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Autoras: Profa. Cristina Maria Franzini Profa. Luana Cardoso de Oliveira Profa. Marina de Freitas Silva Profa. Michele Georges Issa Colaboradores: Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Farmacotécnica Especial Professoras conteudistas: Cristina Maria Franzini / Luana Cardoso de Oliveira / Marina de Freitas Silva / Michele Georges Issa Cristina Maria Franzini Possui graduação em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Ciências Biológicas de Araras (1994), especialização em Farmácia Hospitalar pelo Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (1995), habilitação em Farmácia Industrial pela Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp (1996), mestrado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2006) e doutorado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2010), na área de tecnologia farmacêutica com ênfase em farmacotecnia e desenvolvimento farmacotécnico. Também tem especialização em Farmácia Estética pela Uniararas – FHO (2018). Luana Cardoso de Oliveira É farmacêutica-bioquímica com graduação pela Universidade Estadual Paulista – Unesp (1999), mestre em Ciências Farmacêuticas pela Unesp (2006), especialista em manipulação magistral alopática pela Anfarmag e especialista em gestão da assistência farmacêutica pela UFSC. Atualmente, é docente na Universidade Paulista – UNIP e farmacêutica atuante na atenção básica da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Marina de Freitas Silva É farmacêutica-bioquímica com graduação pela FCFRP-USP (2005). Mestre (2009) e doutora (2014) em Ciências pelo programa de Fármaco e Medicamentos da FCF-USP com ênfase em Biofarmácia e Farmacotécnica. Atualmente, é docente do curso de graduação em Farmácia e pós-graduação em Farmácia Clínica na UNIP; docente do programa de pós-graduação do Instituto Racine e analista de Bioequivalência na Hypera. Michele Georges Issa É farmacêutica (2007), mestre (2011) e doutora (2016) pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), com estágio na University of East Anglia, Reino Unido. Foi analista de desenvolvimento na Libbs Farmacêutica e atualmente é pós-doutoranda na FCF-USP trabalhando em projetos de pesquisa no Laboratório de Desenvolvimento e Inovação Farmacotécnica (Deinfar). Desde 2010, atua como professora na Universidade Paulista e desde 2020 como professora colaboradora na FCF-USP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F837f Franzini, Cristina Maria. Farmacotécnica Especial / Cristina Maria Franzini, Luana Cardoso de Oliveira, Marina de Freitas Silva, Michele Georges Issa. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Suspensões. 2. Bases. 3. Preparos. I. Franzini, Cristina Maria. II. Oliveira, Luana Cardoso de. III. Silva, Marina de Freitas. IV. Issa, Michele Georges. V. Título. CDU 615.014 U514.49 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vera Saad Willians Calazans Sumário Farmacotécnica Especial APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 ELIXIRES .............................................................................................................................................................. 11 1.1 Características ....................................................................................................................................... 12 1.2 Importância ............................................................................................................................................ 13 1.3 Componentes ......................................................................................................................................... 14 1.4 Tipos de elixir ......................................................................................................................................... 14 1.4.1 Elixir não medicamentoso ................................................................................................................... 14 1.4.2 Elixir medicamentoso ............................................................................................................................ 15 1.5 Técnicas de preparação ...................................................................................................................... 17 1.6 Estabilidade ............................................................................................................................................. 17 1.7 Acondicionamento .............................................................................................................................. 18 2 XAROPES ........................................................................................................................................................... 18 2.1 Características ....................................................................................................................................... 19 2.2 Componentes ......................................................................................................................................... 19 2.3 Tipos de xarope...................................................................................................................................... 20 2.3.1 Xarope não medicamentoso .............................................................................................................. 20 2.3.2 Xarope medicamentoso........................................................................................................................ 22 2.3.3 Xarope dietético ...................................................................................................................................... 22 2.4 Importância ............................................................................................................................................ 25 2.5 Técnicas de preparação ...................................................................................................................... 25 2.5.1 Dissolução dos componentes por agitação (a frio) .................................................................. 25 2.5.2 Dissolução dos componentes com o auxílio de calor .............................................................. 25 2.5.3 Adição de sacarose em uma solução medicamentosa ou líquido favorizado ............... 26 2.5.4 Percolaçãoda fonte de substância ativa ou da sacarose ....................................................... 27 2.6 Alterações nos xaropes....................................................................................................................... 27 2.7 Processos de fabricação visando atendimento às exigências microbiológicas ........... 28 2.8 Acondicionamento .............................................................................................................................. 28 2.9 Cálculos farmacotécnicos em xarope .......................................................................................... 29 3 SUSPENSÕES ..................................................................................................................................................... 32 3.1 Tipos de suspensão .............................................................................................................................. 35 3.1.1 Suspensões orais ..................................................................................................................................... 36 3.1.2 Suspensões tópicas ................................................................................................................................ 36 3.1.3 Suspensões injetáveis ............................................................................................................................ 36 3.1.4 Suspensões oftálmicas .......................................................................................................................... 36 3.1.5 Suspensões nasais .................................................................................................................................. 36 3.1.6 Suspensões auriculares ......................................................................................................................... 37 3.1.7 Suspensões retais .................................................................................................................................... 37 3.2 Fatores relacionados com a qualidade das suspensões ........................................................ 37 3.2.1 Molhabilidade e ângulo de contato ................................................................................................ 37 3.2.2 Energia livre do sistema (df) ............................................................................................................... 38 3.2.3 Crescimento dos cristais ...................................................................................................................... 38 3.2.4 Sedimentação e redispersibilidade ................................................................................................. 39 3.2.5 Reologia da fase dispersante ............................................................................................................. 43 3.3 Componentes das suspensões ....................................................................................................... 44 3.3.1 Fármaco ...................................................................................................................................................... 44 3.3.2 Veículo ......................................................................................................................................................... 46 3.3.3 Excipientes ................................................................................................................................................. 46 3.4 Estabilidade física das suspensões ............................................................................................... 51 3.5 Processos produtivos e equipamentos ........................................................................................ 51 3.6 Acondicionamento .............................................................................................................................. 55 3.7 Formulário das suspensões ............................................................................................................... 56 4 EMULSÕES .......................................................................................................................................................... 58 4.1 Vantagens e desvantagens do uso de emulsões ..................................................................... 59 4.2 Componentes das emulsões ............................................................................................................ 60 4.2.1 Fase aquosa ............................................................................................................................................... 60 4.2.2 Fase oleosa ................................................................................................................................................. 61 4.2.3 Tensoativos ................................................................................................................................................ 61 4.3 Tipos de emulsão ................................................................................................................................. 68 4.3.1 Emulsão de óleo em água ................................................................................................................... 69 4.3.2 Emulsões de água em óleo ................................................................................................................. 69 4.3.3 Emulsões múltiplas ................................................................................................................................ 69 4.4 Teorias da emulsificação ................................................................................................................... 71 4.4.1 Teoria da tensão interfacial ................................................................................................................ 71 4.4.2 Teoria da cunha orientada .................................................................................................................. 71 4.4.3 Teoria do filme interfacial ................................................................................................................... 71 4.5 Técnica de emulsificação ................................................................................................................... 71 4.6 Estabilidade de emulsões ................................................................................................................. 72 4.6.1 Instabilidade física nas emulsões ..................................................................................................... 72 4.6.2 Fatores que afetam a estabilidade ................................................................................................... 74 4.6.3 Estabilização de emulsões ................................................................................................................... 75 4.7 Sistema EHL: cálculos para preparo de emulsões estáveis .................................................. 76 4.7.1 Determinação do EHL da emulsão ................................................................................................... 77 Unidade II 5 POMADAS, CREMES, PASTAS E GÉIS ....................................................................................................... 86 5.1 Pomadas ................................................................................................................................................... 86 5.1.1 Vias de administração ........................................................................................................................... 87 5.1.2 Classificação .............................................................................................................................................. 87 5.1.3 Obtenção ....................................................................................................................................................92 5.1.4 Acondicionamento ................................................................................................................................. 93 5.1.5 Requisitos de qualidade ....................................................................................................................... 94 5.2 Cremes ...................................................................................................................................................... 95 5.2.1 Agentes de consistência....................................................................................................................... 95 5.2.2 Emolientes ................................................................................................................................................. 98 5.2.3 Ceras autoemulsionantes .................................................................................................................... 98 5.3 Pastas ........................................................................................................................................................ 99 5.3.1 Classificação .............................................................................................................................................. 99 5.3.2 Métodos de preparo.............................................................................................................................101 5.4 Géis ...........................................................................................................................................................103 5.4.1 Vias de administração .........................................................................................................................103 5.4.2 Classificação dos géis ..........................................................................................................................106 5.4.3 Composição .............................................................................................................................................109 5.4.4 Preparo de géis ...................................................................................................................................... 113 6 SUPOSITÓRIOS E ÓVULOS ..........................................................................................................................114 6.1 Vantagens e desvantagens .............................................................................................................114 6.2 Supositórios ..........................................................................................................................................115 6.3 Óvulos .....................................................................................................................................................116 6.4 Excipientes utilizados ......................................................................................................................117 6.4.1 Bases lipossolúveis ...............................................................................................................................117 6.4.2 Bases hidrossolúveis ............................................................................................................................ 118 6.4.3 Bases emulsificadas .............................................................................................................................119 6.4.4 Adjuvantes .............................................................................................................................................. 120 6.5 Preparação ............................................................................................................................................120 6.5.1 Moldagem por fusão .......................................................................................................................... 120 6.5.2 Compressão ......................................................................................................................................... 125 6.5.3 Moldagem manual e rolamento .................................................................................................... 125 6.6 Cálculos empregados no preparo de supositórios e óvulos ..............................................125 6.6.1 Método por fator de deslocamento (fd) .................................................................................... 125 6.7 Exemplos de formulações ...............................................................................................................127 6.7.1 Peso médio (limite farmacopeico de variação) ........................................................................ 128 Unidade III 7 PÓS ......................................................................................................................................................................134 7.1 Vantagens ..............................................................................................................................................134 7.2 Desvantagens .......................................................................................................................................135 7.3 Vias de administração ......................................................................................................................135 7.3.1 Oral ............................................................................................................................................................ 135 7.3.2 Parenteral ................................................................................................................................................ 136 7.3.3 Cutânea .................................................................................................................................................... 137 7.3.4 Pulmonar ............................................................................................................................................... 