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Etiología das más oclusöes: perspectiva clínica (Parte I) — fatores genéticos y of malocdusions: Clinical perspective (Part I) — Genetic/actors DamclaU. GARIB* Omar Gahriel Ja SILVA FILHO** Guilherme JANSON*** Re A I'tiuloHia das más iicliisôes repre- senta um tema de importancia rele- vante na especialidade Ortiidontia. Primeiro, por cumprir um compro- misso académico, a erudi(,-âo fun- damental do especialista. Segundo, por po.ssihilitar ao ortodontista uma visào mais aprotundada, e por isso mais retinada, da origem do pro- blema. O arsenal de informaçôes permite ao protissional ponderar sobre a possibilidade de prevençâo de uma determinada irregularidade, delinear seu prognóstico de trata- mento e a estabilidade da correçâo, bem como valorizar a sua manifes- taçào provável na árvore genealó- gica. O presente trabalho investe numa classificaçâo simples e em Palavras-chave: Etiologia. Má oclusao. Genética. Abstract consonancia com a prática clínica, dividindo os fatores etiológicos em dois grandes grupos: fatores genéti- cos e fatores ambientáis. É oportu- no comentar de antemao que, pela diversidade morfológica, esses dois fatores podem estar presentes na mesma má oclusao, somando seus efeitos. Por motivos únicamente di- dáticos, o texto abrangendo os dois fatores etiológicos será dividido em 3 partes. A parte 1 discute as carac- terísticas dentofaciais com marcan- te determinaçâo genética. A parte II destaca os fatores ambientáis que provocam más oclusoes. A parte III retrata as fissuras labiopalatinas, cuja etiologia congrega fatores ge- néticos e ambientáis. The etiolüfî i o/ malíKclusiom, is a subject of relevant importarle in Or- thodontics. At first, it is impcmant fm meeting an academic commitmerxt, the furxdamentd erudition of the speciahst. Siecimd, it is. relevant fm operúng to the orthodontist the possibilité o/ a hroad and detailed view of the origin of the problem. The arser\al of in/ormation allcuvs the professiorxal to ratiwudize the /x).ssibilit̂ oj prevention, the treatment pivgnosis and the stíjánlity oj ti\e correc- tion, as well as to consider the manifes- tation in other membcTs of the patient's family. This stiuly demomtrates a sim- ple classification u'ith consonance to the cliniciil p)'actice, dividing the etiological factors into tu'o large groups: Genetic factors and enfironinentoi /actors. Keywords: Etiology. Malfxclusion. Genetics. it is appropriate to highlight that due to morphological tliVersit̂ , the.se tu'o /actors may be present in the same malocclusion, mixing its effects. Far didactical reasom, the article is divided into 3 ports. Part / discloses the claito- facid characteristics with piepontlerant genetic determination. Part U highlights the eni'ironinentiil /i:u;tors «>hich causes malocclusifmi. Part ¡U discusses the etiobgy of cleft lip and palate, which associates both genetic arid environ- mental/actors. * Professora doutora de Orrodontia, Hospital de Reabilitaçfio de Anomalias Craniofaclais e Faculdadft de Odon- toiogia de Bauru. Universidade de Sao Paulo *• Ortodontista do Hospital de Reabititaçâo de Anomalias Craniofaoais. Universidade d« Sio Paulo. Coord«- nador do Curso de Ortodontia Preventiva e interceptiva da Sociedade de Promoçio Social do Fisaurado Labiopalatai (PROFiSI ^ " Professor titular e chefe do departamento de Odontopediatria. Ortodontia e Saude Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru. Universidade de Sâo Paulo. Rev Clin Ortod Dental Près .. 2010 abr-maio;9(2):77-97 77 DOMfNIO CONEXO Etiología das más oclusoes: perspectiva clínica (Parte 1} — fatoras genéticos INTRODUÇÂO A etiologia das más oclusoes constitui um capítulo essen- cial da Ortodontia. Ao longo da historia da ciencia ortodônti- ca, foram apresentadas diversas versóes para a etiologia des- se problema. No final do século XIX, prevalecia o conceito de que a herança genética representava o principal fator etio- lógico das más oclusoes'*. Esse conceito mudou a partir do século XX, com a visâo de Edward Hartley Angle fortalecendo os fatores ambientáis^. Angle^ admitia que as más oclusoes apresentavam causas exclusivamente locáis. A prova de que nâo acreditava na genética como determinante do problema é que tratava os apinhamentos com mecánica expansionis- ta, defendendo, em grande parte de sua vida, a abordagem náo-extracionista. Angle devotou o capítulo IV da sétima edi- çâo de seu livro â etiologia das más oclusoes. Nesse capítulo, o pai da Ortodontia apenas enumerou as causas prováveis, todas elas ambientáis, sem a pretensáo de classificá-las, in- duindo em sua lista a perda prematura de dentés deciduos, a perda de dentés permanentes, a realizaçào de restauracóes incorretas, a retençâo prolongada de dentés deciduos, a erupçâo tardia de dentés permanentes, dentés supranumerá- rios, transposicóes dentarias, o desuso, o freio labial anormal, hábitos bucais deletérios e a obstruçâo nasal. Contemporáneo de Angle, nem por isso compartilhando das mesmas ideias, Case^ dedicou cinco capítulos da parte II de seu livro para a descriçâo dos fatores etiológicos das más oclusoes, ressaltando a importancia da hereditariedade. O europeu Korkhaus '̂, em 1939, dividiu os fatores etio- lógicos em endógenos, de origem sistémica e exógenos, representados por fatores ambientáis locáis. Guardo'^ na década de 1950, subdividiu os fatores etiológicos em cin- co grupos, incluindo os fatores hereditarios, congénitos, adquiridos gérais, locáis e proximais. Esse último grupo incluía os hábitos bucais. Salzmann '̂' classificou os fatores etiológicos das más oclusoes em pré-natais e pós-natais. Na mesma época. Graber" organizou as causas das más oclu- soes em fatores intrinsecos, ou locáis; e fatores extrínsecos, ou gérais. Considerou como fatores intrínsecos aqueles de responsabilidade do cirurgiâo-dentista, como as anomalias dentarias, freios, perda prematura e retençâo prolongada de dentés deciduos, erupçâo tardia de dentés permanen- tes, ectopias, anquilose, carie e restauracóes inadequadas. Como fatores extrínsecos ou gérais, categorizou a heredita- riedade, as doenças congénitas, o meio ambiente, as doen- ças metabólicas, os problemas dietéticos, os hábitos, a pos- tura e acidentes e traumatismos, dificilmente resolvidos pelo profissional. Moyers^" sugeriu uma equaçâo ortodôntica en- volvendo os fatores etiológicos (hereditariedade, causas desenvolvimentais de origem desconhecida, traumatismos, agentes físicos, hábitos, enfermidades