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, e é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, sefor capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável" (art. 168). De qualquer forma, há um avanço com a imposição de que o ensino da religião seja realizado em pleno acordo com as confissões dos alunos. Agora, um passo importante desta Constituição é o estabelecimento de dispositivos que tratam da vinculação de recursos para a educação. Estes dispositivos estabeleceram, por exemplo, que a União devia aplicar nunca menos de 10%, e os Estados, Municípios e Distrito Federal, nunca menos de 78 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 20% das receitas resultantes de impostos na "manutenção e desenvolvimento do ensino" (art. 169). Da mesma forma, ficou definido que a União deveria prestar colaboração com o desenvolvimento dos sistemas de ensino, prestando ajuda financeira a eles através do então criado Fundo Nacional (art. 171) – hoje Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Por último, vale ressaltar que a organização da educação passa a ser de responsabilidade direta de cada Estado da Federação, que elaborará seu próprio sistema de ensino, cabendo à União apenas a tarefa de organizar um sistema federal de ensino, com caráter apenas supletivo, de acordo com os limites estabelecidos pelas deficiências locais (art. 170). Vimos nesta seção que a Constituição de 1946 estabelece a criação de um Fundo Nacional de amparo à educação, que serve como complementação financeira às redes de educação de todo o país. Assim, que tal conhecer um pouco mais a amplitude desse fundo financiador visitando o seu sítio na internet e observando onde são investidos os recursos da educação no país? Acesse e conheça: <http://www.fnde.gov.br/>. Constituição Brasileira de 1967 Apesar do movimento de redemocratização vivido através da Constituição de 1946, o país acabou novamente sendo marcado por um momento de grande autoritarismo, com o advento da ditadura militar. Esse momento, por outro lado, passou a representar um avanço com relação aos processos econômicos de fundo capitalista, que se expressaram com um acentuado desenvolvimento da urbanização e industrialização do país. A Constituição de 1967 instaura, neste sentido, um momento em que é expressiva a subordinação das unidades federadas às decisões tomadas pelo poder central na gestão pública. Como a Constituição de 1967 não traduz ainda o movimento autoritário imposto pelo regime militar dos anos seguintes, ela mantém os traços fundamentais das constituições anteriores, expressando interesses políticos como os ligados ao ensino particular. A Constituição de 1967 mantém também a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 8), estabelecendo novas funções relativas aos planos nacionais de educação (art. 8). 79 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Os elementos que são mais expressivos nesta Constituição são ainda a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário (art. 176), o ensino religioso, de matrícula facultativa, como "disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio (art. 176). Podemos destacar também a menção ao dever do Estado na oferta do ensino gratuito (art. 176) e o dispositivo que determina que o ensino seja ministrado nos diferentes graus pelos poderes públicos (art. 176). Embora ambas definam que este seja livre à “iniciativa particular”, a Constituição de 1967 avança no tocante ao subsídio que o Estado deve oferecer ao ensino privado, mediante apoio técnico e financeiro, inclusive com a oferta de bolsas de estudo (art. 176). Também em relação ao financiamento, o dispositivo das constituições anteriores que exigia metas de financiamento por parte da União, Estados e Municípios foi excluído, sendo reintroduzido somente na década de oitenta através de uma Emenda Constitucional, que passou a exigir a aplicação por parte da União de ao menos 13% de suas receitas, por parte dos Estados e Municípios nunca menos de 25% (Emenda Constitucional nº 24/1983). O que se percebe, de forma geral, é que as reformas educacionais do período visavam, no nível de 1º e 2º graus, conter a crescente demanda sobre o Ensino Superior e promover a profissionalização do nível médio, enquanto que, no nível superior, visavam responder à crescente demanda, oferecendo formação suficiente para responder aos avanços econômicos e industriais vividos no período. Constituição Brasileira de 1988 Somente com o fim do regime militar é que assistimos à retomada dos anseios democráticos. Assim, em 1984, intensifica-se um movimento popular em vista das eleições diretas, que acabou sendo frustrado com a eleição indireta do presidente Tancredo Neves pelo Congresso Nacional. Alguns meses mais tarde, contudo, Tancredo falece e em seu lugar assume o vice, José Sarney, que segue o compromisso de revogar o direito autoritário instituído nas décadas anteriores. Deste modo, foi organizada uma Assembleia Nacional Constituinte que resultou na promulgação de nossa sétima e última Constituição, em 1988. Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida (Fernando Sabino). 80 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL O que é importante dizer sobre o movimento que resultou nesse documento é que foi fruto de um intenso debate, também no campo da educação, que constituiu a incorporação daqueles que historicamente foram excluídos, o que foi expresso nos termos da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206). Diz o Artigo 205 da Constituição Federal de 1988: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Desse artigo, portanto, podemos extrair alguns conceitos básicos da educação na Constituição de 1988: 1. Que a educação é um direito de todos; 2. Que a educação é dever do Estado; 3. Que a educação é dever da família; 4. Que ela deve ser fomentada pela sociedade. Do mesmo modo, o Artigo 205 da Constituição de 1988 também deixa claro que os objetivos gerais da educação são o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo da pessoa para o exercício da cidadania e a qualificação da pessoa para o trabalho. A garantia da educação como direito de todos se dá através do dever do Estado de ofertá-la; contudo, a família é corresponsabilizada pela tarefa de educar seus filhos – anteriormente, a família era responsável direta pela educação das crianças (Art. 149, CF 1946), mas com a Constituição Federal de 1988, a família passa a ser colaboradora no processo educativo, seja através da promoção ou do incentivo. Desta maneira, o Estado reconhece o tamanho da tarefa de formar os educandos e passa a permitir que a sociedade civil organizada, representada por associações comunitárias, entidades religiosas e organizações não governamentais, possa, em conjunto com ele, realizar o trabalho em comum de educar as crianças e jovens. Também se constituíram como importantes conquistas desse movimento a educação como direito público subjetivo (art. 208), o princípio da gestão democrática do ensino público (art. 206), o dever do Estado em prover creche e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade (art. 208), a oferta de ensino noturno regular (art. 208), o ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive aos que a ele não tiveram acesso em idade própria (art. 208) e o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências (art. 208), por exemplo. Da mesma forma, o que vinha se fortalecendo em relação ao direito à educação nas constituições anteriores passa a tomar corpo com a noção de que a educação, enquanto direito de todos e dever do Estado e da família, seria promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205).81 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 A Constituição de 1988 também passa a estabelecer alguns outros princípios que nortearão a educação nacional (art. 206): • Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; • Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; • Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; • Valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional, ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, e regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União; • Garantia de padrão de qualidade. O que se percebe, portanto, é que há um avanço considerável com a Constituição de 1988, o que é expresso também na progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio; no acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; no atendimento ao educando, no Ensino Fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 208). Acesse a íntegra da Constituição Cidadã em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. É importante destacar que essa Constituição foi a primeira a tratar da autonomia universitária, estabelecendo, em seu artigo 207, que "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão". A competência da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional é outro tema que permaneceu na Constituição de 1988, em seu artigo nº 22. Contudo, os Estados e Municípios passam a compartilhar da função de proporcionar os meios de acesso à cultura, educação e ciência (art. 23, V). Assim, aos municípios é atribuída a manutenção, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, os programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental (art. 30 e 211). Aos Estados, por sua vez, é atribuída a manutenção, 82 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL também com a cooperação técnica e financeira da União, dos sistemas de ensino secundários. Esse financiamento da educação passou a ser estabelecido com a obrigatoriedade de que a União aplique "anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino" (art. 212). A exemplo das constituições anteriores, a liberdade de ensino também continua sendo apregoada pela Constituição de 1988, que dispõe que "o ensino é livre à iniciativa privada", desde que seja observado o "cumprimento das normas gerais da educação nacional" e a "autorização e avaliação de qualidade pelo poder público" (art. 209). Também é mantida a possibilidade de transferência de recursos públicos ao ensino privado por meio de bolsas de estudo para os alunos que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o poder público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade (art. 212). Resumidamente, a escola pública conquistou com a Constituição de 1988 a gratuidade do ensino público em todos os níveis; o piso salarial profissional com ingresso somente mediante concurso público e regime jurídico único para o magistério da União; a gestão democrática do ensino público; a autonomia universitária; a definição da educação como direito público subjetivo e a manutenção da vinculação orçamentária com a ampliação do percentual da União. Quanto às instituições privadas de ensino, elas tiveram assegurados o ensino religioso no Ensino Fundamental; o repasse de verbas públicas para as instituições filantrópicas, comunitárias e confessionais; o apoio financeiro do poder público à pesquisa e extensão nas universidades particulares; a não aplicação do princípio da gestão democrática, plano de carreira, piso salarial e concursos de ingresso para o magistério das instituições particulares. O que temos que ter em mente é que a maior conquista da Constituição de 1988 foi a gestão democrática, que expressa, ante a exclusão que até então se levava a efeito pelo regime autoritário, os anseios dos professores, pais e alunos de participação nas decisões sobre a vida de suas escolas. 83 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Atividade de Estudos: 1) Para fixar melhor as mudanças que foram sendo instituídas no decorrer da história de nosso país, que tal você preencher o quadro a seguir com pelo menos duas informações sobre como foi abordada a educação em cada uma de nossas constituições? Constituição 1824 Constituição 1891 Constituição 1934 Constituição 1937 Constituição 1946 Constituição 1967 Constituição 1988 O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA Com os avanços da Constituição de 1988, foi preciso também organizar uma legislação que pudesse regulamentar a proteção da criança e do adolescente, encerrando toda a obscura fase vivida durante o período da ditadura. Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 14 de julho de 1990, foi criado para assegurar o tratamento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, protegidos juridicamente, através da Doutrina da Proteção Integral – doutrina esta que afirma que as crianças e adolescentes são sujeitos de direito e que, diante de sua condição, devem ter prioridade nas políticas públicas. 84 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Assim, o Estatuto acaba reforçando alguns preceitos já vislumbrados na Constituição de 1988, estabelecendo, por exemplo, que é dever do Estado, da família e da sociedade garantir o direito de crianças e adolescentes à liberdade, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e à proteção do trabalho. Além disso, o Estatuto também prevê a proteção contra qualquer forma de exploração, discriminação, violência e opressão. “Se educarmos as crianças não precisaremos punir os homens” (Abraham Lincoln, ex-presidente dos Estados Unidos). Podemos, de maneira geral, destacar como alguns dos importantes dispositivos do Estatuto (BRASIL, 1990): Art. 53: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho; Art. 54: É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - Progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio; III - Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - Acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - Oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador; VII - Atendimento no Ensino Fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. 85 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Art. 58: No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criaçãoe o acesso às fontes de cultura. Para conhecer o ECA em sua íntegra, acesse: <https://www2. senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70318/64.pdf?sequence=3>. O que podemos constatar, através da Lei nº 8.069/90, é que o ECA se constituiu como um importante instrumento de garantia da satisfação das necessidades das crianças e adolescentes, assegurando o cumprimento dos seus direitos à proteção integral. É importante ainda dizer que essa legislação se coaduna aos preceitos estabelecidos em normas internacionais como a Declaração dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas – Resolução 1.386, de 20 de novembro de 1959, constituindo-se como um marco da história legal de nosso país que devemos conhecer, divulgar e defender. Atividade de Estudos: 1) Os dispositivos contidos no ECA estipulam situações nas quais tanto o responsável quanto o menor devem ser instados a modificarem atitudes, definindo sanções para os casos mais graves. Assim, nas hipóteses de o menor cometer ato infracional, e justamente porque são penalmente inimputáveis, os menores de 18 anos poderão sofrer sanções, tais como a de internação em estabelecimento apropriado para este fim. - No seu cotidiano, você já deve ter ouvido muitas críticas sobre o ECA com relação aos menores infratores e, diante do que você leu e pesquisou nesta seção, como defenderia o Estatuto de tais críticas? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 86 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL A lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é uma diretriz que define e regulariza a organização da educação brasileira utilizando como base os princípios instituídos na própria Constituição Federal. Embora a sua concepção tenha sido citada pela primeira vez já na Constituição de 1934, a primeira LDB foi criada apenas em 1961, sendo depois reelaborada em 1971, como vimos nas seções anteriores. A partir dos movimentos sociais que culminaram com a Constituição Cidadã de 1988, foi preciso novamente reformular as estruturas existentes no país para implantar um contexto verdadeiramente democrático, de modo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96, surge como uma oportunidade de rever o cenário educacional, estabelecendo diretrizes para sua execução em todo o país. Deste modo, o projeto de Lei nº 9.394/96, que tratava do assunto, foi aprovado em 17 de dezembro de 1996, depois de muitos debates, sendo sancionado em 20 de dezembro de 1996, exatamente 35 anos após a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação é a mais importante lei brasileira que se refere à educação, sendo também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, em homenagem a este importante educador e político brasileiro, que participou intensamente da formulação da Lei, que é composta por 92 artigos que versam sobre os mais diversos temas da educação brasileira, desde o ensino infantil até o ensino superior. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96, foi um projeto que acabou reduzindo da participação do Estado com a educação através da diminuição dos investimentos e despesas com o setor, realizado a partir de uma divisão de responsabilidades com a iniciativa não governamental e privada, assim como vimos em alguns momentos da nossa história legal. De qualquer forma, a LDB de 1996 apresenta uma abertura no que diz respeito à organização da educação no país, com a consolidação de uma maior autonomia administrativa, pedagógica e financeira, cooperação entre União, Estados e Municípios – este último passou a ser considerado como o local propício para organizar a educação, já que ali é onde se vivenciam de perto os problemas relacionados às escolas e aos alunos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação é a mais importante lei brasileira que se refere à educação, sendo também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, em homenagem a este importante educador e político brasileiro, que participou intensamente da formulação da Lei, que é composta por 92 artigos que versam sobre os mais diversos temas da educação brasileira, desde o ensino infantil até o ensino superior. 87 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Para conhecer a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional na íntegra, acesse: <http://www.todospelaeducacao.org.br/ biblioteca/1090/lei-de-diretrizes-e-bases-da-educacao-nacional/>. De maneira geral, o sistema educacional brasileiro, a partir da LDB de 1996, passa a ser dividido em dois níveis básicos, a saber, a educação básica e a educação superior, diante do qual foram estabelecidos: a educação infantil (artigos 22 a 28), a educação fundamental (artigos 32 a 34), o ensino médio (artigos 35 e 36) e a educação superior (artigos 43 a 57). Na modalidade de ensino superior ainda existem as subdivisões com os cursos de graduação, programas de mestrado e doutorado strico sensu, cursos de especialização lato sensu, cursos de aperfeiçoamento, aperfeiçoamento, atualização, sequenciais, e de extensão. Já quanto às modalidades de ensino, a educação brasileira passa a se dividir em: educação de jovens e adultos (artigos 37 e 38), educação profissional (artigos 39 a 42), educação especial (artigos 58 a 60) e educação a distância (artigo 80). A LDB, como vimos, acaba definindo que a educação básica passa a ser composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, onde as ações em relação à formação das crianças e adolescentes se estabelecerão prioritariamente. Assim, através do artigo 22, a LDB fixa quatro dimensões essenciais para a formação, a saber: a pessoa humana, o cidadão, o trabalhador e o sujeito preparado para continuar seus estudos posteriores. No cenário da Educação Infantil, a LDB estabelece, em seu artigo 29, que essa fase de estudos se caracteriza por ser a primeira etapa da educação básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família. Para atingir esse objetivo, fica instituído que todas as instituições de Educação Infantil, sendo públicas ou mesmo privadas, passam a constituir o sistema de ensino municipal (art. 18). A LDB de 1996 também reafirma, através de seus princípios, o que já tinha sido delineado através do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição de 1988 – a responsabilidade quanto à educação continua sob a responsabilidade do Estado, da família e da própria comunidade, sendo traçado como objetivo do nível de ensino que os seus alunos sejam devidamente alfabetizados até o seu acesso ao Ensino Fundamental. 88 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL O Ensino Fundamental também foi alvo da LDB de 1996, que passou a conceber inicialmente apenas uma mudança na nomenclatura do que conhecíamos antes como 1º grau. Depois, contudo, a LDB de 1996 também alterou esse nível de ensino à categoria de direito público subjetivo, exigível a qualquer tempo (art. 5). A duração do Ensino Fundamental também acabou sendo alterada inicialmente para oito anos, abrangendo alunos entre sete e 14 anos de idade; depois, porém, a prerrogativa foi revista e o Ensino Fundamental passou a ter a duração de nove anos, admitindo a matrícula no Ensino Fundamental de alunos com seis anos de idade, o que foi depois também traçado como meta progressiva da educação através da Lei nº 10. 172, de 9 de janeiro de 2001 (Plano Nacional de Educação/PNE), sendo, finalmente, efetivada através da Lei nº 11.114, de 16 de maio de 2005, que tornou obrigatória a matrícula das crianças de seis anos deidade no Ensino Fundamental, e Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental para nove anos de duração, com a matrícula de crianças de seis anos de idade – o prazo de implantação da mudança, pelos sistemas, seria até 2010. Quanto à divisão do ensino, a responsabilidade sobre o Ensino Fundamental acabou recaindo sobre as esferas estaduais e municipais (art. 10 e art. 11). Seguindo o exemplo da Educação Infantil, também foram estipuladas metas para o Ensino Fundamental, que são, em resumo, o domínio da leitura, da escrita e do cálculo (art. 32). Além disso, o Ensino Fundamental deve favorecer o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (art. 32). Já com relação ao Ensino Médio, antigo 2º grau, agora última fase da educação básica, ele foi alvo de tentativas de implantação da politecnia, onde, a partir de uma base comum, os alunos poderiam receber uma formação mais técnica, o que acabou não acontecendo. Assim, a educação profissional se estabeleceu como uma modalidade de ensino paralela à de base comum, que manteve um quadro curricular comum com vistas à formação geral do indivíduo. A duração mínima dessa fase de estudos ficou definida em três anos, diante dos quais o aluno deverá consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de seus estudos; preparar-se para o trabalho e a cidadania, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; 89 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 aprimorar-se como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; compreender os fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (art. 35). O currículo do Ensino Médio, segundo o art. 36 da LDB de 1996, deverá destacar a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania. Também deverá adotar metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes, sendo incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, e uma segunda, escolhida pela comunidade escolar, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição. As disciplinas de Filosofia e Sociologia voltam a compor o quadro de disciplinas obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio (Lei nº 11.684, de 2008). Por último, as metodologias aplicadas ao Ensino Médio devem possibilitar que o aluno consiga demonstrar ao final de seus estudos o domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna e o conhecimento das formas contemporâneas de linguagem. Quanto ao Ensino Superior, a LDB de 1996 estabelece esse nível de ensino como sendo de competência da União, podendo ser oferecido por Estados e Municípios, desde que estes já tenham atendido os níveis pelos quais são responsáveis em sua totalidade. À União cabe também autorizar e fiscalizar as instituições privadas de Ensino Superior. Ainda compõe o sistema educacional brasileiro, conforme a LDB de 1996, a educação especial (atende aos educandos com necessidades especiais), educação a distância (atende aos estudantes em tempos e espaços diversos, com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação), a educação profissional e tecnológica (objetiva preparar os estudantes a exercerem atividades produtivas, atualizar e aperfeiçoar conhecimentos tecnológicos e científicos), a educação de jovens e adultos (atende às pessoas que não tiveram acesso à educação na idade apropriada) e a educação indígena (atende às comunidades indígenas, de forma a respeitar a cultura e língua materna de cada tribo). 90 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Atividade de Estudo: 1) A LDB de 1996, em seu artigo 206, inciso I, coloca como princípio da educação a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. O que vimos, contudo, durante boa parte de nossa história, foi a consolidação de um modelo educacional que privilegiava as elites. Deste modo, comente um pouco sobre como você vê essa questão diante daquilo que a LDB de 1996 prega em seu texto. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Plano Nacional de Educação – PNE A Constituição de 1988, através de seu artigo número 214, determina que a União estabelecerá o Plano Nacional de Educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à: I - Erradicação do analfabetismo; II - Universalização do atendimento escolar; III - Melhoria da qualidade do ensino; IV - Formação para o trabalho; V - Promoção humanística, científica e tecnológica do país. O Plano Nacional de Educação é uma lei ordinária, prevista na Constituição Federal, que entrou em vigência no dia 26 de junho de 2014 e valerá por 10 anos, que estabelece diretrizes, metas e estratégias para a educação. A partir do momento em que o PNE entra em vigor, todos os planos estaduais e municipais de Educação devem ser criados ou adaptados em consonância com as diretrizes e metas estabelecidas por ele. 91 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 O Plano Nacional de Educação (PNE) tem como objetivo geral determinar as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional do país. O último Plano Nacional data de 26 de junho de 2014, tendo sido debatido por durante quatro anos no Congresso Nacional, resultando num documento que projeta 20 metas para serem cumpridas até 2023. O primeiro grupo de metas são consideradas estruturantes para a garantia do direito à educação básica com qualidade, promovendo a garantia do acesso, a universalização do ensino obrigatório e a ampliação das oportunidades educacionais. O segundo grupo de metas diz respeito especificamente à redução das desigualdades e à valorização da diversidade. O terceiro grupo de metas trata diretamente da valorização dos profissionais da educação, enquanto estratégia para que as metas anteriores sejam atingidas. Por último, o quarto grupo de metas refere-se ao Ensino Superior. Conheça o documento oficial do Ministério da Educação, onde são apresentadas as 20 metas do Plano Nacional de Educação: <http://pne.mec.gov.br/images/pdf/pne_conhecendo_20_metas.pdf>. De forma geral, as metas do PNE abrangem todos os níveis de formação, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Ele é constituído com atenção especial à educação inclusiva, à melhoria da taxa de escolaridade média dos brasileiros, à formação e plano de carreira para professores, bem como à gestão e ao financiamento da Educação. Assim, são metas traçadas pelo Plano Nacional de Educação de 26 de junho de 2014 (BRASIL, 2014): 1) Educação Infantil: Até 2016, todas as crianças de quatro a cinco anos de idade devem estar matriculadas na pré-escola. A meta estabelece, também, que a oferta de Educação Infantil em creches deve ser ampliada de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até três anos até o final da vigência do PNE. 2) Ensino Fundamental: Até o último ano de vigência do PNE, toda a população de seis a 14 anos deve estar matriculada noEnsino Fundamental de nove anos, e pelo menos 95% dos alunos devem concluir essa etapa na idade recomendada. 3) Ensino Médio: Até 2016, o atendimento escolar deve ser universalizado para toda a população de 15 a 17 anos. A meta é também elevar, até o final da vigência do PNE, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%. 92 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 4) Educação Especial/Inclusiva: Toda a população de quatro a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação deve ter acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, de preferência na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. 5) Alfabetização: Alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. 6) Educação integral: Até o fim da vigência do PNE, oferecer Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos(as) alunos(as) da Educação Básica. 7) Aprendizado adequado na idade certa: Estimular a qualidade da educação básica em todas etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB: 2013 2015 2017 2019 2021 Anos iniciais de Ensino Fundamental 4,9 5,2 5,5 5,7 6,0 Anos Finais de Ensino Fundamental 4,4 4,7 5,0 5,2 5,5 Ensino Médio 3,9 4,3 4,7 5,0 5,2 8) Escolaridade média: Elevar, até 2013, a escolaridade média da população de 18 a 29 anos, de modo a alcançar no mínimo 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados. 9) Alfabetização e alfabetismo de jovens e adultos: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência do PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. 10) EJA integrada à Educação Profissional: Oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos Fundamental e Médio, na forma integrada à educação profissional. 11) Educação Profissional: Triplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público. Em 2012, houve 1.362.200 matrículas nesta modalidade de ensino. A meta é atingir o número de 93 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 4.086.600 de alunos matriculados. 12) Educação Superior: Elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público. 13) Titulação de professores da Educação Superior: Elevar a qualidade da Educação Superior pela ampliação da proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de Educação Superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% doutores. 14) Pós-graduação: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós- graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. 15) Formação de professores: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de um ano de vigência do PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação, assegurando que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. 16) Formação continuada e pós-graduação de professores: Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência do PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. 