137 7.4 Classificação .........................................................................................................................................140 8 PÓS: ASPECTOS TÉCNICOS .........................................................................................................................140 8.1 Preparo de pós .....................................................................................................................................140 8.1.1 Redução do tamanho de partícula ............................................................................................... 140 8.1.2 Tamisação ................................................................................................................................................ 146 8.1.3 Mistura ..................................................................................................................................................... 149 8.2 Características dos pós que podem afetar a produção, estabilidade e efeito do medicamento ........................................................................................................................................157 8.2.1 Higroscopia ............................................................................................................................................. 157 8.2.2 Deliquescência ...................................................................................................................................... 157 8.2.3 Eflorescência .......................................................................................................................................... 158 8.2.4 Mistura eutética ................................................................................................................................... 158 8.3 Ensaios dos pós ...................................................................................................................................1598.3.1 Determinação do ângulo de repouso .......................................................................................... 159 8.3.2 Determinação da densidade da mistura de pós ...................................................................... 160 8.3.3 Umidade ...................................................................................................................................................161 8.3.4 Granulometria ........................................................................................................................................161 9 APRESENTAÇÃO Prezado aluno, Neste livro-texto de Farmacotécnica Especial buscou-se inserir e sedimentar os conhecimentos sobre as formas farmacêuticas de modo a habilitar o futuro farmacêutico a aplicar os melhores recursos tecnológicos na produção desses medicamentos, introduzindo conceitos básicos sobre as formas farmacêuticas estudadas, cujo objetivo é atingir a máxima estabilidade e qualidade, maior custo-benefício e conveniência ao paciente. Assim, a intenção em cada capítulo é estimular o entendimento das técnicas de preparo, as operações unitárias envolvidas em cada procedimento, os equipamentos utilizados, tanto em processos magistrais quanto industriais. O aprendizado dos conceitos teóricos proporcionará a você, estudante, competências para distinguir as formas farmacêuticas, definir qual é a mais apropriada para uma dada situação/patologia, considerando a molécula de fármaco, sua finalidade, via de administração, recursos necessários à produção, e assim delinear a fórmula do medicamento, a técnica de preparo, o acondicionamento e armazenamento, e uso pelo paciente. Cada forma farmacêutica possui particularidades que podem se apresentar como problemas ou obstáculos para a obtenção do medicamento desejado; assim, o farmacêutico em formação deverá compreender as causas desses problemas e saber lhes propor resoluções, alternativas; para tanto, será estimulado a buscar na literatura relacionada as informações e atualizações necessárias a uma atuação profissional de ponta. Aprofunde seus estudos acessando os links indicados no recurso Saiba mais. Essa é uma maneira prática de expandir a compreensão e ir além. Esperamos que você aproveite este material, elaborado com carinho e dedicação para formar profissionais competentes e sensíveis às necessidades dos pacientes. INTRODUÇÃO Este livro-texto é dedicado ao estudo dos aspectos relacionados à produção e utilização dos três tipos principais de formas farmacêuticas: líquidas, semissólidas e sólidas. O aprendizado de líquidos, mais especificamente de soluções, foi iniciado no livro de Farmacotécnica do curso estudado no semestre anterior, e aqui seguiremos nossos estudos com uma unidade inteira para essa forma farmacêutica tão versátil. Assim, na unidade I teremos quatro capítulos, um para cada tipo específico de medicamento líquido: xarope, elixir, suspensão e emulsão. Xaropes e elixires são tipos de soluções homogêneos e administrados por via oral, com particularidades e aplicações específicas a serem conhecidas. 10 Muitos fármacos são insolúveis no veículo escolhido, por isso podemos formular essas substâncias em forma de suspensões, que são sistemas dispersos amplamente utilizados, para várias vias de administração, que requerem atenção nas características físico-químicas de fármacos e adjuvantes, e no processo de obtenção para garantir a correta redispersão e administração, sendo esses aspectos destacados no capítulo em questão. O capítulo de emulsões tem grande relevância ao aprendizado do futuro farmacêutico, pois os fundamentos apresentados serão utilizados tanto na área de medicamentos quanto na de cosméticos, sendo seu grande benefício a capacidade de veicular substâncias hidrofílicas e lipofílicas em uma única composição. Na unidade II conheceremos as formas farmacêuticas semissólidas, as quais são destinadas principalmente à obtenção de efeito local, mas que também podem proporcionar efeito sistêmico a depender das características do fármaco, formulação e via de administração. Desse modo, teremos um capítulo para estudar pomadas, incluindo géis, pastas e cremes, que são formulações apropriadas para liberação tópica de fármacos, mas que também podem proporcionar liberação transdérmica, as quais podem ser aplicadas na pele e outras cavidades do corpo. O segundo capítulo da unidade II inicia os estudos de formas farmacêuticas sólidas: trata de supositórios e óvulos. Estas também podem ser classificadas como formas farmacêuticas moldadas. Veremos que os óvulos são especialmente úteis na veiculação de fármacos para obtenção de efeito local, na via vaginal, enquanto supositórios são utilizados principalmente na via retal, para obtenção de efeito tanto local quanto sistêmico. A unidade III continuará no campo de estudo do graduando em Farmácia as formas farmacêuticas sólidas. Iniciaremos essa unidade pelos pós, já que esse tipo de produto pode servir tanto como medicamento quanto como forma intermediária na produção de outros sólidos: granulados, cápsulas, comprimidos. Ao elaborar e produzir medicamentos, é fundamental que os farmacêuticos, especialistas em formulações, considerem as características físico-químicas do fármaco, as técnicas de preparo, as necessidades dos pacientes, a fisiologia da via de administração, entre outros aspectos relacionados. Em cada capítulo, este livro-texto busca ressaltar esses tópicos de grande relevância à formação do acadêmico em Farmácia. Esperamos que tenha sucesso em seus estudos e que este material proporcione aprendizado sólido e possa manter sua curiosidade aguçada nessa área tão cativante da profissão Farmacêutica. 11 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Unidade I Neste livro-texto, retomaremos o estudo das formas farmacêuticas líquidas, e voltaremos a discutir e aprofundar o tema soluções. Mas antes de continuarmos, vamos relembrar alguns aspectos importantes das soluções farmacêuticas. Soluções são definidas como sistemas homogêneos e, por essa razão, o fármaco está uniformemente dissolvido em todas as partes da preparação. Esse sistema pode conter uma ou mais substâncias dissolvidas em um solvente apropriado. Assim, o fármaco está solubilizado e, portanto, teremos doses homogêneas e disponíveis para ser absorvidas, fazendo com que essas formulações apresentem melhor biodisponibilidade quando comparado às demais formas farmacêuticas administradas pela mesma via. Outras vantagens são poder administrar para pacientes com dificuldade de deglutição de formas farmacêuticas sólidas e, adicionalmente, a possibilidade de individualização do tratamento, uma vez que a dose pode ser precisamente ajustada. Ainda, podemos considerar como uma formulação bastante versátil, pois pode ser administrada por uma grande variedade de vias de administração. Entretanto, as soluções apresentam algumas desvantagens, tais como dificuldade em mascarar sabor para a via de administração oral e menor estabilidade físico-química e microbiológica quando comparada às formas farmacêuticas sólidas. Entretanto, alguns fármacos não são solúveis e não poderemos preparar por dissolução simples. Ainda, são formulações volumosas que encarecem e dificultam o transporte e o armazenamento. Por fim, apesar de mais versátil, também está mais susceptível ao erro de tomada de dose por parte do paciente ou do cuidador, especialmente em apresentações multidoses, mas essa limitação pode ser corrigida, por exemplo, com a apresentação em frascos de dose única. Neste capítulo, para encerrar o tema de soluções, abordaremos as formulações elixires e, em seguida, os xaropes. 1 ELIXIRES Segundo a Farmacopeia brasileira (ANVISA, 2019), elixir é uma preparação farmacêutica de uso oral, líquida, límpida, hidroalcoólica, de sabor adocicado e podendo ser flavorizada para tornar, assim, o sabor mais agradável. A figura a seguir demonstra um elixir disponível comercialmente. 12 Unidade IFigura 1 – Foto de elixir comercializado Disponível em: https://bit.ly/31aPqzk. Acesso em: 29 nov. 2021. 1.1 Características São preparações farmacêuticas alcoólicas edulcoradas, sendo que a graduação alcoólica varia bastante, mas geralmente está entre 15 e 50º. Em razão dessa presença quantitativamente significativa de etanol, haverá a inibição de crescimento microbiológico nessa formulação pela simples presença do etanol. Em relação aos edulcorantes empregados, pode ser a própria sacarose, porém em quantidades inferiores às dos xaropes, o que significa que o elixir terá uma baixa viscosidade também comparado ao xarope. Porém, a sacarose não é o único edulcorante que pode ser utilizado, podemos empregar os edulcorantes artificiais como a sacarina ou os gliceróis como o sorbitol. Comparado aos xaropes, essas formulações são menos doces e, consequentemente, são menos eficazes na capacidade de mascarar o sabor desagradável de fármacos. No entanto, por apresentar caráter hidroalcoólico, os elixires são mais adequados para manter os componentes da formulação com solubilidade aquosa limitada em solução, e isso é auxiliado pela presença do etanol em concentrações significativas. Os elixires são preparados para serem administrados em uma ou duas colheres de chá, isto é, 5 ou 10 mL, respectivamente, o que representa normalmente a dose adequada para ser administrada para um adulto. A biodisponibilidade das formulações líquidas, como elixir, apresenta maiores concentrações plasmáticas do que formulações sólidas como comprimidos, conforme demonstrado na figura a seguir. 13 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Comprimido Solução Co nc en tr aç ão sé ric a de d ig ox in a (n g/ m L) 10,0 8,0 6,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,8 0,6 0,4 0,3 0,2 0,1 2 4 8 24 Horas Figura 2 – Concentrações plasmáticas comparativas de digoxina em formas farmacêuticas distintas: elixir (solução) versus comprimido Fonte: Allen Jr., Popovich e Ansel (2013, p. 362). Observação Na prática nem sempre é clara a distinção entre xaropes e elixires, sendo alguns produtos chamados de xaropes, mas contendo uma porcentagem razoável de etanol, enquanto alguns elixires são comercializados com essa denominação, mas não contêm álcool etílico na composição. Entretanto, do ponto de vista farmacotécnico, uma solução somente será designada como elixir quando apresentar etanol em sua fórmula. 1.2 Importância Devido às características de estabilidade e à facilidade de preparação do ponto de vista de manipulação, isto é, dissolução simples, os elixires são preferidos quando comparados aos xaropes. Em relação a essa forma farmacêutica, encontramos flexibilidade na dose e facilidade na administração, quando comparamos com as formas farmacêuticas sólidas. No entanto, por apresentarem altos teores de etanol, não são indicados para serem administrados na pediatria ou para adultos que devam fazer restrição na ingestão alcoólica. 14 Unidade I 1.3 Componentes A quantidade de álcool etílico varia dependendo da formulação e deve ser suficiente para garantir a manutenção de todos os componentes em solução. Geralmente, o álcool é empregado em concentração superior a 15%, podendo chegar até 50%. Sendo que a concentração de etanol acima de 10% é suficiente para ter propriedades antimicrobianas sobre a formulação farmacêutica. Porém, é possível encontrar elixires com teor alcoólico mais baixo, como o elixir de benzaldeído composto da farmacopeia americana (USP, 2012), que contém entre 3 e 5% de etanol, ou elixires de alto teor alcoólico, que podem conter em torno de 70% de álcool etílico, por exemplo elixires utilizados como veículos. Como os componentes individuais dos elixires apresentam características diferentes de solubilidade em água e etanol, a proporção de etanol varia amplamente. O emprego de outros cossolventes como os derivados polióis, entre eles a glicerina, o sorbitol e o propilenoglicol, é uma estratégia interessante para reduzir a concentração do álcool, visto que podem aumentar a solubilidade dos componentes da formulação (substâncias ativas e adjuvantes). Além disso, esses gliceróis apresentam propriedades edulcorantes, além de elevada viscosidade. Vale destacar que, apesar de o etanol ser um excelente solvente, especialmente para compostos lipofílicos e que apresentam baixa solubilidade aquosa (por exemplo, dexametasona, teofilina, fenobarbital, entre outros), o seu uso em soluções de uso interno é mais restrito, em função dos efeitos farmacológicos indesejáveis e tóxicos, principalmente nas formulações de uso pediátrico, e normalmente para esse público são mais indicadas preparações como os xaropes, que serão discutidos amplamente na sequência. Outro aspecto que pode ser relevante é que o álcool etílico por si não é agradável ao paladar e pode ainda acentuar o sabor desagradável de algumas substâncias, como o gosto salgado de brometos e sais similares. Os elixires podem ser edulcorados com sacarose, xarope simples ou edulcorantes artificiais. Para elixires com alto teor alcoólico, os edulcorantes artificiais são mais indicados, uma vez que a sacarose apresenta solubilidade limitada em álcool. Para melhorar as características organolépticas, são adicionados corantes e flavorizantes. Elixires que apresentam teor alcoólico superior a 15% não necessitam de conservantes, uma vez que o álcool, nessas concentrações, assume o papel de conservante. Quando necessários, são adicionados à formulação de elixires, quelantes, antioxidantes e corantes. 1.4 Tipos de elixir Os elixires podem ser divididos em dois tipos: medicamentosos e não medicamentosos. Vejamos a seguir do que se trata cada um deles e exemplos de preparações. 1.4.1 Elixir não medicamentoso Os elixires não medicamentosos não possuem fármaco (insumo ativo) em sua constituição. São empregados como veículo de preparações extemporâneas ou para permitir a diluição de elixires medicamentosos com teores alcoólicos próximos. É importante trabalharmos com concentrações 15 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL alcóolicas próximas, para garantir a manutenção da solubilidade de todos os componentes da formulação nesse processo de diluição do elixir. A seguir verifica-se um exemplo de elixir aromático, empregado como veículo (GENNARO, 2004). Elixir aromático Óleo de laranja 2,4 mL Óleo de limão 0,6 mL Óleo de coentro 0,24 mL Óleo de anis 0,06 mL Xarope 375 mL Talco 30 g Álcool e água purificada q.s.p. 1.000 mL Os óleos essenciais são insolúveis em água, mas solúveis em etanol, então, a dissolução dos óleos em etanol suficiente para 250 mL deve ser realizada previamente. À solução obtida adiciona-se o xarope aos poucos, agitando vigorosamente a cada adição, e, depois, adiciona-se a água da mesma forma. O talco é utilizado para remover gotículas de óleo insolúveis, sendo a solução filtrada posteriormente para remoção desse componente. 1.4.2 Elixir medicamentoso Os elixires medicamentosos apresentam atividade terapêutica, pois contêm fármacos em suas fórmulas e, portanto, representam a forma farmacêutica final, o medicamento pronto para administração. O elixir de fenobarbital, exemplo comumente descrito na literatura, apresenta como veículo e solvente principal, uma mistura de água e etanol e, como cossolvente, uma mistura de polióis (propilenoglicol e sorbitol). O etanol auxilia na solubilização e, nessa concentração (20%), atua como conservante. Para melhorar a palatabilidade, emprega-se flavorizante (óleo de laranja) e corante. Elixir de fenobarbital Fenobarbital 4,00 g Óleo de laranja 0,25 mL Propilenoglicol 100,0 mL Etanol 200,0 mL Solução de sorbitol 600,0 mL Corante q.s. Água purificada q.s.p. 1.000,0 mL Outro exemplo de formulação é o elixir de dexametasona (próxima figura), um anti-inflamatório esteroidal. Nessa formulação a solução de sorbitol é um cossolvente e auxilia na composição edulcorante, juntamente com a sacarina sódica e ciclamato de sódio; o propilenoglicoltambém atua como cossolvente; o corante e o óleo de laranja auxiliam nas características organolépticas, no aspecto visual e como flavorizante, respectivamente; o etanol e a água purificada constituem o veículo hidroalcóolico, sendo o etanol responsável pela função conservante da formulação. 16 Unidade I Elixir de dexametasona (500 mg/5 mL) Dexametasona 10,0 g Óleo de laranja 0,025 mL Propilenoglicol 10,0 mL Etanol 22,0 mL Solução de sorbitol 50,0 mL Sacarina sódica 5,0 g Ciclamato de sódio 0,5 g Corante q.s. Água purificada q.s.p. 100,0 mL Figura 3 – Elixir de dexametasona Nesse último exemplo, apresentamos uma formulação de elixir de paracetamol, um anti-inflamatório não esteroidal. Como excipientes empregados, temos a glicerina, adicionada pela função umectante; o sorbitol 70% é usado como cossolvente, umectante e edulcorante, juntamente com a sacarina sódica; o aroma de cereja é o flavorizante da preparação. Por fim, o etanol e a água purificada formam o veículo hidroalcóolico, sendo o etanol responsável pela função conservante da formulação. Para completar o sistema conservante temos a adição do ácido benzoico. Elixir de paracetamol Paracetamol 0,01 g Etanol 10,0 mL Glicerina 10,0 mL Sorbitol 70% 35,0 mL Sacarina sódica 0,5 g Aroma de cereja q.s. Ácido benzoico 0,10 g Água purificada q.s.p. 100,0 mL 17 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL 1.5 Técnicas de preparação Os elixires podem ser preparados já incorporando o medicamento ou como elixir não medicamentoso. Este último pode ser bastante útil na manipulação de preparações extemporâneas envolvendo: • diluição de um elixir medicamentoso; • adição de um agente terapêutico a um veículo com sabor agradável. Na seleção do veículo, o profissional deve considerar a estabilidade e a solubilidade do fármaco na proporção escolhida de água e etanol. A técnica de preparo de elixires é realizada por agitação até que haja a completa homogeneização. Não empregamos aquecimento nesse processo, pois pode favorecer a evaporação do etanol. Nos elixires, os compostos são solubilizados em água ou etanol, de acordo com as características de solubilidade dos componentes. Na maioria das vezes, começamos a solubilização pelo etanol. A solução aquosa é acrescida à solução alcoólica, de forma que seja mantida a maior concentração de álcool a fim de não comprometer a solubilização de componentes que apresentam solubilidade limitada em água. Quando requisitado, pode-se empregar cossolventes, como polióis, para auxiliar na solubilização de componentes com solubilidade limitada. Ao final do preparo, as soluções devem ser filtradas a fim de remover resíduos e, então, envasadas e rotuladas adequadamente. 