sistêmicas e locáis, e má nutriçâo), sua época (idade) e modo de atuaçâo (conti- nuo ou intermitente), o tecido (neuromuscular, dente, osso e cartilagem, tecidos moles) e os resultados produzidos (fun- çâo inadequada, má oclusâo ou displasias ósseas). Proffit, Fields Jr e Sarver̂ ', recentemente, dividiram os fatores etio- lógicos em causas especificas (como a causa da acromega- lia, por exemplo), influencia genética e influencia ambiental. Essa breve revisâo da literatura demonstra a ausencia de uma abordagem consensual sobre o tema, além da dificul- dade em se estabelecer criterios para uma categorizaçâo prática dos fatores etiológicos. Muitas abordagens clássi- cas da etiologia das más oclusoes confundiram a origem do problema com a sua época de manifestaçâo. Anormalidades de origens completamente distintas — genéticas e ambien- táis — porém manifestadas na mesma época, como na vida intrauterina, foram algumas vezes classificadas num mesmo grupo, denominado alteraçôes congénitas ou pré-natais'- '̂̂ '. Nessa perspectiva agrupavam-se a microssomia hemifacial ocasionada pela talidomida com a disostose cleidocraniana ocasionada por mutaçâo génica. Adicionalmente, muitas classificacóes confundiram os adjetivos hereditario, genéti- co e congénito'^'^^ É importante ressaltar que toda irregula- ridade hereditaria apresenta caráter genético. No entanto, o contrario nâo é verdadeiro. Muitas alteraçôes genéticas nao sâo herdadas e sim determinadas por mutacóes^ .̂ Nâo raro, os termos genético e congénito sâo usados errónea- mente. Congénitodiz respeito a alteraçôes visualizadas ao nascimento. Nem toda alteraçâo congénita apresenta ca- ráter genético. As malformaçôes ocasionadas por drogas teratogénicas, apesar de congénitas, representam irregula- ridades ambientáis e, portanto, nao sâo transmitidas para os descendentes. Da mesma maneira, nem todo problema genético pode ser diagnosticado ao nascimento, desmere- cendo a qualificacáo de congénito. Nessa categoria, pode- ríamos enumerar o Diabetes Mellitus do tipo I, a agenesia dentaria e o Padrâo esquelético III. Os equívocos abarcam, também, os fatores ambien- táis. Influencias ambientáis podem agir na vida intrauteri- na e ocasionar alteraçôes congénitas, como deformidades causadas por medicamentos, ou podem atuar na vida pós- natal, a exemplo do trauma ou da carie dentaria, ou ainda em ambas as fases, como a má nutriçâo. Portanto, irregu- laridades pós-natais nâo deveriam ser empregadas como sinónimo de fatores ambientáis ou adquiridos, uma vez que muitos deles apresentam base genética. Observe o exem- plo da agenesia dentaria, incluida dentre os fatores adquiri- dos locáis na classificaçâo de Guardo'^ enquanto apresenta 78 .2010abr-maio;9(2):77.97 Garib DG, Silva Filho OG, Janion G uma etiologia essencialmente genética. Tampouco o termo adquirido adequa-se a representar exclusivamente os fa- tores ambientáis, posto que mutaçoes gênicas podem ser adquiridas em vez de herdadas. Essa discussao inicial acerca da etiologia das más oclu- sóes, filosófica e bastante académica, tornou-se necessá- ria para justificar a proposta do presente artigo: a busca de uma simplificaçào no agrupamento dos fatores que causam más oclusóes. O sistema de classificaçâo do pre- sente artigo, em fatores genéticos e fatores ambientáis, é, sem dúvida, mais simples, mais prático, contemporáneo, compativel com as novas descobertas da genética a par- tir do projeto Genoma Humano e está em consonancia com a prática clinica. Numa perspectiva histórica, o co- nhecimento do século XXI reconhece que as caracteristi- cas dentofaciais — como morfologia, número, posiçào e cor dos dentés, bem como tamanho e posiçào das bases ósseas estruturando o Padrao esquelético da face — sao definidas fortemente pela codificaçào genética^ '̂̂ .̂ O or- todontista británico Mossey^^" afirmou que a chave para a determinaçâo da etiologia da má oclusao e para definir o seu prognóstico de tratamento depende da habilidade de diferenciar o efeito relativo dos genes e do ambiente sobre as estruturas dentofaciais, em cada paciente. Resumindo, o presente artigo agrupa as causas das más oclusóes em fatores genéticos e fatores ambientáis. Nao raro, más oclusóes podem resultar da associaçâo desses dois fatores etiológicos. Em geral, quanto maior a influencia am- biental em detrimento da influencia genética, maior a possi- bilidade de prevençào, melhor o prognóstico de correçào e maiores as chances de estabilidade pós-tratamento, desde que a causa seja eliminada. A comparaçâo entre a mordi- da aberta predominantemente dentoalveolar e a mordida aberta predominantemente esquelética representa ótima exemplificaçào (Fig. 1, 2). Apesar da influencia multifatorial de fatores genéticos e ambientáis concorrer para a etiolo- gia de ambas, na primeira predomina a influencia ambiental — representada pelos hábitos bucais deletérios —, enquan- to na última predomina a influencia genética, vinculada ao padrao de crescimento facial predominantemente vertical. Dessa maneira, a mordida aberta dentoalveolar apresenta maior possibilidade de prevençào, melhor prognóstico de tratamento e maior estabilidade pós-tratamento, desde que os hábitos sejam abandonados. Figura 1 Má oclusao de Classe I, com mordida aberta anterior. O aspecto circulare a restriçâo à regiâo dos incisivos evoca a sucçâo como etiologia e confère à mordida aberta a conotaçâo de dentoalveo- lar. A correçào envolveu mecánica ortodóntica com extrusâo dos incisivos e a eliminaçâo do hábito. Rev Clin Orlod Dental Pro- .2010 abr-maio;9(2):77-97 79 Etiología das más oclusöes: perspectiva clínica (Parte 1} — tatores genéticos ,\¿Ár j a -—^_*ja_J^^B Fiqtir,' 2 Má oclusáo de Classe III, com mordida aberta anterior. O aspecto mais difuso e retangular da mordida aberta anterior evoca etiologia rela- cionada com o crescimento facial. A participaçâo da face na determinaçao da mordida aberta anterior confère a conotaçào de esquelética. Mesmo na dentadura decidua, o tratamento nao evoluiu bem e a mordida aberta anterior progrediu para a dentadura mista. A correçao deve ser planejada com cirurgia ortognática. A importancia do reconhecimento da genética ultra- passa o limite das intervençoes ortodônticas. Elucida, por exemplo, a possibilidade de transmissao de determina- da característica aos descendentes. Quanto maior o pa- pel da genética na determinaçao de uma Írregularidade dentofacial, maior a chance de observarmos a incidencia dessa característica aumentada nos descendentes de pa- cientes afetados. Todas as más oclusóes representam interaçôes da genética e do ambiente. Seria erróneo acreditar que as dimensôes e a morfologia craniofacial sâo determi- nadas exclusivamente pela genética ou por fatores am- bientais'̂ '̂ '̂ .