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1 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo A importância da escolha do repertório no ensino de saxofone: revisão bibliográ�ica de abordagens voltadas à música popular brasileira Robson dos Anjos Oliveira 1 Leonardo Barreto Linhares 2 Categoria: Iniciação Cientí�ica Resumo: A presente pesquisa tem como objetivo fazer um levantamento de métodos e metodologias que utilizem a música popular brasileira no processo de ensino-aprendizagem do saxofone. Sabe-se que os métodos oriundos do Conservatório de Paris e o repertório da música de concerto europeia ainda predominam na metodologia utilizada em instituições públicas e privadas (ALVES JUNIOR, 2022). Faz-se necessária uma quebra de antigos paradigmas e associar ao ensino do instrumento aspectos sociais, históricos e culturais da música popular brasileira, criando assim uma experiência motivadora, signi�icativa, proporcionando ao aluno a sensação de pertencimento. Através da revisão bibliográ�ica, o trabalho demonstra a carência de materiais relacionados a essa abordagem, mas que já existem instituições e pesquisadores atentos a esses aspectos (BARBOSA, 1998; GURGEL, 1999). Espera-se que o presente trabalho fomente re�lexões mais aprofundadas sobre a pedagogia do instrumento e que para além dos estudos técnicos, a riqueza rıt́mica, melódica e estilıśtica da música popular brasileira, presente em seus variados gêneros, possa contribuir para a formação de músicos e cidadãos mais conscientes de sua própria cultura musical. Palavras-chave: Saxofone. Ensino-aprendizagem. Métodos. Música popular brasileira. The importance of choosing the repertoire in saxophone teaching: a bibliographical review of approaches aimed at Brazilian popular music Abstract: This research aims to survey methods and methodologies that use Brazilian popular music in the saxophone teaching-learning process. It is known that the methods from the Paris Conservatory and the repertoire of European concert music still dominate the methodology used in public and private institutions (ALVES JUNIOR, 2022). It is necessary to break old paradigms and associate the teaching of the instrument with social, historical and cultural aspects of Brazilian popular music, thus creating a motivating and meaningful experience, providing the student with a sense of belonging. Through the bibliographic review, the work demonstrates the lack of materials related to this approach, but that there are already institutions and 2 Doutor em performance, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Escola de Música, Professor da Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, Departamento de Música, leobarretosax@ufsj.edu.br. 1 Graduando em Licenciatura em Música, Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ, Departamento de Música, 123robsu@gmail.com. Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 2 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo researchers attentive to these aspects (BARBOSA, 1998; GURGEL, 1999). It is hoped that this work will encourage deeper re�lections on the pedagogy of the instrument and that, in addition to technical studies, the rhythmic, melodic and stylistic richness of Brazilian popular music, present in its various genres, can contribute to the training of musicians and citizens more aware of their own musical culture. Keywords: Saxophone. Teaching-learning. Methods. Popular Brazilian Music. Introdução Em 1841, o belga Adolphe Sax criou o saxofone a partir de experiências com o clarinete baixo e o o�icleide. Sua patente foi concedida em 1846 na França, e em 1857 o ensino deste instrumento passou a ser realizado no Conservatório de Paris, tendo como professor, o próprio criador, segundo Carvalho (2008). Entre 1844 e 1846 surgem os primeiros métodos para o instrumento. Em 1857 o saxofone ganhou seu espaço no conservatório de Paris, tendo como professor Adolphe Sax e em seguida essa cadeira foi suspensa, supostamente pela falta de recursos �inanceiros (CARVALHO, 2008). Logo após um grande perıódo de suspensão, houve um retorno da cadeira de saxofone já com Marcel Mule assumindo-a em 1942, iniciando um importante processo de sistematização de uma metodologia de ensino para o instrumento. Os métodos organizados por Mule eram, em sua grande maioria, adaptações de métodos para outros instrumentos como a �lauta, clarinete, violino e oboé. Em meados de 1850 o saxofone chega ao Brasil, antes mesmo da criação do curso no Conservatório de Paris. Esse dado pode ser veri�icado através