1.6 Estabilidade A estabilidade de medicamentos depende de fatores ambientais, como temperatura, umidade, luz, e de outros fatores relacionados ao próprio produto, como propriedades físicas e químicas, de substâncias ativas e excipientes farmacêuticos, forma farmacêutica e sua composição, processo de fabricação, tipo e propriedades dos materiais de embalagens. A estabilidade física aborda essencialmente a integridade da substância ativa e os seus produtos de degradação. Determina as características físicas dos medicamentos, principalmente a solubilidade e biodisponibilidade (eficácia e segurança). No caso dos elixires, as principais preocupações são a formação de produtos de degradação e a precipitação de componentes solúveis, que podem acontecer em função de alterações de temperatura, evaporação do etanol ou a adição de outro fármaco que resulte em perda da estabilidade do fármaco que já estava solubilizado previamente. A estabilidade química refere-se à capacidade do fármaco em manter a identidade molecular e conformação espacial, é a mais importante e de mais fácil avaliação. Os principais fatores são temperatura, umidade, luz e pH. Isso ocorre mais comumente em fármacos em solução do que nas formas farmacêuticas sólidas, isso porque os fármacos solubilizados estão mais expostos a interagir com outros compostos e a perder a identidade molecular e a conformação espacial. Uma forma de prevenir essa instabilidade é o armazenamento sob refrigeração. 18 Unidade I A estabilidade microbiológica refere-se ao controle no crescimento de bactérias, fungos e bolores, que são muito frequentes nas formas farmacêuticas líquidas e semissólidas. E o uso de um conservante ou de um sistema de conservantes tem papel relevante na manutenção de estabilidade. No caso dos elixires, a presença do álcool em concentrações superiores a 10% proporciona boas propriedades de conservação da formulação, mas podem ser combinados com outros conservantes para obtenção de efeito sinérgico. 1.7 Acondicionamento O acondicionamento deve ser feito em recipientes herméticos, resistentes à luz e protegidos do calor. Normalmente, os medicamentos líquidos, incluindo as soluções, são acondicionados em recipientes multidoses que devem garantir a preservação e a dosagem precisa e não são encontrados no mercado em doses individualizadas. A administração de formulações líquidas de uso oral, como os elixires, depende de dispositivos de dosagem, tais como colheres medidoras, copos dosadores, conta-gotas, seringas orais, e pipetas descartáveis. Esses, em geral, devem exibir de modo visível uma escala de medição para facilitar a administração e evitar desvios de dose. Saiba mais Você pode saber mais sobre elixires consultando o livro: ALLEN JR., L. V.; POPOVICH, N. G.; ANSEL, H. C. Formas farmacêuticas e sistemas de liberação de fármacos. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. 2 XAROPES Segundo Prista (2008), os xaropes são definidos como preparações farmacêuticas aquosas, límpidas, que contêm açúcar, como a sacarose, em concentração próxima da sua saturação. Figura 4 – Foto de xarope Disponível em: https://bit.ly/3dB45aa. Acesso em: 9 dez. 2021. 19 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Já o Formulário nacional da farmacopeia brasileira define xarope como a forma farmacêutica aquosa caracterizada pela alta viscosidade, que apresenta não menos que 45% (p/p) de sacarose ou outros açúcares na sua composição (ANVISA, 2012). Na figura anterior podemos observar o aspecto de um xarope. 2.1 Características Os xaropes são preparações aquosas de uso oral compostas de altas concentrações de sacarose (geralmente, 60 a 85%) e se caracterizam por intenso sabor doce, agradável e elevada viscosidade. São soluções que podem ser aromatizadas e coradas. Em função dessas características, são amplamente empregados como veículos de preparações líquidas com finalidade de mascarar o sabor desagradável. No entanto, nem sempre é a forma farmacêutica mais adequada, uma vez que a sacarose diminui a velocidade de esvaziamento gástrico. Além disso, a elevada concentração de soluto e alta viscosidade, conferida pela presença de sacarose, de outros açúcares ou ainda de outros agentes espessantes e edulcorantes na sua composição, diminui as propriedades solubilizantes da água, o que pode ser problemático no preparo de medicamentos com grande teor de fármaco e outros adjuvantes. Lembrete Sendo o xarope uma solução, ao término do preparo e durante todo o prazo de validade, todos os componentes devem estar completamente dissolvidos. Os xaropes geralmente contêm agentes flavorizantes e/ou corantes autorizados. Quando não se destinam ao consumo imediato, devem ser adicionados de conservantes antimicrobianos autorizados. Os xaropes apresentam resistência ao crescimento microbiano em função da indisponibilidade de água na formulação, decorrente das elevadas concentrações de sacarose (60 a 85%), que também promovem um meio hipertônico, desfavorável à viabilidade microbiológica. Nesse sentido, para xaropes que mantenham tais concentrações de sacarose, seria desnecessária a adição de conservantes, apesar da presença de água e açúcar. 2.2 Componentes A maioria dos xaropes é composta pelos seguintes componentes, além do fármaco: sacaroseou algum substituto para que o açúcar possa edulcorar a formulação e, em alguns casos, aumentar a viscosidade dependendo do produto selecionado; conservantes; flavorizantes; corantes; solubilizantes e/ou espessantes. Tem-se procurado impedir o desenvolvimento de microrganismos em xaropes, por serem facilmente alteráveis, incluindo na sua preparação conservantes com propriedades bacteriostáticas, bactericidas, fungistáticas, fungicidas e leveduricidas. 20 Unidade I Para isso, Prista (2008) descreveu algumas das alternativas mais apropriadas para emprego em xaropes e estão apresentadas na sequência: • o-fenilfenol na concentração de 1:15.000; • p-hidroxibenzoato de propilo, conhecido como propilparabeno, na concentração de 1:5.000; • mistura de p-hidroxibenzoatos (parabenos), sendo a mais popular a mistura de metilparabeno com o propilparabeno, em partes iguais, na concentração de 1:7.500. O principal problema relacionado aos parabenos é, sem dúvida, a fraca solubilidade em água, a qual diminui com o aumento do peso molecular, e pode ser solucionada com o preparo a quente ou empregando cossolventes adequados. Podemos ainda encontrar nas composições de xaropes conservantes antimicrobianos como ácido benzoico, benzoato de sódio, ácido sórbico, sorbato de potássio etc. O emprego de cossolventes como polióis, tais como a glicerina, o propilenoglicol e o sorbitol, é usual e tem a finalidade de retardar ou evitar a cristalização da sacarose ou aumentar a solubilidade dos componentes da formulação, visto que a disponibilidade da água para solubilização de outros solutos da formulação é pequena. 2.3 Tipos de xarope Veremos a seguir algumas maneiras pelas quais os xaropes podem ser classificados. 2.3.1 Xarope não medicamentoso Xarope não medicamentoso é aquele que, pelo fato de não apresentar insumo ativo em sua composição, não desempenha atividade terapêutica. Costuma ser utilizado como veículo edulcorado para outras preparações. Observação Xaropes não medicamentosos podem ser utilizados como bases galênicas em farmácias de manipulação, ou seja, os fármacos prescritos podem ser dissolvidos ou dispersos nesse veículo para constituir o medicamento necessário. O xarope designado de xarope simples é um exemplo de xarope não medicamentoso, preparado pela dissolução de 85 g de sacarose em volume suficiente de água purificada para fazer 100 mL de xarope (85% de sacarose). Não requer conservante, desde que empregado logo após o preparo. Porém, se for armazenado, os conservantes devem ser adicionados à preparação. A densidade do xarope 21 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL simples é cerca de 1,30 g/mL. Portanto, cada 100 mL de xarope apresenta uma massa de 130,0 g, isso significa estar próximo da saturação. Porém essa solução não está saturada, o que permite a sua estabilidade física. Se o xarope estivesse completamente saturado com sacarose, poderia ocorrer a cristalização durante o armazenamento. Assim, pode-se dizer que o xarope simples é estável e resistente à cristalização e ao crescimento microbiano. No exemplo a seguir podemos conferir a composição do xarope simples adicionado de conservante (metilparabeno). Xarope simples Sacarose 85,0% Metilparabeno 0,1% Água purificada q.s.p. 100,0 mL O xarope de cacau, ou xarope de chocolate, ou ainda xarope achocolatado, é outra alternativa agradável de veículo edulcorado para uso geral (GENNARO, 2004). Xarope de cacau Cacau 18% Sacarose 60% Glicose líquida 18% Glicerina 5% Cloreto de sódio 0,2% Vanilina 0,02% Benzoato de sódio 0,1% Água purificada q.s.p. 100,0 mL Xaropes de frutas, como cereja, são opções interessantes de xaropes não medicamentosos para mascarar o sabor azedo de algumas substâncias. Já o xarope de alcaçuz, devido ao sabor doce e prolongado do alcaçuz, disfarça bem sabores salgados. A literatura cita ainda outros tipos de xaropes não medicamentosos que podem ser usados para correção de sabor e odor de medicamentos líquidos, inclusive produtos comerciais que são utilizados como veículos edulcorados para preparações orais extemporâneas, como é o caso do PCCA Syrup Vehicle®, PCCA Sweet-SF®, Ora-Sweet® e Ora-Sweet SF®. Ora-Sweet® é uma versão do xarope simples. Contém água purificada, sacarose, glicerina, sorbitol (5%), aromatizante, sorbato de potássio e metilparabeno como conservantes, fosfato de sódio e ácido cítrico como agentes tamponantes (tamponado a um pH de aproximadamente 4,2). Ora-Sweet SF® é um xarope sem açúcar, sem álcool, aromatizado com uma mistura de sabores de frutas cítricas. Contém água, sacarina sódica, goma xantana, glicerina, sorbitol, ácido cítrico e citrato de sódio como tampões (pH de aproximadamente 4,2); metilparabeno, propilparabeno e sorbato de potássio como conservantes e agentes aromatizantes. 22 Unidade I 2.3.2 Xarope medicamentoso Xaropes medicamentosos ou medicinais são aqueles que possuem insumos ativos em sua composição e, portanto, desempenham efeito terapêutico. Como exemplo de xarope medicamentoso podemos citar o xarope de sulfato ferroso, usado no tratamento de anemias (ANVISA, 2012). Ele é preparado com emprego de xarope simples como veículo. A água purificada atua como cossolvente tanto para o fármaco (sulfato ferroso heptaidratato) quanto para o acidulante (ácido cítrico). O aromatizante tem a finalidade de melhorar a palatabilidade. Xarope de sulfato ferroso Sulfato ferroso heptaidratado 4,0 g Ácido cítrico 0,21 g Aromatizante q.s. Água purificada q.s. Xarope simples q.s.p. 100 mL 2.3.3 Xarope dietético Xarope dietético, ou xarope isento de açúcar, ou edulito, é aquele que não contém em sua composição açúcar de elevado poder calórico, como a sacarose, por exemplo. São especialmente indicados para indivíduos que requerem restrição de ingestão de açúcar, como pacientes diabéticos. A sacarose é o açúcar mais comumente empregado para preparar os xaropes, principal veículo das soluções orais, entretanto, este pode ser substituído completamente, ou em parte, por outros açúcares ou substâncias, como os polióis, tais como o sorbitol e a glicerina, que apresentam propriedades edulcorantes, elevada viscosidade, além de serem excelentes cossolventes. Os veículos substitutos dos xaropes devem fornecer as mesmas propriedades do xarope simples, como doçura equivalente, viscosidade e resistência à cristalização e ao crescimento microbiano. Essa estratégia é particularmente importante para a obtenção de soluções adequadas aos pacientes com diabetes ou com intolerância à sacarose. As soluções isentas de açúcares são corriqueiramente conhecidas como xaropes dietéticos, termo este que está estabelecido em algumas literaturas, como no Formulário nacional da farmacopeia brasileira (ANVISA, 2012), mas também podem ser chamadas de xaropes isentos de sacarose. Nesse sentido, as soluções isentas de sacarose são usualmente formuladas com os seguintes componentes: Polióis Entre os polióis utilizados estão a solução de sorbitol (64 a 70%), ou mistura de sorbitol e glicerina, os quais proporcionam sabor doce e viscosidade à preparação. 23 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Edulcorantes Os edulcorantes sintéticos são os preferidos para os xaropes dietéticos, pois apresentam poder adoçante muito superior à sacarose e nenhum valor calórico. A tabela a seguir aponta alguns edulcorantes utilizados em xaropes e a capacidade de adoçar quando comparados à sacarose. Tabela 1 – Poder adoçante de alguns edulcorantes Edulcorante Poder adoçante(número de vezes mais doce que a sacarose) Acessulfame K 200 Aspartame 200 Ciclamato 30 Sacarina 200-700 Sucralose 600 Adaptado de: Whitehouse, Boullata e Mccauley (2008). Modificadores de viscosidade Uma vez que não haverá açúcar em elevada concentração para proporcionar viscosidade, faz-se necessária a adição de substâncias doadoras de viscosidade, como carboximetilcelulose sódica, metilcelulose, hidroxietilcelulose, goma xantana, entre outras. Conservantes Adiminuição acentuada da concentração de edulcorante não propicia um meio hipertônico, favorecendo o crescimento microbiológico e exigindo a presença de conservantes antimicrobianos, como parabenos, benzoato de sódio, sorbato de sódio, entre outros. Além dos solventes, cossolventes, edulcorantes, conservantes, agentes modificadores de viscosidade, são ainda adjuvantes comuns nas formulações de xaropes e das soluções orais isentas de sacarose (xarope dietético): corantes, flavorizantes, quelantes e antioxidantes. A literatura apresenta vários exemplos de formulações de soluções orais isentas de sacarose ou xaropes dietéticos. No exemplo a seguir, o veículo é composto por mistura de polióis (sorbitol e glicerina), goma xantana, como agente modificador de viscosidade, sistema conservante (sorbato de sódio e parabeno), além de tampão (ácido cítrico e citrato de sódio) para manter o pH entre 4 e 5. 24 Unidade I Xarope dietético Glicerina 10,0% Solução de sorbitol (67%) 25,0% Sacarina sódica 0,1% Sorbato de sódio 0,1% Metilparabeno 0,1% Goma xantana 0,05% Ácido cítrico monoidratado 1,5% Citrato de sódio 2,0% Água purificada q.s.p. 100,0 mL Outro exemplo de xarope isento de sacarose que pode ser consumido por pacientes com restrição na dieta é apresentado a seguir. Nesta formulação observamos todas as propriedades encontradas quando empregamos altas concentrações de sacarose. Temos a função conservante na solução de parabenos, a função da carmelose é dar viscosidade para a formulação e por fim o sabor doce é alcançado com a mistura de edulcorantes sacarina sódica e ciclamato de sódio. E o emprego de associação de edulcorantes é interessante, uma vez que ajuda a atingir o sabor doce com o menor sabor residual encontrado nos edulcorantes. Xarope isento de sacarose Carmelose 2 g Solução conservante de parabenos 2,5 g Sacarina sódica 0,1 g Ciclamato de sódio 0,05 g Água purificada q.s.p. 100,0 mL No exemplo a seguir, observamos o xarope de paracetamol, que é um anti-inflamatório não esteroidal, bastante utilizado (ANVISA, 2012). Nesta formulação, o veículo é composto por uma mistura de álcool (etanol), polióis (propilenoglicol e sorbitol) e água. A formulação contém, ainda, edulcorante (sacarina sódica), flavorizante, conservante (ácido benzoico) e quelante (EDTA cálcico dissódico). Xarope dietético de paracetamol Paracetamol 24,0 g Ácido benzoico 1,0 g EDTA cálcico dissódico 1,0 g Propilenoglicol 150,0 mL Etanol 150,0 mL Sacarina sódica 1,8 g Água purificada 200,0 mL Flavorizante q.s. Solução de sorbitol q.s.p. 1.000,0 mL 25 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Saiba mais Você pode saber mais sobre outras formulações de xaropes consultando: ANVISA. Formulário nacional da farmacopeia brasileira. 2. ed. rev. Brasília: Anvisa, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3d0NqfO. Acesso em: 29 nov. 2021. 2.4 Importância Em farmácias magistrais ou hospitalares, é comum a preparação de xaropes a partir de especialidades farmacêuticas disponíveis apenas na forma farmacêutica sólida (como cápsulas e comprimidos) para atender às necessidades de pacientes que apresentam dificuldade ou incapacidade na deglutição de formas farmacêuticas sólidas, especialmente, idosos e crianças. Para tanto, é necessário avaliar a estabilidade, a solubilidade e a biodisponibilidade do fármaco em cada caso. A princípio, fármacos solúveis em água podem ser dispersos em xaropes. 2.5 Técnicas de preparação O preparo do xarope pode ser executado empregando diversas técnicas diferentes. A seguir apresentamos as técnicas de preparo dessa formulação farmacêutica. 2.5.1 Dissolução dos componentes por agitação (a frio) O processo de preparo é realizado a frio, por agitação, até que haja a completa homogeneização. No caso de xaropes, esse processo consome mais tempo quando comparado ao preparo usando calor, mas o produto apresenta maior estabilidade. Quando substâncias sólidas são adicionadas diretamente à formulação, sua dissolução é lenta, pois a natureza viscosa da preparação não permite a distribuição adequada, e também porque xaropes concentrados apresentam quantidade limitada de água livre. 2.5.2 Dissolução dos componentes com o auxílio de calor Esse método é indicado para acelerar a obtenção do produto, porém os componentes da formulação não devem sofrer degradação ou não devem se volatilizar pela ação do calor. Em relação ao preparo do xarope simples, por exemplo, deve-se ter precaução com o uso de calor excessivo, uma vez que a sacarose, um dissacarídeo, pode ser hidrolisada nos monossacarídeos, dextrose (glicose) e frutose (levulose). Essa reação hidrolítica é conhecida como inversão da sacarose, e a combinação dos dois monossacarídeos, como açúcar invertido. Com isso, haverá escurecimento da formulação, maior propensão à fermentação e alteração de sabor, uma vez que o açúcar invertido é mais doce (1,23 vez) que a sacarose. Esse processo pode ser potencializado pela presença de ácidos, isso porque o íon hidrogênio age como um catalisador da reação (figura a seguir). 26 Unidade I OH OH OH OH OH OH Catálise ácida Sacarose Glicose Frutose OH OH OH OH OH HO HO HO HO HOHO HO O O O O O+ Figura 5 – Inversão da sacarose devido à catálise ácida e obtenção de açúcar invertido Adaptada de: Zentou et al. (2017). Observação A sacarose é um enantiômero e, por isso, apresenta atividade óptica. Assim, soluções de sacarose são dextrógiras (dextrorrotatórias), ou seja, desviam o plano de luz polarizada para a direita. Conforme ocorre hidrólise da molécula de sacarose, a rotação óptica diminui, tornando-se negativa (levorrotatória) quando a reação se completa. Isso ocorre porque a frutose, levógira, é capaz de desviar a luz num ângulo maior que a glicose, dextrógira. O xarope com 85% de sacarose só pode ser obtido pelo método a quente, uma vez que a quantidade de açúcar a ser solubilizada está próxima à saturação da solução, resultando em uma preparação amarelada. Por outro lado, os xaropes obtidos a frio têm coloração mais clara e não amarelada, porém a quantidade de açúcar que pode ser dissolvida é de cerca de 60%. Observação Quando o xarope ou a sacarose são superaquecidos eles se caramelizam, ou seja, após a hidrólise inicial ocorre polimerização dos monossacarídeos. Nesse caso também se observa escurecimento do xarope. 2.5.3 Adição de sacarose em uma solução medicamentosa ou líquido favorizado Ocasionalmente, um líquido medicamentoso, como uma tintura ou um extrato fluido, é empregado como fonte de substâncias ativas no preparo do xarope. Em alguns casos, quando é empregada uma tintura na qual as substâncias estão solúveis em etanol apenas, é preciso o emprego de algumas técnicas prévias para torná-las solúveis em água, ou então esses componentes podem ser removidos por filtração, caso sejam dispensáveis para a preparação do xarope. 27 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL 2.5.4 Percolação da fonte de substância ativa ou da sacarose Nesse processo tanto a sacarose pode ser percolada quanto a substância ativa a fim de obter-se uma solução extrativa que será adicionada à sacarose ou a um xarope. O xarope de ipeca, que apresenta propriedades eméticas, é preparado por percolação do pó de ipeca, seguido da adição de xarope e glicerina. Ao final do preparo do xarope, independentemente da técnica empregada, as formulações farmacêuticas devem ser filtradas a fim de remover resíduos sólidos. Então, devem ser cuidadosamente envasas e rotuladas. 