̂ A face e a dentiçâo sâo influenciadas pela complexa interaçâo de ambos, e cada má oclusáo ocupa uma determinada posiçao no espectro gene/ambiente. Portanto, seria correto pronunciar que determinada má oclusáo apresenta etiologia eminentemente genética ou etiologia essencialmente ambiental, caracterizando a preponderancia do genotipo ou do meio ambiente na determinaçao de cada má oclusáo. Esse entendimento apresenta um reflexo direto em uma das mais importan- tes preocupaçôes da Ortodontia: a determinaçao da ex- tensâo em que uma determinada má oclusáo pode ser influenciada pela intervençâo terapéutica ambiental, ou seja, o prognôstico da correçao ortodôntica. Dessa ma- neira, o presente artigo propôe-se a discutir os fatores etiológicos das más oclusóes sob a perspectiva das in- fluencias genéticas e ambientáis. PARTE I - FATORES GENÉTICOS Resumo Os fatores genéticos nâo sâo prevenidos, simplesmente instalam-se como fatalidade biológica. Podem ser atenuados com intervençâo ortodôntica, ortopédica e/ou cirúrgica, na dependencia da localizaçao, extensâo e gravidade da má oclusáo. Tais fatores sâo aqui apresentados nos seguintes tópicos: Tipo facial, Padrâo esquelético sagital da face. Dis- crepancias dente-osso, Anomalias dentarias, Infraoclusào de molares deciduos e Anomalias craniofaciais. O CÓDIGO GENÉTICO E A MÁ OCLUSAO O código genético humano, ou genoma humano, cor- responde ao conjunto de cerca de 27.000 genes distribuí- dos nos 23 pares de cromossomos contidos em cada uma das células humanas diploides. Esses genes se organizam numa estrutura de dupla hélice formada por 4 bases quí- micas nitrogenadas que se unem sempre aos pares: A-T e C-G (adenina e timina, citosina e guanina). Na linguagem da Genética, o gene é um segmento de um cromossomo ao qual corresponde um código distinto: uma informaçâo para produzir uma determinada proteína ou controlar uma característica como, por exemplo, a cor dos olhos. Portan- to, o código genético humano contém a informaçâo básica 80 Rev Clin Ortod Dental Press. 2010 abr-ma¡o;9(2):77-97 Garib DG. Silva Filho OG. Janson G necessária para o desenvolvimento físico e psíquico de um ser humano, sendo responsável pela aparéncia e persona- lidade, bem como pelo risco de doenças. Nesse contexto, o código genético explica muito da morfologia dentofacial. No intimo da célula, define-se o tamanho, a forma e po- siçâo dentaria, bem como o tamanho relativo e a disposi- çâo espacial dos ossos faciais, maxila e mandíbula, na face. A constituiçâo gênica de um individuo é conhecida como genotipo, enquanto as características manifestas sâo co- nhecidas como fenótipo^^. O sequenciamento do genoma humano, comemorado em 2001, foi realizado pelo Projeto Genoma Humano, desenvolvido por mais de cinco mil cien- tistas do mundo inteiro, possibilitandoavanços expressivos na Genética e na Medicina. O código genético de cada ser humano depende da he- rança e das mutaçôes génicas^ .̂ As mutaçôes sâo caracteri- zadas por alteraçôes que ocorrem no genotipo após a fertili- zaçâo e, portanto, nâo sâo herdadas, porém transmitidas aos descendentes a partir daquela geraçâo. Quando as caracteristicas qualitativas, como cor dos olhos ou grupo sanguíneo, sâo determinadas por um único par de genes, apresentam uma herança que segue o padrâo mendeliano^^. Nesse caso, se a manifestaçâo dessa caracte- ristica é imposta pela presença de apenas um gene, indepen- dentemente do gene alelo (ou par), o modo de transmissâo é considerado autossômico dominante. Se houver necessida- de de dois genes para a expressâo de uma determinada ca- racterística, a transmissâo é considerada autossómica reces- siva^̂ . A herança recessiva e ligada ao género (cromossomo X) também segue um padrâo de transmissâo mendeliano e explica, por exemplo, a manifestaçâo da hemofilia e da calvi- cie, afetando somente o género masculino. As caracteristicas quantitativas, tais como a altura corpo- ral e as dimensóes dos dentés e ossos faciais, sâo definidas pela interaçâo de diversos pares de genes. Portanto, sâo características transmitidas pela herança poligênica^^. A he- rança poligênica, contrariamente â herança mendeliana au- tossômica ou ligada ao género, sofre influencia ambiental. A exposiçâo a certos fatores ambientáis pode potencializar a expressâo de características reguladas por poligenes^^. A morfologia craniofacial, as más oclusöes, certas anomalias dentarias e a fissura labiopalatina representam caracteris- ticas moduladas pelo padrâo de herança poligênica. Inte- ressante atentar para o comentario de Mosseŷ ^ de que a maioria das más oclusöes apresenta herança multifatorial continua: "As más oclusöes nâo deveriam ser consideradas como anormais ou doenças, mas sim variaçoes na forma nor- mal de oclusào... considerando que há uma enorme escala de variaçâo morfológica para essa caracteristica". A evidencia de que determinada irregularidade dentofacial apresenta supremacia genética em sua etiologia provém de es- tudos em familias e em gêmeos^l Quando uma determinada irregularidade mostra uma prevalência aumentada em familias de pacientes afetados, comparada as prevalências esperadas para a populaçâo em gérai, credita-se à genética uma influ- encia importante na etiologia do problema. O prognatismo mandibular da familia imperial austro-húngara Habsburg re- presenta o mais clássico exemplo de caracteristica genética de intéresse ortodôntico, em humanos, transmitida por sucessivas geraçoes. Atualmente, a leitura do código genético pode isolar genes mutantes em familias, desde que diversos membros ex- pressem a mesma irregularidade. Recentes avanços no campo da Biologia Molecular e da Genética humana têm influenciado significativamente os estudos da morfologia dentofaciaP .