de anúncios de apresentações em jornais da época, primeiro no teatro São Pedro de Alcântara e depois em outros teatros do Rio de Janeiro (CARVALHO, 2008). Com grande potencial sonoro e um timbre diferenciado, o saxofone foi gradualmente substituindo alguns instrumentos como fagotes, oboés e o�icleides nas bandas francesas. Esse processo começa a acontecer também no Brasil, tanto nas bandas militares, quanto nas corporações civis. Em sua trajetória, conquista o universo da música popular principalmente com o jazz norte-americano e no Brasil passa a ser adotado em diversas formações e vários gêneros musicais como o samba, choro, frevo, bossa-nova, entre outros. O processo de ensino-aprendizagem do saxofone, assim como outros instrumentos, possui várias abordagens, métodos e metodologias, os quais dependem de vários fatores, entre eles a relação entre professor e aluno. No entanto, existe uma Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 3 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo tendência geral da utilização da metodologia advinda da escola francesa, onde a literatura do instrumento nasceu e se desenvolveu. Essa literatura é composta por métodos e um repertório fundamentado na música de concerto europeia, no contexto do Conservatório de Paris. Em sua maior parte, os métodos são compostos por exercıćios técnicos e interpretativos com o objetivo de tornar o estudante apto a tocar o repertório exigido pelo programa do conservatório. O ensino do saxofone no Brasil tem uma ligação muito forte com a prática de bandas militares e civis, pois muitas vezes elas se apresentam como único espaço de oportunidade para um processo de musicalização, aprendizado e prática instrumental. Entretanto, existem outras formas de acesso ao ensino do saxofone no paıś como aulas particulares, projetos sociais, entre outros, que abordam a aprendizagem do instrumento a partir de diferentes métodos e metodologias. Contudo, a aprendizagem de aspectos técnicos do saxofone em parte das instituições, principalmente nos contextos dos Conservatórios de Música e algumas Universidades, ainda está ligada à escola francesa, tendo como referência os métodos organizados por Marcel Mule, Guy Lacour e Jean Marie-Londeix. E� de suma importância o estudo da escola francesa do saxofone, pois ela nascecom o instrumento e seu criador e é a base do processo de ensino-aprendizagem do instrumento, mas é necessário que o educador vá além dos aspectos técnicos e interpretativos abordados pelos métodos, a �im de construir uma metodologia que abarque também aspectos lúdicos dos quais eles são carentes. A ludicidade, segundo a pesquisa de Santana (2015), é dada como um elemento facilitador no processo ensino-aprendizagem, pois “ao agirmos ludicamente vivenciamos uma experiência plena, ou seja, a vivência de uma atividade lúdica nos propicia a plenitude da experiência.” (LUCKESI apud SANTANA, 2015, p. 56). Segundo Luckesi (2014), algumas atividades denominadas lúdicas, poderão ser “não lúdicas” a depender dos sentimentos que se suscitam em quem delas está participando, numa determinada circunstância. O exemplo dado por Luckesi justi�icando seu ponto de vista é o seguinte, “[...], uma criança que, por alguma razão biográ�ica (de modo comum, razão psicológica), não gosta de pular corda; essa atividade – “brincar de pular corda” –, além de incômoda, será chata para ela, e, pois, sem nenhuma ludicidade.” (LUCKESI, 2014, p.14). Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 4 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo A ludicidade é um estado interno ao sujeito, ainda que as atividades, denominadas como lúdicas, sejam externas, observáveis e possam ser descritas por observadores, tais como os didatas, os historiadores, os sociólogos... A experiência lúdica (= ludicidade), que é uma experiência interna ao sujeito, só pode ser percebida e expressa pelo sujeito que a vivencia. (LUCKESI, 2014, p. 17) Sendo assim, além de pensar na ludicidade é importante que o professor busque um sentimento de pertencimento do educando, se atentando à sua realidade cultural e formação como cidadão, através da escolha de repertório a ser abordado nas aulas. Essa escolha pode ser decisiva para a realização de um processo ensino-aprendizagem mais pleno, conectado com a ideia de ludicidade, através da identi�icação de um universo musical atinente a seu contexto cultural. Os fatores sociais, culturais e históricos do repertório poderão contribuir para uma dinâmica que faça mais sentido na relação entre o educando e educador, e