2.6 Alterações nos xaropes Existem muitos fatores que podem desencadear alterações nos xaropes, tais como: • Agentes atmosféricos: presença de oxigênio e gás carbônico, que resultam em estresse oxidativo dos componentes da formulação. • Exposição à luz: degrada fármacos fotossensíveis. • Aquecimento: acelera a hidrólise e degrada fármacos termossensíveis, também pode levar à inversão da sacarose, que altera o sabor, uma vezque o açúcar invertido é mais doce e altera a cor, resultando em escurecimento da formulação. • Reações internas: hidrólise da sacarose em função do pH inadequado. • Interação entre os componentes da formulação e/ou material de embalagem: reação entre fármaco, excipientes e/ou material de embalagem primário, resultando em lixiviação ou deposição de componentes da formulação no material de embalagem. • Proliferação microbiana: não é um processo que acontece frequentemente, visto que o xarope simples e as formulações similares em termos de sacarose são formulações hipertônicas. No entanto, o excesso de microrganismos pode levar a alterações na formulação, incluindo a degradação de alguns componentes. Normalmente, são causadas por variações térmicas a que foi sujeito o xarope, portanto um produto embalado e fechado ainda com certa temperatura elevada pode favorecer a evaporação da água, que fica livre na parte superior do frasco, e com o resfriamento, se condensa e forma essa camada de água livre na superfície da formulação. Essa água livre não é conservada pela sacarose e está susceptível à contaminação microbiológica. Assim, aconselha-se o emprego de conservantes, mesmo se tratando de uma preparação hipertônica. 28 Unidade I 2.7 Processos de fabricação visando atendimento às exigências microbiológicas Ressalta-se aqui a importância de se aplicarem cuidados adequados no preparo e no envase do xarope, além dos conservantes que podem ser incorporados ao produto durante o desenvolvimento e preparo das formulações. No envase, a formulação deve ser acondicionada em embalagem esterilizada. A embalagem pode ser facilmente esterilizada na indústria por simples aquecimento dos frascos de vidro em estufa a 150 ºC. Adicionalmente, pode-se trabalhar com a distribuição do xarope pelos frascos em circuitos fechados, o que elimina o risco das contaminações exteriores. Em pequena escala, como na farmácia magistral, pode-se empregar uma variação do método de Appert. Por esse método, o xarope, ainda quente, é acondicionado nas garrafas ou frascos de corpo largo, os quais se enchem completamente. Nas bocas dos frascos, depositam-se rodelas de papel de filtro que vão entrar em contato com o xarope e que, no decorrer do resfriamento, o acompanham, ao acontecer a contratação do volume. Ao mesmo tempo produz-se uma evaporação na superfície do xarope, a qual resulta na deposição de uma película de açúcar cristalizado sobre o papel, formando, assim, uma camada impermeável aos microrganismos presentes na atmosfera. 2.8 Acondicionamento O acondicionamento deve ser feito em recipientes herméticos, resistentes à luz e protegidos do calor, sendo que geralmente as embalagens acompanham dispositivos dosadores. Apesar do uso comum de dispositivos de dosagem para a administração de medicamentos, a exatidão da dose ainda pode ser um problema. A viscosidade e a tensão superficial da formulação, o tamanho da escala, o tipo do dispositivo e até mesmo a opinião pessoal e a percepção visual (daquele que administra) podem comprometer a dose aferida. Essas variações podem ser prejudiciais aos pacientes, especialmente para a população pediátrica, já que mesmo os desvios pequenos podem impactar na dose absoluta administrada e, por eles requererem quantidades menores do medicamento, essa variação pode ser mais crítica. Dessa forma, a adequada seleção dos dispositivos de administração deve considerar as características físico-químicas da formulação. Em geral, os dispositivos de menor área apresentam maior precisão, quando comparados com os de maior área. É importante destacar que, apesar de alguns dispositivos, como copos dosadores, oferecerem maior facilidade na aferição e segurança em relação à dose administrada, há relatos de erros no momento da administração, bem como falta de precisão nas medidas. Para líquidos muito viscosos há o risco de parte da dose permanecer no dispositivo de dosagem. As seringas orais têm sido consideradas como mais precisas, porém apresentam maior custo. 29 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL A) C) B) D) Figura 6 – Dispositivos de medida para xaropes, elixires e outras formas líquidas: A) colher dosadora; B) copo medidor; C) seringa dosadora; D) pipeta dosadora Disponível em: A) https://bit.ly/3y18Zpr. Acesso em: 29 nov. 2021. Saiba mais Você pode visualizar o processo de envase industrial de xaropes acessando o vídeo disponível em: Syrup filling machine pharmaceutical, 30-500 ml bottle filling machine. Shanghai Chengxiang Machinery CO. [s.l.], 2018. 1 vídeo (2 min. 21 s.). Disponível em: https://bit.ly/3cYe9tk. Acesso em: 29 nov. 2021. 2.9 Cálculos farmacotécnicos em xarope Se consideramos a formulação de xarope simples apresentada no item 2.3.1, a densidade com cerca de 1,30 g/mL (DE MATTA; BATISTUZZO, 2021), a fórmula da densidade e o preparo de 100 mL da formulação, teremos: 30 Unidade I d m m m m= = = ⋅ = ν 130 100 13 100 , , 130 g de xarope Portanto, cada 100 mL de xarope apresenta uma massa de 130,0 g. Considerando, então, que a formulação contém 85 g de sacarose, temos que a massa de água purificada será a diferença entre a massa total da formulação e a massa de sacarose. Assim, temos: mxarope simples = mágua + msacarose mágua = mxarope simples - msacarose mágua = 130 - 85 mágua = 45 g Dessa forma, no xarope simples temos cerca de 45,0 g, que representa a massa da água purificada. Assim, temos 45,0 g, ou mL, de água purificada, considerando que a água apresenta a densidade de aproximadamente 0,999 g/mL. Portanto, 45 mL de água são empregados para dissolver 85 g de sacarose. Considerando que a solubilidade da sacarose é de 1 g em 0,5 mL de água, para dissolver 85 g de sacarose, seriam necessários cerca de, 42,5 mL de água. Dessa forma, temos: mágua em excesso = mágua para uma solução saturada - mágua utilizada mágua em excesso = 45 - 42,5 mágua em excesso = 2,5 g Observação Assim, o excesso de água (2,5 mL por 100 mL de xarope) presente nessa solução indica que ela não está saturada, o que permite a sua estabilidade física. Esse excesso de água permite que o xarope permaneça estável e que a sacarose completamente solúvel e a sacarose não se recristalizem. Exemplo de aplicação Agora que já aprendemos o cálculo farmacotécnico para o preparo de xarope, vamos colocar em prática? Considerando a preparação da formulação de xarope descrita a seguir, vamos calcular a quantidade de água com base na densidade do xarope em 1,3 g/mL e a quantidade de etanol 95%. 31 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Xarope Substância ativa 4 g (equivalente a 5 mL) Outros fármacos sólidos 2,5 g (equivalente 3 mL) Glicerina 15 mL Sacarose 25 g Etanol 95% q.s.p. Água purificada q.s.p. 100 mL Resolução Passo 1: Considerando que, no xarope simples, apenas a sacarose (85%) é suficiente para conservar toda a água, então, temos 45 mL de água sendo conservada por 85 g de açúcar. Quantos mL de água são conservados por 25 g sacarose? 85 g de sacarose…………….45 mL 25 g de sacarose…………….X x = ⋅25 45 85 x = 13,24 mL de água são conservados pelos 25 g de sacarose Passo 2: Qual o volume ocupado por 25 g de sacarose considerando a densidade da sacarose (d = 1,59 g/mL)? d m v v v mL = = = 25 159 15 72 , , Passo 3: Qual o volume de água + etanol na formulação? vágua+etanol = 100 - vdemais componentes vágua+etanol = 100 - (5 + 3 + 15 + 15,72) vágua+etanol = 61,28 mL Sabendo-se que uma parte de água será conservada pela sacarose (13,24 mL), apenas uma parte dos 61,28 mL será considerada para o cálculo da quantidade de etanol 95%. vconsiderado para o cálculo de etanol = 61,28 - 13,24 = 48,04 mL 32 Unidade I Passo 4: Determinar a quantidade de etanol 100%. Para conservar um xarope, sabe-se que são necessários 18% de etanol 100% em relação ao conteúdo de água (ALLEN; POPOVICH; ANSEL, 2013). Assim, temos: 18% · 48,04 mL = 8,65 mL de etanol 100% Passo 5: Determinar a quantidade de etanol 95%. Para etanol95%, temos que realizar o cálculo de correção (Fc = 1,053) 8,65 · 1,053 = 9,11 mL de etanol 95% Passo 6: Determinar o total de água da formulação. vágua = vágua+etanol - vetanol 95% vágua = 61,28 - 9,11 vágua = 52,17 mL Saiba mais Você pode saber mais sobre xaropes e cálculos consultando também: ANSEL, H. C.; STOKLOSA, M. C. Cálculos farmacêuticos. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 3 SUSPENSÕES As suspensões são formas farmacêuticas líquidas que se enquadram dentro dos sistemas dispersos, uma vez que as partículas do fármaco (fase dispersa) estão homogeneamente distribuídas pelo veículo (fase dispersante). Conforme se pode observar na próxima figura, o fármaco está na forma de partículas sólidas, que são parcial ou totalmente insolúveis na fase líquida, havendo, assim, a necessidade de agitação da formulação antes da sua administração. Observação Os sistemas dispersos são aqueles constituídos por mais de uma fase, diferentemente das soluções, em que todos os componentes estão dissolvidos no veículo, formando uma única fase. 33 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Fase dispersa Fase dispersante Figura 7 – Fases de uma suspensão farmacêutica O fato de o fármaco não estar solubilizado no veículo traz uma série de vantagens para esse tipo de forma farmacêutica, o que torna a suspensão uma alternativa para oferecer um medicamento mais adequado em determinadas situações. Com a preparação de uma suspensão é possível viabilizar a veiculação de fármacos de baixa solubilidade aquosa em uma forma líquida, facilitando a administração do medicamento e/ou ajuste de dose para pacientes infantis e idosos, além de outros que também possuam dificuldade de deglutição (DE MATTA, 2021; NUTAN; REDDY, 2010). De modo a exemplificar, a tabela a seguir traz a concentração de amoxicilina em uma formulação de suspensão oral e como deve ser a posologia para crianças com peso abaixo de 40 kg. Supondo que o médico tenha prescrito a dose de 750 mg diários para uma criança com o peso de 10 kg, é possível administrar três doses de 5 mL do produto com a concentração de 250 mg/5 mL ou três doses de 2,5 mL do produto com a concentração de 500 mg/5 mL. Tabela 2 – Concentração e posologia de uma suspensão oral de amoxicilina para pacientes infantis abaixo de 40 kg Concentração Posologia (crianças abaixo de 40 kg) 250 mg/5 mL ou 500 mg/5 mL 20 a 50 mg/kg/dia até um máximo de 150 mg/kg/dia, divididos em três doses Fonte: Amoxil (2019). Ainda em relação à solubilidade limitada de alguns fármacos, com a suspensão é possível preparar uma formulação com uma concentração maior do que uma solução e sem a necessidade de um agente cossolvente (NUTAN; REDDY, 2010). No caso dos elixires, por exemplo, a utilização do veículo hidroalcoólico é o que mantém o fármaco em solução. Por outro lado, esse tipo de preparação, como contém certa quantidade de álcool, não é indicado para grande parte dos pacientes. Lembrete Os elixires são formas líquidas de uso oral que contêm certa quantidade de álcool no veículo para manter o fármaco em solução. Outro ponto de bastante destaque é a veiculação de substâncias que apresentam instabilidade em solução. Como as partículas do fármaco estão na forma sólida, isso pode diminuir o potencial para 34 Unidade I a ocorrência de reações de hidrólise e oxidação. Além disso, quando se trata de fármacos bastante instáveis em água, pode-se viabilizar a formulação como um pó para suspensão, no qual o fármaco acrescido dos excipientes é disponibilizado dentro do frasco, sem o veículo, que deve ser adicionado somente no momento do início do tratamento (próxima figura). A partir de então, a formulação passa a ter um prazo de validade reduzido, entre 10 e 15 dias. Essa prática é muito comum para formulações de antibióticos, por exemplo, para derivados de penicilinas (amoxicilina) e cefalosporinas (ALLEN JR.; POPOVICH; ANSEL, 2013; DE MATTA, 2021). A bula desses medicamentos deve conter as instruções de como realizar a adição do veículo (geralmente água) e a preparação é chamada de extemporânea. A) B) Figura 8 – Pó para suspensão: A) antes; B) após a adição do veículo No contexto das formas líquidas de uso oral, uma questão relevante é o mascaramento do sabor desagradável que alguns fármacos podem acarretar nas formulações. No caso das suspensões, como o ativo não está solubilizado, o sabor é menos pronunciado, tornando mais fácil o trabalho na palatabilidade do produto. Dessa forma, como será apresentado mais adiante, para uma formulação de suspensão de uso oral, agentes corretores de sabor, como os edulcorantes e flavorizantes, podem ser dissolvidos no veículo, fazendo com que este seja mais perceptível que o fármaco (ALLEN JR.; POPOVICH; ANSEL, 2013; DE MATTA, 2021). Com as suspensões injetáveis, geralmente para aplicação intramuscular ou subcutânea, é possível prolongar o tempo de ação do medicamento, uma vez que o ativo vai sendo solubilizado lentamente no local da administração (DE MATTA, 2021; MAHATO; NARANG, 2018). Dadas as características das suspensões oftálmicas, quando são comparadas com os colírios, podem promover um tempo maior de contato da formulação com o epitélio ou, até mesmo, ficarem mais tempo retidas no saco conjuntival. Isso permite que o medicamento tenha uma duração de ação aumentada, diminuindo o número de vezes que o paciente precise reaplicar a formulação (DE MATTA, 2021; WICKS, 2018). Como pode ser observado, várias são as razões para a utilização das suspensões. De modo a enfatizar o potencial desse tipo de forma farmacêutica, o quadro a seguir traz um resumo das vantagens das suspensões. 35 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Quadro 1 – Vantagens da utilização das suspensões Preparo de formulações líquidas contendo fármacos poucos solúveis Administração de fármacos instáveis em solução na forma líquida Obtenção de formulações com melhor palatabilidade Liberação prolongada do ativo 3.1 Tipos de suspensão As suspensões podem ser classificadas de diferentes maneiras, conforme a característica considerada, que pode ser em relação às fases dispersa ou dispersante, assim como via de administração. A tabela a seguir traz os tipos de suspensão, de acordo com o critério adotado para a classificação. Tabela 3 – Tipos de suspensão conforme os diferentes critérios de classificação Critério de classificação Tipos Tamanho de partícula da fase interna Suspensões grosseiras > 1 µm Dispersões coloidais < 1 µm Nanosuspensões (10 – 100 nm) Concentração da fase dispersa Suspensões pastosas > 50% (p/p) Suspensões diluídas 2-10% (p/p) Natureza do agente dispersante Suspensões aquosas Suspensões não aquosas Via de administração Suspensões orais Suspensões tópicas Suspensões injetáveis Suspensões oftálmicas Suspensões nasais Suspensões auriculares (óticas) Suspensões retais Adaptada de: Carlin (2018); Mahato e Narang (2018); Wicks (2018). Como pode ser obervado na tabela anterior é possível preparar suspensões para atender variadas vias de administração, entretanto, durante o desenvolvimento da formulação, devem ser levadas em consideração as características de cada uma delas. 36 Unidade I 3.1.1 Suspensões orais Nestas formulações é de extrema importância o mascaramento do sabor do fármaco, geralmente com a utilização de excipientes que são solubilizados no veículo, como flavorizantes e edulcorantes. Além destes, em alguns casos, observa-se também o emprego de corantes. 3.1.2 Suspensões tópicas Também chamadas de loções, por serem empregadas para passar na pele, precisam ter um tamanho de partícula reduzido, usualmente entre 10 a 100 µm (ALI et al., 2010), de modo que a formulação tenha suavidade, promovendo uma sensação agradável quando utilizada pelo paciente. Quando não se tem esse cuidado e a formulação apresenta partículas grandes, o produto pode ter a característica de aspereza, podendo causar a irritação da pele. 3.1.3 Suspensões injetáveis Para esse tipo de formulação, o tamanho de partículada fase interna e a viscosidade da fase externa são fatores que podem afetar diretamente a seringabilidade e injetabilidade do produto e a liberação do ativo através do depósito formado na pele. É condição fundamental a esterilidade, e a grande maioria dessas formulações é para uso intramuscular ou subcutâneo (MAHATO; NARANG, 2018). Observação Seringabilidade e injetabilidade são propriedades que estão relacionadas respectivamente com a capacidade de não obstrução da agulha pela formulação e da remoção do conteúdo da seringa no momento da injeção. 3.1.4 Suspensões oftálmicas Assim como nas formulações injetáveis, além da condição de esterilidade, a utilização de componentes com tamanho de partícula reduzido é condição importante para a obtenção das suspensões destinadas à aplicação na região dos olhos. Isso evita que o produto cause alguma irritação na mucosa oftálmica (DE MATTA, 2021). Adicionalmente, um dos obstáculos para a utilização de medicamentos na via oftálmica é a presença da lágrima, que é constantemente produzida e drenada, servindo como uma proteção da córnea, de modo a evitar a sua desidratação e infecção. Esse fluxo lacrimal faz com que a formulação tenha um tempo de contato reduzido com o local de administração, dessa maneira, ao se trabalhar na viscosidade da fase externa da suspensão oftálmica, pode-se aumentar o tempo de permanência da formulação na região de aplicação, favorecendo, assim, a absorção da substância ativa (MAHATO; NARANG, 2018). 3.1.5 Suspensões nasais Considerando a região de administração, este tipo de preparação geralmente é disponibilizado na forma de spray nasal; dessa forma, o veículo deve ser mais aquoso e com menor viscosidade, de modo a facilitar atomização da formulação e dispensação das gotas (CARLIN, 2018). 37 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL 3.1.6 Suspensões auriculares Utilizando o mesmo raciocínio adotado para as soluções, as suspensões para emprego no canal auditivo devem possuir viscosidade adequada para permitir a aderência da formulação à superfície de aplicação. 3.1.7 Suspensões retais São utilizadas na cavidade retal para tratamento local do cólon, e os requisitos para esse tipo de preparação são os mesmos para as suspensões de uso oral, evidentemente, sem a necessidade da utilização de componentes para mascaramento de sabor. 3.2 Fatores relacionados com a qualidade das suspensões Na maioria das situações, o preparo de uma suspensão se faz necessário quando se deseja ter uma forma farmacêutica líquida na qual o fármaco é insolúvel no meio utilizado. Considerando essa premissa, alguns fatores precisam ser objeto de atenção do formulador para que se tenha uma suspensão com qualidade, principalmente do ponto de vista físico. Tais fatores são abordados a seguir. 3.2.1 Molhabilidade e ângulo de contato Quando um fármaco entra em contato com o meio líquido no qual ele é insolúvel, o líquido pode molhar completamente o fármaco; o líquido pode molhar parcialmente o fármaco ou o líquido pode não molhar o fármaco. O que acontece com maior frequência no preparo de suspensões é a molhabilidade parcial do fármaco pelo líquido. Molhabilidade é definida como a capacidade de espalhamento sobre a superfície de um sólido, como um fármaco, que um líquido possui. Isso pode ser representado através do ângulo de contato que o fármaco forma com o líquido (próxima figura). Fármacos hidrofóbicos apresentam ângulo de contato maior que 90° com meios aquosos, ou seja, menor molhabilidade. Por outro lado, fármacos hidrofílicos apresentam ângulo de contato menor que 90° em contato com soluções aquosas, ou seja, maior molhabilidade (PRISTA et al., 2008). Totalmente molhado Não molhado 180º0º < 90º 90º > 90º Parcialmente molhado Figura 9 – Ângulo de contato e molhabilidade do fármaco pelo veículo O ângulo de contato e, consequentemente, a molhabilidade de um fármaco por um líquido estão relacionados com a tensão superficial entre os dois. Nesse sentido, para melhor dispersão do fármaco insolúvel no meio líquido é necessário diminuir a tensão superficial. Os agentes molhantes são adjuvantes 38 Unidade I que auxiliam na molhabilidade do fármaco principalmente por redução da tensão superficial, como os tensoativos, por exemplo, o lauril sulfato de sódio e os polissorbatos. Além dos tensoativos, líquidos viscosos altamente hidrofílicos, como o propilenoglicol e o sorbitol, podem ser utilizados como agentes molhantes (BARKER, 2016). A ausência de agentes molhantes na formulação de uma suspensão pode acarretar baixa molhabilidade do fármaco, que pode afetar a qualidade do produto. Nesse caso, em uma suspensão aquosa, por exemplo, poderá ocorrer dificuldade de dispersão das partículas do fármaco no meio líquido e flutuação das partículas devido a sua hidrofobicidade. Uma vez que as partículas do fármaco não estão adequadamente dispersas no líquido, isso poderá resultar em baixa homogeneidade da dose. 3.2.2 Energia livre do sistema (df) A utilização de partículas de tamanho reduzido nas suspensões contribui para o aumento da energia livre do sistema disperso. Por outro lado, uma tendência natural é a aglomeração das partículas para redução dessa energia e estabilização do sistema. Entretanto, esse fenômeno deve ser evitado, uma vez que pode ocasionar dispensação desigual do fármaco nas doses administradas. De acordo com a equação a seguir é possível verificar que, além de sofrer influência da área superficial do sólido, representada pelo tamanho de partícula, a energia livre também é dependente da tensão interfacial entre as duas fases. dƒ = ƔS-L . A Ɣ = tensão inferfacial entre o sólido e o líquido A = área superficial do sólido Caso esse seja um problema da formulação, uma das alternativas para evitar essa aglomeração é a utilização de tensoativos que possuem a propriedade de reduzir essa tensão interfacial. 