̂ Gêmeos monozigóticos compartilham códigos genéticos muito semelhantes. Portanto, as características genética- mente definidas expressam-se em ambos os gêmeos mono- zigóticos de maneira semelhante. Quando se constata uma alta concordancia para uma determinada irregularidade, em pares de gêmeos homozigóticos, conclui-se que a genética consiste um fator importante na etiologia de tal anormalida- de. Diferentemente, gêmeos heterozigóticos, por apresenta- rem genotipos distintos, manifestam baixo índice de concor- dancia para a mesma irregularidade^^. As características dentofaciais com etiologia genética preponderante e de intéresse para o ortodontista serâo ex- postas obedecendo a seguinte ordem: tipo facial, padrâo es- quelético sagital da face, discrepancias dente-osso, diversos tipos de anomalias dentarias, infraodusâo de molares deci- duos, e grande parte das anomalias craniofaciais. O Tipo Facial Ao analisar o paciente sob uma perspectiva frontal, re- conhecemos tres tipos faciais distintos, de acordó com a proporçâo entre a altura e a largura da face: braquifacial, mesofacial e dolicofacial (Fig. 3). Os pacientes mesofaciais apresentam a distancia bizigomática proporcional à altura facial, quantificada desde o násio até o mentó. Os pacien- tes dolicofaciais apresentam predominancia da altura facial em relaçâo â largura. De modo oposto, os braquifaciais exi- bem uma face mais larga do que longa. Observam-se dife- renças também na vista lateral, com os braquifaciais mos- trando uma maior profundidade da face comparativamente aos dolicofacais. As denominaçoes braquifacial, mesofacial e dolicofacial originam-se da antropología e implicam nâo somente na morfologia da face, mas também do cránio"'. Diferentes etnias demonstram predominancia de distintos Rev Clin Ortod Dental Près . 2010 abr-m3Ío;9(2):77-97 SI Etiologia das mis oclusoes: perspectiva clínica (Parte 1} — fatores genéticos Figura 3 Tipos faciais: A, B) mesofacial, C, D) do- licofacial e E, F) braquifacial. 82 .2010abrmaio;9(2):77-97 Garib DG. Silva Fiiho OG. Janson G tipos faciais: individuos de origem anglo-saxônica apresen- tam morfologia predominantemente dolicofacial, enquan- to, dentre os asiáticos, prevalece o tipo braquifacial". O tipo facial consiste em uma característica predominan- temente genética, sobre a qual o ambiente e as mecánicas ortopédicas exercem influencia mínima^l A Ortopedia Facial e a Ortodontia nâo sâo capazes de alterar o tipo facial herda- (JQ1.22.3O PQ|. exemplo, a utilizaçào de mentoneira vertical nâo transforma o tipo dolicofacial em mesofacial. As medidas ce- falométricas que expressam o padrâo de crescimento facial mostram-se inertes aos efeitos de aparelhos ortopédicos ou ortodônticos, como registram a infinidade de estudos cefalo- métricos publicados ñas últimas décadas. Os hábitos bucais, como a respiraçâo bucal crónica, representativos de influen- cias ambientáis podem até acentuar um padrâo vertical de crescimento facial em termos numéricos, porém inexistem evidencias de que essas alteraçôes alcancem magnitude su- ficiente para alterar o tipo facial determinado genéticamente (a discussâo sobre esse tema será enfatizada na parte II desse artigo). Portanto, o código genético mostra-se soberano na definiçâo da morfologia facial frontal, e a intençâo de altéra- la com aparelhos ortodônticos ou ortopédicos traduz metas inatingíveis. Do ponto de vista genético, é mais fácil admitir que faces com predominancia vertical favorecem a respiraçâo bucal do que vice-versa. Ñas faces com predominancia verti- cal, a largura e a profundidade da faringe sâo menores, favo- recendo a reduçâo da permeabilidade aérea. A eliminaçâo de obstruçôes nasais e/ou faringeanas torna a via aérea permeá- vel, mudando a funçâo respiratoria de bucal para mista, mas nao consegue mudança facial com impacto clinico. O Padrao Esquelético Sagital da Face A morfologia do perfil facial apresenta uma forte deter- minaçâo genética. Uma sólida evidencia da influencia mor- fogenética sobre a arquitetura facial consiste na observaçâo de que as diferentes etnias apresentam caracteristicas es- pecíficas que as diferenciam. Os negros apresentam maior protrusâo bimaxilar comparados aos brancos, enquanto os asiáticos apresentam um grau de protrusâo intermediario en- tre o dos brancos e negros. Os padróes esquelético-faciais I, II e III também mostram uma determinaçâo predominantemente genética. A mor- fologia facial estabeiece-se precocemente, sendo possivel o seu diagnóstico desde a dentadura decidua e, em regra, o crescimento facial preserva o padrâo esquelético. Assim, o comportamento medio permite afirmar que, uma vez Pa- drâo esquelético I, sempre Padrâo I. Essa máxima estende- se aos Padróes esqueléticos II e III, desde que nâo tratados. Seguindo uma herança poligénica, os distintos padróes es- queléticos sagitais (I, II e III) mostram prevalências aumenta- das em familias de pacientes afetados". A hipótese de que o aleitamento materno contribui posi- tivamente para o crescimento mandibular pós-natal é sugeri- da na literatura, mas carece decomprovaçâo científica^. Essa premissa salienta a influencia ambiental no crescimento e ig- nora o papel da genética na determinaçâo do padrâo facial. A fim de que essa hipótese ganhasse comprovaçâo, estudos deveriam atestar que crianças que nâo foram amamentadas apresentam prevalência aumentada de deficiencia mandibu- lar se comparadas a crianças que foram amamentadas por um longo período de tempo. Será que crianças que foram abandonadas ao nascimento e privadas do aleitamento ma- terno apresentam uma prevaléncia de deficiencia mandibular mais elevada do que a populaçâo em geral? Essas eviden- cias inexistem na literatura. Um estudo epidemiológico, com crianças na fase da dentadura mista, nâo identificou dife- renças significativas na prevaléncia de Padrâo esquelético II por deficiencia mandibular entre crianças com histórico de amamentaçâo igual ou superior a seis meses, quando com- parada á de crianças nâo-amamentadas como recomenda a Organizaçâo Mundial de Saúde™. Tais resultados reforçam a preponderancia do código genético sobre o fator ambiental na determinaçâo da morfologia facial. Observou-se um índice de correlaçâo entre pais e filhos para a má oclusâo de Classe II, divisâo 1, maior do que de pares da populaçâo selecionados aleatoriamente^^ (Fig. 4). Estudos previos documentaram a ocorrência familial da má oclusâo de Classe II, divisâo 2, incluindo estudos em gêmeos e trigémeos e em linhagens familiares^-'. Em um estudo clíni- co e cefalométrico com 114 casos de má oclusâo de Classe II, divisâo 2 — sendo 48 pares de gêmeos e seis conjuntos de trigémeos —, dos pares monozigóticos, 100% demons- traram concordancia para a má oclusâo de Classe II, divisâo 2; enquanto aproximadamente 90% dos gêmeos dizigóticos mostravam-se discordantes^ .