entre o processo de musicalização e sua expressão através de seu instrumento, aqui no caso o saxofone (LUCKESI, 2014). O Brasil é formado pela miscigenação de diversos povos, sendo eles: indıǵenas, africanos, portugueses, dentre outros. O encontro desses povos e sua cultura musical contribuıŕam para a gênese da música brasileira, que por ser um paıś de dimensões continentais, gerou uma diversidade musical muito grande através de variados gêneros e suas peculiaridades, com suas caracterıśticas melódicas, rıt́micas, harmônicas, interpretativas e de levadas. Assim como a grande maioria das manifestações artıśticas têm ligação com seu contexto histórico, deve-se levar em conta os contextos polıt́icos, econômicos e sociais onde esses gêneros nasceram, tanto no que diz respeito a aspectos de performance, quanto na pedagogia do instrumento. Porém são recursos pouco utilizados no ensino do saxofone. Desse modo, analisar metodologias para o aprimoramento técnico do saxofone no contexto da música popular brasileira, agregando às mesmas, aspectos lúdicos e de formação de uma identidade cultural é de suma importância para a formação do músico-educador. Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 5 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo 1 Levantamento de métodos para o ensino do saxofone O saxofone é considerado um instrumento moderno (sua criação foi em 1841), se comparado àqueles que já formavam a orquestra do perıódo clássico e romântico. A mecânica do instrumento foi inspirada em outros instrumentos de sopro (madeiras) como a clarineta, oboé e �lauta transversal. Dessa forma os métodos utilizados para o ensino do instrumento, em um primeiro momento, foram adaptações desses métodos para o instrumento. Algumas maneiras de tocar foram se consolidando no decorrer do desenvolvimento do saxofone, as quais foram comumente chamadas de “escolas do saxofone”. Duas dessas escolas �icaram mais conhecidas: a escola francesa e a escola norte-americana. (SA� , 2003 apud JUNIOR, 2022). A escola francesa baseia-se na música de concerto europeia (mais conhecida como música erudita), e os principais sistematizadores dessa metodologia são Hyacinthe Eléonore Klosé, Marcel Mule, Adolph Sax, Hubert Prati, Claude Delangle, Jean-Marie Londeix, Guy Lacour, dentre outros. A maioria deles, ligados ao conservatório de Paris, desenvolveu e adaptou métodos utilizados até os dias atuais como o Método completo para todos os saxofones (KLOSE� , 1943), L'Alphabet du saxophoniste (PRATI, 1979), Gammes et arpèges (MULE, 1948), Méthode de Saxophone Débutants (DELANGLE; BOIS, 1997), Exercices Mécaniques pour tous Les saxophones (LONDEIX, 1977), Les Gammes conjointes et en intervalles (LONDEIX, 1962), 28 etudes pour Saxophone (LACOUR, 1883), entre outros. Os métodos supracitados têm como caracterıśtica comum o foco nos aspectos técnicos e interpretativos através de estudos e o repertório da música de concerto ocidental europeia. Glaser e Fonterrada (2007) justi�ica o foco nos aspectos técnicos com a seguinte fala: “...enquanto professores de educação musical têm se movimentado na busca de renovações na estruturação da prática da música nas escolas, o professor de instrumento caminha mais lentamente, dedicando-se, quase que exclusivamente, à passagem de informações técnicas e repertoriais ao aluno”. (GLASER; FONTERRADA, 2006, p. 32) E� importante frisar que o Méthode de Saxophone Débutants (DELANGLE; BOIS, 1997) , o mais recente deles, proporciona maior liberdade para o professor adaptar as Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 6 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo atividades ao contexto do aluno usando algumas ferramentas como músicas do folclore parisiense, duetos propostos para professor e aluno e o espaço para improvisação, que tornam o ensino do instrumento mais lúdico, não focando apenas nos aspectos técnicos, agregando mais habilidades, contribuindo para uma formação mais completa do músico e ser humano. Existem métodos brasileiros para o ensino do saxofone, mas a maior parte deles são baseados na escola francesa, ou seja, eles também priorizam aspectos técnicos e o repertório de concerto da música europeia. São eles: Método de Saxofone (ALBINO, 2003 ), Método Completo para Saxofone (RUSSO, 1953 ), Método para Saxofone 1º parte (CAMARGO, 1953) e o Método Prático para saxofones (DIAS, [s.d.]). Duas exceções encontradas foram os métodos de Barbosa (1998) e Gurgel(1999). O método Da Capo (BARBOSA,1998) utiliza músicas do folclore brasieiro e composições didáticas