3.2.3 Crescimento dos cristais O crescimento de cristais é um fenômeno que pode ocorrer em suspensões, quando o fármaco é parcialmente solúvel no meio líquido no qual está disperso e a concentração de fármaco nesse meio é maior que a sua solubilidade. Além dos fatores já citados, existem outros que contribuem para o crescimento de cristais numa suspensão, como variações de temperatura, polimorfismo e falta de homogeneidade na distribuição de tamanho de partícula do fármaco (BARKER, 2016). A solubilidade de um fármaco está relacionada com a temperatura, sendo assim, variações na condição de armazenamento do produto podem implicar alterações na solubilidade do fármaco, provocando o crescimento de cristais. Suponha que uma formulação fique submetida por um tempo a uma temperatura acima de 40 °C, como esse fármaco possui certa solubilidade no meio, pode haver dissolução de parte dos cristais no veículo. Ao retornar a uma condição de temperatura mais baixa, o fármaco tende a precipitar, formando cristais de tamanho desigual (figura a seguir). 39 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL A) B) Figura 10 – Representação esquemática do fenômeno de crescimento dos cristais em suspensões: A) suspensão original; B) após a variação de temperatura e recristalização O polimorfismo é um fenômeno do estado sólido em que um fármaco se apresenta sob diferentes formas cristalinas que possuem características físico-químicas diferentes, por exemplo a solubilidade. Nesse sentido, alterações de um polimorfo mais solúvel para um menos solúvel durante o armazenamento da suspensão podem levar a alterações de solubilidade e crescimento de cristais. É conhecida a influência do tamanho de partícula de um fármaco em sua solubilidade. Em geral, ao se reduzir o tamanho de partícula de um fármaco de baixa solubilidade, ocorre um aumento da área superficial das partículas, o que favorece sua solubilização. Dessa forma, a utilização de um fármaco no preparo de uma suspensão, composto por partículas com grande variação em seu tamanho, poderá acarretar diferenças de solubilidade e provocar crescimento de cristais.Assim como no caso da aglomeração, um provável crescimento dos cristais provocará problemas relacionados com a uniformidade da dose administrada. 3.2.4 Sedimentação e redispersibilidade As partículas do fármaco dispersas no meio líquido numa suspensão farmacêutica possuem tendência para sedimentar por ação da força de gravidade. Nesse sentido, para que seja viável de se utilizar uma suspensão, é necessário que, após agitação, essas partículas que sedimentaram sejam redispersas com facilidade e se mantenham suspensas por um período de tempo adequado para administração do medicamento (BARKER, 2016). Do ponto de vista da composição da formulação de uma suspensão, pode-se destacar alguns fatores que influenciam na tendência para a sedimentação das partículas: tamanho e densidade das partículas do fármaco, além da viscosidade do meio líquido no qual as partículas se encontram dispersas. A próxima figura representa uma suspensão com diferentes tamanhos e formatos de partícula de um determinado fármaco, que estão relacionados com a sua densidade. Partículas mais densas, maiores, possuem tendência para se depositar mais rapidamente que partículas menores e menos densas. 40 Unidade I Partículas menores Partículas maiores Figura 11 – Representação da tendência para sedimentação das partículas do fármaco de acordo com o seu tamanho e densidade No entanto, esses fatores não atuam de forma isolada de outros, como a viscosidade do meio líquido no qual as partículas estão dispersas. A tendência é que, num meio dispersante mais viscoso, a sedimentação das partículas do fármaco ocorra de forma mais lenta. O fenômeno da sedimentação das partículas de uma suspensão pode ser explicado pela lei de Stokes, conforme equação a seguir (ALLEN JR.; ANSEL, 2014). v d g = −( )2 1 2 18 ρ ρ η ν = velocidade de sedimentação das partículas d = diâmetros das partículas ρ1 = densidade das partículas ρ2 = densidade da fase dispersante (meio líquido) g = força da gravidade η = viscosidade da fase dispersante (meio líquido) De acordo com essa lei (Equação 2), a velocidade de sedimentação das partículas de um fármaco é diretamente proporcional ao seu diâmetro, ou seja, ao tamanho das partículas e à diferença entre as densidades das partículas e do meio líquido. Outro fator que atua de forma diretamente proporcional à velocidade de sedimentação é a força da gravidade. Por outro lado, a densidade do meio líquido é inversamente proporcional à velocidade de sedimentação das partículas. 41 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Uma suspensão que contenha um fármaco com partículas de tamanho não tão grande e fase dispersante com um certo grau de viscosidade poderá apresentar sedimentação nem tão rápida, nem muito lenta, e que contribua para adequada redispersão das partículas. A redispersibilidade de uma suspensão está relacionada com o estado de sedimentação das partículas, podendo ser representado por um sistema floculado ou um defloculado. Nos sistemas floculados, a sedimentação das partículas do fármaco ocorre de forma mais rápida, resultando em um sobrenadante límpido e um sedimento que se redispersa com facilidade (próxima figura). Altura do sedimento Altura do líquido Altura do sedimento Altura do líquido Altura do sedimento Altura do líquido Te m po Figura 12 – Formação do sedimento em um sistema floculado Já nos sistemas defloculados, a sedimentação das partículas do fármaco ocorre de forma lenta, a suspensão se mantém por mais tempo com aspecto homogêneo, porém o sedimento formado é mais compacto, de difícil redispersão, chamado de caking (próxima figura). 42 Unidade I Altura do líquido e do sedimento Altura do sedimento Altura do líquido Altura do sedimento Altura do líquido Te m po Figura 13 – Formação do sedimento em um sistema defloculado O caking é resultado da maneira pela qual ocorreu a sedimentação das partículas da fase interna (próxima figura). Nesse caso, estão envolvidas forças eletrostáticas de repulsão que promoveram a sedimentação das partículas de forma isolada e em ordem de tamanho, favorecendo o preenchimento de todos os espaços no fundo do frasco, tornando o sedimento formado mais rígido e mais baixo . No caso do sistema floculado, são predominantes as forças de atração (Van der Waals e ligações de hidrogênio), que são mais fracas e formam flóculos de mais fácil redispersão, resultando em um sedimento mais alto (DE MATTA, 2021; MAHATO; NARANG, 2018). 43 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL B) A) 100 100 50 50 Defloculado Floculado Figura 14 – Modos de sedimentação da fase interna das suspensões: A) pela formação de flóculos de fácil redispersão; B) por partículas isoladas Adaptada de: Mahato e Narang (2018). Considerando os dois sistemas, é desejável uma suspensão com características de um sistema parcialmente floculado, de fácil redispersão e com uma fase dispersante com uma viscosidade que, de certa forma, garanta baixa velocidade de sedimentação (BARKER, 2016). 3.2.5 Reologia da fase dispersante A reologia está relacionada com o estudo do escoamento (fluxo) de materiais, e uma das maneiras de se medir essa propriedade é através da determinação da viscosidade de líquidos e semissólidos. Medir a viscosidade é avaliar a resistência de um fluido quando nele se aplica uma força, chamada de tensão de cisalhamento. Os fluidos podem apresentar diferentes comportamentos reológicos e, no caso das suspensões, o que se busca é que, ao agitar a formulação das partículas do fármaco, estas fiquem dispersas por um período de tempo adequado para permitir a obtenção da dose correta do medicamento (MAHATO; NARANG, 2018; NUTAN, REDDY, 2010). Na figura a seguir é apresentado o comportamento mais indicado para o preparo de suspensões: pseudoplástico com tixotropia, conforme se agita a formulação, a viscosidade diminui (comportamento pseudoplástico), permitindo que as partículas do fármaco fiquem homogeneamente dispersas e o retorno ao estado inicial ocorra de maneira mais lenta (tixotropia), de forma que, a cada dose, a quantidade de fármaco seja a mesma (NUTAN; REDDY, 2010). 44 Unidade I Taxa de cisalhamento Te ns ão d e ci sa lh am en to Figura 15 – Representação do comportamento reológico indicado para suspensões farmacêuticas: pseudoplástico com tixotropia Adaptada de: Mahato e Narang (2018). Observação A taxa de cisalhamento refere-se ao escoamento (deformação) sofrido pelo líquido. 3.3 Componentes das suspensões A partir dos requisitos essenciais para cada via de administração e do profundo conhecimento das características do fármaco a ser veiculado, são escolhidos os excipientes que devem compor a suspensão. Para todas elas, a formulação deve garantir que as partículas do fármaco estejam dispersas em um veículo dotado de certa viscosidade, que permita, além da estabilidade do produto, a homogeneidade da dose administrada. A seguir são apresentadas as substâncias geralmente empregadas na composição das suspensões. 3.3.1 Fármaco Diversas classes terapêuticas são veiculadas na forma de suspensão, e, como o fármaco é praticamente insolúvel no veículo, a padronização do seu tamanho de partícula é fundamental, uma vez que pode impactar diretamente na estabilidade física da formulação e/ou no desempenho do produto. Como visto anteriormente, segundo a lei de Stokes, a influência do tamanho de partícula do fármaco na estabilidade da formulação é uma questão que deve ser considerada. Por outro lado, em relação ao desempenho do produto, sabe-se que um tamanho de partícula reduzido pode aumentar a absorção do ativo, principalmente quando administrado pela via oral ou diminuir o seu desconforto, quando veiculado em preparações de uso tópico ou oftálmico (BARKER, 2016; DE MATTA, 2021). 45 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Observação Para que ocorra absorção por via oral é necessário que o fármaco esteja dissolvido nos fluidos do trato gastrintestinal; dessa forma, quanto menor o seu tamanho departícula, mais facilitada será a sua dissolução. A tabela a seguir traz uma ideia geral da quantidade de sólidos (fase dispersa) encontrada em suspensões e respectivo tamanho de partícula. Em alguns casos, dependendo do ativo, principalmente da sua dose, esses valores podem ser diferentes, como no caso de alguns antibióticos em que a porcentagem de sólidos na formulação é superior a 20% (GALLARDO; RUIZ; DELGADO, 2000). Ainda, é válido lembrar que a fase dispersa é composta principalmente pelo fármaco, mas alguns excipientes insolúveis no veículo também podem estar presentes. Tabela 4 – Percentuais de fase sólida encontrados em suspensões farmacêuticas e respectivo tamanho de partículas de acordo com a via de administração Via de administração % (Fase sólida) Tamanho de partícula (µm) Oral 2,5 – 5 < 200 Tópica (dermatológica) ≥ 20 < 100 Oftálmica 0,5 – 5 < 10 Injetável 0,5 – 5 < 5 Adaptada de: Ali et al. (2010); De Matta (2021); Gallardo, Ruiz e Delgado (2000); Patel (2010). Para ilustrar alguns exemplos de fármacos veiculados em suspensões, a tabela a seguir traz uma lista de produtos disponibilizados no mercado farmacêutico brasileiro. Tabela 5 – Exemplos de fármacos veiculados na forma de suspensão disponíveis no Brasil Tipo de suspensão Fármaco Concentração Classe terapêutica Oral Albendazol 40 mg/mL Anti-helmíntico Amoxicilina* 125 mg/mL Antibiótico Carbamazepina 20 mg/mL Antidepressivo Domperidona 1 mg/mL Antiemético Cloridrato de fexofenadina 6 mg/mL Anti-histamínico Hidróxido de alumínio 60 mg/mL Antiácido Ibuprofeno 30 mg/mL Anti-inflamatório Rifampicina 20 mg/mL Antibiótico Tópica Dipropionato de betametasona 0,64 mg/mL Anti-inflamatório Propionato de fluticasona 50 µg/dose Anti-inflamatório 46 Unidade I Tipo de suspensão Fármaco Concentração Classe terapêutica Oftálmica Cloridrato de betaxolol 2,5 mg/mL Anti-hipertensivo Dexametasona 1 mg/mL Anti-inflamatório Etabonato de loteprednol 5 mg/mL Anti-inflamatório Nepafenaco 1 mg/mL Anti-inflamatório Nasal Dipropionato de beclometasona 100 µg/dose Anti-inflamatório Budesonida 32 µg/dose Broncodilatador Triancinolona acetonida 550 µg/mL Anti-inflamatório Injetável Cloridrato de doxorrubicina 2 mg/mL Antineoplásico Acetato de medroxiprogesterona 150 mg/mL Contraceptivo Acetato de metilprednisolona 40 mg/mL Anti-inflamatório Acetato de leuprorrelina** 3,75 mg/mL Antineoplásico Palmitato de paliperidona 100 mg/mL Antipsicótico * Na forma de pó para suspensão ** Na forma de pó liofilizado para suspensão Adaptada de: Anvisa (2021); Brunton, Hilal-Dandan e Knollmann (2018). 3.3.2 Veículo O veículo constitui o sistema dispersante, ou seja, a fase externa da formulação na qual as partículas do fármaco são insolúveis ou praticamente insolúveis. Além do fármaco, estão presentes nesse veículo os excipientes e, entre estes, alguns estão diretamente relacionados com a manutenção do fármaco em suspensão, e outros, com propriedades necessárias para garantir a estabilidade da formulação ou facilitar o uso por alguma via de administração. No caso dos veículos aquosos, são comumente utilizados além da água, misturas desta com polióis (glicerina, sorbitol e propilenoglicol) e xaropes. Como veículos oleosos podem ser citados a vaselina líquida e o óleo de amêndoas, entre outros (DE MATTA, 2021). 3.3.3 Excipientes Os excipientes são selecionados conforme as propriedades que devem ser trabalhadas no produto, entretanto, condição essencial é a compatibilidade de todos os componentes da formulação. Agentes molhantes Promovem a molhabilidade do pó. São utilizados para facilitar o encobrimento da partícula da fase interna pelo veículo, viabilizando a dispersão do fármaco na formulação e impedindo a sua flutuação. Os agentes molhantes podem reduzir o ângulo de contato entre o sólido e o líquido atuando de diferentes maneiras (quadro a seguir): através da redução da tensão interfacial entre as duas fases, como no caso dos tensoativos, ou pelo deslocamento do ar na superfície da partícula, formando uma camada que facilita o contato com a água, estratégia que pode ser obtida pela utilização de moléculas hidrofílicas como os glicóis e algumas substâncias inorgânicas (ALLEN JR.; POPOVICH; ANSEL, 2013; DE MATTA, 2021). 47 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Quadro 2 – Agentes molhantes utilizados em suspensões farmacêuticas Classe Exemplos Tensoativos Polissorbatos (Tween® 20, 60, 80) Ésteres de sorbitano (Span® 20, 60) Derivados do óleo de rícino polietoxilado (Cremophor® EL, ELP) Lauril sulfato de sódio Substâncias macromoleculares hidrofílicas Glicerina, sorbitol, propilenoglicol, polietilenoglicol Substâncias hidrofílicas inorgânicas Bentonita, dióxido de silício coloidal, silicato de magnésio e alumínio (Veegum®) Adaptado de: De Matta (2021); Moreton (2010). Agentes suspensores Conferem viscosidade à fase dispersante, diminuindo a velocidade de sedimentação das partículas e possibilitando que fiquem distribuídas na fase líquida. Muitos polímeros de origem natural e sintética, entre outras substâncias, são empregados para essa finalidade, entretanto, deve-se avaliar a faixa de pH em que a viscosidade do sistema se mantém estável, além de possíveis incompatibilidades (tabela a seguir). Tabela 6 – Exemplos de excipientes utilizados como agentes suspensores Substância Faixa de estabilidade (pH) Concentração usual (%) Exemplos de incompatibilidades Alginato de sódio 4-10 0,75-3 Íons cálcio e álcool acima de 10% Carragenina 3,5-9 0,3-1 Cátions e proteínas Goma adraganta 3-9 1-2 Sais de bismuto e álcool acima de 40% Goma arábica 3-9 5-15 Etanol, vanilina e sais trivalentes Goma xantana 4-10 0,2-0,5 Borato de sódio e tensoativos catiônicos Carboximetilcelulose 5-10 0,1-3 Taninos, tensoativos catiônicos, goma xantana e metais Celulose microcristalina + carboximetilcelulose 3-10 0,1-1,5 Taninos, tensoativos catiônicos, goma xantana e metais Metilcelulose 3-11 0,5-2 Taninos, resorcinol e parabenos Hipromelose 3-11 0,5-2 Alguns agentes oxidantes Carbômeros 6-10 0,5-1 Eletrólitos, ácidos e polímeros catiônicos Dióxido de silício coloidal 2-10 1,0-7,5 Dietilestilbestrol Bentonita 3-10 0,5-5,0 Íons cálcio e cátions polivalentes Veegum® 3-11 1,5-2,5 Íons cálcio Adaptada de: De Matta (2021); Moreton (2010); Prista et al. (2008); Rowe, Sheskey e Quinn (2009); Shouying et al. (2014); Thompson (2015). 