17) Valorização do professor: Valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica, a fim de equiparar o rendimento médio dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do 6º ano da vigência do PNE. 18) Plano de carreira docente: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os(as) profissionais da Educação Básica e Superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos(as) profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido na Constituição Federal. 19) Gestão democrática: Assegurar condições, no prazo de dois anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto. 20) Financiamento da Educação: Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no quinto ano de vigência da lei do PNE e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio. 94 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Como dissemos, o Plano Nacional de Educação, que terá validade de 10 anos, estabelece as diretrizes, metas e estratégias para a educação brasileira. As- sim, a partir do momento em que o PNE entra em vigor, todos os planos estaduais e municipais de educação devem ser criados ou adaptados em consonância com as diretrizes e metas estabelecidas por ele. Atividade de Estudos: 1) Agora que você já conhece as 20 metas do Plano Nacional de Educação e sabe que cada Estado e cada Município também precisaram adequar seus planos em vista das metas e diretrizes estabelecidas, queremos que leia o Plano de seu Estado e/ ou Município e faça um breve relato sobre o que lhe chamou a atenção no documento. Para a tarefa, acesse o quadro de Planos de Educação do Ministério da Educação em: <http://pne.mec.gov.br/planos-de- educacao/situacao-dos-planos-de-educacao>. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Novo Ensino Médio (lei nº 13.415/17) Como resultado de um projeto político de reforma educacional, implementado inicialmente através de uma Medida Provisória (nº 746/16), foi sancionada em 16 de fevereiro de 2017 a Lei nº 13.415. De maneira geral, ela altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelecia as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e a Lei nº 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamentava o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação; além disso, revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005, instituindo a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. 95 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 É importante destacar que esta Lei foi um marco na história da educação e do país, como um todo. Surgiram muitos movimentos durante o ano de 2016, que, em decorrência de um quadro político conturbado, acabaram gerando o impeachment da chefe de Estado do país, Dilma Rousseff, e a ascensão de seu vice, Michel Temer, que deu origem a um projeto austero de reformas, entre elas a que visava à reestruturação do Ensino Médio (Projeto de Lei nº 6.840/2013) e a que estipula um teto para osgastos públicos do país para os próximos 20 anos (PEC 241-2016). Ambos os projetos foram considerados como resultado de uma demanda econômica devidamente atinada com os interesses de grandes corporações, insatisfazendo, portanto, o público por elas atingido. Assim, como resultado direto de tais insatisfações, surgiram pelo país diversos movimentos sociais que visavam combater os projetos em tramitação, sendo um dos mais expressivos o das ocupações das escolas, que chegou a atingir mais de mil instituições de ensino pelo país. Esse movimento organizou ações que iam desde simples atos de mobilização e conscientização ao fechamento completo dos centros de ensino, com a ocupação dos espaços pelos estudantes, que ali passaram a residir, realizando diversas atividades culturais, lúdicas e educativas. Para conhecer um pouco do movimento das ocupações, assista ao vídeo a seguir, que apresenta o discurso de uma aluna secundarista na Assembleia Legislativa do Paraná: <https://www. youtube.com/watch?v=8gGpuwZlNcg>. Apesar dos movimentos contrários às mudanças, principalmente pelo modo como foram pouco discutidas com especialistas, professores e alunos de todo o país, a Medida Provisória tramitou com rapidez e, em fevereiro de 2017, após ter sido aprovada na Câmara e também no Senado, com poucas mudanças em relação ao texto original, acabou sendo sancionada pelo Presidente da República, Michel Temer. A implementação da reforma, contudo, ainda vai depender da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deverá ser homologada até 2018, após análise detalhada do Ministério da Educação. As justificativas para a mudança na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é que, mesmo após 20 anos de sua aprovação, ela ainda não atingiu os resultados previstos quanto à formação de indivíduos autônomos, capazes de intervir e transformar a realidade em que vivem. Considerou-se, na formulação da nova legislação, que o currículo do Ensino Médio é extenso, superficial e 96 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI. Esse déficit apontaria diretamente para um elevado número de alunos fora da escola e, paralelamente, para os resultados inexpressivos diante das metas educacionais projetadas e em comparação com outros países (em 1995 a proficiência média dos alunos brasileiros era de 282 pontos em matemática e, hoje, o índice é de 267 pontos, ou seja, houve uma queda de 5,3% no desempenho em matemática neste período; quanto ao desempenho em língua portuguesa, em 1995, o índice era 290 pontos e, em 2015, regrediu para 267 – uma redução de 8%; por último, o IDEB do ensino médio no Brasil está praticamente estagnado desde 2011). Dessa forma, para efetivar um quadro de mudanças, a Lei nº 13.415/17 prevê um aumento da carga horária escolar, com implantação de escolas em tempo integral – a carga horária mínima anual do Ensino Médio, que era de 800 horas, será aumentada, em cinco anos, para 1.000 horas e, após isso, a meta, sem prazo para ser atingida, será a oferta de 1.400 horas ao ano. Para atender ao aumento da carga horária foi instituída a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. O dinheiro repassado anualmente será com base no número de matrículas do Censo Escolar da Educação Básica, mas dependerá de disponibilidade orçamentária. Nas escolas, os recursos poderão ser usados para pagar a remuneração e o aperfeiçoamento dos profissionais de educação; para compra, reforma e conservação de instalações; para o uso e manutenção de bens e serviços; para atividades-meio e para a compra de material didático e custeio de transporte escolar. Para conhecer melhor a Lei nº 13.415/17, acesse: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13415.htm>. Quanto ao currículo, o Novo Ensino Médio será dividido em duas partes, cujos conteúdos serão desenvolvidos de forma paralela. A maior parte dessa demanda, cerca de 60%, será formada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sendo o restante da carga horária (40%) composto pelas seguintes áreas específicas: Linguagens e suas Tecnologias; Ciência da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Matemática e suas Tecnologias; e Formação Técnica e Profissional. 97 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Essa nova divisão, considerada um dos pontos mais críticos da proposta, também acaba permitindo que as escolas contratem professores sem diploma em licenciatura para dar aulas em disciplinas da parte técnica e profissionalizante. Desta maneira, os professores da formação técnica poderão ser profissionais de “notório saber” em sua área de atuação ou com experiência profissional, atestados por titulação específica ou prática de ensino. Nos atuais moldes, para cursar a formação técnica de nível médio, o estudante precisaria cumprir ao longo de três anos 2,4 mil horas do ensino regular e mais 1,2 mil horas do ensino técnico. Com a nova legislação, essa formação pode ocorrer dentro da carga horária do ensino regular, de forma que, ao final do Ensino Médio, o aluno obterá o diploma do ensino regular e um certificado de ensino técnico. Embora todas as 13 disciplinas do modelo antigo possam entrar na Base Nacional Comum Curricular (artes, educação física, português, matemática, física, química, biologia, geografia, história, filosofia, sociologia, espanhol e inglês), apenas as disciplinas de português, matemática e inglês serão obrigatórias durante todo o Ensino Médio (o ensino da língua inglesa também passa a ser obrigatório a partir do sexto ano do Ensino Fundamental e o ensino do espanhol deixa de ser obrigatório). O texto inicial da reforma do Ensino Médio excluía as disciplinas de artes, educação física, filosofia e sociologia dentre as obrigatórias, o que gerou protestos de estudantes e professores, mas o texto foi revisto e essas disciplinas voltaram a compor o quadro de disciplinas obrigatórias de acordo com o que for previsto pela nova Base Nacional Comum Curricular. Outra novidade da proposta é que o Ensino Médio poderá ser organizado em módulos e, portanto, as escolas poderão adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica – esses créditos poderão ser usados para o aproveitamento de disciplinas no Ensino Superior. De qualquer forma, as mudanças projetadas pela Lei nº 13.415/17 recebem inúmeras críticas, pois a proposta obriga os jovens a fazerem escolhas profissionais já a partir de seus 14 anos, profissionalizando-os precocemente – proposta que segue uma diretriz que também baliza a reforma previdenciária do país. Note que entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, os jovens escolhem sua profissão somente após o terceiro ano universitário; não há empregos para jovens e adolescentes, sendo que a sua entrada no mercado de trabalho ocorre após os 20 anos de idade, em média. Outra séria crítica é que, embora exista um investimento no projeto, a proposta não oferece, na prática, as condições necessárias para a sua implementação (escolas sucateadas, professores mal formados, alunos despreparados etc.) – considere o efeito da PEC 241-2016. 98 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Atividade de Estudos: 1) Vimos que existem muitos adeptos e também muitos críticos da reforma do Ensino Médio. Assim, tendo conhecido um pouco melhor dos nortes gerais da nova proposta, avalie a sua posição diante do tema e justifique-a, apresentando seus argumentos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial para a educação brasileira, de modo que sua função é “orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual” (BRASIL, 1996, p. 13). O documento se caracteriza, portanto, por uma proposta flexível, aberta às decisões regionais e locais dos sistemas de ensino e das escolas, de modo que podemos entender os Parâmetros como um conjunto de proposições que servem como referenciais a partir dos quais o sistema educacional brasileiro deve ser organizado. Visite os PCN referentes à sua área de atuação, acessando: <http://saladeauladigital.com.br/mec-oferece-todos-os-parametros- curriculares-nacionais-para-download-gratuitamente/>. 99 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais visam promover ações na busca de uma melhoria na qualidade da educação brasileira, mas não objetivam resolver os problemas que afetam a qualidade do ensino e da aprendizagem no país, afinal, essa mudança impõe a necessidade de grandes investimentos, seja na formação inicial e continuada dos professores, na política de salários, plano de carreira, qualidade do livro didático, de recursos televisivos e de multimídia, da disponibilidade de materiais didáticos, entre outros. De qualquer modo, melhorar a educação implica considerar, acima de tudo, as atividades escolares de ensino e aprendizagem e a questão curricular como elementos de inegável importância para a política educacional brasileira (BRASIL, 1996, p. 13). A partir dos PCN, cada instituição de ensino deve montar seu próprio Projeto Político-Pedagógico (PPP), ou seja, a sua proposta de trabalho, adaptando esses conteúdos à realidade social onde se encontra. Assim, o documento é uma orientação quanto aos principais conteúdos que devem ser trabalhados para que os próprios educadores possam avaliar suas práticas, afinal, a reflexão da prática docente deve ser feita através de reuniões com toda a comunidade escolar. A escola deverá, portanto, subsidiar espaços de reflexão que possam gerir a aprendizagem, através do desenvolvimento de habilidades de leitura, interpretação, estudo independente e pesquisa. Para ajudar nesse trabalho das escolas, os Parâmetros Curriculares estão divididos em seis volumes que apresentam as áreas do conhecimento, como língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física. Além deles, há outros três volumes que trazem elementos que compõem os temas transversais – no primeiro encontramos a explicação sobre porque se deve trabalhar com temas transversais, além de uma abordagem sobre ética; no segundo volume os assuntos abordados tratam da pluralidade cultural e orientação sexual; já no terceiro e último volume encontramos uma abordagem sobre o meio ambiente e saúde. O interessante é que os Parâmetros Curriculares Nacionais definem, em sua abordagem, que os currículos e conteúdos não podem ser trabalhados apenas como transmissão de conhecimentos, mas que as práticas docentes devem encaminhar os alunos rumo à aprendizagem. Desta forma, os PCN desenvolvem alguns pilares fundamentais, a saber (DELORS, 2003): 1) Aprender a conhecer: É necessário tornar prazeroso o ato de aprender, para que se valorize a curiosidade, a autonomia e a atenção permanentemente, de modo a sempre pensar o novo e reconstruir o velho. 2) Aprender a fazer: As mudanças do mundo contemporâneo exigem que o indivíduo esteja apto a enfrentar novas situações de emprego e a trabalhar em equipe, desenvolvendo espírito cooperativo e de humildade na reelaboração conceitual e nas trocas, valores necessários ao trabalho coletivo. 100 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 3) Aprender a conviver: É fundamental também que, diante da realidade atual, valores de convivência sejam desenvolvidos, de forma que o aluno possa aprender a viver com os outros, a compreendê-los, a desenvolver a percepção de interdependência, a administrar conflitos, a participar de projetos comuns, a ter prazer no esforço comum. 4) Aprender a ser: Os valores éticos e estéticos, a responsabilidade pessoal, o pensamento autônomo e crítico, a imaginação, a criatividade, também são elementos fundamentais no aprendizado, que precisa ser integral, não negligenciando nenhuma das potencialidades de cada indivíduo. Uma relação de ensino-aprendizagem que pretenda apenas a absorção de conhecimento, a partir do que propõem os PCN, deverá dar lugar ao ensinar a pensar. O estudante deverá poder relacionar o tema com a experiência que vive ou que presencia de outros personagens do seu contexto social e deverá desenvolver a pedagogia da pergunta, a partir da qual ele se envolverá num processo que conduz a resultados, conclusões ou compromissos com a prática. Base Nacional Comum Curricular (BNCC) Conforme preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, foram criados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental e Médio, com o objetivo de criar condições que permitissem o acesso aos conhecimentos necessários ao exercício da cidadania dos jovens. A questão é que os Parâmetros Curriculares, embora se configurem enquanto um avanço, não são assim tão detalhados e, por isso, surge a proposta da Base Nacional Comum Curricular. O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos (2014- 2014), com o objetivo de garantir o direito à educação básica com qualidade, redução das desigualdades e valorização da diversidade, e valorização dos profissionais da educação. A Base Nacional Comum Curricular tem como objetivo esclarecer os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso e se apropriar durante sua trajetória na Educação Básica, de forma que os sistemas educacionais, as escolas O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos (2014-2014), com o objetivo de garantir o direito à educação básica com qualidade, redução das desigualdades e valorização da diversidade, e valorização dos profissionais da educação. 