como repertório, mas prioriza a fase inicial do processo e tem como objetivo a inserção dos alunos nas bandas de música. O método Estudo de Ritmos da Música Brasileira para saxofone e �lauta transversal (GURGEL, 1999) apresenta uma proposta de aprendizado utilizando estudos que apresentam células rıt́micas caracterıśticas de vários gêneros da música popular brasileira. A parte inicial orienta os alunos sobre as peculiaridades de acentuação e articulação em cada gênero abordado e como material de apoio, a autora produziu playbacks com o acompanhamento de instrumentos harmônicos e rıt́micos, proporcionando uma vivência de prática de conjunto. Pode-se citar também uma apostila autóctone elaborada pelo saxofonista Vinıćius Dorin, com a proposta de sistematizar estudos de escalas e arpejos utilizando aspectos rıt́micos, de articulação, acentuação e fraseados caracterıśticos de diversos gêneros da música popular brasileira, como o Baião, Forró, Frevo, entre outros. A apostila não foi publicada, mas se encontra em circulação nos meios digitais e vários músicos já têm acesso a esse material, que continua a ser compartilhado. A escola de saxofone norte americana tem seus princıṕios baseados no jazz, gênero musical que foi o responsável por divulgar e difundir o instrumento para o mundo (CARVALHO, 2008). O jazz tem uma pedagogia voltada para uma metodologia empıŕica, ou seja, é algo passado através da vivência e comunicação. A oralidade, auralidade, o espaço para criação (improvisação) e utilização de um repertório Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 7 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo advindo da cultura musical norte americana são caracterıśticas do processo ensino-aprendizagem. O jazz teve sua sistematização antecedente à da música brasileira e existem métodos norte americanos para o ensino do saxofone, que utilizam o repertório e as caracterıśticas do gênero como: Liebman (1994), Rascher (1977), Niehaus (1966) e Teal (1963), como os de mais destaque na pedagogia do saxofone nos Estados Unidos. 2 O ensino do saxofone na atualidade Glaser e Fonterrada (2006) a�irmam que “a aprendizagem signi�icativa é aquela que não provoca apenas alterações intelectuais, mas tem uma qualidade de envolvimento pessoal, que abrange a pessoa como um todo, em seus aspectos cognitivos e emocionais” (GLASER; FONTERRADA, 2006). Ou seja, a aprendizagem signi�icativa está atrelada à profundidade do envolvimento do aluno e aos processos emocionais cognitivos. A presente pesquisa pretende demonstrar a possibilidade de se promover uma aprendizagem signi�icativa, através dos contextos emocionais e cognitivos, ligadas à atividades lúdicas e a um repertório que aproxime cada vez mais o educando à cultura do seu paıś, ou até de sua região. A música popular brasileira, com sua riqueza e diversidade, oferece materiais muito ricos relacionados a aspectos rıt́micos e melódicos, que podem ser atrelados a exercıćios técnicos, tornando a experiência e�icaz e prazerosa. Não se pode perder de vista que a ludicidade depende da aceitação e do prazer do indivıd́uo participante (LUCKESI, 2014). Nota-se que os conservatórios de música no Brasil são as instituições que demonstram menor �lexibilidade em relação à introdução do ensino de música popular em seus projetos pedagógicos ou planos de ensino. Aı ́ percebe-se uma replicação do modelo de ensino conservatorial europeu, baseado nos moldes do Conservatório de Paris. E� notória a constatação de exceções, como o Conservatório de Tatuı,́ que desde 1989 oferece o curso em Música Popular Brasileira como área de formação. As bandas de música, espaços de grande relevância para o ensino e prática de música no Brasil, principalmente em Minas Gerais, possuem uma dinâmica diferenciada em seu processo de ensino-aprendizagem, onde geralmente o maestro acumula as Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 8 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo funções de professor de todos os instrumentos, musicalização, arranjador e gestor da instituição. Já existem instituições que utilizam a música popular brasileira como matéria prima para a iniciação em vários instrumentos, localizadas em determinadas regiões do paıś. Pode-se citar a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) como a pioneira em oferecer a modalidade Música Popular no ambiente acadêmico no Brasil. Outras universidades atualmente começam a abrir as portas para cursos de música popular como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Faculdade de Música do Espıŕito Santo (FAMES). Outras instituições, apesar de não apresentarem a modalidade Música Popular em seu projeto pedagógico, apresentam um ensino hıb́rido, abarcando tanto a escola francesa como base do ensino do instrumento, quanto aspectos da música popular em seus planos de ensino. Esse modelo pode ser encontrado na Universidade de São João del-Rei (UFSJ), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal da Paraıb́a ( UFPB), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). 