48 Unidade I Agentes floculantes São substâncias que, quando adicionadas à suspensão, favorecem a formação de um sistema floculado pela neutralização do excesso de cargas das partículas. Quando as partículas da fase sólida entram em contato com o veículo aquoso, tendem a ficar eletricamente carregadas, seja pela presença de grupamentos ionizáveis na superfície da partícula, seja pela adsorção de íons da solução. Dessa forma, ao redor da partícula é formada uma dupla camada elétrica, a primeira composta por íons de carga oposta à da partícula e a segunda, pelos seus respectivos coíons (próxima figura). Dependendo da quantidade de íons na superfície da partícula, pode haver um desequilíbrio de cargas, que eleva a diferença de potencial na dupla camada elétrica (potencial zeta), ocasionando o predomínio das forças eletrostáticas de repulsão, fato que favorece a formação de um sistema defloculado. Assim, a adição de um agente floculante que tenha carga oposta à da partícula, ou que consiga fazer o isolamento dessas partículas, contribui para a neutralização do sistema e redução do potencial zeta, direcionando para a formação de um compactado de fácil redispersão (DE MATTA, 2021). Plano de cisalhamento Partícula com carga negativa na superfície Potencial zeta mV 0 Potencial de superfície Camada de Stern Potencial de Stern -100 Camada difusa Distância da superfície da partícula Figura 16 – Representação do diagrama do potencial zeta em um meio aquoso Fonte: Rawle (2010, p. 226). Como exemplos de agentes floculantes, podem ser citados: fosfato monopotássico,fosfato de sódio, cloreto de cálcio, cloreto de alumínio e lauril sulfato de sódio para cargas positivas; hexametafosfato de sódio e citrato trissódico para cargas negativas; bentonita, alginatos, amido e silicatos para ambas as cargas (DE MATTA, 2021; MAHATO; NARANG, 2018). Conservantes A composição da suspensão pode ser um meio favorável ao crescimento microbiano; dessa forma, a utilização de substâncias conservantes é muito comum em preparações não estéreis ou estéreis de 49 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL múltiplas doses. Na próxima tabela, segue uma lista de conservantes que podem ser utilizados no preparo das suspensões. Além destes, a presença de substâncias como EDTA, álcool, glicerina e propilenoglicol pode atuar de maneira sinérgica na ação conservante, dependendo da concentração utilizada. Um aspecto bastante importante é que, no momento da escolha dos componentes da formulação, deve ser avaliada a existência de incompatibilidades do tipo de conservante utilizado com outras substâncias e/ou material de embalagem e se há alguma recomendação em relação ao pH de melhor atividade antimicrobiana (ROWE; SHESKEY, QUINN, 2009). Tabela 7 – Conservantes utilizados em suspensões Substância Uso Concentração usual (%) pH* Exemplos de incompatibilidades Ácido benzoico Interno/externo 0,1-0,2 < 5 Álcalis, metais pesados e caulim Ácido bórico Externo 1,0-2 5-8 Ácidos e bases fortes e potássio Ácido sórbico Interno/externo 0,05-0,2 4,5 Bases, agentes oxidantes e redutores, plástico e tensoativos não iônicos Álcool benzílico Interno/externo 1-2 < 5 Agentes oxidantes e ácidos fortes Álcool feniletílico Externo 1-2 < 5 Agentes antioxidantes e parcial inativação por polissorbatos Benzoato de sódio Externo/interno 0,02-0,5 2-5 Gelatina, sais de ferro e cálcio, caulim e tensoativos não iônicos Clorexidina Externo 0,01 5-7 Tensoativos aniônicos, cálcio, magnésio, goma acácia, alginato, carboximetilcelulose sódica e amido Clorobutanol Externo Até 0,5 < 5,5 Recipientes plásticos, borrachas, bentonita, carboximetilcelulose sódica e polissorbato 80 Cloreto de benzalcônio Externo 0,01-0,02 4-10 Alumínio, tensoativos iônicos e não iônicos, citrato, hipromelose, caulim, plástico e borracha Cloreto de benzetônio Externo 0,01-0,02 4-10 Tensoativos aniônicos e solução de sais Fenoxietanol Externo 0,5-1 Ampla faixa Tensoativos não iônicos, cloreto de polivinila (PVC) e derivados celulósicos Metilparabeno Interno/externo 0,015-0,2 4-7 Polissorbatos, bentonita, alginato Propilparabeno Interno/externo 0,01-0,02 4-7 Polissorbatos, bentonita, alginato Sorbato de potássio Interno/externo 0,1-0,2 < 6 Plásticos e tensoativos não iônicos * pH de maior atividade antimicrobiana Adaptada de: Batistuzzo, Itaya e Eto (2015); De Matta (2021); Rowe, Sheskey e Quinn (2009). Edulcorantes Utilizados em preparações de uso oral, fornecem sabor adocicado para a formulação, auxiliando na aceitabilidade do medicamento. Como exemplos de agentes edulcorantes para suspensões, podem ser citados: sacarose, sorbitol, glicerina, sacarina sódica, ciclamato de sódio, acessulfame e aspartame. Flavorizantes Também empregados em preparações de uso oral, auxiliando na palatabilidade do produto, a sua escolha é realizada em função do grupo de pacientes aos quais a formulação será idealizada. É muito 50 Unidade I comum que haja diferenças na aceitação de certos sabores entre crianças e adultos. Aroma de morango, vanilina, extrato de laranja amarga, essência de menta são exemplos de flavorizantes utilizados. Corantes Muitas vezes associados aos flavorizantes, especialmente em formulações de uso oral, os corantes, além de auxiliarem na aceitabilidade do produto, servem também como uma identificação do medicamento. Dada a grande capacidade de coloração, essas substâncias são utilizadas em quantidades muito pequenas e devem ser escolhidas de acordo com a permissão de utilização em relação à via de administração. O corante marrom caramelo, por exemplo, pode ser utilizado em produtos de uso tópico e oral, desde que não seja destinado a pacientes infantis. Por outro lado, o corante vermelho 40, como é um corante de uso alimentício, não tem restrições para utilização em medicamentos (ANVISA, 2019). Saiba mais Para saber informações sobre as substâncias corantes e permissões de utilização, consulte: ANVISA. Farmacopeia brasileira. 6. ed. Brasília: Anvisa, 2019. v. 1. Antioxidantes São agentes que auxiliam na manutenção da estabilidade da formulação, caso haja um risco potencial da ocorrência de oxidação de algum dos componentes da formulação. Como agentes antioxidantes, podem ser mencionados: ácido ascórbico, alfa-tocoferol (vitamina E), ácido cítrico, BHA, BHT e metabissulfito de sódio, entre outros. Quelantes Também funcionam como antioxidantes, através da complexação de metais que podem catalisar reações de oxidação. Exemplo: EDTA. Agentes isotonizantes São empregados em preparações oftálmicas, nasais e injetáveis, nas quais se faz necessária a correção da tonicidade da formulação. O cloreto de sódio é o agente de tonicidade mais comumente empregado. Além desses componentes, eventualmente pode ser necessário o ajuste do pH da formulação. Para isso, podem ser utilizados tampões como o fosfato ou citrato. 51 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL 3.4 Estabilidade física das suspensões A estabilidade física das suspensões está relacionada com a manutenção das suas características físicas após o seu preparo. Nesse sentido, as condições de sedimentação e redispersibilidade, assim como a viscosidade da fase dispersante, previamente discutidas, são de grande importância para que se tenha certa estabilidade física (DE MATTA, 2021). Alguns pontos importantes nesse contexto são a avaliação da velocidade de sedimentação, assim como a densidade e facilidade com que o sedimento formado é redisperso (BARKER, 2016). A velocidade de sedimentação é obtida por meio da homogeneização da suspensão e inserção em uma proveta graduada. Inicialmente é feita a medida da altura total do líquido (A1), que contém o líquido dispersante e o fármaco disperso. Com o passar do tempo, é feita a medida da altura do sedimento (A2), em diferentes intervalos de tempo. Por meio da relação A2/A1 se tem a velocidade de sedimentação. Por meio dessa medida, é possível estimar se a suspensão terá uma sedimentação mais rápida ou mais lenta (PRISTA et al., 2008). 7 mL t = 2 h A2 10 mL t = 1 h A2 15 mL t = 0 A1 Figura 17 – Acompanhamento da velocidade de sedimentação Associadas à velocidade de sedimentação, medidas de peso e volume da suspensão (densidade) e agitação para verificar a capacidade de redispersão auxiliam na avaliação da estabilidade física das suspensões (BARKER, 2016). É ainda importante que esse tipo de forma farmacêutica não apresente alterações de coloração e odor durante o seu uso. 3.5 Processos produtivos e equipamentos Quando se pensa no preparo de uma suspensão, a primeira questão a se discutir é a utilização do fármaco em partículas de tamanho reduzido. Dependendo do tamanho de partícula da matéria-prima adquirida, é possível que seja necessária a sua redução e, para isso, quando se trabalha em pequena escala, como na farmácia de manipulação, podem ser utilizados o gral e o almofariz (figura 18). No 52 Unidade I contexto da produção em escala industrial, são utilizados micronizadores (figura 19), cujo processo consiste na injeção de ar comprimido dentro de uma câmara, fazendo com que as partículas do fármaco colidam umas com as outras e com as paredes do equipamento, havendo, portanto, redução do seu tamanho (PATEL; KENNON; LEVINSON, 2010). Figura 18 – Almofariz e pistilo de porcelana Alimentação Câmara de micronização Injeção de ar Coletor Ar para micronização Figura 19 – Esquema de um equipamento de micronização por ar comprimido Adaptada de: Chamayou e Dodds (2007). Para que se possa estabelecer uma padronização do tamanho de partícula utilizado na formulação, logoapós o processo de micronização, pode-se tomar uma amostra da matéria-prima e avaliar se a distribuição de seu tamanho está de acordo com a especificação necessária. Uma técnica bastante utilizada é a difração de raios laser, que, ao final do ensaio, gera um histograma com a distribuição do tamanho de partícula do material. Na figura a seguir, é possível observar que a curva resultante da 53 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL matéria-prima após a micronização (a) está situada em uma faixa de tamanho menor do que a curva que representa a distribuição do tamanho de partícula da amostra antes da micronização. 10 Distribuição de tamanho de partícula 0.01 Vo lu m e (% ) 0.1 0 2 4 6 8 1 10 Tamanho da partícula (µm) 100 1.000 3.000 A) B) Figura 20 – Resultado de uma análise de tamanho de partículas: A) após a micronização; B) antes da micronização Em seguida se tem o processo de mistura dos sólidos entre si e com a fase dispersante líquida. Na farmácia essa etapa pode ser iniciada no próprio almofariz, sendo realizada, posteriormente, a transferência de seu conteúdo para um copo graduado, de modo a adicionar os demais componentes e finalizar a preparação. No âmbito industrial, em geral, essas misturas são feitas em tanques como os apresentados nas figuras a seguir. A) B) Figura 21 – Tanque de mistura para suspensões e emulsões: A) visualização externa do equipamento; B) ilustração do sistema de agitação na parte interna do equipamento Fonte: Pathak e Thassu (2010, p. 252). 54 Unidade I Figura 22 – Tanque industrial de mistura de elevada capacidade Fonte: Pathak e Thassu (2010, p. 251). Após a etapa de manipulação, a formulação segue para o envase. Para isso, é importante que a suspensão possua viscosidade adequada, de modo que não ocorram problemas durante o processo de enchimento dos frascos (próxima figura). Figura 23 – Etapa de envase da suspensão Fonte: Allen Jr. e Ansel (2014, p. 458). 55 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL 3.6 Acondicionamento Em geral, as suspensões líquidas ou as extemporâneas são acondicionadas em frascos de vidro âmbar para proteção da luz, entretanto também são encontrados produtos em embalagens de plástico e sachês (figura 24). No caso dos frascos, a suspensão não deve ocupar todo o volume, ou seja, deve-se ter um espaço suficiente para que se consiga homogeneizá-la por agitação. No caso das extemporâneas (figura 25), há uma indicação do limite para a inserção do veículo (ALLEN JR.; ANSEL, 2014). A) B) C) Figura 24 – Embalagens utilizadas para o acondicionamento de suspensões Adaptada de: B) https://bit.ly/3FZAljh. Acesso em: 30 nov. 2021; C) Amarji et al. (2018, p. 528). Nível de água Figura 25 – Indicação do nível do veículo em preparação de suspensão extemporânea Além do frasco, as embalagens de suspensão devem trazer um dispositivo de medida para permitir a retirada do volume que contenha a dose correta da substância ativa. Para uso adulto, em geral são utilizadas colheres ou copos medidores (figura 26). Para uso infantil é muito comum a utilização de seringas ou outros sistemas que facilitem a administração do medicamento para a criança (figura 27). 56 Unidade I Colher de chá = 5 mL Colher de sopa = 15 mL A) B) Figura 26 – Dispositivos de medida utilizados em suspensões para uso adulto Adaptada de: Amarji et al. (2018). Figura 27 – Dispositivos de medida utilizados na administração de suspensões para crianças Fonte: Allen Jr. e Ansel (2014, p. 463). Lembrete Assim como as soluções orais, as suspensões devem ser preparadas em concentrações adequadas, em que o volume necessário seja múltiplo de 2,5 mL ou 5 mL, para facilitar o doseamento. 3.7 Formulário das suspensões De modo a demonstrar a grande utilização dessa forma farmacêutica e para exemplificar quais substâncias são geralmente empregadas no preparo das suspensões, seguem alguns exemplos de formulação. 57 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Suspensão anti-inflamatória, antipirética e analgésica (DE MATTA, 2021) Piroxicam 0,9 g Polissorbato 20 3,0 g Glicerina 20 mL Sacarose 20 g Celulose microcristalina 1,0 g Metilparabeno 0,1 g Propilparabeno 0,03 g Fosfato de potássio dibásico 0,05 g Álcool q.s. Flavorizante q.s. Água q.s.p. 100 mL Suspensão antiácida de hidróxido de alumínio (ALLEN JR.; ANSEL, 2014) Gel de hidróxido de alumínio 32,7 g Sorbitol 70% 28,2 mL Xarope simples 9,3 mL Glicerina 2,5 mL Metilparabeno 0,09 g Propilparabeno 0,03 g Flavorizante q.s. Água q.s.p. 100 mL Suspensão de calamina (ANVISA, 2012) Calamina 8,0 g Óxido de zinco 28,2 mL Glicerol 2,0 mL Magma de bentonita* 25,0 mL Solução conservante de parabenos** 1 mL Água q.s.p. 100 mL * Dispersão de 5% (p/v) de bentonita em água ** Solução de 6% de metilparabeno (p/p) e 3% de propilparabeno (p/p) em propilenoglicol Suspensão anti-inflamatória oftálmica (PRED FORT®, 2021) Acetato de prednisolona 10 mg/mL Excipientes: Polissorbato 80, ácido bórico, citrato de sódio hidratado, bissulfito de sódio, cloreto de sódio, edetato dissódico, hidroxipropilmetilcelulose, cloreto de benzalcônio e água purificada q.s.p. 5 mL. Suspensão injetável (DIPROSPAN®, 2021) Dipropionato de betametasona (equivalente a 5 mg de betametasona) 6,43 mg Fosfato dissódico de betametasona (equivalente a 2 mg de betametasona) 2,63 mg Excipientes: Fosfato de sódio dibásico, cloreto de sódio, edetato dissódico, polissorbato 80, álcool benzílico, metilparabeno, propilparabeno, carmelose sódica, macrogol, ácido clorídrico e água para injetáveis q.s.p. 1 mL 58 Unidade I Exemplo de aplicação Avalie a formulação da suspensão antitérmica e analgésica e indique qual a função farmacotécnica de cada um dos componentes: Fórmula do medicamento Alivium® (ALIVIUM, 2021) Ibuprofeno (30 mg/ml) Aroma artificial de frutas roxas Ciclamato de sódio Glicerol Goma xantana Benzoato de sódio Propilenoglicol Dióxido de titânio Ácido cítrico Sucralose Sacarina sódica Sorbitol Água purificada Resolução Ibuprofeno (30 mg/ml) – substância ativa Aroma artificial de frutas roxas – flavorizante Ciclamato de sódio – edulcorante Glicerol – glicerina – edulcorante/agente molhante Goma xantana – agente suspensor Benzoato de sódio – conservante Propilenoglicol – agente molhante Dióxido de titânio – pigmento (fornece coloração branca) Ácido cítrico – corretor de pH Sucralose – edulcorante Sacarina sódica – edulcorante Sorbitol – edulcorante Água purificada – veículo 4 EMULSÕES Emulsões se definem como misturas heterogêneas, contendo ao menos um líquido disperso em outro imiscível, na forma de glóbulos apresentando diâmetros de forma geral maiores que 0,1 μm (KNOLTON, 2006). Christopher e Dawn (2008) definiram emulsão como um sistema bifásico constituído de dois líquidos imiscíveis atuando com uma fase interna (fase dispersa) fina e uniformemente dividida na forma de gotículas ao longo da segunda fase denominada externa (fase contínua). 59 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL O termo farmacêutico “emulsão” é comumente utilizado para se referir a formulações de uso interno (oral, parenteral). As emulsões para uso externo recebem geralmente os termos “creme” e “loção” (CHRISTOPHER; DAWN, 2008). A emulsificação é uma técnica amplamente utilizada pela indústria farmacêutica, cosmética, agrícola e alimentar que visa a utilização de água e lipídios em uma única formulação semissólida. Vem sendo destacada como a forma farmacêutica mais atrativa para a cosmetologia e farmacologia. As emulsões são muito utilizadas em produtos farmacêuticos e cosméticos, pois possuem sensorial agradável na opinião dos usuários (MASSON, 2005). 4.1 Vantagens e desvantagens do uso de emulsões Esses sistemas apresentam uma série de vantagens que se sobrepõe às desvantagens (ALMEIDA, 2008; CAMARGO, 2008; FORMARIZ, 2005; SANTOS, 2011). Entre as vantagens, podemos destacar: • ampla aplicabilidade em diferentes áreas da saúde; • sistema de liberaçãodirecionada de fármacos; • administração por várias vias (parenteral, tópica, oral); • veículo de compostos com diferente polaridade; • uso em pacientes pediátricos e geriátricos; • capacidade de mascarar as características organolépticas, como odor e sabor desagradáveis; • grande versatilidade; • fácil remoção da pele; • sensorial agradável. Já com relação às desvantagens, destacamos: susceptibilidade a reações de instabilidade microbiológica devido à presença de água; instabilidade físico-química, incluindo reações de degradação tanto da fase oleosa quanto do fármaco, que podem ocorrer devido a fatores intrínsecos ou extrínsecos à formulação. Além disso, as emulsões estão sujeitas a fenômenos relacionados à união de gotículas da fase interna, que podem levar à separação das fases. Esses fenômenos serão elencados mais à frente, neste capítulo. 60 Unidade I 4.2 Componentes das emulsões As emulsões são compostas de três fases: aquosa, oleosa e tensoativa, podendo ser de água em óleo (A/O) ou de óleo em água (O/A) (figura a seguir). Microemulsão A/O Microemulsão O/A Água Óleo Figura 28 – Esquema representativo de emulsões A/O ou O/A Fonte: Oliveira et al. (2004). Em seguida, estudaremos os componentes das emulsões. 4.2.1 Fase aquosa Na fase aquosa de uma emulsão, além da água, devem estar presentes outras substâncias hidrofílicas de interesse, como as indicadas a seguir. Sequestrantes Sequestrantes ou quelantes podem ser utilizados para evitar reações de oxidação causadas por radicais livres. Exemplo: EDTA dissódico. Antioxidantes Antioxidantes hidrossolúveis podem ser adicionados para prevenir oxidação das substâncias presentes nessa fase. Exemplo: sulfito de sódio, metabissulfito de sódio. Conservantes antimicrobianos Uma vez que a preparação contém água, faz-se necessária a adição de conservantes para evitar a proliferação microbiológica. Exemplo: parabenos (metilparabeno, propilparabeno). Espessantes Doadores de viscosidade, tais como os coloides hidrofílicos, podem ser utilizados para essa função especificamente e também para aumentar a estabilidade de emulsões, uma vez que retardam o processo de separação das fases aquosa e oleosa. Exemplo: gomas (arábica, xantana, guar etc.), derivados da celulose (carboximetilcelulose – CMC, metilcelulose etc.). 61 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Umectantes Os umectantes evitam perda de água da preparação através de evaporação. Entre os umectantes mais utilizados estão os polióis, como glicerina, propilenoglicol e sorbitol. 4.2.2 Fase oleosa Na fase oleosa da emulsão estarão presentes os compostos lipofílicos. Óleo Muitas vezes o próprio fármaco é o principal componente da fase oleosa, como é o caso do benzoato de benzila, insumo ativo com ação escabicida. Outros exemplos de óleos que podem ser utilizados para obtenção de efeito terapêutico são o óleo de fígado de bacalhau e óleo mineral, que, utilizados por via oral, proporcionam suplementação de vitaminas A e D e efeito laxativo respectivamente. Entre os óleos que podem ser utilizados para via parenteral estão o óleo de amendoim, de gergelim, de soja, de semente de algodão etc. Para uso tópico, de modo geral, é possível se utilizar óleos de origem mineral e vegetal, além de ceras e ésteres de ácidos graxos e álcoois graxos. Antioxidantes Antioxidantes lipossolúveis, como BHA, BHT, tocoferol, são adjuvantes importantes para evitar a oxidação de componentes de fase oleosa. Conservantes antimicrobianos Apesar de não ser comum a proliferação microbiana em meio oleoso, é possível adicionar conservantes lipofílicos nessa fase, como é o caso do propilparabeno. Emolientes Emolientes são substâncias lipofílicas que proporcionam maciez, sensorial agradável à pele, por isso podem ser adicionados a emulsões para uso tópico. 4.2.3 Tensoativos Para a formação de uma emulsão é necessária a utilização de agentes tensoativos, que agem através da diminuição da tensão interfacial entre óleo e água, imprescindíveis para a formação desses sistemas (CALLENDER et al., 2017). São adicionados com o objetivo de estabilizar o sistema (AGARWAL; RAJESH, 2007). 62 Unidade I Observação Em emulsões, os tensoativos são usualmente denominados emulsificantes, agentes emulsivos ou emulgentes. Os tensoativos ou agentes emulsificantes são compostos orgânicos anfifílicos ou anfipáticos, possuindo em sua estrutura química grupamentos hidrofílicos (cabeças) e hidrofóbicos (caudas). Esses compostos apresentam solubilidade tanto em solventes polares quanto em apolares (CORAZZA et al., 2010). Os tensoativos (próxima figura) são moléculas capazes de conferir estabilidade a formulações de várias vias de administração. O O Na Parte apolar Parte polar Figura 29 – Representação da molécula de dodecanoato de sódio Adaptada de: Daltin (2012). O tensoativo, também chamado de emulsificante nesses sistemas, forma uma fina película em torno da fase dispersa ou interna. É importante salientar que as fases dispersa e contínua podem apresentar consistência variada desde líquidas, também chamadas de leites, até semissólidas, apresentando variação de tamanho de fase interna entre 0,1 a 100 µm. Outra função dos tensoativos quando em aplicação tópica é a de aumentar a permeabilidade de membranas biológicas como a pele (SARPOTDAR; ZATZ, 1986; SHOKRI et al., 2001), já que estes em sua maioria apresentam compatibilidade e fácil interação com os componentes lipídicos encontrados na pele (CORAZZA et al., 2010; ERDAL et al., 2016). As moléculas de tensoativo, quando solubilizadas em água em baixas concentrações, se apresentam na forma de monômeros, porém podem se agregar quando em concentrações mais altas e passam a formar o que pode ser chamado de micelas. Essa reunião de moléculas em agregados supramoleculares promove a redução da energia livre do sistema (GUO; RONG; YING, 2006). Os emulsificantes possuem uma classificação, sendo eles aniônicos, catiônicos, anfotéricos e não iônicos. Essa classificação depende da carga do grupamento encontrado nas cabeças das moléculas. A classe em que essas moléculas se encontram descreve as propriedades físico-químicas e aplicação de cada uma delas. 