101 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 e os professores tenham um importante instrumento de gestão pedagógica e as famílias possam participar e acompanhar mais de perto a vida escolar de seus filhos. Com a Base Nacional, ficará claro para todos quais são os elementos fundamentais que precisam ser ensinados nas diversas áreas de conhecimento. A Base Nacional Comum Curricular, portanto, é parte do currículo e deve orientar a formulação do Projeto Político-Pedagógico das escolas, permitindo maior articulação deste. A seguir, você pode entender um pouco melhor o lugar do documento dentro do contexto legal brasileiro: Figura 4 – Base Nacional Comum CONSTITUIÇÃO FEDERAL DIRETRIZES CURRICULARES POLÍTICA CURRICULAR NACIONAL LDB BASE NACIONAL COMUM POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES POLÍTICA NACIONAL DE MATERIAIS E TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS POLÍTICA NACIONAL DE INFRAESTRUTURA ESCOLAR POLÍTICA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BASICA Fonte: Brasil (2016, p. 26). Para a formulação do Projeto Político-Pedagógico, portanto, cada instituição deve levar em consideração o Plano Nacional de Educação (PNE), bem como os demais Planos Estaduais e Municipais; as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica; a BNCC e os documentos orientadores das políticas educacionais; as avaliações nacionais; e as avaliações regionais em relação aos processos e resultados de trabalho do ano anterior. Nessecaso, é importante que os professores conversem, no início de cada ano letivo, sobre o desenvolvimento 102 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL e a aprendizagem dos alunos e que os PPPs expressem as estratégias didáticas e metodológicas, assim como as mediações pedagógicas que permitem mobilizar essas estratégias, a partir das características dos estudantes e do que propõem os documentos curriculares. Conforme podemos ler na 2ª versão do documento, apresentada em maio de 2016 (BRASIL, 2016, p. 31-32): Trata-se de superar as orientações que, ao longo da história, têm transferido aos/às estudantes toda a responsabilidade por suas dificuldades. Para que sejam garantidos os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, o trabalho educativo não pode estar restrito às práticas de cada professor, mas deve ser parte de um planejamento mais amplo, de toda a UE. A complexidade do processo educativo requer mais que a soma de ações individuais dos/das professores e professoras. Requer investigação, análise, elaboração, formulação e a tomada de decisões coletivas. Promover o trabalho coletivo pode ser uma tarefa complexa, face às diferentes jornadas dos educadores, às distâncias físicas a percorrer em pequenos, médios e grandes municípios, em regiões ribeirinhas, urbanas e no campo. No entanto, o desafio das secretarias ou instituições responsáveis pela educação, em cada município e estado, é buscar criar espaços e momentos de reflexão e de elaboração, a partir das práticas dos professores e das professoras. Tanto no plano das práticas individuais, como coletivas, é necessário que os educadores se vejam e sejam vistos como intelectuais que constroem o pensamento crítico sobre os diferentes campos da cultura e da tecnologia. Para conhecer o trabalho desenvolvido para a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, bem como conhecer seus documentos, acesse: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio>. Quanto ao processo de elaboração da Base Curricular, o documento foi iniciado em junho de 2015 com a definição dos profissionais que fariam parte da comissão de especialistas e do lançamento do Portal BNCC, onde foi feita a divulgação do texto preliminar da Base. Em setembro de 2015 foi aberto o espaço para as contribuições do público, resultando em mais de 12 milhões de contribuições, que serviram de base para a revisão do documento inicialmente divulgado. Em seguida, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) passaram a articular e organizar diversos seminários com o objetivo de receber 103 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 contribuições relevantes de alunos, professores, especialistas, coordenadores e instituições para melhorar ainda mais o documento. Somente após a realização dos Seminários Estaduais, o CONSED e a UNDIME entregaram os relatórios elaborados à equipe de especialistas e gestores do MEC, que tem a tarefa de finalizar a nova proposta, a ser apreciada pelo Conselho Nacional de Educação, a quem cabe a elaboração de um parecer sobre o documento, que deve ser homologado pelo Ministro da Educação. Em geral, a versão final do documento implica a necessidade de formação docente, para que possam compreender seu papel e as mudanças que a BNCC acarretará no sistema de ensino brasileiro. De outro modo, as matrizes das avaliações nacionais, como a Prova Brasil/SAEB e ENEM, serão revisadas de acordo com a BNCC. Por último, a Base Curricular é um documento referente a todo ciclo da Educação Básica e a etapa de Ensino Médio da Base deve ainda ser revista e reescrita, considerando as contribuições oriundas dos seminários nacionais, as sugestões e considerações dos especialistas, bem como as necessárias mudanças decorrentes do Novo Ensino Médio. Quanto às diferenças regionais, após a aprovação da versão final da Base Nacional Comum Curricular, a secretaria de Educação de cada estado e município poderá incluir conteúdos específicos no documento, configurando a chamada base diferencial. Isso está de acordo com uma estratégia do Plano Nacional de Educação, que visa “desenvolver tecnologias pedagógicas que combinem, de maneira articulada, a organização do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente comunitário, considerando as especificidades da educação especial, das escolas do campo e das comunidades indígenas e quilombolas” (BRASIL, 2014, p. 52). O documento, de forma geral, traça as diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental (anos iniciais e finais) e o Ensino Médio, estabelecendo os objetivos principais e metas de cada área/disciplina curricular. Resumidamente, a BNCC estabelece também orientações às modalidades de ensino quanto à Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola, Educação para as Relações Étnico-Raciais, Educação Ambiental e Educação em Direitos Humanos. 104 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Algumas Considerações Chegamos ao final de mais uma etapa de nossa formação, na qual você pôde conhecer um pouco melhor a legislação que, desde a Independência, rege a educação brasileira. Você conheceu cada uma de nossas Cartas Magnas e pôde verificar como a educação foi tratada em cada uma delas, percebendo assim os avanços e os retrocessos que norteavam o sistema educacional de nosso país. Acreditamos que você também foi capaz de relacionar os movimentos apresentados nos primeiros capítulos deste livro de estudos com essa evolução legislativa da educação brasileira, afinal, foram as lutas e movimentos sociais diante dos imperativos das elites e interesses capitais que consubstanciaram todo esse cenário que vislumbramos até o presente momento. Neste sentido, concebemos que o processo do direito educacional é um processo que deve a sua evolução aos movimentos sociais que foram se estabelecendo ao longo de nossa história, resultando na estruturação de um marco democrático, que hoje pode servir de base para as conquistas por tanto tempo almejadas. As leis, conforme vimos, cada vez mais passaram a atender aos anseios populares em vista da democratização e da cidadania, mas sabemos que ainda existem grandes promessas não cumpridas e que, na prática, a escola brasileira continua refém de uma gama de interesses, que a cerceiam na oferta de um ensino realmente de qualidade. De toda sorte, a concepção que trazemos é que somente quando tivermos consciência de nossos direitos e deveres instituídos é que poderemos exigir, através dos caminhos legais, uma escola que cumpra seus deveres para com a sociedade. Referências BASTOS, Aurélio Wander. Coletânea da legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. BRASIL. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: nº 4.024/61. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: 1961. BRASIL. Senado Federal. Plano Nacional de Educação: Lei nº 13.005/2014. Dispõe sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014. 105 A Legislação Educacional Brasileira Capítulo 3 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: 1997. BRASIL. Senado Federal. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069/90. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: 1990. BRASIL. Ministério da Educação. Planejando a próxima década: conhecendo as 20 metas do Plano Nacional de Educação. Brasília: 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 2ª Versão. Brasília: 2016. CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez,2003. PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1990. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: LDB, trajetórias, limites e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997. VALENTE, Nelson. Sistemas de ensino e legislação educacional. São Paulo: Editora Panorama, 2000. VERONESE, Josiane Rose Petry; VIEIRA, Cleverton Elias. A educação básica na legislação brasileira. Revista Sequência, n.º 47, p. 99-125, dez. 2003. 106 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL CAPÍTULO 4 A Educação no Século XXI A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Analisar o contexto da escola no século XXI. � Refletir os desafios e possibilidades da escola do século XXI. � Permitir um debate crítico sobre o papel da escola e do educador na formação do sujeito. 108 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL 109 A Educação no Século XXI Capítulo 4 Contextualização Chegando ao final de nossas reflexões, a partir das quais você pôde acompanhar a formação do direito educacional brasileiro, temos como meta analisar ainda alguns aspectos legais pertinentes ao contexto da educação contemporânea, especialmente os que dizem respeito à democratização e universalização do ensino. Desta forma, iremos apresentar, neste capítulo, alguns conceitos sobre a democratização da escola, conteúdos, métodos e recursos, além do papel do professor e questões atuais no campo da legislação que têm conduzido tanto o debate sobre o campo quanto as práticas e ações dos profissionais de educação. Também buscaremos estabelecer algumas discussões sobre reformas possíveis na educação, que, para além das leis, que já se constituem como excelentes mecanismos para o trabalho docente, possam transformar também as concepções epistemológicas que se arraigam sobre o processo educativo tradicional e aqueles outros possíveis, justificando a construção de uma nova escola para o século XXI. Esperamos que sua caminhada até aqui tenha sido proveitosa e que você tenha conseguido desfrutar das discussões aqui organizadas para refletir sobre sua própria realidade. Assim, vamos em frente, com entusiasmo, pois você está chegando ao fim desse livro de estudos e poderá servir-se dessa base para mudar suas práticas, colaborando para uma mudança ainda maior no campo da educação. Democratizando a Escola Todo o caminho percorrido até os nossos dias, apresentado parcialmente nos capítulos anteriores, transparece um movimento de contraditórios, que deixa claro que a história é feita por impasses, revoluções e acomodações. Assim, observamos que as lutas travadas entre as elites e os movimentos sociais acabaram por escrever a própria história da educação, enquanto recorte de um movimento político maior, onde se inscreve a história do país. O conceito que prevalece em toda essa narrativa passa a ser o de democracia, onde, em tese, o povo exerce a soberania sobre o governo, ou seja, onde os interesses do povo prevalecem sobre os interesses das elites ou das economias. A escola, como vimos no primeiro capítulo, exerce o papel de reproduzir as estruturas estabelecidas e, portanto, consolidar as divisões sociais, servindo tanto para ascender as elites, justificando seu poder, quanto estagnar as massas. O uso instrumental que se faz da educação e a inovação conservadora que se aplica na sala de aula é apenas o resultado de uma prática alicerçada em outros momentos, resultado de escolhas. Mas o que motiva tais escolhas? O uso instrumental que se faz da educação e a inovação conservadora que se aplica na sala de aula é apenas o resultado de uma prática alicerçada em outros momentos, resultado de escolhas. Mas o que motiva tais escolhas? 110 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Na escola podemos dizer que “o legado econômico da família se transforma e se materializa em capital cultural, reproduzindo, legalizando e efetivando a desigualdade da sociedade e seus valores, seja através do sistema, dos conteúdos ou da própria avaliação” (VALLE, 2010, s.p.). O papel do educador, no entanto, é refletir e sistematizar instrumentos eficazes para a transformação da escola, afinal: A ruptura herética da ordem estabelecida (e também das disposições e representações por ela engendradas nos agentes moldados conforme suas estruturas) supõe a conjunção entre o discurso crítico e uma crise objetiva, capaz de romper a concordância imediata entre as estruturas incorporadas e as estruturas objetivas de que as primeiras constituem o produto, bem como de instituir uma espécie de épochè prática, vale dizer, de suspensão da adesão originária à ordem estabelecida (BOURDIEU, 1998, p. 118). A educação constitui-se em sua essência como uma ferramenta emancipatória, pois oferece competências capazes de mobilizar instâncias de discussão coletiva, que podem dar força à razão, demolindo falsos problemas e produzindo problemas reais – essas instâncias, aliás, carregam em seu bojo as forças vivas que agem no sentido de coletivamente promover a autonomia do conhecimento e, portanto, libertar a escola de sua função reprodutora (LOSTADA; SOUZA, 2016). Deste modo, é só uma reflexão coletiva, capaz de mobilizar todas as forças vivas da instituição (e em particular, os pesquisadores mais ativos e mais inspirados, sobretudo entre os mais jovens) e todos os recursos (que seria preciso censear e mobilizar e dar a conhecer a todos os membros da instituição), poderia conduzir a essa espécie de conversão coletiva que é a condição de uma verdadeira atualização (BOURDIEU, 2003, p. 64). O desenvolvimento da autonomia de que estamos falando, porém, frequentemente pode entrar em conflito com profundas crenças e opiniões geradas, arraigadas, e consumadas nos indivíduos, que concebem que o conhecimento é voltado apenas à aplicação e à produção de recursos que venham a consolidar e a expandir as relações já constituídas. Essas crenças e opiniões são o que Bourdieu (1988) chamou em seu trabalho de habitus (disposições duráveis e transmissíveis em relação à posição do indivíduo no campo, ou seja, o local de atuação social do indivíduo dentro da sociedade), e que compõe todo o capital cultural e simbólico que dirige o indivíduo, fazendo-o participar de sua coletividade e de sua época, ou seja, orientando-o, sem que ele tenha plena consciência disso. 