3 O ensino de saxofone no contexto da música popular brasileira Um dos trabalhos encontrados na área foi o de Silva (2016), que aborda o ensino do saxofone popular na graduação de música da UFPB (Universidade Federal da Paraıb́a). Silva em sua pesquisa fala sobre a observação do ensino da música popular na graduação, e diz em sua pesquisa que a metodologia usada pelo professor é moldável, de acordo com a experiência, vivência e caracterıśticas que o aluno já possui: "A gente tem um conteúdo básico mas… dependendo da caracterıśticas do per�il do aluno eu posso ir adaptando esse conteúdo, entendeu ?" (COSTA FILHO apud SILVA, pág 106, 2016). Alves Junior (2022) realizou uma pesquisa com o objetivo de investigar o processo de ensino de saxofone na cidade de Ponta Grossa. Através de um questionário realizado com professores das instituições participantes da pesquisa, relata que apenas um professor citou a música popular brasileira e disse utilizar um Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 9 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo método brasileiro em suas aulas. Além disso, ele fala que “ todos os professores estão em consenso no que diz à falta de sistematização do ensino do saxofone através de livros didáticos brasileiros e que abordam a música brasileira” (ALVES JUNIOR, 2022, p. 32). Emgeral, os professores utilizam os métodos estrangeiros para estudos técnicos, sonoridade, fraseados, arpejos e escalas. Oliveira Silva (2020) em seu artigo, faz uma breve exposição de como funcionam os cursos de bacharelado em saxofone na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN). Para os alunos do curso são oferecidas às opções em se especializar em saxofone erudito, cujo repertório é voltado para a música de concerto, ou saxofone popular, que abrange uma diversidade de gêneros musicais, dentre eles a música popular brasileira. Outro trabalho, Silva (2020), a pesquisadora pretende demonstrar o potencial pedagógico das obras do Maestro Nunes na aprendizagem do frevo. Em sua pesquisa, ela justi�ica a utilização do frevo advindo de seu contato intenso com o gênero. Segundo Silva (2020): “O frevo é um gênero musical da cultura Pernambucana e traz consigo caracterıśticas peculiares que o diferenciam dos demais gêneros musicais difundidos no território nacional brasileiro (IPHAN apud SILVA, 2020, p.13)” Silva (2020) fala um pouco sobre a métrica do frevo e suas acentuações, assim como seus desenhos melódicos e como esse material pode ser utilizado para um aprimoramento técnico e interpretativo na pedagogia do instrumento. Através da aplicação de um questionário a pesquisadora chegou à conclusão que as obras colocadas em questão facilitam a aprendizagem do frevo. E� interessante realçar que na conclusão de seu trabalho ela a�irma que o gênero frevo exige um aprimoramento de aspectos técnicos e interpretativos na performance do saxofone. Um exemplo dado pela autora é um trecho do frevo Curisco (Fig. 1) com grande potencial didático para o trabalho com diversos aspectos técnicos e interpretativos. O trecho apresenta uma sequência de notas com saltos melódicos rápidos e variações nas articulações, acentuações e células rıt́micas caracterıśticas do gênero. Silva (2020) a�irma que “No frevo Curisco , ocorre a variação de articulações tais como: duas notas Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 10 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo ligadas e duas notas destacadas, duas destacadas e duas ligadas e ligaduras.” (SILVA, 2020, p.38) Fig. 1: Variedade de articulações, acentuações e digitações em Curisco (SILVA, 2020, p.38). Nesse exemplo, �ica claro o nıv́el de exigência técnica e interpretativa para uma performance coerente e condizente com o gênero frevo. Isso aponta que os estudos podem e devem ser atrelados à cultura musical onde o aluno está inserido, promovendo assim um processo de aprendizagem signi�icativo e lúdico. Além do frevo, a música popular brasileira abarca uma gama de gêneros como o Choro, Samba, Maracatu, Bossa-nova, Baião, Xote, Axé, Ijexá, entre