̂ Um rico conjunto de estudos também assinala o papel da genética na etiologia do Padrâo esquelético III. A partir de uma detalhada análise genealógica da dinastia Habsburg, concluiu-se que o prognatismo mandibular foi transmitido como uma herança autossómica dominante^-'. Numa fase previa â invençâo da fotografia, as pinturas de grandes mes- tres denunciaram que o prognatismo mandibular constituía característica que se repetia na familia real austro-húngara (Fig. 5). Na década de 60, Susuki^ estudou 243 familias de pacientes Classe III e encontrou uma prevalência de 34% des- sa má oclusâo dentre os familiares, em comparaçâo a uma prevaléncia de 7% de Classe 111 na populaçâo local em geral. Rev Clin O r t od Dental Pros.. 2010 abr.maio:9(2):77.97 S3 DOMINIO CONEXO Etiologia das más oclusöes: perspectiva clinica (Parte I) — fatores genéticos Figura 4 Padrâo esquelético e má oclusao de Classe II: mâe (A - F) e filho (G - L). 84 [ess. 2010abr-maio;9(2):77-97 i ' I ' Garib DG. Silva Filho OG, Janson G Figura 5 Familia real austro-htjngara de Habsburg. As pinturas ilustram quatro geraçôes de monarcas demonstrando Padrâo esquelético Classe III. Da esquerda para a direita: Felipe II da Espanha, Felipe III da Espanha, Felipe IV da Espanha e Carlos II (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Philip_lll_of_Spain). Relatou que filhos de mâes ou pais prognatas apresentam 20% de chance de mostrar o prognatismo mandibular, en- quanto filhos de mâes e pais prognatas apresentam o dobro de chance de exibir um prognatismo mandibular (40%). Um estudo europeu em pares de gémeos apontou que a concor- dancia para a má oclusáo de Classe III em gémeos monozi- góticos mostrava-se seis vezes maior se comparada aos pa- res de gémeos dizigóticos^l Litton et al.'' descreveram uma transmissao multifatorial e poligênica da Classe III e sugeri- ram que diferentes modos de transmissao podem operar em diferentes familias ou populaçôes. Recentemente, no Brasil, Cruz et al.' estudaram familias de prognatas e sugeriram que o prognatismo apresenta uma herança multifatorial, porém com um gene principal autossômico dominante. Outra fonte de evidencia que reforça o papel da herança na determinaçao da morfologia craniofacial é a constataçâo de que aparelhos ortodônticos e ortopédicos nâo exercem influencia significativa em longo prazo sobre as bases api- cais''̂ *. Aparelhos ortopédicos representam uma forma de in- terferencia ambiental sobre o crescimento facial. Estudos lon- gitudinais sobre o tratamento da má oclusáo de Classe II com Ortopedia Funcional dos Maxilares mostraram que os apare- lhos podem induzir apenas um efeito temporario na relaçâo maxilomandibular''^* (Fig. 6). Apôs a remoçâo do aparelho, a face tende a retomar o seu padrâo original de crescimento e o efeito esquelético do tratamento mostra instabilidade, pau- latinamente, no período que sucede o tratamento. Uma vas- ta revisäo da literatura concluiu que ainda existe pouca evi- dencia científica de que o ortodontista seja capaz de alterar permanentemente, na criança em crescimento, o padrâo do esqueleto facial herdado'. Investigaçôes longitudinais do tra- tamento do prognatismo mandibular com mentoneira apon- tam para a mesma direçao. Apesar do período de tratamen- to mostrar alguma restriçâo da velocidade de alongamento mandibular, apôs a remoçâo da mentoneira o crescimento da mandíbula volta a se comportar como em grupos controles sem tratamento, denotando que a genética retoma a batuta que rege a melodia do crescimento. A exceçâo é constatada se a mentoneira for utilizada até o final do crescimento, quan- do haverá diferença em relaçâo ao grupo controle. Atualmente, acredita-se que o genoma expressa-se pri- mariamente ñas atividades neuromusculares e em menor grau ñas cartilagens^'. O crescimento sutural seria apenas responsivo ao comando proveniente dos músculos e car- tilagens. Por esse motivo, a manipulaçâo ortopédica da mandíbula ainda é mais restrita do que a influencia dos aparelhos sobre a maxila. Muitos poderiam atribuir essa diferença apenas ao crescimento sutural intramembrano- so da maxila versus o crescimento condilar endocondral da mandíbula. Porém, considerando-se a importancia da musculatura no crescimento facial, é mais provável que forças ortopédicas devem sobrepujar a musculatura masti- gatória, um fator restritivo significativamente mais envolvi- do na mandíbula do que na maxila^*. Diferentemente das bases apicais, a regiáo dentoalveo- lar mostra-se muito vulnerável a influencias ambientáis^*. A incompetencia labial, os hábitos de sucçio e a respiraçao bucal podem agravar o trespasse horizontal na má oclusáo Rev Clin Ortod Dental Près-.. 2010 abr-maio:9(2):77-97 S8 DOMINIO CONEXO Etiologia das más oclusöes: perspectiva clínica (Parte I) — fatows genéticos Figura 6A - 6J Tratamento da má oclusào de Classe II com aparelho ortopédico funcional (associado ao aparelho extrabucal cervical). O tratamento foi eficaz em corrigir a má oclu- sào de Classe II. No entanto, na análise facial, nâo ocorreu mudança significativa na expres- sâo da mandíbula no sentido anteroposterior (A - E: fotografias iniciáis; F - J: fotografias fináis). 86 Rev Clin Ortod Dental Press. 2010 abr-maio;9(2):77-97 ' ' I ' Garib DG. Silva Filho OG. Janson G iyura 6K - 6O Cinco anos após a finalizaçâo do tratamento. de Classe II, divisâo 1, ao ocasionar uma inclinaçâo adicio- nal dos incisivos superiores para vestibular e, no caso do hábito de sucçâo de dedo, uma retroinclinaçâo dos incisi- vos inferiores. Crianças com hábitos de sucçâo prolongada mostram prevalência suavemente aumentada de má oclu- sao de Classe II, comparada à de crianças sem hábitos^". No entanto, a influencia dos hábitos parece restringir-se à regiâo dentoalveolar, uma vez que a prevalência de Pa- drâo esquelético II nâo difere entre pacientes com e sem hábito prolongado de sucçâo de dedo e chupeta^°. A pró- pria possibilidade de realizar compensaçôes dentarias nas más oclusoes esqueléticas representa prova irrefutável da grande vulnerabilidade da regiâo dentoalveolar a fatores ambientáis (Fig. 7). O ortodontista pode alterar de manei- ra previsível a morfología dentoalveolar por meío da movi- mentaçâo dentaría índuzida ou mesmo por meío de apare-lhos ortopédicos. A distinçâo entre o comportamento das bases ósseas e da regiâo dentoalveolar, descrita nesse tópi- co, elucida de forma realista as possibilidades e limitacóes da especialidade inaugurada por Edward H. Angle. As Discrepancias Oente-Osso A dimensâo e, ocasionalmente, a morfologia das bases maxilares seguem predominantemente um comando gené- tico. Estudos em gémeos demonstraram que o tamanho das coroas dentarias também se mostra fortemente determinado pela genética -̂*. Se os tamanhos dos dentés e dos maxila- res mostram-se subservientes ao genoma, as discrepancias dente-osso, incluindo o apinhamento e o espaçamento den- tario (Fig. 8), sofrem grande influencia genética. Num estudo clássico, Lundstrom" observou um elevado grau de concor- dancia entre gêmeos homozigóticos para o apinhamento e para o espaçamento dentario. As características quantitativas como as dimensóes den- tarias e o comprimento das bases ósseas seguem uma he- rança poligênica '̂''̂ ^. Portanto, é errónea a noçâo de que pacientes com apinhamento dos incisivos permanentes her- daram "dentés grandes" dos pais e "maxilares pequeños da mâe". Na realidade, o tamanho dos dentés é determinado por uma miríade de genes provenientes do pai e da mâe, Rev Clin Ortod Dental Piess. 