111 A Educação no Século XXI Capítulo 4 O que se impõe é que não há outra forma de mudar essa situação a não ser conscientizando o indivíduo de seu estado para que ele possa tomar alguma atitude – Jürgen Habermas, um dos grandes representantes da Escola de Frankfurt, denomina esse conceito de agir comunicativo. As estruturas sociais precisam, portanto, ser expostas e as estratégias de reprodução social precisam ser desveladas, por assim dizer, de forma que, desde a relação entre pai e filho, passando pela escola, a Igreja, e as demais instituições, é preciso vislumbrar cada situação com um olhar crítico, emancipado, pois é no cotidiano que se expressam as mais profundas e enraizadas estruturas que fazem com que a realidade permaneça tal e qual e que, inconscientemente, assumamos nosso papel determinado na sociedade. Assim, concebemos que hoje, muito pelo impacto que as mídias trouxeram para a sociedade, muita coisa mudou. Martín-Barbero, por exemplo, afirma que vivemos numa cultura pré-figurativa, onde os pares estão substituindo os pais e o aprendizado passa a ser fundado mais na exploração que os jovens fazem do seu universo tecnocultural (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 334). Nesse novo contexto, segundo o mesmo autor, a educação apresenta um grande descompasso, pois seus objetivos de universalização não são atingidos, sua qualidade tem se deteriorado gradativamente, os professores são desmoralizados com seus baixos salários, escassez de recursos e não renovação de suas equipes. Além destes elementos,também podemos considerar os modelos de comunicação que subjazem à educação como fatores desse descompasso, afinal, a escola incorpora um regime do saber baseado unicamente no texto impresso (LOSTADA; SOUZA, 2016). O que vislumbramos com esse modelo escolar é a consolidação de um verdadeiro paradigma educacional, onde o texto impresso instaura uma territorialização das identidades através da aprendizagem fundada no controle social – seja por informação ou por segredo. A aprendizagem é medida pela evolução da própria leitura, que transforma-se numa escala mental de desenvolvimento e, assim, o rendimento escolar também é comensurado por pacotes de informação apreendidos, num modelo escolar que segue à risca a tradição cristã, progenitora do ensino escolar moderno, com relação à leitura das sagradas escrituras – tanto quanto o clérigo detinha o poder da leitura e interpretação autêntica dos Livros Sagrados, agora o professor é quem detém o poder de leitura e interpretação autêntica do livro didático. 112 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL As mídias, enquanto representantes desse desafiador cenário, cujas possibilidades empoderam a juventude, acabam sendo refutadas nesta escola, pois: A criatividade do leitor cresce na medida em que cai o peso da instituição que a controla. Daí a antiga e pertinaz desconfiança da escola com relação à imagem, em direção à sua incontrolável polissemia que a converte no contrário do escrito, esse texto controlado internamente pela sintaxe e de fora pela identificação da clareza com a univocidade. A escola buscará, contudo, controlar a imagem, seja subordinando-a ao ofício de mera ilustração do texto escrito, seja acompanhando-a de um cartaz que indique ao aluno o que diz a imagem (MARTÍN- BARBERO, 2004, p. 337). Da forma como atua diante dessa nova juventude, a escola acaba produzindo nos jovens uma lacuna cada dia mais profunda entre sua cultura e a que ensinam seus professores, deixando-os literalmente indefesos ante a atração que exercem as novas tecnologias e tornando-os incapazes de se apropriar crítica e criativamente delas. As tecnologias apresentam-se, então, apenas como uma possibilidade de tornar o ensino menos entediante diante da inércia insuportável das jornadas escolares. Deste modo, a relação da comunicação com a educação torna-se apenas instrumental, afinal, o professor se sente muito confiante diante do poder que tem com o texto, mas balança quando se vê diante das mídias, onde o aluno sabe muito mais e maneja com maior facilidade que ele as linguagens da imagem. O que é importante ter em mente é que o livro continua e provavelmente continuará sendo a base para uma primeira alfabetização, mas é preciso ir além dessa cultura e fundar uma segunda alfabetização, que abra as portas para as múltiplas escritas que hoje passam a conformar o mundo tecnocultural. A educação não pode virar suas costas para as transformações do mundo e os novos saberes por ele mobilizados e, por isso, sua função passa a ser a construção de cidadãos mais críticos, que tenham a capacidade de ler de forma cidadã o mundo. Da mesma maneira, o professor precisa converter-se em um formulador de problemas, provocando interrogações, coordenando equipes de trabalho, sistematizando experiências, consolidando um verdadeiro diálogo entre culturas e gerações. “As tecnologias digitais [são] como investimento na autonomia dos estudantes para gerenciar sua educação, para que possam aprender perguntando e respondendo os desafios educativos e formativos da sociedade atual” (SANCHO, 2006, p. 31). 113 A Educação no Século XXI Capítulo 4 Para se aprofundar um pouco mais no assunto, consulte o livro de Jesús Martín-Barbero: Ofício de cartógrafo – Travessias latino-americanas da comunicação na cultura, onde o autor analisa os complexos terrenos do processo de comunicação, no qual se estabelecem as relações de dominação. Para efetivar tal proposta de educação democrática, passamos a analisar a partir de agora alguns instrumentos perante os quais uma nova estrutura educacional pode ser organizada. Gestão Democrática Escolar A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, estabelece entre os princípios norteadores da educação a gestão democrática do ensino público. Cada sistema de ensino, porém, tem a prerrogativa de definir as suas próprias normas de gestão democrática, levando em consideração suas peculiaridades, embora sempre preservando a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Também segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, é preciso que os sistemas de ensino assegurem “às unidades escolares públicas de educação básica que os integram, progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público” (Art. 15). Para garantir, portanto, a participação dos diversos segmentos da comunidade na gestão escolar, passamos a discutir alguns dos instrumentos de participação democrática escolar, como o Conselho Deliberativo Escolar, a Associação de Pais e Professores, o Grêmio Estudantil, entre outros. 114 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Conselho Deliberativo Escolar – CDE Os movimentos que vislumbramos no capítulo anterior em vista da redemocratização da sociedade brasileira resultaram num processo de discussão da própria educação no país e, portanto, também da gestão escolar. Os movimentos populares da fase de lutas pela redemocratização do país, no final dos anos 1970, possibilitaram o surgimento de experiências de gestão colegiada nas instituições de educação básica. Deste modo, a intenção destes movimentos foi a democratização também das relações de poder instituídas no interior das escolas, de forma que o Conselho Deliberativo foi organizado enquanto um órgão de representação da comunidade escolar, tratando-se de uma instância colegiada que deve ser composta por representantes de todos os segmentos que constituem a escola. O Conselho Deliberativo Escolar é um órgão de representação da comunidade escolar, tratando-se de uma instância colegiada que deve ser composta por representantes dos segmentos da comunidade escolar. O Conselho Deliberativo Escolar irá se constituir como um local de discussão de caráter consultivo, deliberativo e mobilizador. O Conselho Deliberativo Escolar estabelece-se, de forma geral, como um importante segmento para a gestão democrática da educação, de modo que as suas atividades devem permitir a formação cidadã, contribuindo para que a comunidade escreva a sua própria história. Diz-se que a educação democrática deve possibilitar ao educando espaço para sua participação como cidadão ativo em todos os âmbitos da sociedade, levando-o a desenvolver o senso crítico; assim, também o Conselho Deliberativo fornece espaço de aprendizagem democrática, onde os estudantes aprendem e assumem responsabilidades. Em geral, o Conselho Deliberativo Escolar comporta quatro competências fundamentais, a saber: a) Deliberativa: entende-se que o Conselho tem a atribuição de decidir so- bre determinadas questões, definindo normas, procedimentos, e avalian- do recursos que porventura sejam interpostos sobre decisões anteriores. O Conselho Deliberativo Escolar é um órgão de representação da comunidade escolar, tratando-se de uma instância colegiada que deve ser composta por representantes dos segmentos da comunidade escolar. O Conselho Deliberativo Escolar irá se constituir como um local de discussão de caráter consultivo, deliberativo e mobilizador. 115 A Educação no Século XXI Capítulo 4 b) Consultiva: cabe ao Conselho elaborar pareceres com base na legis- lação vigente sobre questões levantadas por membros da comunidade, propondo medidas e normas parao aperfeiçoamento do ensino. c) Fiscal: compete ao Conselho Escolar fiscalizar o cumprimento de nor- mas e a legitimidade de ações, aprová-las ou determinar mudanças para sua adequação à legislação. d) Mobilizadora: por último, o Conselho Escolar tem como função promov- er a participação social através da mediação entre a sociedade e o poder público em vista da promoção dos direitos educacionais. O Conselho Escolar se constitui, portanto, na própria expressão da escola, como seu instrumento de tomada de decisões. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, em seu Art. 14, concebe essa instância como uma estratégia de gestão democrática da escola pública, onde se exerce o poder das comunidades escolar e local, fazendo ecoar a voz dos diferentes atores da escola. Apesar do que trata a LDB de 1996, cada Estado é responsável, pela autonomia que lhe é conferida, por regulamentar a gestão democrática através de leis, decretos e portarias que viabilizem mecanismos participativos eficientes. Da mesma forma, cabe às próprias escolas a definição das prerrogativas de seus conselhos, instituindo suas diretrizes através da consolidação de seu estatuto social. Conheça o modelo de Estatuto que o Ministério da Educação sugere, definindo objetivos, funcionamento e normas que podem ser adotadas pelas escolas brasileiras em seus colegiados. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Consescol/pr_lond_sttt.pdf>. A seguir reproduzimos um quadro onde é possível analisar as diferenças em relação à denominação, regulamentação, categorias, forma de escolha e presidência desse colegiado em cada um dos estados brasileiros (BRASIL, 2004, p. 47-49): 116 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Quadro 1 - Natureza, composição e funcionamento dos Conselhos Escolares UF Denominação Regulamento Categorias Escolha Presidência Observações AM Associações de Pais, Mestres e Comunitários (APMC) (Entidade civil) Estatuto registrado em cartório Três categorias de sócios: Natos (pais e trabalhadores da escola); Comunitários (provados pela diretoria - exeto estudantes); Beneméritos (que prestam serviços à escola). Diretoria: eleita pela assembléia, sendo elegíveis, país, professores e especialistas da escola Eleita pela assembléia, sendo elegível professores ou técnico da escola Trata-se de uma entidade de apoio à escola, com poderes delíberativos de gestão físico e financeira, mas não pedagógica PA Conselho Escolar (Entidade civil) Regimento registrado em cartório Diretor e Vice (natos); Representantes de: Professores e funcionários; Pais e estudantes (+ de 12 anos) e comunidade local. Eleitos pelos pares Diretoria eleita pela assembléia Funções pedagógicas e de unidade executora AL Conselho Interativos das Escolas (Estrutura da escola) Regimento próprio, aprovado pela assembléia da Comunidade Escolar Corpo docente - 25% Funcionários - 25% Pais ou responsáveis - 25% Estudantes - 25% Definida pelo regimento interno de cada conselho Diretor da escola Prevê uma assembléia-geral da comunidade escolar, convocada semestralmente, superior ao Conselho BA Colegiado Escolar (Estrutura da escola) Estatuto aprovado pela assembléia- geral da escola Diretor e um representante dos: Professores e especialistas: Pessoal administrativo; Corpo discente (+ de 12 anos) Cada segmento elegerá o seu representante. O diretor é membro nato. Eleito pelos pares Prevê, também, assembléia-geral e Conselho Fiscal MA Colegiado Escolar (Estrutura da escola) Regimento próprio, aprovado pela assembléia (Número varia de 4 a 16) Professores e servidores - 50% Pais ou responsáveis - 25%; Estudantes - 25% Eleição pelos pares, em assembléia- geral Diretor da escola A Caixa Escolar é a unidade executora da escola. O conselho é a instância delíberativa PB Conselho de Escola(Entidade civil) Estatuto registrado em cartório Diretor e Vice; um especialista; um professor e um estudante por turno; um funcionário; um pai de estudante e um menbro da comunidade Pai e estudante (+16 a) eleitos pelos pares. Não há indicação sobre os demais Eleito pelos pares Funções pedagógicas e de unidade executora PE Conselho Escolar (Estrutura da escola) Normas da sistemz e regimento da escola Diretor da escola e um representante de cada categoria: professores, corpo administrativo, pais, estudantes e entidades da comunidade. Eleitos pelos pares, com mandato de dois anos, exceto o diretor Diretor da escola Prevê, também, assembléia-geral e Conselho Fiscal UF Denominação Regulamento Categorias Escolha Presidência Observações SE Comitê Comunitário (Entidade civil) Estatuto registrado em cartório Diretor da escola e um representante da unidade escolar, e das categorias: professores, funcionários, pais, grêmio escolar e entidades sociais Eleitos/ indiciados por suas categorias ou entídades Mandato: 2 anos Diretor da escola Funções pedagógicas e de unidade executora GO Conselho Escolar (Entidade civil) Estatuto registrado em cartório Número: mínimo 5 e máximo 15 Diretor da escola (membro nato); Professores e servidores - 50%; Pais e estudantes - 50% Eleição pelos pares Eleito pelos pares Funções de unidade executora do PDDE MT Conselho Delíberativo da Comunidade Escolar (Estrutura da escola) Normas do sistema e regimento da escola Número: mínimo 8 e máximo 16 Segmento escolar - 50% (Diretor - membro nato); Segmento comunidade - 50% Eleição em assembléia do respectivo segmento Eleitos pelos pares (excluído o diretor da escola) Prevê, tambpém, assenbléia-geral e Conselho Fiscal Unidade executora: a própria escola MS Colegiado Escolar (Estrutura da escola) Normas do sistema e regimento da escola Profissionais da escola - 50% - (Diretor e Diretor - Adjunto (membro natos); Pais e estudantes - 50% Eleitos pelo respectivo segmento Eleito pelos pares (excluída a direção) Unidade executora: a própria escola 117 A Educação no Século XXI Capítulo 4 UF Denominação Regulamento Categorias Escolha Presidência Observações RJ Associação de Apoio à Escola (Entidade civil) Estatuto (Padrão) registrado em cartório Associado: Efetivo: todos os estudantes;Colabo- radores: professores, funcionários e outras pessoas física e jurídicas Todos membros natos ou admitidos