outros; cada um com suas caracterıśticas estilıśticas especı�́icas, que irão exigir do performer uma variedade de habilidades técnicas e interpretativas, além de agregar a diversidade cultural da música popular brasileira ao processo de ensino-aprendizagem. Pensando em uma música midiática, a introdução do trio de metais da música Cheia de Manias (1992) do grupo de pagode Raça negra , apresenta uma melodia simples na tonalidade de Lá menor, pois não apresenta saltos muito grandes e acontece na região média e aguda do saxofone. Além de auxiliar no automatismo da primeira oitava do saxofone, a música possui uma articulação tıṕica da música popular Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 11 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo brasileira, que articula as duas primeiras semi-colcheias e liga as duas últimas como na �ig.2. Esse trecho apresenta sıńcopes e acentuações tıṕicas da música brasileira. Fig. 2: Sıńcopes e acentuações na música Cheia de Manias (Raça Negra) - Transcrição do próprio autor (2022) Vemos que o trecho destacado de verde na �ig. 2, apresenta articulações e acentuações diversas, ressaltando as caracterıśticas estilıśticas do gênero musical em questão. O trecho em vermelho apresenta sıńcopes variadas, quando acontecem as ligaduras entre as últimas semicolcheias de cada tempo com a primeira do próximo, acarretando em deslocamentos rıt́mico-melódicos da frase. Além desses exemplos musicais pode-se demonstrar como os estudos técnicos e interpretativos da escola francesa podem se transformar em um processo agregador de signi�icados da cultura popular brasileira, tornando os estudos mais ricos e motivadores. Um exemplo disso é o estudo das escalas como demonstram as �igs. 3 e 4. Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 12 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo Fig. 3: Estudo da escala de Dó maior no método Les Gammes conjountes et en intervalles (LONDEIX, 1962) LONDEIX (1962) apresenta um estudo técnico de escalas, cujo trecho está exibido na �ig. 3. Este estudo promove um desenvolvimento técnico do saxofone relacionados com aspectos como sonoridade, respiração, digitação e conscientização da tessitura completa do saxofone. Em contrapartida a �ig.4 demonstra um exemplo de como essa mesma escala pode ser executada com uma célula rıt́mica muito comum na música popular brasileira como nos gêneros samba e choro. Com isso, para além dos aspectos técnicos, o processo ensino-aprendizagem agrega caracterıśticas estilıśticas e um signi�icado ligado à cultura musical em que o aluno está inserido. Essa adaptação pode ser feita com os demais gêneros da música brasileira como o baião, frevo, maracatu, xote, bossa-nova, entre outros. Fig. 4: Estudo da escala de Dó maior em ritmo de samba ou choro ( próprio autor, 2022) Nos dias de hoje, ainda prevalece em algumas instituições brasileiras a utilização de métodos e metodologias oriundos da escola francesa, a qual deve-se dar todo o crédito por ser a base fundamental para o processo de ensino-aprendizagem do saxofone. A partir das experiências relatadas e dos trabalhos encontrados é necessária uma re�lexão de que além desse trabalho de base, pode-se atrelar ao processo a cultura musical brasileira e seus diversos gêneros. 3 Conclusão A presente pesquisa demonstrou que existe uma carência de métodos para o ensino do saxofone, que utilizem a música brasileira como matéria prima. Ao mesmo Nas Nuvens... <www.musica.ufmg.br/nasnuvens> 13 8º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 08 de dezembro de 2022 – ANAIS Artigo tempo revelou a necessidade de uma re�lexão mais aprofundada sobre o potencial de agregar signi�icados culturais, sociais e musicais aos estudos técnicos no processo ensino-aprendizagem dos instrumentos, no caso o saxofone. O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas sim de provocar re�lexões e estudos mais aprofundados, quebrando antigos paradigmas e atualizando a pedagogia do instrumento com focono signi�icado sócio-cultural, na ludicidade e motivação. Por �im, o pesquisador pensa em, futuramente, iniciar a produção de um material didático para o ensino do saxofone, partindo das caracterıśticas estilıśticas dos gêneros musicais brasileiros e a utilização do repertório baseado nos mesmos, reforçando assim a sensação de pertencimento do educando dentro da sua própria cultura, a cultura musical brasileira. 4 Referências ALBINO, César. Método de saxofone . São Paulo: Editora Gondini, 2003. 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