2010 abr-maio;9(2):77.97 87 DOMINIO CONEXO Etiotogia das más oclusoes: perspectiva clínica (Parte I) — fatorvs ger>éticos 88 ess. 2010 abr-rtiaio;9(2):77-97 ' ' Garib DG. Silva Filho OG. Janson G Figura 7 Tratamento ortodóntico compensa- torio da má odusâo de Classe III com elásticos intermaxilares. Nota-se que a má oclusao foi corrigida, com manutençâo das caracteristicas faciais origináis do padrâo esquelético III (A - F: fotografias iniciáis; G - M: fotografias fináis). Frjurj 8 Discrepancia dente-osso, apinhamen- to (A) e espaçamento (B) apresentam etiologia eminentemente genética. assim como o tamanho dos maxilares. Dado o caráter ge- nético do apinhamento e do espaçamento, essas caracte- rísticas oclusais nâo sâo passiveis de prevençào, podendo apenas ser corrigidas. No apinhamento genético, o tratamento é voltado para a reduçâo da massa dentaria^'. A proposta é compatibilizar a massa dentaria com o perímetro do arco alveolar. A morfolo- gia dos arcos alveolares, portanto, é considerada normal. No entanto, o apinhamento pode apresentar caráter ambientaP .̂ Nesse caso, a irregularidade dos dentés reflete uma discre- pancia entre a massa dentaria e a morfologia dos arcos al- veolares. A atresia das arcadas dentarias está acarretando a irregularidade na disposiçâo dos dentés ao longo do rebordo alveolar (Fig. 9). Q tratamento indicado, ao contrario do api- nhamento genético, é a mecánica transversal para expansâo dos arcos alveolares^ .̂ Q apinhamento ambiental pode se rela- cionar com a perda précoce de dentés deciduos ou de dentés permanentes^''^ (Fig. 9). Nesses casos, o apinhamento pode ser prevenido com a utilizaçâo dos mantenedores de espaço. Em sintese, o apinhamento pode ter caráter genético ou am- biental e isso interfere no planejamento ortodóntico. Aqui cabe a discussao sobre um diastema muito especí- fico, aquele localizado entre os incisivos centrais superiores na dentadura permanente, e sua relaçâo com o freio labial. Q freio labial superior consiste em um cordâo de tecido fibroso, com formato triangular No recém-nascido, o freio estende- se desde o labio superior até a papila incisiva, cruzando e sulcando o rebordo alveolar Durante o desenvoivimento da oclusao, a inserçâo fibrosa do freio assume uma nova posi- çâo, próxima ao limite mucogengival por vestibular. Essa alte- raçâo mostra-se gradativa e relaciona-se ao desenvolvimen- to vertical do rebordo alveolar e à compressâo ocasionada pela erupçâo dos dentés anterossuperiores" .̂ Nas dentadu- ras decidua e mista, o diastema interincisivos centrais pode representar característica normal e fisiológica. Ao adentrar na dentadura permanente, esse diastema é eliminado, em condiçôes de normalidade, pela influencia da erupçâo dos incisivos laterais e caninos superiores. No entanto, em uma pequeña porcentagem da populaçào, o diastema interincisi- vos centrais permanece na dentadura permanente completa e pode ser explicado tanto por fatores genéticos como am- bientáis, tais como: agenesia (Fig. 10A) ou microdontia (Fig. 10B) dos incisivos laterais superiores; discrepancia dente-osso positiva (Fig. IOC); presença de supranumerários mesiodens e protrusâo dentaria provocada por hábitos de sucçâo^ (Fig. 10D). Com a manutençâo do diastema devido a qualquer um dos fatores etiológicos listados, o freio labial superior pode manter-se inserido inferiormente, dificultando a identificaçâo da real participaçâo da inserçâo fibrosa na persistencia desse espaço interdentário. Surge, entao, a discussao semelhante à do ovo e da galinha: quem veio primeiro? Atentando à fisio- logia normal do freio labial, tudo indica que o freio represen- te a consequência, e nào a causa, do diastema interincisivos centrais superiores. Poderíamos culpar o freio pela persis- tencia do diastema interincisivos centrais superiores apenas diante da ausencia das demais causas reconhecidas. Rev Clin Ortod Dental Prpss. 2010 abr-nnaio;9(2):77-97 •9 DOMINIO CONEXO Etiologia das más oclusóes; perspectiva clínica (Parte I) — fatores genéticos Figura 9 Apinhamamento dentario de caráter ambiental: A - E) na regiäo dos incisivos superiores, em um paciente com atresia maxilar ocasionada por hábitos bucais deletérios; F - J) na regiáo posterior, ocasionado pela perda précoce de dentés deciduos. As Anomalías Dentarias Diversas investigaçôes sugeriram uma base genética e hereditaria na etiologia de anomalias dentarias de número, tamanho, posiçao e época de desenvolvimento''"''''"''^'''''^'. Tais evidencias provém de estudos em familias, em géme- os monozigôticos e da observaçao de fréquentes associa- çôes entre as anomalias dentarias. Certas anomalias denta- rias aparecem frequentemente associadas em um mesmo paciente, mais do que se esperaria ao acaso. Isso se ex- plica porque um mesmo defeito genético pode originar diferentes manifestaçôes ou fenotipos, incluindo agenesias, microdontias, ectopias e atraso no desenvolvimento. De uma maneira simplista, poderíamos dizer que um gene "de- feituoso" ou mutante pode se expressar diversamente em diferentes dentés permanentes. Vale aqui a teoría do gene pleiotrôpico, aquele responsável por mais de uma caracte- rística morfológica e/ou funcional. Dessa maneira, um pa- ciente que demonstra uma determinada anomalia dentaria, como a agenesia ou a microdontia, apresenta mais chances de desenvolver outras anomalias dentarias no transcorrer do desenvolvimento da oclusâo'. 90 . 