63 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL A seleção do emulsionante que se adeque mais ao sistema deve considerar as ligações químicas, tais como forças de Van der Waals, interação eletrostática e polaridade (ROSEN, 2012). Os emulsionantes se dividem em três classes, quando o objetivo é aplicação em emulsões O/A: emulsionantes aniônicos, catiônicos e não iônicos. 4.2.3.1 Tensoativos aniônicos Os aniônicos (próxima figura) são, historicamente, o tipo de surfactante mais antigo e mais comum. Quando pensamos em detergentes ou sabões comuns, são os surfactantes aniônicos que fazem a lavagem. Os surfactantes aniônicos também são usados em formulações farmacêuticas para aumentar a eficiência dos ingredientes ativos por ligação direta ao medicamento ou por aumentar a adsorção ou absorção e a partição de medicamentos entre os compartimentos hidrofóbico e hidrofílico em órgãos e organismos (YUSHMANOV et al., 1994). Estearato de sódio H3C C O O117 - Estearilsulfonato de sódio H3C C S + + Na Na O O O 117 + + - Estearilsulfato de sódio H3C C SO + NaO O O 117 +- Figura 30 – Exemplos de tensoativos aniônicos Os grupos polares aniônicos mais comuns são o carboxilato, sulfato e o fosfato. A maioria dos emulsionantes aniônicos é produzida com cadeia carbônica entre 12-18 carbonos, pois nessa condição a solubilidade da porção oleosa é mais adequada. Os contraíons mais utilizados são sódio, potássio, amônio e cálcio. Para os emulsionantes iônicos, o contraíon pode desempenhar importantes funções em suas propriedades físico-químicas, afetando, principalmente, a solubilidade em água (ROSEN, 2012). O sódio e o potássio promovem a rápida dissociação do emulsionante e uma elevada solubilidade em água, enquanto o cálcio auxilia na solubilidade do óleo. Por causa disso, osemulsionantes com contraíons de cálcio são normalmente utilizados na preparação de emulsões O/A (DALTIN, 2012; ROSEN, 2012). 64 Unidade I A seguir verificamos um exemplo de emulsão aniônica. Tabela 8 – Formulação de emulsão aniônica Componentes Quantidade Fase aquosa EDTA dissódico 0,1 g Solução conservante de parabenos 3,3 g Água purificada 100 g Fase B (oleosa) Estearato de octila 6 g Álcool cetoestearílico, cetilestearilsulfato de sódio 15 g Butil-hidroxitolueno 0,05 Fase C (complementar) Ciclometicone 2 g Solução conservante de imidazolidinilureia (50%) 0,6 g Fonte: Anvisa (2012, p. 172). 4.2.3.2 Tensoativos catiônicos O tipo mais comum de surfactantes catiônicos (próxima figura) são os compostos de amônio quaternário (QAC). Essas moléculas contêm pelo menos uma cadeia de hidrocarboneto hidrofóbica ligada a um átomo de nitrogênio carregado positivamente; outros grupos alquil, tais como grupos metil ou benzil, atuam como substituintes. Eles são amplamente utilizados em detergentes, amaciantes de roupas e condicionadores de cabelo, e também como desinfetantes, devido à sua atividade antibacteriana contra bactérias Gram-negativas e Gram-positivas, bem como contra algumas espécies patogênicas de fungos e protozoários. São tóxicos, mas aceitáveis para aplicação tópica (produtos para bochechos, antissépticos orais). Existem relatos de efeitos prejudiciais de surfactantes catiônicos em linfócitos humanos (THORSTEINSSON et al., 2003) Cloreto de dicetildimetilamônio Brometo de cetiltrimetilamônio C16H33 C16H33 CH3 CH3 N CI -+ C16H33 CH3 CH3 CH3 N Br -+ Figura 31 – Estruturas químicas de tensoativos catiônicos A maioria dos emulsionantes catiônicos apresenta pelo menos um átomo de nitrogênio como carga positiva. Tanto aminas como produtos baseados em quaternários de amônio são bastante comuns. As aminas somente funcionam como emulsionantes catiônicos quando protonadas, portanto só podem ser 65 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL utilizadas como emulsionantes catiônicos em meios ácidos. Os compostos quaternários de amônio já não são tão sensíveis a variações de pH (DALTIN, 2012). A seguir observa-se um exemplo de emulsão catiônica (condicionador capilar). Tabela 9 – Formulação de emulsão catiônica Componentes Quantidade Fase aquosa EDTA dissódico 0,1 g Solução conservante de parabenos 3,3 g Água purificada 100 g Fase B (oleosa) Petrolato líquido 2 g Álcool cetoestearílico 30/70 4 g Butil-hidroxitolueno 0,05 g Fase C (complementar) Cloreto de cetiltrimetilamônio a 50% 2 g Fonte: Anvisa (2012, p. 169). 4.2.3.3 Tensoativos não iônicos A atividade de superfície dos surfactantes não iônicos deriva de um equilíbrio entre as estruturas hidrofóbicas e hidrofílicas contidas na molécula do surfactante. Eles não se dissociam em íons na solução de água, então a solubilidade dessas substâncias é fornecida por seus grupos de cabeças polares. A parte hidrofóbica dos surfactantes não iônicos é geralmente um derivado de fenol alquilado, ácido graxo ou álcool linear de cadeia longa. A parte hidrofílica é geralmente uma cadeia de óxido de etileno de vários comprimentos. Com sua falta de carga, os surfactantes não iônicos são compatíveis com os surfactantes catiônicos e aniônicos. Os surfactantes não iônicos são amplamente usados como emulsificantes, agentes umectantes e agentes de estabilização de espuma. Eles também são usados com sucesso em vários processos biotecnológicos e para facilitar a solubilização e aumentar a estabilidade do carreador do fármaco (GARCIA; CAMPOS; RIBOSA, 2007). Os emulsionantes não iônicos (próxima figura) não se dissociam em íons em solução aquosa e, por isso, são compatíveis com qualquer outro tipo de emulsionante, sendo muito utilizados em formulações complexas como coemulsionante ou emulsionante secundário. 66 Unidade I HO OH OH RO Laurato de sorbitano R = OOC(C11H23) Estearato de sorbitano R = OOC(C17H35) Oleato de sorbitano R = OOC(C17H33) Figura 32 – Estruturas químicas de tensoativos não iônicos, conhecidos comercialmente como Span® Existem diversos tipos de emulsionantes não iônicos, mas o mercado é dominado pelos etoxilados, nos quais o grupo hidrofílico é formado por uma cadeia de moléculas de óxido de eteno polimerizada, fixada a uma parte apolar (DALTIN, 2012; ROSEN, 2012), como é o caso dos ésteres de sorbitano etoxilado ou polissorbatos, conhecidos comercialmente por Tween®. A tabela a seguir aponta um exemplo de emulsão não iônica. Tabela 10 – Formulação de emulsão não iônica Componentes Quantidade Fase aquosa EDTA dissódico 0,1 g Solução conservante de parabenos 3,3 g Água purificada 100 g Fase B (oleosa) Cera autoemulsionante, álcool cetoestearílico, cetearete 20, óleo mineral, álcool de lanolina e vaselina 15 g Dimeticona 2 g Butil-hidroxitolueno 0,05 g Estearato de octila 2 g Fase C (complementar) Solução conservante de imidazolidinilureia (50%) 0,6 g Fonte: Anvisa (2012, p. 175). 4.2.3.4 Tensoativos anfotéricos O comportamento dos tensoativos anfotéricos (próxima figura) depende do pH. Em meio aquoso, suas moléculas são capazes de mudar a carga de catiônico (em pH ácido) para aniônico (em pH alcalino), sendo seu comportamento zwitteriônico em pH intermediário (SINGH; BAJPAI; TYAGY, 2007). 67 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Alquilimidazolina CH2.CO.ON CH2.CH2.OH R C N CH2 CH2 -+ Alquilbetaína CH3 CH3 CH2.CH2.CO.O NR - + Figura 33 – Estruturas químicas de tensoativos anfotéricos Observação Forma zwitteriônica, isoelétrica ou eletricamente neutra é aquela em que as cargas positivas e negativas se equilibram, conferindo carga total nula para a molécula. O quadro a seguir demonstra uma classificação de tensoativos quando em solução. Quadro 3 – Descrição dos tensoativos sintéticos ou semissintéticos em solução aquosa Tipo Mecanismo Exemplo Aniônicos Íons carregados negativamente O/A – sabões de metais alcalinos e de amônio (sais sódicos e potássicos ou amônia de ácidos graxos de cadeia longa), sabões aminados (trietanolamina) compostos sulfatados e sulfonados (lauril sulfato de sódio) e sais divalentes Catiônicos Dissociam-se formando íons positivos Cetrimida Não iônicos Balanço entre as porções hidrofóbicas e hidrofílicas Ésteres de glicerina e glicosídeos Anfotéricos Grupamentos positivamente e negativamente carregados dependendo do pH do sistema Lecitina, N-alquilaminoácidos Adaptado de: Allen Jr., Popovich, Ansel (2013); Aulton (2005); Florence (2003); Lachman, Liederman e Kanig (2001). 4.2.3.5 Outros agentes emulsificantes Além dos tensoativos, outros agentes emulsificantes podem ser utilizados no preparo de emulsões, como os de origem natural e os sólidos finamente divididos. Agentes emulsificantes de origem natural Nesta classificação estão incluídos os coloides hidrofílicos, como a gelatina e as gomas (xantana, arábica, acácia etc.). 68 Unidade I Sólidos finamente divididos Entre essas substâncias podemos citar as argilas coloidais, como bentonita e Veegum®, e hidróxidos metálicos, como hidróxido de magnésio. Observação Os derivados da celulose, como CMC, metilcelulose, entre outros, também são considerados coloides hidrofílicos e têm aplicação no preparo de emulsões. De forma geral, emulsionantes predominantemente hidrofílicos favorecem a formação de emulsões de óleo em água (O/A). Já os predominantemente lipofílicos favorecem a formação de emulsões água em óleo (A/O) (LACHMAN; LIEDERMAN; KANIG, 2001). A figura a seguir demonstra a organização dos emulsionantes ao constituir micelas que, por sua vez, formam uma emulsão óleo em água (O/A). S80 S60 T40 OH OH OH OHOH OH OH OH OH S80 S80 T40 OH OH OH OH OH OH O OO O O O O O O O O Cadeia de hidrocarboneto Cadeia de polioxietileno Óleo Óleo Água OO O O Figura 34 – Esquema da organização das gotículas de uma emulsão óleo em água (O/A) Fonte: Franzol e Rezende (2015, p. 2). 4.3 Tipos de emulsão As emulsões são classificadas emtrês formas distintas: óleo em água (O/A), água em óleo (A/O) e emulsões múltiplas, sendo a primeira fase dispersa e a segunda contínua (VIANNA FILHO, 2009). 69 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Observação As emulsões O/A e A/O são denominadas emulsões simples, pois, diferentemente das emulsões múltiplas, apresentam apenas uma fase dispersa (interna). 4.3.1 Emulsão de óleo em água Emulsões farmacêuticas geralmente consistem em misturas de fase aquosa com vários óleos e ceras. Se as gotículas de óleo são dispersas em toda a fase aquosa, a emulsão é denominada óleo em água (O/A). Gorduras ou óleos para administração oral, sejam fármacos em si, sejam veículos para fármacos solúveis em óleo, são sempre emulsões de óleo em água (O/A) (AULTON, 2005). Apresentam sensorial não gorduroso, sendo facilmente removidas da superfície da pele, além disso podem ser utilizadas externamente para proporcionar efeito refrescante e internamente para mascarar o sabor amargo do óleo. Fármacos solúveis em água são liberados mais rapidamente da emulsão O/A. Uma vez que a água é um bom condutor de eletricidade e é a fase externa, observa-se condutividade positiva para as emulsões O/A. 4.3.2 Emulsões de água em óleo A emulsão água em óleo (A/O) é um sistema em que gotículas de água estão dispersas na fase contínua de óleo. As emulsões de água em óleo terão um efeito oclusivo, hidratando o estrato córneo e inibindo a evaporação das secreções écrinas. Tem efeito na absorção de medicamentos. A emulsão A/O também é útil para limpar a pele de sujeira solúvel em óleo, embora sua textura oleosa nem sempre seja cosmeticamente aceitável (AULTON, 1996). São gordurosas e não laváveis com água, sendo usadas externamente para evitar a evaporação da umidade da superfície da pele. Fármacos solúveis em óleo são liberados mais rapidamente da emulsão A/O. Essas emulsões apresentam testes de condutividade negativos, já que o óleo, na fase externa da emulsão, é um mau condutor de eletricidade (JAVED et al., 2008). 4.3.3 Emulsões múltiplas A estrutura desse tipo de emulsão é diferente e mais complexa das demais. Os tipos mais comuns são água/óleo/água (A/O/A) e óleo/água/óleo (O/A/O). As emulsões A/O/A são formadas por gotas de água dispersas em gotas de óleo, sendo essa formação dispersa em fase aquosa, a qual denominamos de fase aquosa externa (BOUYER et al., 2012). Já nas emulsões O/A/O observamos gotículas de óleo dispersas em água, sendo estas dispersas em fase oleosa, sendo denominada fase oleosa externa. 70 Unidade I Desse modo, observamos que as emulsões múltiplas apresentam tanto gotículas de água quanto de óleo dispersas na fase interna da emulsão. Esse tipo de sistema emulsionado é geralmente utilizado no preparo de micro e nanoencapsulados hidrofílicos e lipofílicos, quando estes estão em forma física sólida ou semissólida. Como exemplos podemos citar minerais, probióticos, corantes, vitaminas (HILL, 1996; MCCLEMENTS et al., 2009; PERRECHIL, 2008; WALSTRA; VAN VLIET, 2010). As emulsões múltiplas são pouco estáveis termodinamicamente, apresentando alterações estruturais. Como são sistemas especiais e nanoestruturados acabam perdendo seus ativos encapsulados. Dessa forma, análises devem ser feitas e a perda deve ser mínima para seu uso seguro (HERZI et al., 2014; MUSCHIOLIK, 2007). A figura a seguir apresenta uma representação esquemática dos três tipos de emulsões, água em óleo (A/O), óleo em água (O/A) e múltiplas. 1 3 2 4 A2 A1 A O O O A A O O Em ul sõ es si m pl es Em ul sõ es m úl tip la s Figura 35 – Esquema representativo de emulsões O/A (1), A/O (2), emulsão múltipla A/O/A (3) e emulsão múltipla O/A/O (4) Adaptada: Bouyer et al. (2012, p. 361). 4.3.3.1 Elaboração de emulsão múltipla São necessárias duas etapas para a produção das emulsões múltiplas contando com o uso de dois tensoativos. Um deles deve ser hidrofílico (com alto valor de EHL), tal como o polisorbato 80 (Tween 80®). O outro deve ser lipofílico (com baixo valor de EHL), tal como o monoestearato de glicerila (AKHTAR et al., 2013; HERZI et al., 2014; WALSTRA; VAN VLIET, 2010). 71 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL 4.4 Teorias da emulsificação Há várias teorias que explicam como a emulsificação ocorre. Entre as mais importantes estão a da tensão interfacial, da cunha orientada e do filme interfacial (SANTOS, 2011). 4.4.1 Teoria da tensão interfacial A tensão interfacial explica o que ocorre ao contato de um líquido com outro líquido imiscível. Esses tensoativos reduzem essa resistência que existe entre eles para a fragmentação em gotas ou partículas menores, facilitando esse processo. Isso porque reduzem a tensão interfacial entre dois líquidos imiscíveis, diminuindo a atração entre as próprias moléculas (ANSEL, 2007). 4.4.2 Teoria da cunha orientada Esta se baseia na ideia de que alguns tensoativos se orientam ou se curvam na superfície e no interior do líquido e, dessa forma, sua solubilidade é refletida nesse líquido. A fase externa será aquela em que o tensoativo é mais solúvel, ou seja, emulgentes mais hidrófilos do que hidrófobos darão origem a uma emulsão O/A, pois penetram mais na fase aquosa que se curvará envolvendo a fase oleosa e vice-versa (SANTOS, 2011). 4.4.3 Teoria do filme interfacial A teoria do filme interfacial defende que o tensoativo se localiza na interface entre o óleo e a água através de filme adsorvido na superfície das gotículas. O filme evita o contato entre as gotas evitando assim a coalescência da fase dispersa. A efetividade se dá quanto mais resistente e flexível for esse filme, e dessa forma maior será a estabilidade (ANSEL, 2007). 4.5 Técnica de emulsificação Há uma série de fatores que são imprescindíveis para a formação de uma emulsão. O aquecimento e a agitação são os fatores mais importantes. Quando um líquido é adicionado em outro líquido sob agitação, há a quebra da fase oleosa em pequenas gotículas. Se o processo for industrial, o uso de equipamentos específicos favorecerá o processo. Velocidade de agitação é um fator preponderante. A introdução de tensoativos fará com que essas gotas se mantenham separadas, pois diminui sua tensão interfacial. Mesmo após a quebra inicial das gotículas, estas continuam a ser sujeitas às mesmas forças devido ao movimento turbulento que leva à nova diminuição em gotículas menores (MILAN et al., 2007). O grau de agitação utilizado está relacionado ao volume total de líquido a ser agitado. Além disso, deve ser em função da viscosidade do sistema emulsionado e da tensão interfacial óleo-água. A emulsificação depende do tipo de emulsão e da proporção entre a fase aquosa e oleosa e do tipo e concentração dos tensoativos (LACHMAN; LIEDERMAN; KANIG, 2001). 72 Unidade I Durante a agitação é comum ocorrer a formação de espuma. Isso acontece devido à presença de tensoativo. Como ele é solúvel em água, também reduz a tensão interfacial entre o ar e a água, o que leva à incorporação de ar pela emulsão. Quase todas as técnicas de produção de emulsões comumente vertem uma fase sob a outra (geralmente aquosa sobre a oleosa), porém estas devem estar na mesma temperatura para que a emulsão se forme adequadamente. Caso contrário, esses componentes podem perder calor e se solidificarem antes que sejam incorporados na emulsão. Se isso ocorrer, haverá a formação de grumos, o que pode gerar falta de estabilidade do sistema (COLAFEMMINA et al., 2020). Uma técnica comum de preparo de emulsões é separar os componentes da fase aquosa e oleosa e aquecer até 75-85 ºC, com agitação (figura 36), e, após misturar uma fase na outra, agitando até resfriamento. Fase A (oleosa) Fase B (aquosa) 75-85 °C Banho de aquecimento Figura 36 – Preparo de emulsão 4.6 Estabilidade de emulsões Como qualquer outra forma farmacêutica, as emulsões são susceptíveis a reações de instabilidade. A seguir estão elencados alguns fatores que podem contribuir para reações de instabilidade. 4.6.1 Instabilidadefísica nas emulsões As emulsões são sistemas muito conhecidos na área farmacotécnica por possuírem estabilidade termodinâmica pequena. Essa característica pode ser observada através do tempo decorrido para a separação de fases e outros fenômenos, tais como coalescência, cremeação (cremagem) e floculação, além da quebra total da emulsão. A dinâmica comportamental de uma emulsão depende de forma muito intensa das dimensões das gotas da fase dispersa ou mesmo das bolhas formadas (DALTIN, 2012). A noção de estabilidade em emulsões é dada por meio do tempo necessário para o início visual de separação de fases e pode levar de alguns minutos a alguns anos. Emulsões muito estáveis demoram muito tempo para separar fases e o processo de separação pode ser variável. Esse tempo esperado para o início de separação é relativo à aplicação da emulsão (ROSEN, 2012; TATTERSON, 2002). 73 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Vejamos a seguir alguns tipos de instabilidade física que podem ocorrer com as emulsões. Sedimentação ou creaming A sedimentação ou creaming ocorre quando há diferença de densidade entre as fases. Há, então, o movimento de uma das substâncias para a superfície da emulsão. Pode ou não ocorrer a floculação das gotas. É um evento reversível, sendo que a emulsão retorna à sua situação original após leve agitação. Floculação O evento da floculação ocorre através da colisão entre as gotículas em função da energia livre, que faz com que a gotas tendam à aproximação. A coalescência pode ocorrer e gerar a formação de glóbulos maiores. É causada pelas forças de atração de Van der Waals. O processo é reversível e pode não ocorrer coalescência (TOPAN, 2012). Coalescência Coalescência de uma emulsão ocorre com a união de duas ou mais parcelas de uma fase em prol da formação de uma única. É comum encontrar o termo “única” ao se referir à formação de uma gotícula de água líquida única, por reunião de duas ou mais gotículas que entram em colisão. Esse termo também é largamente utilizado quando ocorre a junção de duas ou mais bolhas de ar dispersas em um líquido, de modo que elas se fundem em menos bolhas, mas de maiores dimensões (DALTIN, 2012). a b c d e Fluido 1 Fluido 3 Fluido 2 Abordagem Coalescência total Tempo de residência Coalescência parcial Coalescência Força dirigente: gravidade Figura 37 – Modelo de um problema de gota-líquido no processo de coalescência Adaptada de: Kavehpour (2015). 