pela diretoria Diretor da escola (eleito pela comunidade escolar) Função de unidade executora SP Conselho de Escola Rgimento da escola Estudantes e pais - 50% Docentes - 40% Especialistas - 5% Funcionários - 5% Eleição em assembléia da respectiva categoria Diretor da escola (membro nato) A Caixa Escolar (entidade jurídica) é a unidadeexecutora da escola. O conselho de Escola é a instância deliberativa PR Conselho Escolar Estatuto e regimento próprios (órgão autônomo) Diretor Todos os segmentos da comunidade escolar (definidos no Estatuto) - estudante +16 anos Eleitos pelos pares, mediante voto secreto, ou por aclamação Diretor da escola Eleito pela comunidade Funções pedagógicas e de unidade executora RS Conselho Escolar Regimento próprio Número - entre 3 e 21 Direção da escola Professores e servidores - 50% Pais e estudantes maiores de 18 anos - 50% Eleição mediante champas respeitando a proporcio- nalidade Mandato: 2 anos Eleito pelos pares A escola é executora. O conselho tem funções deliberativas, consultivas e físcais em matéria pedagógica e administrativa. SC Conselho Deliberativo Escolar (Estrutura da escola) Normas do sistema e regimento da escola Número definido pela escola professores e servidores - 50% Pais e estudantes (a partir da 5ª série) - 50% Eleitos pelos respectivos segmentos. Eleito pelos pares Funções peda gógicas e administrativase eficais sobre os recursos financeiros Unidade executora: APP DF Conselho Escolar (Estrutura da escola) Normas do sistema e regimento da escola Diretor da escola (membro nato); 4 da carreira magistério (1 especialista); 2 carreira assinstência à educação; 3 estudantes (+ de 14 anos); 6 pais Eleitos pelos pares Eleito pelos pares Funções peda gógicas e administrativas e eficais sobre os recursos financeiros Unidade executora: escola ES Conselho de Escola Regimento próprio Número: mínimo de 5 e máximo de 15 Diretor; professores e servidores (50%); Pais e estudantes (maiores de 10 anos) e representante da comunidade local (50%) Eleição pela assembléia escolar (regulamentada pela Secretaria de Educação) Mandato: 3 anos Eleito pelos pares (o diretor, não sendo eleito presidente, será o tesoureiro) Fuções pedagógicas e de unidade executora MG Colegiado Escolar Normas do sistema e regimento da escola Professores e especialistas - 25%; Servidores do quadro - 25%; Estudantes (7ª série em diante) - 25% Pais (estudantes 1ª a 6ª séries) - 25% Eleições pelos respectivos segmentos Mandato: 2 anos Diretor da escola Funções pedagógicas, administrativas e fiscais sobre os recursos financeiros Unidade executora: Caixa Escolar Fonte: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/ pdf/Consescol/ce_gen.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2016. 118 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Apesar das especificidades de cada estado brasileiro, podemos resumir as atribuições do Conselho Deliberativo da seguinte forma: • Participar da avaliação e reelaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola; • Acompanhar e avaliar o desempenho da escola quanto às prioridades e metas estabelecidas no Projeto Político-Pedagógico, em consonância com as diretrizes nacionais e estaduais; • Definir conjuntamente com as demais entidades e direção da escola, critérios para o uso do prédio escolar para outras atividades que não as de ensino; • Analisar e emitir parecer, fundamentados na legislação e diretrizes da SED, sobre projetos elaborados pelos diversos segmentos que compõem a comunidade escolar; • Propor alternativas de solução dos problemas de natureza administrativa e/ou pedagógica, tanto daqueles detectados pela própria entidade, como dos que forem a ela encaminhados por escrito pela comunidade escolar; • Articular ações em parcerias com as entidades da sociedade que possam contribuir para a melhoria da qualidade do processo ensino- aprendizagem; • Elaborar e/ou reformular o Regimento do Conselho Deliberativo Escolar, sempre que se fizer necessário em consonância com a legislação vigente; • Promover círculos de estudos envolvendo os conselheiros, visando a um melhor desempenho do trabalho; • Buscar mecanismos que garantam a capacitação continuada para todos os segmentos da comunidade escolar; • Participar da discussão e definição de critérios para a distribuição de material escolar ou de outros materiais destinados aos alunos; • Discutir e fiscalizar, juntamente com as demais entidades representativas da comunidade escolar, sobre o destino de verbas da escola, considerando os recursos descentralizados e/ou oriundos de parcerias com outras instituições ou arrecadação de contribuições espontâneas, doações, legados e outras promoções; • Divulgar através de relatórios ou boletins todas as ações desenvolvidas pelo CDE, a todos os segmentos da comunidade escolar; • Assessorar e colaborar efetivamente com o gestor escolar em todas as suas atribuições, com destaque especial para: - Colaborar para o cumprimento das disposições legais; - Assessorar a preservação do prédio e dos equipamentos escolares; 119 A Educação no Século XXI Capítulo 4 - Comunicar ao órgão competente as situações de emergência em casos de irregularidades na escola (as que representam risco à integridade física, moral e profissional das pessoas; as que caracterizem risco ao patrimônio escolar; aquelas que, comprovadamente, se configurem como trabalho inadequado, acarretando prejuízo pedagógico; o desvio de merenda escolar, material de qualquer espécie e recursos financeiros). Associação de Pais e Mestres – APM Conforme já vimos nos capítulos anteriores, remonta à Constituição de 1937 a instituição de um modelo de financiamento para o qual as famílias deveriam contribuir com as escolas de seus filhos (art. 130). Assim, a Associação de Pais e Mestres (APM) se constitui enquanto uma associação sem fins lucrativos que representa os interesses comuns dos profissionais e dos pais dos alunos de uma escola, de forma que cada um deles colabore com a gestão escolar com o objetivo de melhorar a aprendizagem dos alunos e a qualidade da educação oferecida pela escola. A APM permite que famílias e escola dialoguem, promovendo uma integração da comunidade com a instituição de forma democrática. Não há na legislação federal, contudo, nenhuma tratativa quanto à criação e gestão dessas associações, sendo sua existência obrigatória somente para as escolas que eventualmente estiverem dentre as instituições financiadas pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), do Ministério da Educação. De qualquer forma, tanto quanto em relação aos Conselhos Escolares, as Associações de Pais e Mestres seguem o preceito assinalado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, em seu Artigo 14, quando é garantida a gestão democrática do ensino público por meio da “participação dos profissionais da Educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e da “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”. Além disso, as Associações de Pais e Mestres também estão previstas no Plano Nacional de Educação, em sua estratégia 19.4, quando se trata do fortalecimento dessas entidades. De forma geral, a Associação de Pais e Mestres deve auxiliar a diretoria escolar para que ela cumpra os objetivos e intenções do seu projeto político pedagógico, representando os interesses de pais e professores em vista de uma educação de qualidade. Ela tem objetivos administrativos e pedagógicos, embora 120 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL sua atuação no âmbito financeiro da escola seja protuberante, uma vez que as unidades de ensino não têm autonomia para gerir de forma direta as verbas subvencionadas às instituições pelos programas de apoio financeiro. Assim, as associações têm a tarefa de decidir como os recursos governamentais serão investidos na escola e como serão definidas as aplicações/arrecadações por outros meios (eventos, rifas, contribuições etc). Diante de seu caráter administrativo, as escolas que recebem verbas do PDDE são obrigadas a elaborar um estatuto, registrando-a como uma entidade jurídica de direito privado no cartório de pessoas jurídicas de sua circunscrição, sendo os membros eleitos por seus pares em assembleias gerais para mandatos de dois anos. Para saber mais sobre as Associações de Pais e Mestres, sua atribuição, fins, procedimentos, consulte: <http://www.fnde. gov.br/arquivos/category/191-consultas?download=9059:manual- de-or ien tacao-para-const i tu icao-de-un idade-executora- propria-07082014>. A APM é uma associação constituída por pais e professores das escolas com finalidades determinadas livremente em seus próprios estatutos, que na maioria das vezes apontam para alternativas de trabalho conjunto e com objetivos que levam em consideração a realidade da escola à qual está vinculada. Resumidamente, é um organismo de representação e organização dos pais, dos educadores e da comunidade escolar. Apesar de autônomas, as Associações de Pais e Professores, em geral, devem se orientar pelos seguintes preceitos gerais: • Integrar escola e comunidade através da participação dos seus segmentos; • Contribuir para a melhoria do processo ensino/aprendizagem nos seus diversos aspectos, juntamente com a equipe gestorae as demais entidades representativas existentes na unidade escolar, discutindo e analisando a realidade envolvendo toda a comunidade escolar; 121 A Educação no Século XXI Capítulo 4 • Participar com a equipe gestora, corpo docente e demais entidades da comunidade escolar, na execução, avaliação e re-elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola, sugerindo e reivindicando inovações de cunho administrativo e pedagógico; • Instituir a gestão democrática na APP e contribuir com a equipe gestora da escola, para que esta seja extensiva aos demais segmentos que compõem a comunidade escolar, promovendo a participação política na construção da autonomia; • Colaborar com a equipe gestora, com os professores e com outras entidades organizadas da escola, na busca de consenso provisório para solucionar conflitos gerados no cotidiano escolar e que são necessários para a construção da cidadania, contribuindo para a solução de problemas inerentes à vida escolar, no sentido de melhorar as relações entre escola, pais e/ou responsáveis legais; • Atuar como órgão representativo e organizador da comunidade escolar, constituindo-se em um espaço público de participação da comunidade local; • Promover debates que propiciem o afloramento das relações de poder enraizadas na prática cotidiana, visando romper com os mecanismos e artimanhas contrárias ao processo democrático na construção da cidadania; • Promover com a equipe gestora da escola e/ou em cooperação com outras entidades, campanhas, atividades sociais, culturais e desportivas, bem como para o funcionamento de cursos comunitários; • Cooperar na conservação do prédio e equipamentos e da unidade escolar; • Incentivar a criação e atuação do Grêmio Estudantil e atuar junto com o Conselho Deliberativo, de forma colaborativa sempre que houver necessidade; • Administrar os recursos provenientes de subvenções, doações e arrecadações da entidade, prestando contas dos recursos públicos aos órgãos públicos, e de todas as movimentações financeiras, à comunidade escolar; • Através do voluntariado, administrar os serviços essenciais de limpeza e alimentação escolar da unidade escolar, sendo responsável pela contratação e demissão de empregados, dependendo da necessidade e da possibilidade da manutenção destes; • Administrar a Cantina Escolar, desde que deliberado conjuntamente com a Gestão Escolar e Conselho Deliberativo Escolar. 122 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Grêmio Estudantil Ao longo deste caderno vislumbramos uma série de transformações no cenário legislativo e educacional, advindas, principalmente, dos movimentos sociais, para os quais a participação juvenil foi fundamental. Assim, acabamos nos deparando com a criação, em 1937, de uma entidade brasileira que passa a representar os estudantes universitários, a União Nacional dos Estudantes – UNE, e em 1948, também nos deparamos com a criação da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES. Ambas atuarão de forma muito ativa durante os movimentos contra a ditadura militar dos anos subsequentes, confirmando o ímpeto dos jovens para a transformação social. O Grêmio Estudantil é um dos mecanismos para o desenvolvimento da cidadania do educando, cidadania esta que deve ser fomentada, discutida e exercida. Assim, depois de todo o histórico de lutas observado, principalmente durante o movimento das “Diretas Já”, em 1985, os estudantes secundaristas, que tiveram suas atividades restritas e extintas pela ditadura militar, voltam a ter o direito de se reunirem em grêmios estudantis através da Lei nº 7.398. Atualmente, a organização de agremiações fortalece o protagonismo juvenil através da gestão participativa. O entendimento atual é que os jovens discutam e conscientizem outros jovens, qualificando-os para que possam contribuir com mais criticidade, interagindo e mudando o contexto social e da escola em que vivem. Para pensar um pouco mais sobre o protagonismo juvenil, que já tratamos anteriormente quando, no capítulo anterior, falávamos do Movimento das Ocupações, acesse: <https://periodicosonline.uems. br/index.php/interfaces/article/view/1233/1102>. O Grêmio Estudantil constitui-se como uma entidade representativa dos alunos, que deve participar ativamente na elaboração, execução, avaliação e reelaboração do Projeto Político-Pedagógico da Escola, favorecendo o desenvolvimento da consciência crítica, da realidade social, da prática democrática, da criatividade e da iniciativa dos alunos, indispensáveis para o exercício da cidadania. Assim, essas agremiações devem objetivar, de forma geral: 123 A Educação no Século XXI Capítulo 4 • Defender os interesses dos educandos para que sejam respeitados os seus direitos, bem como para que os mesmos cumpram os seus deveres; • Representar os estudantes nas discussões de possibilidades de ações na escola e na comunidade; • Estabelecer parcerias com a APP e Conselho Deliberativo Escolar para soluções de problemas existentes na escola e demais ações pertinentes ao andamento das atividades escolares; • Contribuir para o exercício da cidadania, possibilitando a atuação do jovem na construção da cultura da paz através de uma sociedade mais justa; • Contribuir para a dinamização do processo pedagógico discutindo com a comunidade escolar as dificuldades de aprendizagem, repetência, infrequência, evasão e atitudes comportamentais dos alunos, buscando possíveis soluções; • Envolver os pais e a comunidade escolar em ações contínuas sobre temáticas multidisciplinares, como a Educação Fiscal, Educação Ambiental, Educação Sexual, Prevenção ao uso indevido de Drogas e outras de interesse desta comunidade, que devem também estar contempladas no Projeto Político-Pedagógico; • Promover o envolvimento do aluno no ambiente escolar, através de atividades pedagógicas, culturais, recreativas e esportivas; • Respeitar as autoridades constituídas, tendo-as como parceiros. Atividade de Estudos: 1) Você acaba de saber um pouco mais sobre o funcionamento e as bases de alguns organismos que favorecem a construção de uma escola mais democrática. Nestes termos, descreva quais são, a seu ver, os impeditivos para que este movimento democrático se constitua de forma efetiva em nossas escolas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 124 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Projeto Político-Pedagógico – PPP O Projeto Político-Pedagógico, enquanto resultado expressivo de todas as lutas e movimentos travados na história do país pela redemocratização, deve se constituir como a referência que norteia todos os âmbitos da ação educativa da escola, por isso ele requer a participação de todos aqueles que compõem a comunidade escolar para sua efetiva elaboração e implementação. Nenhuma escola se estrutura sem objetivos a alcançar, metas a cumprir e sonhos a realizar, de modo que o conjunto dessas aspirações e os meios para concretizá-las é o que dá forma e vida ao chamado PPP. O Projeto Político-Pedagógico nasceu após a Constituição de 1988 para dar autonomia às escolas na elaboração da própria identidade. Esse projeto é o referencial de qualquer instituição de ensino. Em resumo, podemos considerar que seu nome já traduz a essência do que se propõe, afinal, estamos falando de um “projeto, porque reúne propostas de ação concreta a executar durante determinado período de tempo, que é político, por considerar a escola como um espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão diretamente na sociedade, modificandoos rumos que ela vai seguir, e que é também pedagógico, porque define e organiza as atividades e os projetos educativos necessários ao processo de ensino e aprendizagem” (LOPES; GURGEL, 2010, p. 1). Assim, sobre o itinerário político- pedagógico traçado pelo PPP na luta pela democratização, podemos ler que: A educação transmite porque quer conservar; e quer conservar porque valoriza certos conhecimentos, certos comportamentos, certas habilidades e certos ideais. Nunca é neutra: escolhe, verifica, pressupõe, convence, elogia e descarta. Tenta favorecer um tipo de homem em face dos outros, um modelo de cidadania, de disposição para o trabalho, de maturidade psicológica e até de saúde, que não é o possível mas que se considera preferível aos demais [...] nenhum professor pode ser verdadeiramente neutro, isto é, escrupulosamente indiferente diante das diversas possibilidades que se oferecem ao seu aluno: se o fosse, começaria antes de tudo por respeitar (por ser neutro diante dela) sua própria ignorância, o que transformaria a demissão em seu primeiro e último ato de magistério. [...] De modo que a questão educacional não é "neutralidade- partidarismo", mas sim estabelecer que partido vamos tomar. Não pode nem deve haver neutralidade, por exemplo, no que se refere ao repúdio à tortura, à pena de morte, à prevaricação dos juízes ou à impunidade da corrupção em cargos públicos; O Projeto Político- Pedagógico nasceu após a Constituição de 1988 para dar autonomia às escolas na elaboração da própria identidade. Esse projeto é o referencial de qualquer instituição de ensino. 125 A Educação no Século XXI Capítulo 4 nem no que diz respeito à defesa das proteções sociais à saúde ou à educação, à velhice ou à infância, nem quanto ao ideal de uma sociedade que corrija o mais possível o abismo entre opulência e miséria. Por quê? Porque não se trata de simples opções partidárias, mas de realizações da civilização humanizadora às quais já não podemos renunciar sem incorrer em concessão à barbárie (SAVATER, 2012, p. 141-153). Já a LDB de 1996 (artigos 12 a 14) estabelece a orientação de que as escolas sejam responsáveis por elaborar, executar e avaliar elas mesmas seus projetos pedagógicos. A legislação define, contudo, as normas que deverão ser observadas para a gestão democrática escolar (art. 14), a saber, a participação dos profissionais de educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares equivalentes. O que se pretende, de forma geral, é que as decisões não sejam mais centralizadas na figura do gestor escolar, que por muito tempo teve sua atividade alinhavada com os interesses dos mandatários políticos. O Projeto Político- Pedagógico tem o objetivo de descentralizar a gestão com o fortalecimento da autonomia da escola e da participação democrática da sociedade. De modo geral, podemos dizer que o PPP deve: • Definir a concepção de mundo, sociedade, homem e escola que querem trabalhar e produzir; • Objetivar como se fará a organização da instituição para a materialização desta concepção; • Definir o seu ponto de partida – através de um referencial de realidade – e o ponto de chegada que se constituirá no seu objetivo maior; • Estabelecer os passos a serem dados para a materialização da proposta filosófica definida; • Definir a função social e pública da escola; • Definir as relações de poder no interior da escola; • Definir as instâncias de deliberação coletiva e individualizada; • Materializar as condições necessárias à garantia dos direitos e deveres dos segmentos que compõem a comunidade escolar – alunos, pais, professores e corpo diretivo-administrativo. Do mesmo modo, o projeto escolar deve estabelecer, minimamente: • O número de alunos por séries e/ou turmas em cada nível de ensino e sua justificativa dentro da filosofia proposta; • As normas de organização e convivência da comunidade escolar; 126 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL • A função social e pública de cada integrante da comunidade escolar, quais sejam: alunos, pais, professores e especialistas, direção da escola, secretaria da escola, pessoal de apoio, APP, grêmio estudantil e outros; • O processo de capacitação de recursos humanos intra e extra-escolar; • As funções dos Conselhos de Classe e Deliberativo, enquanto instâncias de decisões coletivas, sociais e públicas; • O calendário escolar para a materialização do planejamento anual/ quinquenal; • A função social e pública da biblioteca escolar e dos materiais didático- pedagógicos; • As referências bibliográficas que fundamentaram a proposta filosófica e aquelas que darão suporte na materialização do processo de ensino- aprendizagem; • As datas e semanas comemorativas como atividades suplementares e convergentes com a proposta formulada; • O programa de formação de cidadania nas diversas áreas do conhecimento; • O currículo, seus objetivos, metas, referências bibliográficas e, principalmente, como ocorrerá a materialização do mesmo; • O processo de avaliação como forma de constatar a apropriação real de conhecimento, nas suas formas cotidiana, bimestral ou semestral e anual e, em decorrência destas, o processo de recuperação. Podemos dizer, para concluir esta seção, que o Projeto Político-Pedagógico é o resultado de décadas de lutas em favor da democratização e da participação popular, expressando em seu seio um ideal de escola cujas práticas se alicerçam em um projeto coletivo, devidamente elaborado, para uma sociedade melhor. Muitas escolas ainda mantêm o PPP como um instrumento de poder e justificação das práticas pedagógicas e administrativas constituídas. Não há a efetiva participação da comunidade na formulação, execução e avaliação desse importante documento. Para refletir: Você conhece o Projeto Político-Pedagógico de sua escola ou participou de sua elaboração? Há nele a elaboração de um projeto que pense uma escola para o amanhã ou apenas se estabelecem as práticas cotidianas do fazer escolar? 127 A Educação no Século XXI Capítulo 4 Gestão Democrática Escolar – Direção Escolar No país existiram diversas formas de acesso à gestão das escolas públicas, destacando-se (BRASIL, 2004b): 1) Diretor indicado pelos poderes públicos: a livre indicação dos diretores pelos poderes públicos se fundamenta na prerrogativa do gestor público em indicar o diretor como um cargo de confiança da administração pública, transformando a escola, muitas vezes, num espaço instrumentalizador de práticas autoritárias, barganhas políticas e ingerência na gestão escolar; 2) Diretor de carreira: neste caso o acesso ao cargo de diretor pode considerar critérios como o tempo de serviço, o merecimento e/ou a distinção e escolarização. De forma geral, contudo, o modelo apresenta- se como uma variação da modalidade de indicação política; 3) Diretor aprovado em concurso público: nesse modelo a nomeação do diretor é baseada num processo de seleção com base em méritos intelectuais. Como, no entanto, a gestão escolar é um ato político, compreende-se que o cargo não deve constituir uma função vitalícia, já que não leva em consideração a participação efetiva da comunidade escolar e local; 4) Diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos: no modelo de indicação a partir de listas tríplices ou sêxtuplas, ou a combinação de processos (modalidade mista), há a consulta à comunidade escolar para a indicação de nomes dos possíveis dirigentes. Em seguida, o próprio Poder Executivo avalia os candidatos, submetendo-os à avaliações que considerarem pertinentes, resultando na nomeação de um dos candidatos apresentados inicialmente pela comunidade escolar. Esse modelo deixa a dúvida sobre o papel da comunidade na escolha de seu gestor, pois o processo desenvolvido pode apenas legitimar o discurso da participação e da democratização das relaçõesescolares. 5) Eleição direta para diretor: as eleições diretas para diretores podem ser consideradas uma das modalidades mais democráticas para a escolha dos gestores das escolas, já que o processo implica uma retomada ou conquista da decisão sobre os destinos da escola pela própria escola. 128 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL O importante na forma com que o diretor é escolhido é a garantia plena da gestão democrática da escola, afinal, o ocupante do cargo deve possibilitar em sua gestão a efetiva participação das comunidades local e escolar. Em muitos dos casos, porém, os diretores das escolas ainda são escolhidos através de indicação política, seja de uma ou outra maneira. Assim, os candidatos acabam ocupando cargos comissionados e, portanto, sua escolha atende normalmente a uma demanda por benefícios aos cabos eleitorais, que ajudam nas eleições e, desta forma, têm como recompensa tais provimentos – prática que, de certa forma, remonta ainda ao período do Império, quando a escolha de cargos para o exercício público dava-se, em grande parte, por mecanismos políticos. O principal problema desta forma de seleção é que, em geral, os diretores acabam agindo em consonância com os interesses dos seus representantes, a quem devem certa subordinação, colocando, portanto, os interesses da própria escola em segundo plano. Os organismos democráticos da escola, como a Associação de Pais e Professores, o Conselho Deliberativo e o Grêmio Escolar, neste contexto, acabam sendo um instrumento de “democratização” das decisões autoritárias do diretor escolar, que as promove em total consonância com as concepções daqueles a quem representam dentro do poder público. De maneira geral, os processos democráticos ora impingidos pelos mecanismos aqui expostos a partir da Constituição de 1988 acabavam esbarrando na gestão escolar, que mantinha o controle sobre os rumos que as escolas tomavam e que, portanto, mantinham os organismos democráticos escolares praticamente na “rédea”, dirigindo-os, seja por participação, manipulação ou conformação (era comum observar-se nos processos de escolhas destes organismos que o diretor agia na “seleção” dos membros que fariam parte das chapas apresentadas para a escolha da comunidade escolar). Assim, uma das grandes conquistas dos movimentos populares e da redemocratização da escola brasileira foi também a mudança, em muitos estados brasileiros, na forma de escolha dos diretores escolares, que passaram a ser eleitos pelas próprias comunidades diante das propostas que apresentam. Desta forma, a gestão escolar passa a ser exercida pela equipe gestora (diretor de escola e assessoria), com observância às diretrizes e normas oriundas das secretarias de Educação, da legislação educacional vigente, do PPP e do plano de gestão escolar traçado pelo candidato para sua gestão. 129 A Educação no Século XXI Capítulo 4 Atividade de Estudos: 1) Os Planos de Gestão Escolar, mesmo que tardiamente, cumprem a função de democratizar a escola, oferecendo mais autonomia em suas práticas. O que se verifica, contudo, é que os processos realizados para a escolha dos novos gestores escolares não são sempre totalmente democráticos, por vezes implicando complicações àqueles que desejam ocupar o cargo. Assim, que tal refletir um pouco sobre esse movimento e sobre o quanto ele se conforma às lutas promovidas em prol da democratização escolar? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O Papel do Educador no Século XXI O que vimos até o momento, através do estudo do direito educacional, demonstra como a sociedade se organizou ao longo da história em vista da democracia e como essa luta mobilizou instâncias que viabilizaram também a democratização da escola, bem como sua autonomia. Nestes termos, vislumbramos como a participação da comunidade escolar na gestão educacional passa a se tornar algo real no cotidiano das escolas, embora ainda tenhamos grandes desafios no sentido de efetivar tais instâncias como verdadeiros núcleos de participação coletiva. Esse trabalho de efetivação dos espaços democráticos como verdadeiros espaços de participação política pode ser considerado uma das grandes tarefas do educador do século XXI, que, enquanto condutor do fazer pedagógico, pode gerir espaços de discussão, colaborando diretamente para a construção de uma escola mais comprometida com a sociedade e seus rumos. 130 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Os professores, em geral, não possuem nenhum aporte formativo no exercício de sua função e, mesmo assim, são considerados como sujeitos plenamente capacitados para o exercício do magistério. Sabemos, contudo, que vivemos uma realidade desafiadora, afinal, a pós-modernidade, em suas especificidades e contradições, é um tempo em que as circunstâncias ocasionaram um estado de fusão tal na sociedade que, de acordo com o sociólogo Zygmunt Bauman (2004), houve uma transformação radical do estado sólido para o líquido – o que pode ser considerado uma paráfrase ao célebre conceito marxista de que “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Educação: Em geral, designa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico. Fonte: Abbagnano (2007, p. 305). A revolução tecnológica acabou entrando no cotidiano das pessoas por tantos lados, que elas nem sequer se deram conta da enormidade das mudanças. Hoje há uma obsolescência muito rápida, não só dos aparatos, como também dos conhecimentos, das habilidades e das destrezas (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.46). E assim é que se concebe que a educação deveria colaborar para que os professores e os alunos transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem, na constituição de um caráter dinâmico em relação à informação que cada vez mais se torna pública. A educação pode ajudar os alunos, na construção de seu próprio projeto de vida, no desenvolvimento de suas habilidades, a fim de se tornarem cidadãos realizados, autônomos e criativos, capazes de questionar as implicações da sociedade. É ao mesmo tempo uma revolução da modalidade técnica da produção do escrito, uma revolução da percepção das entidades textuais e uma revolução das estruturas e formas mais fundamentais dos suportes da cultura escrita. Daí a razão do desassossego dos leitores, que devem transformar seus hábitos e percepções, e a dificuldade para entender uma mutação que lança um profundo desafio a todas as categorias que costumamos manejar para descrever o mundo dos livros e a cultura escrita (CHARTIER, 2002, p. 24, apud LEMOS, 2013, p. 146). 