2010abr-maio;9(2):77-97 ^ T Gwib DG. Silva Filho OG. Janson G Figura 10 O diastema interincisivos centrais su- periores na dentadura permanente represen- ta irregularidade e pode ser ocasionado por: A) agenesia dos incisivos laterais superiores; B) microdontia dos incisivos laterais superiores; C) discrepancia dente-osso positiva com diaste- mas generalizados em ambas as arcadas; D) há- bito persistente de sucçâo nao-nutritiva. Grahnen'^ conduziu um estudo em crianças com agene- sias dentarias e verificou que 50% dos irmâos e parentes tam- bém possuiam agenesias, uma alta prevalência comparada â frequéncia esperada para a populaçâo em geral. Um estudo com gêmeos achou uma alta concordancia para a agenesia dentaria entre pares de gêmeos homozigóticos, enquanto os pares de gêmeos heterozigóticos eram discordantes^'. A genética molecular revelou mutaçôes nos genes MSX1, PAX9, AXIN2 e EDA em familias cujos membros apresentavam múltiplas agenesias dentarias". Os genes homeobox apre- sentam particular influencia sobre o desenvolvimento den- tario e, portanto, sobre a Ortodontia. Os genes homeobox músculo-específico MSX-1 e MSX-2 parecem estar envolvidos na interaçâo epitélio-mesênquima, influenciam o desenvolvi- mento craniofacial e, principalmente, a iniciaçâo, a posiçâo e o desenvolvimento dos germesdentarios. O gene homeobox músculo-específico (MSX1) apresenta forte expressâo no me- sênquima dentario ñas fases da odontogênese de iniciaçâo, casquete e campânula^ .̂ O bloqueio do gene MSX1 ocasiona, entre outros defeitos, uma falha completa no desenvolvimen- to dentario no estágio de iniciaçâo do germe". Segundo as Leis Evolucionistas de Danwin, fatores am- bientáis particulares garantem a permanencia dos genes mais favoráveis, determinando uma seleçâo natural. No caso da agenesia dentaria, a diminuiçâo do número de dentés nâo compromete a sobrevivencia da especie humana diante do atual tipo de dieta. Isso favorece que esses genes mutantes sejam transmitidos aos descendentes, perpetuando o fenoti- po da agenesia dentaria de geraçâo a geraçâo. A microdontia, o atraso eruptivo e alguns tipos de ecto- pia parecem representar uma expressâo parcial dos mesmos genes que determinam a agenesia dentaria, uma vez que a prevalência dessas anomalias mostra-se aumentada em pa- cientes com agenesias'''. Demonstrou-se que a agenesia e a reduçâo do tama- nho dos dentés sâo, de fato, controladas pelos mesmos loci genéticos ou por loci genéticos relacionados^^ A associaçâo entre a agenesia unilateral do incisivo lateral superior e a microdontia do incisivo contralateral, fre- quentemente observada na rotina clinica, constitui uma clássica exemplificaçâo. Aproximadamente 20% dos pa- cientes com agenesia de segundos pré-molares também apresentam microdontia dos incisivos laterais superiores' (Fig. 11). Em regra, pacientes com agenesia costumam mostrar uma reduçâo generalizada no tamanho dentario e, diante de agenesias múltiplas, a reduçâo do tamanho dentario é ainda mais marcante'". O atraso no desenvolvimento dentario, traduzido por uma marcante assincronia entre a idade cronológica e a idade den- taria, parece representar outra expressâo fenotipica do mesmo genotipo que define as agenesias dentarias. Pacientes com age- nesias geralmente alcançam a maturidade oclusal mais tardia- mente. Os segundos pré-molares, específicamente, podem mos- trar atrasos eruptivos acentuados em pacientes com agenesia'. Ademáis, reconhece-se o papel da genética na etiologia de determinadas ectopias dentarias, como as transposiçoes dentarias entre canino e primeiro pré-molar superior, canino e incisivo lateral inferior, retençâo dos caninos superiores por palatino e erupçâo ectópica dos primeiros molares superio- res (Fig. 12). Tais ectopias mostram uma prevalência aumen- tada na familia de pacientes afetados e frequentemente se associam com as agenesias dentarias**. Rev Clin Ortod Dental Prpss. 2010 abr-maio;9(2):77-97 91 DOMINIO CONEXO Etiologia das más oclusöes: perspectiva clinica (Parte I) — fatores genéticos Os dentes supranumerários também parecem ser genéti- camente determinados. Essa anomalia encontra-se frequen- temente presente em pais e irmâos de pacientes portado- res, apesar da herança nâo seguir um padrâo mendeliano simples^'. Evidencias verificadas em gêmeos com supranu- merários também sustentam essa hipótese^ .̂ No entanto, é importante ressaltar que as agenesias dentarias e os su- pranumerários apresentam uma origem genética distinta ou independente, uma vez que nâo se verifica associacóes fré- quentes entre essas anomalias'. Esse fato apresenta coerên- cia, considerando-se que a agenesia dentaria constituí uma anomalia hípoplasíante — contrariamente aos supranumerá- rios, que representam anomalias hiperplasiantes. I Os dentes supranumerários tornam-se particularmente preocupantes para o ortodontista quando funcionam como obstáculo para a erupçâo dos dentes numerarios. O movi- mento dentario em pacientes com indicaçâo de tratamento ortodóntico pode também ser impedido pela presença de dentes supranumerários nao-irrompidos (Fig. 13A). Quando conseguem irromper na arcada dentaria, os supranumerários tendem a criar uma discrepancia dente-osso negativa e um comprometimento estético (Fig. 13B). r lanra 11 Radiografia panorámica ilustrando a associaçâo entre a agenesia de segundos pré- molares e a microdontia dos incisivos laterais superiores. i-'V''; 12 Ectopias dentarias de caráter genético: A) canino superior deslocado para palatino (23) e distoangulaçâo do segundo pré-molar inferior (35); B) transposiçâo entre canino e primeiro pré- molar superior (lado direito); C) erupçâo ectópica do incisivo lateral inferior (lado direito); D) erupçâo ectópica do primeiro molar superior esquerdo. Fiiiiji,-, 13 Dentes supranumerários: retido (A) e irrompido na arcada dentaria (B). 92 . Dental Press. 