74 Unidade I A figura anterior representa esquematicamente o processo de coalescência entre duas gotas. Na figura, a fase dispersa é representada pela cor azul (fluido 1). O processo de coalescência envolve a drenagem do filme fino da fase contínua formado entre as duas interfaces, como é visto na figura 37b. Quando esse filme é rompido, ocorre a coalescência (figura 37c). A coalescência pode ser total (figura 37d), onde toda a fase dispersa fica contida em um único volume contínuo, ou parcial (figura 37e), na qual uma gota dispersa de menor volume é formada. Quando duas gotas se unem, há a formação de um filme fino da fase contínua entre elas. No momento que eles se rompem, ocorre o processo de coalescência. Em uma emulsão, esse processo permite a separação das fases que a formaram (VILLALOBOS, 2010). A figura a seguir representa possíveis instabilidades de emulsões. Coalescência Creaming Floculação Quebra Emulsão primária: gotas dispersas na fase contínua Figura 38 – Representação esquemática de tipos de instabilidade física em emulsões Adaptada de: Tadros (2004). 4.6.2 Fatores que afetam a estabilidade Entre os fatores que podem afetar a estabilidade de uma emulsão estão os elencados a seguir. pH Deve ser determinada uma faixa de pH de maior estabilidade. Para tal, pode-se preparar tampões para que se mantenha esse valor de pH durante todo o prazo de validade do produto (ANVISA, 2004; THOMPSON, 2006). Temperatura A temperatura poderá desestabilizar a emulsão por meio do aumento da velocidade da reação, proporcionando mudança em fatores, tais como viscosidade, aspecto, cor e odor do produto. Já temperaturas mais baixas podem acelerar outras alterações, tais como precipitação, cristalização e turvação. Uma das formas de não permitir esse processo seria o uso de temperatura adequada ao armazenamento. 75 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Umidade A umidade pode provocar reações de hidrólise que provocam degradação do produto. Alterações visuais podem ocorrer e o produto pode se liquefazer ou adquirir pegajosidade. Além disso, pode alterar seu volume e sofrer contaminação microbiológica. Ar atmosférico O ar pode provocar a degradação da emulsão através de oxidação da fase oleosa e/ou do fármaco. Para evitar que esse agente extrínseco ocasione problemas, é necessário não permitir ou retirar o ar no interior do recipiente. Uma dica seria preencher totalmente o frasco com o produto. Além disso, é muito importante utilizar antioxidantes na formulação. Luz A luz provoca desestabilização através da energia de ativação, que gera uma reação de degradação. Recipientes âmbar ou protegidos da luz podem minimizar o problema (ANVISA, 2004; THOMPSON, 2006). Água A presença de fase aquosa nas emulsões possibilita crescimento microbiológico, por isso torna-se imprescindível a utilização de conservantes antimicrobianos. 4.6.3 Estabilização de emulsões Durante a estabilização de uma emulsão ocorre um aumento da área interfacial do sistema, fato esse que leva os tensoativos à formação de um filme estável em função da distribuição não homogênea das moléculas desses tensoativos. Posteriormente, ocorre um arraste da fase contínua, em que se observa um líquido intergotículas, evitando, assim, a coalescência. Gibbs-Marangoni é o termo utilizado para esse evento, considerado um mecanismo relacionado à estabilização de emulsões. Outros agentes de estabilização são citados a seguir (SOARES, 2017): • adsorção de agentes emulsificantes na interface óleo-água, que diminui os valores de tensão interfacial e facilita a formação de gotas; • formação de um filme interfacial rígido ao redor das gotas, que resiste a deformações de compressões e, consequentemente, à coalescência das gotas; • repulsão da dupla camada elétrica, em que a presença de cargas similares previne colisões das gotas e, assim, o processo de coalescência; • baixa concentração da fase dispersa (interna), que reduz os efeitos de colisão; 76 Unidade I • alta viscosidade, que diminui a existência de eventos como a coalescência. Porém, nem sempre viscosidade elevada é desejada ou permitida, como é o caso de emulsões parenterais. Assim, concentração e tipo de agentes emulsivos influenciam diretamente na manutenção da dispersão da fase interna e, consequentemente, na estabilidade da emulsão. Lembrete Quanto mais próximos estiverem o EHL da emulsão e EHL dos agentes emulsivos, mais estável será a emulsão. 4.7 Sistema EHL: cálculos para preparo de emulsões estáveis Emulsões são sistemas termodinamicamente instáveis, nos quais há a mistura de dois líquidos imiscíveis, dispersos entre si como gotículas e/ou cristais líquidos. Produtos emulsionados têm uso extenso, com as mais diversas finalidades, em áreas cosméticas, farmacêuticas, industriais, alimentícias, agricultura, transporte de materiais perigosos, detergentes, entre outros. A formulação e o controle das variáveis do processo de fabricação nos permitem obter emulsões com características adequadas à finalidade específica desejada (LACHMAN et al., 2010). Para que uma emulsão seja estável, vários fatores estão envolvidos, porém o principal deles refere-se ao uso de tensoativos. Todos os líquidos tendem a assumir a forma que produz a menor área superficial, assim, as gotículas da fase interna tendem a se unir quando estão em contato com outro líquido no qual já é imiscível. Tensoativos agem diminuindo a atração entre essas gotas, que, como vimos, é chamada de tensão interfacial. O objetivo é deixar as gotasseparadas ou dispersas. Os cálculos para a seleção dos tensoativos são feitos baseados no sistema EHL (equilíbrio hidrófilo-lipófilo), que classifica os tensoativos de acordo com a sua maior hidro ou lipofilia. Observação A literatura utiliza ainda o termo HLB em substituição ao termo EHL. HLB é a sigla derivada da expressão em inglês hydrophilic lipophilic balance. Em 1949, Griffin estabeleceu uma escala numérica adimensional de valores entre 1 e 20, a qual é utilizada para descrever as características dos agentes tensoativos, sendo que os valores de EHL aumentam de acordo com a hidrofilia da molécula. O EHL de um tensoativo é extremamente importante no processo de emulsificação, pois ele determina o tipo de emulsão que tende a produzir. Agentes emulsivos de EHL baixo tendem a 77 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL formar emulsões água/óleo, ao passo que aqueles com EHL alto formam emulsões óleo/água. Assim, tensoativos de EHL entre 3 e 8 são altamente lipofílicos, e, por isso, produzem emulsões A/O, enquanto tensoativos de EHL entre 8 e 18 são predominantemente hidrofílicos, dando origem a emulsões O/A. Portanto, o conhecimento dos valores de EHL permite predizer o tipo de comportamento esperado do composto, fornecendo dessa forma orientação para suas aplicações práticas. O método mais utilizado para determinar os tensoativos a serem utilizados e suas concentrações para determinada emulsão utiliza a equação a seguir: EHLreq = (EHLa × Xa) + (EHLb × Xb) Em que: EHLreq= EHL requisitado para a emulsão em questão EHLa= EHL do tensoativo a EHLb= EHL do tensoativo b Xa = concentração do tensoativo a Xb = concentração do tensoativo b 4.7.1 Determinação do EHL da emulsão Inicialmente deve-se determinar o valor do EHL da emulsão, que é calculado através da determinação do EHL da fase oleosa. Observe a seguir um exemplo hipotético de formulação de emulsão: Tabela 11 – Formulação de emulsão e valores de EHL dos componentes da fase oleosa Componentes Concentração (g) Valor de EHL Cera x 5 15 Substância oleosa 1 26 10,5 Substância oleosa 2 18 9 Propilenoglicol 4 - Agente emulsivo 5 - Água destilada (q.s.p.) 100 mL - 78 Unidade I Há duas formas de cálculo para determinação do valor de EHL: Exemplo 1 1) Soma das massas dos componentes da fase oleosa (Cera X + Substância oleosa 1 + Substância oleosa 2) Σ = 5 + 26 + 18 Σ = 49 g 2) Determinação da porcentagem dos componentes da fase oleosa: 49 g----------100% 5 g -----------x X = 10,20% de cera 49 g------------100% 26 g --------------x X = 53,06% de substância oleosa 1 49 g-------------100% 18 g -------------x X = 36,74% de substância oleosa 2 3) Para determinar a contribuição em valores de EHL de cada substância na emulsão, multiplica-se a concentração obtida, em %, pelo valor de EHL de cada substância e divide-se por 100. EHL Concenta o EHL subst ncianaemuls o subst ncia â ã âçã %= ( )⋅ 100 Assim, para cada substância desta emulsão teremos: EHL EHL E cera Sub oleosa = ⋅ = = ⋅ = 10 2 15 100 153 53 06 10 5 100 5 571 , , , , ,. HHLSub oleosa. , ,2 36 74 9 100 3 3= ⋅ = Somando os valores parciais de cada substância da fase oleosa obtemos o valor de EHL da emulsão: 10,4 4) No caso de não haver a possibilidade de selecionar um tensoativo apenas, com o valor de 10,4, selecionam-se dois tensoativos. Um deles deve ter o EHL abaixo e o outro acima de 10,4. A seleção é feita em função de vários fatores, tais como compatibilidade com a via de administração, disponibilidade, custo e efetividade de ação. 5) O quadrado de Pearson para determinação das partes de cada tensoativo estabelece as diferenças entre o EHL da emulsão e os valores de EHL dos tensoativos. 79 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Supondo que foram selecionados os tensoativos Tween 60 (monoestearato de sorbitano polietoxilado) e Span 40 (monopalmitato de sorbitano). O cálculo é realizado através de um cruzamento de linhas como mostrado na próxima figura. [10,4 - 4,3] = 6,1 partes de Tween 60 Tween 60 EHL = 14,9 [14,9 - 10,4] = 4,5 partes de Span 40 Span 40 EHL = 4,3 10,4 EHL emulsão Figura 39 – Determinação das quantidades em partes dos tensoativos a serem utilizados 6) Soma das partes dos tensoativos Σ = 6,1 + 4,5 Σ = 10,6 partes 7) Determinação das massas dos tensoativos através da relação entre as partes e a massa total de tensoativos que está apresentada na formulação. 10,6 partes total ---------------- 5 g de agente emulsivo 6,1 partes Tween----------------x X = 2,88 g de Tween 10,6 partes total ---------------- 5 g de agente emulsivo 4,5 partes Span------------------x X = 2,12 g de Tween 8) Quando somamos os valores de cada agente emulsivo, chegamos ao valor total preconizado na fórmula para essa emulsão: 2,88 g + 2,12 g = 5 g Exemplo 2 Método da fração decimal 1) Soma das massas dos componentes da fase oleosa: Σ = 5 + 26 + 18 Σ = 49g 80 Unidade I 2) Divisão das massas individuais pela massa total: Cera = 5/49 = 0,10 Substância oleosa 1: 18/49 = 0,37 Substância oleosa 2: 26/49 = 0,53 3) Multiplicação da fração obtida pelo valor de EHL de cada substância: —― Cera = 0,10 · 15 = 1,5 — Substância oleosa 1: 0,37 · 10,5 = 3,9 — Substância oleosa 2: 0,53 · 9 = 4,8 Soma dos valores = 10,2 Como pode ser observado, os valores obtidos são aproximados, devendo o manipulador realizar testes de estabilidade. 81 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Resumo Elixires são soluções orais hidroalcoólicas edulcoradas, nos quais o princípio ativo está dissolvido em uma solução aquosa que contenha alguma porcentagem de etanol e são adoçados com sacarose ou outros edulcorantes. São administrados por via oral. São formulações menos doces e menos viscosas do que os xaropes, que resultam em um mascaramento menos efetivo do sabor quando comparado a outras formulações. Os elixires não são recomendados para serem administrados na pediatria, pois existe um limite de etanol aceito para esse público. Enquanto em adultos, deve-se atentar para a não administração desse produto em pacientes com restrição de uso de etanol. São preparados por dissolução simples e devem ser envasados em frascos, preferencialmente, de cor âmbar e mantidos em lugar fresco e ao abrigo da luz (ANVISA, 2019). Os xaropes são preparações farmacêuticas aquosas, geralmente compostas por grandes quantidades de sacarose. A sacarose pode ser substituída por outros componentes que apresentem a mesma função da sacarose nas formulações de xaropes isentos de açúcares ou também conhecidos como xaropes dietéticos. Nessas formulações (xarope simples ou xarope isento de sacarose) são incluídos fármacos para fabricação e comercialização de medicamentos. São preparações muito populares pela facilidade de administração e por ter um gosto agradável. A sacarose no xarope confere gosto doce, alta viscosidade e capacidade de conservação à formulação. E no xarope dietético será necessária a adição de componentes que façam tais funções. O produto deve ser armazenado em frascos esterilizados, herméticos, ao abrigo de luz e distante de umidade e calor. Dependendo da dose do fármaco e de sua solubilidade, nem sempre é possível preparar uma solução; assim, as suspensões farmacêuticas apresentam-se como uma alternativa bastante importante para a produção de medicamentos na forma líquida. Muitos produtos estão disponíveis ou são manipulados na forma de suspensão, havendo aplicação para as diferentes vias de administração. As suspensões são sistemas dispersos nos quais o fármaco é parcialmente ou quase totalmente insolúvel no veículo, e, dessa forma, sempre antes da administração da formulação há a necessidade de agitação. Além disso, esse tipo de preparação apresenta uma certa instabilidade física, que deve ser contornada com a escolha assertiva dos componentes de formulação, de modo que após cada sedimentação, que é um fenômeno natural da preparação, ocorra a capacidade de fácil ressuspensão das partículas, permitindo a homogeneidadedo fármaco e, consequentemente, a administração da dose correta para o paciente. 82 Unidade I Entre os excipientes utilizados no preparo das suspensões, além daqueles relacionados com a melhoria da palatabilidade e/ou estabilidade do fármaco, são empregados os agentes molhantes, suspensores e floculantes. As emulsões são formas farmacêuticas líquidas formadas pela dispersão de uma fase aquosa em outra oleosa ou vice-versa. Como se trata de sistemas termodinamicamente instáveis, requerem um ou mais agentes emulsivos capazes de manter as gotículas de fase interna dispersas. Esses emulsificantes podem ser de vários tipos: aniônicos, catiônicos, não iônicos, anfóteros, coloides hidrofílicos, sólidos finamente divididos, os quais, de acordo com suas características, poderão dar origem a dois tipos principais de emulsões: as simples e as múltiplas. Emulsões simples contêm apenas uma fase interna. Podem ser constituídas pela dispersão de óleo em água (óleo é a fase interna), sendo nesse caso denominadas emulsões O/A, ou pela dispersão de água em óleo (água é a fase interna), sendo chamadas de emulsões A/O. Emulsões múltiplas apresentam tanto óleo quanto água na fase interna, o que muda é a fase externa. Desse modo, emulsões O/A/O são aquelas em que o óleo está disperso em água e essas gotas por sua vez estão dispersas em óleo (óleo é a fase externa). Nas emulsões A/O/A observamos gotículas de água dispersas em óleo, e estas dispersas em água (água como fase externa da emulsão). Existem três teorias para explicar a emulsificação: a teoria da tensão interfacial defende o fato de os agentes emulsivos reduzirem a força de repulsão existente entre a superfície da água e do óleo; já a teoria da cunha orientada aponta que as moléculas de emulsificantes se dispõem ao redor das gotículas de fase interna; enquanto a teoria da película interfacial defende que o tensoativo se localize na interface entre o óleo e a água através de filme adsorvido na superfície das gotículas, evitando o contato entre as gotas e, consequentemente, a coalescência da fase dispersa. As emulsões estão sujeitas a vários tipos de instabilidade, porém se destacam aquelas relacionadas à falta de capacidade de os emulsificantes manterem as gotículas dispersas, o que leva primeiramente à reunião delas, e, caso o processo continue a evoluir, pode chegar à separação das fases. Vários fatores podem interferir nesses fenômenos, como viscosidade baixa e elevada concentração de fase interna, os quais podem favorecer esses processos. Além disso, a concentração e o tipo de agentes emulsivos são determinantes na garantia da estabilidade física das emulsões. Por isso, calculamos o EHL da emulsão, posteriormente, selecionamos emulsificantes e determinamos a massa de cada um deles para que a proporção possibilite obter EHL próximo da emulsão. Valores de EHL baixos indicam substâncias mais lipofílicas e tensoativos, que propiciam a obtenção de emulsões A/O. EHL mais elevado é característico de substâncias hidrofílicas e tensoativos capazes de formar emulsões O/A. 83 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Exercícios Questão 1. (Enade 2019) De acordo com o Formulário nacional da farmacopeia brasileira de 2012, suspensão é a forma farmacêutica líquida que contém partículas sólidas dispersas em um veículo líquido no qual as partículas não são solúveis. Baseando-se na lei de Stokes, alguns parâmetros precisam ser cuidadosamente estudados para garantir a estabilidade dessas preparações farmacêuticas, tais como velocidade de sedimentação, tamanho das partículas e viscosidade do meio dispersante. Em relação à estabilidade das suspensões farmacêuticas, assinale a opção correta. A) Quanto maior for a densidade das partículas, maior a velocidade de sedimentação. B) Quanto menor for o tamanho da partícula, maior é a velocidade de sedimentação. C) As partículas devem formar um sedimento compacto não dispersível com a agitação. D) A velocidade de sedimentação pode ser reduzida diminuindo-se a viscosidade do meio dispersante. E) À medida que a quantidade de partículas sólidas aumenta na suspensão, a viscosidade do meio dispersante diminui. Resposta correta: alternativa A. Análise das alternativas A) Alternativa correta. Justificativa: a densidade, ou gravidade específica, é a relação entre a massa da partícula e o volume por ela ocupado. Uma partícula sólida imersa em um fluido tende a sedimentar a uma velocidade constante, conhecida por velocidade terminal de sedimentação. De modo geral, quanto maior a densidade das partículas sólidas, maior a velocidade terminal de sedimentação. B) Alternativa incorreta. Justificativa: na verdade, ocorre o contrário – quanto menor a partícula, menor sua velocidade de sedimentação. C) Alternativa incorreta. Justificativa: nas suspensões medicamentosas, é necessário que o sedimento seja facilmente disperso e se apresente distribuído de maneira uniforme pela fase líquida após a agitação. Isso garante a uniformidade da dose. 84 Unidade I D) Alternativa incorreta. Justificativa: por viscosidade, entende-se a resistência do fluido ao escoamento. O aumento da viscosidade do meio está relacionado com a diminuição da velocidade de sedimentação. A lei de Stokes indica que, enquanto o diâmetro da partícula e a sua densidade são diretamente proporcionais à velocidade de sedimentação, a viscosidade é inversamente proporcional a esse parâmetro. E) Alternativa incorreta. Justificativa: na verdade, à medida que a quantidade de partículas sólidas em suspensão aumenta, também aumenta a viscosidade do meio. Questão 2. (Enade 2019) Suponha que um farmacêutico magistral tenha recebido uma prescrição solicitando a formulação a seguir. Tabela 12 Insumo farmacêutico Concentração ou quantidade Minoxidil 5,0% p/v Metilparabeno 0,1% p/v Álcool 15,0 mL Água destilada q.s.p., 75,0 mL Qual a quantidade de insumo farmacêutico ativo a ser utilizado para preparar 300,0 mL dessa solução farmacêutica? A) 5,0 g de minoxidil. B) 10,0 g de minoxidil. C) 15,0 g de minoxidil. D) 0,1 g de metilparabeno. E) 0,3 g de metilparabeno. Resposta correta: alternativa C. Análise da questão O insumo farmacêutico ativo é a substância responsável pelo efeito terapêutico, ao interagir com alvos moleculares específicos. Também é conhecido como componente farmacologicamente ativo, princípio ativo ou, simplesmente, fármaco. 85 FARMACOTÉCNICA ESPECIAL Na tabela apresentada, o minoxidil é o insumo farmacêutico ativo. Ele promove a redução da pressão arterial sistólica, a partir da diminuição da resistência vascular periférica. Além disso, promove o crescimento dos fios de cabelo e, por isso, é utilizado topicamente no tratamento da calvície. O metilparabeno é, por sua vez, um antimicrobiano. Ele atua como conservante do medicamento, a fim de aumentar seu tempo de prateleira. Não é considerado um insumo farmacêutico ativo, pois não apresenta propriedades terapêuticas. A questão pergunta qual quantidade de insumo farmacêutico ativo (minoxidil) deve ser acrescentada a 300,0 mL do medicamento. Considerando que a concentração deve ser igual a 5,0% (p/v) e assumindo que p/v significa peso (massa) de minoxidil por volume de solução, temos o que segue. 5% (p/v) = 5,0 g de minoxidil em 100,0 mL de solução Portanto, temos o que segue. 5,0 g de minoxidil ------------ 100,0 mL de solução X g de minoxidil ------------- 300,0 mL de solução 100 · X = 5,0 · 300,0 100 · X = 1.500,0 X = 1.500,0 ÷ 100 X = 15,0 g de minoxidil