131 A Educação no Século XXI Capítulo 4 A evolução das mídias digitais tem gerado a necessidade de se avaliar as experiências passadas, cujos hábitos se baseavam em modelos culturais estabelecidos ou consagrados. Nesse sentido, o livro didático, enquanto uma experiência analógica, acaba sendo também alvo de considerações, afinal, o formato digital possibilita grandes inovações na produção do conteúdo, no compartilhamento das informações e na criação de redes sociais. O material impresso, como o jornal, por exemplo, possui uma temporalidade muito própria e exige uma corporalidade também específica daquele que o utiliza. Esse material é, basicamente, descartável, portátil e, quase sempre, acessível. A diferença com o material disponibilizadode forma aberta na internet passa a ser os hiperlinks, que oferecem ao leitor possibilidades de conexões que o material impresso não permite. Esse material é permanentemente atualizado e, portanto, os conteúdos não se fecham e não se constituem como descartáveis – eles estão sempre lá, “linkados”, “relinkados” e “hiperlinkados”. Esse produto pode ser considerado, portanto, como multimidiático e interativo. Além de tudo, todo esse material passa a constituir uma memória informacional sempre disponível, diferente do que acontece com o material impresso, logo descartado. É certo, porém, que o leitor é exigido no ambiente virtual de forma diferente do que era quando lia um material impresso. O leitor precisa ter uma nova postura, novos hábitos, interagindo com o dispositivo (computador, tablet, e-reader, celular etc). O que não se pode deixar de lembrar, porém, é que estes dispositivos fazem parte de uma rede, onde se encontram produtores de textos, vídeos e imagens, distribuidores, programadores, empresas, fornecedores, usuários, entre outros. Essa rede tem um papel fundamental nessa nova tessitura, pois colabora na constituição da mobilidade dos processos de informação. Muitos podem até duvidar de tais mudanças, mas é importante ter em mente que o processo de comunicação já sofreu radicais transformações ao longo da nossa história e o impacto deles para a educação é certamente inquestionável. Desde a invenção da escrita, os pergaminhos, os livros, a internet, os celulares e o surgimento das tecnologias móveis, muita coisa já mudou e certamente ainda muitas mais mudarão quanto aos suportes da leitura e da escrita. O que essas novas trajetórias deixam claro no momento é a dificuldade quanto à transição das materialidades dos dispositivos, principalmente em relação à concepção de originalidade e cópia. Os materiais impressos têm o hábito de serem considerados originais, enquanto os materiais digitais tendem a serem considerados apenas cópias, simulacros. “O papel formou e conformou nosso pensamento ao moldar formas de escrita e leitura” (LEMOS, 2013, p. 152). A nova configuração oferecida pelos dispositivos digitais ao leitor faz com que ele se transforme de alguma maneira no editor da obra e, em muitos casos, também o seu distribuidor. O leitor pode, em maior ou menor grau, interagir com a obra, reconfigurá-la, editá-la e até repassá-la adiante. 132 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Os dispositivos não são apenas ferramentas, mas mediadores importantes. O mesmo podemos dizer dos demais artefatos técnicos: eles não são ferramentas, meios, por um lado, ou agentes, mediadores por outro. Se abandonamos a perspectiva essencialista, podemos ver nas associações e as redes em formação e afirmar que os artefatos não são uma coisa ou outra, não estão na dimensão micro ou macro, mas se definem nas associações, em espaços planos e em dimensões que colocam em tradução humanos e não humanos. Assim é com os dispositivos de leitura eletrônicos, assim é com a internet e as redes sociais (LEMOS, 2013, p. 157). Concebemos que as tecnologias, por longo tempo, para a educação ou qualquer outro setor da sociedade, pareceram apenas uma ideologia, um sonho. Hoje, no entanto, essas tecnologias estão se difundindo na sociedade e também na escola de maneira tão rápida, que nem sempre é possível acompanhar as mudanças. A mera presença das mídias na escola não evita, porém, o fracasso escolar e nem estimula, por si só, os professores a repensarem seus métodos e os alunos a adotarem novos modos de aprender/pensar. Professores e alunos precisam saber tirar vantagens destes novos artefatos. O uso das mídias proporciona novos conhecimentos do objeto, transformando, pela mediação, a experiência intelectual e afetiva do ser humano, individualmente ou em coletividade; possibilitando interferir, manipular, agir mental ou fisicamente, sob novas formas, pelo acesso a aspectos até então desconhecidos do objeto. O professor, infelizmente, carece de motivação e meios para que possa se manter num processo formativo contínuo e, neste sentido, a legislação carece de novos instrumentos, pois o único incentivo para a formação docente acaba sendo o acesso a novos níveis da carreira e, portanto, a uma nova percepção salarial. Obviamente que este quadro se configura dentro de uma conjuntura maior, onde, por exemplo, podemos encontrar a Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, sem, contudo, garantir plenamente sua aplicação, através de brechas que fizeram com que muitos estados questionassem sua fórmula de aplicação, resultando em desacordos e, consequentemente, no não cumprimento daquilo que a legislação tinha como meta. Para conhecer melhor a Lei do Piso Salarial, acesse: <http:// portal.mec.gov.br/piso-salarial-de-professores>. 133 A Educação no Século XXI Capítulo 4 Para saber mais sobre o assunto, sugerimos que você leia o livro Cultura da Convergência, de Henry Jenkins, em que o autor investiga o interesse em torno das novas mídias e expõe as transformações culturais que ocorrem à medida que esses meios convergem. O que percebemos é que não existe de fato uma política pública com relação ao incentivo formativo e que, portanto, os professores, em geral, não estabelecem um calendário de formação baseado em suas próprias necessidades profissionais – infelizmente, a procura por cursos ou formação continuada acontece apenas quando o professor enseja uma promoção em sua carreira. Como dissemos, a culpa obviamente não é do professor, pois falta-lhe incentivo dentro de sua jornada exaustiva, carga horária excessiva e baixos salários. O resultado, contudo, é uma dissonância que, segundo apontou Martín-Barbero (2004), promove uma séria crise na escola, advinda, principalmente, da contradição entre o vivido pelos jovens e o praticado em nossas escolas. Muitos professores, herdeiros que são de uma cultura medievalesca, se cerceiam da autoridade que lhe confere o livro didático e, assim como o padre que tinha o poder da interpretação, confirmam sua ação na negação de tudo aquilo que o aluno conhece e vivencia no seu cotidiano (MARTÍN-BARBERO, 2004). O equívoco de alguns paradigmas educacionais está exatamente em desconsiderar, nas suas práticas pedagógicas, a capacidade dos alunos, de modo que seus métodos acabam não permitindo que os estudantes desenvolvam a possibilidade de um pensamento criativo, que utilize como base a cultura acumulada para assim construir um novo conhecimento. A educação precisa ser, portanto, um lugar onde é possível experimentar o mundo, subjetivando-o a partir de sua própria imanência (DELEUZE; GUATTARI, 1992). Assim, nos deparamos com um momento de grandes transformações no cotidiano de nossas vidas advindo, principalmente, de três grandes revoluções: a saber, a convergência, que é o fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e comportamento migratório dos públicos de meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de entretenimento que desejam (JENKINS, 2008, p. 27); a cultura participativa, que consiste na circulação de conteúdos por diferentes sistemas midiáticos através da participação ativa dos consumidores, que são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos 134 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL midiáticos dispersos (JENKINS, 2008, p. 28); e a inteligência coletiva, que consiste num movimento em que, por haver mais informações sobre determinado assunto do que alguém poderia conhecer, há um incentivo para que as pessoas conversem entre si, desta forma, ninguém pode e precisa saber tudo, pois cada um sabe alguma coisa no que tange à inteligência coletiva (JENKINS, 2008, p. 28). Essas mudanças paradigmáticas apresentamum cenário participativo em que as pessoas utilizam dos meios de que dispõem para fazer parte de projetos comuns, os quais se agregam por interesse e, assim, acabamos por nos defrontar com um público ativo e criativo que, contraditoriamente, frequenta uma escola passiva, baseada exclusivamente na autoridade do livro-texto e do professor, como afirmação direta de um período em que a verdade era forjada pela violência. Martín-Barbero (2004), como já dissemos, define esse momento vivido pelas novas gerações como sendo de uma cultura pré-figurativa, em que os pares substituem os pais e o aprendido passa a ser fundado na relação com os meios tecnoculturais. Assim, diante deste cenário de crise com relação à escola, seria necessária uma segunda alfabetização, que vá muito além da leitura dos signos, para a leitura das múltiplas escritas, cujo resultado seja a construção de cidadãos que tenham a capacidade de ler de forma crítica o mundo. Durante os anos 1990, a grande preocupação era com a questão do acesso às tecnologias, mas hoje a maioria das pessoas tem algum acesso a tais recursos, convertendo o problema na familiaridade dessas pessoas com os novos tipos de interação social e no domínio mais pleno das habilidades conceituais elaboradas em resposta à convergência das mídias. Para Jenkins (2008), são habilidades necessárias para que o sujeito se torne participante pleno da cultura da convergência: 1) Capacidade de unir seu conhecimento com o dos outros numa empreitada coletiva; 2) Capacidade de compartilhar e comparar sistemas de valores por meio da avaliação de dramas éticos; 3) Capacidade de formar conexões entre pedaços espalhados de informação; 4) Capacidade de expressar interpretações e sentimentos por meio da cultura tradicional; 135 A Educação no Século XXI Capítulo 4 5) Capacidade de circular as criações através da internet para que possam ser compartilhadas com os outros; 6) Capacidade de interpretar papéis como meio de explorar um mundo ficcional e como meio de desenvolver uma compreensão mais rica de si mesmo e da cultura à sua volta. A convergência representa, portanto, uma mudança de paradigma, um deslocamento de conteúdo midiático em direção a um conteúdo que flui por vários canais, em direção a múltiplos modos de acesso a conteúdos midiáticos e em direção a relações cada vez mais complexas entre a mídia corporativa e a cultura participativa (JENKINS, 2008). À escola se institui um grande desafio, resumidamente, o de reinventar-se, afinal, [...] se as crianças devem aprender habilidades necessárias à plena participação em sua cultura, podem muito bem aprendê-las envolvendo-se em atividades como a edição de um jornal numa escola imaginária, ou ensinando umas às outras as habilidades necessárias para se sair bem em jogos para múltiplos jogadores, ou quaisquer coisas que pais e professores atualmente consideram ocupações sem importância (JENKINS, 2008, p. 236). A aprendizagem tornou-se uma trajetória pessoal e singular num espaço complexo de oportunidades, diante do qual a escola precisa expandir suas funções, afinal, dentro do novo universo midiático moderno não podemos mais imaginar um processo em que os adultos ensinam e as crianças aprendem. Devemos interpretar a pedagogia midiática como um espaço cada vez mais amplo, onde as crianças podem também ensinar umas às outras, num processo cooperativo capaz de mobilizar a inteligência coletiva. Interesses compartilhados quase sempre conduzem a conhecimento compartilhado, visão de mundo compartilhada e ações compartilhadas (JENKINS, 2008, p. 288). Esse poder emergente da participação serve como um vigoroso corretivo às tradicionais fontes de poder, concebido assim como adhocracia (cultura do conhecimento que transforma informação em ação). O desafio, portanto, não é mais apenas saber ler e escrever, mas saber participar. O ideal da cidadania depende do desenvolvimento de novas habilidades em colaboração e de uma nova ética de compartilhamento de conhecimento que nos permitirão deliberar juntos. Educar, portanto, é mais do que reproduzir conhecimentos, é incentivar o desejo de desenvolvimento contínuo, preparar pessoas para transformar algo. 136 LEGISLAÇÃO E DIREITO EDUCACIONAL Atividade de Estudos: 1) O educador é considerado como um mediador do conhecimento, mas o educador do século XXI deve proporcionar ao seu alunado não só o aprendizado, mas também e, principalmente, o gosto em adquirir o conhecimento. Assim, diante do que estudamos até o momento, como você considera que as escolas podem gerir um processo de transformação que auxilie na apropriação desse novo modelo de educar? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações Caro estudante! Chegamos ao fim deste livro de estudos onde você obteve subsídios para conhecer melhor as bases epistemológicas que fundamentam a educação ocidental. Você pôde conhecer um pouco da constituição da escola brasileira e da legislação que a regula desde os tempos mais remotos da colonização até os dias de hoje. Conhecemos juntos um pouco daquilo que as nossas constituições definiram ao longo da história para a escola e as lutas sociais que foram travadas em vista de uma maior participação popular. Deste modo, vimos como as novas legislações acabaram resumindo este anseio, estabelecendo um arcabouço legal de grande complexidade e alcance, talvez um dos mais elaborados do mundo, mas que, infelizmente, ainda não foi devidamente traduzido em escolas com resultados realmente expressivos. Percebemos, aliás, que muitas leis foram sendo instituídas como forma de justificar as práticas autoritárias, sem modificá- las de fato. Assim, pudemos vislumbrar, diante de todo o cenário legal e histórico apresentado, que a escola não muda enquanto nós, professores, não a fizermos mudar e enquanto não mudarmos a nós mesmos. Somos nós os construtores das lutas da escola e, principalmente, de suas conquistas. Vivemos certamente um universo de incertezas, desilusões e desânimo, mas somos nós os únicos responsáveis pela mudança que tanto almejamos. As leis brasileiras não mudaram porque assim quiseram as elites. As leis mudaram porque o povo bradou por essas mudanças. Assim, não podemos nos ver reféns de uma estrutura rígida, pois somos nós a história que queremos para nossas escolas e para nossa sociedade. 137 A Educação no Século XXI Capítulo 4 De toda forma, temos certeza de que você também participa desse projeto e esperamos que tenha aproveitado muito deste percurso. Buscamos elaborar uma proposta que pudesse lhe fornecer o conhecimento necessário do direito educacional, mas que também servisse como amparo para toda uma discussão que norteia a formação da escola e sua conformação enquanto formadora das novas gerações. Esperamos sinceramente ter conseguido motivar reflexões importantes sobre a sua prática, e que elas sirvam de aporte para grandes transformações em seu saber/fazer a educação. Agradecemos a companhia nesta jornada e desejamos que você tenha muito sucesso na tarefa de tornar a escola um lugar verdadeiramente democrático, onde se escreve o futuro de nossa nação. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. 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