2010 abr-nnaio;9(2);77-97 Garib DG. Silva Fitho OG. Janson G Infraoclusâo de molares deciduos A infraoclusâo retrata a condiçâo clínica em que um dente, a qualquer momento durante ou depois da sua completa erup- çâo, nâo consegue manter sua altura no piano oclusal, distan- ciando-se paulatinamente dos dentés antagonistas e posicio- nando-se apicalmente em relaçâo aos dentés contiguos. Essa alteraçâo no nivel oclusal constitui traço revelador da anquilose, processo no qual ocorre o sumiço do ligamento periodontal devido à fusâo do cemento e/ou dentina com o osso alveolar, deixando o dente em questâo parausado enquanto os demais dentés emergem junto com o osso alveolar em direçâo oclusal, como parte do processo continuo de erupçâo. Em sintese, o dente conserva o nivel oclusal de antes da anquilose, enquanto os outros dentés acompanham o crescimento alveolar vertical normal. A inercia provocada pela anquilose explica o caráter progressivo da infraoclusâo". A infraoclusâo dos molares deci- duos acomete aproximadamente 8,9% das crianças". Uma sequência de evidencias reforça a influencia da genéti- ca na determinaçâo da infraoclusâo de molares deciduos. Kurol" verificou que a prevaléncia da infraoclusâo mostra-se bastante aumentada em irmâos de pacientes afetados, de modo que a prevalência dessa irregularidade alcança quase 20%, ou seja, o dobro do esperado para a populaçâo em geral. Constatou-se, ainda, a associaçâo na ocorrência da infraoclusâo de molares deciduos com outras anomalias dentarias, como a erupçâo ec- tópica dos primeiros molares permanentes superiores, erupçâo ectópica dos caninos permanentes superiores e com a agenesia de segundos pré-molares^. Pacientes com infraoclusâo de mola- res deciduos apresentam uma prevalência significativamente au- mentada de agenesia de segundos pré-molares (14%), incisivo lateral conoide (13%), erupçâo ectópica dos primeiros molares permanentes (18%) e ectopia dos caninos superiores para pa- latino (14%)̂ . Além disso, verificou-se que pacientes seleciona- dos por uma dessas anomalias dentarias também apresentam prevaléncia aumentada de infraoclusâo de molares deciduos*. Garib, Peck e Gomes' verificaram que 25% dos pacientes com agenesia de segundos pré-molares apresentaram infraoclusâo dos molares deciduos. Essa prevaléncia mostrou-se significati- vamente aumentada em relaçâo ao esperado para a populaçâo em geral (8,9%). Isso quer dizer que pacientes com agenesia de segundos pré-molares apresentam tres vezes mais risco de desenvolver a infraoclusâo do que o restante da populaçâo em geral. Finalmente, Helpin e Duncan'** verificaram um alto indice de concordancia para a infraoclusâo em pares de gêmeos ho- mozigóticos (Fig. 14). Rev Ciin Ortod Dental Press. 2010 abr-nnaio:9(2):77-97 DOMINIO CONEXO Etiologia das más odusöes: perspectiva clínica (Parte 1} — fatores genéticos Figura 14 Gêmeas homozigóticas apresentando infraoclusào dos molares deciduos, bilateralmente, em ambas as arcadas dentarias. 94 .2010abr-maio;9(2):77-97 Garib DG, Si^a Filho OG, Janson G Anomalias Craniofaciais As anomalias craniofaciais com base genética sâo ocasio- nadas por alteraçôes cromossômicas, monogénicas ou po- ligênicas. As anomalias de origem cromossômica sâo bem representadas pela Síndrome de Down, ocasionada pela tris- somia do cromossomo 21. Isso significa que o paciente com Síndrome de Down apresenta 47 cromossomos, em vez de 46.Como exemplos de anomalias craniofaciais monogénicas de intéresse para o ortodontista, destacam-se a disostose cleidocraniana e a displasia ectodérmica, ocasionadas pela mutaçâo de um único par de genes. Algumas síndromes sâo determinadas pela mutaçâo de um gene pleiotrôpico, gene responsável por mais de uma característica morfológica e/ou funcional. Como esse gene influencia diversas características, a sua mutaçâo, apesar de produzir um efeito ou modifica- çâo simples em nivel molecular, quase sempre resulta numa sequéncia de anormalidades genéticas. Outras anomalias, como por exemplo as fissuras labiopalatinas, representam malformaçôes craniofaciais de origem poligénica, um grupo de genes atuando para determinar o fenotipo, interagindo com fatores ambientáis. Por isso sua etiologia é considerada multifatorial, isso é: uma congregaçâo de genes com intera- çôes ambientáis determina o fenotipo fi A disostose cleidocraniana consiste numa anomalia rara asso- ciada com agenesia ou hipoplasia clavicular, fechamento tardio das fontanelas cranianas, presença de múltiplos dentes supranu- merários, atraso indeterminado na esfoliaçâo dos dentes deci- duos e retençâo de dentes permanentes (Fig. 15). A prevaléncia da disostose cleidocraniana equivale a uma em um milhâo, sem predileçâo por género ou grupo étnico. Essa desordem é oca- sionada pela mutaçâo no gene CBFA1, localizado no braco curto do cromossomo 6p21^^ Diante desse defeito génico, define-se uma deficiencia na troca de informaçôes entre o periôsteo e os condrôcitos, essencial para a formaçao óssea endocondraP^. A displasia ectodérmica representa uma desordem hetero- génea com muitos tipos clínicamente distintos, e caracteriza-se pela triade hipotricose (pouco cábelo), hipohidrataçào (falta de glándulas sudoríparas) e hipodontia (reduzido número de den- tes). A hipodontia na displasia ectodérmica varia desde poucos dentes ausentes até a completa anodontia; e a forma e o tama- nho dentario também podem ser afetados^. A displasia ectodér- mica apresenta etiologia genética e pode advir de mutaçôes nos genes EDA, EDAR ou EDARADD. No que se refere á etiologia das fissuras labiopalatinas, tanto o background genético quanto as influencias ambientáis mos- tram-se expressivos. Portanto, essa anomalia craniofacial merece- rá uma discussâo especial na parte III dessa sequéncia de artigos. Rev Clin Ortod Dental Press. 2010abr-maio;9(2):77-97 98 Etiología das más oclusôes: perspectiva clínica (Parte 1} — fatores genéticos Figura 1 5 Paciente do género masculino, sete anos de idade. com disostose cleidocraniana. 96 Rev Clin Ortod Dental Press. 2010 abr-maio;9(2):77-97 Garib DG. Silva Filho OG, Janson G REFERENCIAS 1. Aelbers CM, Dermaut LR. Orthopedics in orthodontics: Part 1, Fiction or reality - a review of the literature. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1996 Nov;110(5):513-9. 2. Almeida RR, Garih tXj, Almeida-Pedrin RR, Almeida MR, Pinzan A, Junqueira MHZ. Diastema interincisivos centrais superiores: quando e como intervir? Rev Dental Press Ortod Ortop Facial. 2ÍXH maio-jun;9(3):137-56. 3. Angle EH. Treatment of malocclusion of the teeth. Philadelphia: SS White Dental Manufacturinfi; 1907. 4. Bjork A, Skieller V. Normal and abnormal growth of the mandible. A synthesis of longitudinal cephalometric implant studies over a period of 25 years. 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Octavio Pinheiro Brisóla 9-75 - 17.012-901 - Bauru/SP E-mail: dgarib@uol.com.br Rev Clin Ort 2010abr-maio;9(2):77-97 97 Copyright of Revista Clínica de Ortodontia Dental Press is the property of Dental Press International and its content may not be copied or emailed to multiple sites or posted to a listserv without the copyright holder's express written permission. However, users may print, download, or email articles for individual use.
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