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Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 307 de saúde (incapacidade definida como uma variável composta por duração do trans- torno, e uma série de 22 indicadores de disfunção e sofrimento) (Murray; Lopez, 1996). A seguir, apresentam-se, em agrupa- mentos de sinais e sintomas segundo a área psicopatológica envolvida, os principais elementos das síndromes depressivas. SINTOMAS AFETIVOS – Tristeza, sentimento de melancolia – Choro fácil e/ou freqüente – Apatia (indiferença afetiva; “Tan- to faz como tanto fez.”) – Sentimento de falta de sentimen- to (“É terrível: não consigo sentir mais nada!”) – Sentimento de tédio, de aborreci- mento crônico – Irritabilidade aumentada (a ruídos, pessoas, vozes, etc.) Do ponto de vista psicopatológico, as síndromes depres- sivas têm como ele- mentos mais salien- tes o humor triste e o desânimo (Del Pino, 2003). Entretanto, elas caracterizam- se por uma multiplicidade de sintomas afetivos, instintivos e neurovegetativos, ideativos e cognitivos, relativos à autova- loração, à vontade e à psicomotricidade. Também podem estar presentes, em formas graves de depressão, sintomas psicóticos (delírios e/ou alucinações), marcante alte- ração psicomotora (geralmente lentificação ou estupor) e fenômenos biológicos (neuro- nais ou neuro-endócrinos) associados. As síndromes depressivas são atual- mente reconhecidas como um problema prioritário de saúde pública. Segundo le- vantamento da OMS, a depressão maior unipolar é considerada a primeira causa de incapacidade entre todos os problemas As síndromes de- pressivas têm como elementos mais sa- lientes o humor tris- te e o desânimo. 27 Síndromes depressivas E pouco a pouco se esvaece a bruma, Tudo se alegra à luz do céu risonho E ao flóreo bafo que o sertão perfuma. Porém minh’alma triste e sem um sonho Murmura olhando o prado, o rio, a espuma: Como isto é pobre, insípido, enfadonho! Fagundes Varela Paulo Dalgalarrondo308 – Angústia ou ansiedade – Desespero – Desesperança ALTERAÇÕES DA ESFERA INSTINTIVA E NEUROVEGETATIVA – Anedonia (incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida) – Fadiga, cansaço fácil e constante (sente o corpo pesado) – Desânimo, diminuição da vontade (hipobulia; “Não tenho pique para mais nada.”) – Insônia ou hipersomnia – Perda ou aumento do apetite – Constipação, palidez, pele fria com diminuição do turgor – Diminuição da libido (do desejo se- xual) – Diminuição da resposta sexual (disfunção erétil, orgasmo retarda- do ou anorgasmia) ALTERAÇÕES IDEATIVAS – Ideação negativa, pessimismo em relação a tudo – Idéias de arrependimento e de culpa – Ruminações com mágoas antigas – Visão de mundo marcada pelo té- dio (“A vida é vazia, sem sentido; nada vale a pena.”) – Idéias de morte, desejo de desapa- recer, dormir para sempre – Ideação, planos ou atos suicidas ALTERAÇÕES COGNITIVAS – Déficit de atenção e concentração – Déficit secundário de memória – Dificuldade de tomar decisões – Pseudodemência depressiva ALTERAÇÕES DA AUTOVALORAÇÃO – Sentimento de auto-estima dimi- nuída – Sentimento de insuficiência, de in- capacidade – Sentimento de vergonha e autode- preciação ALTERAÇÕES DA VOLIÇÃO E DA PSICOMOTRICIDADE – Tendência a permanecer na cama por todo o dia (com o quarto escu- ro, recusando visitas, etc.) – Aumento na latência entre as per- guntas e as respostas – Lentificação psicomotora até o estupor – Estupor hipertônico ou hipotônico – Diminuição da fala, redução da voz, fala muito lenta – Mutismo (negativismo verbal) – Negativismo (recusa à alimenta- ção, à interação pessoal, etc.) SINTOMAS PSICÓTICOS – Idéias delirantes de conteúdo ne- gativo: • Delírio de ruína ou miséria • Delírio de culpa • Delírio hipocondríaco e/ou de negação dos órgãos • Delírio de inexistência (de si e/ ou do mundo) – Alucinações, geralmente auditivas, com conteúdos depressivos – Ilusões auditivas ou visuais Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 309 – Ideação paranóide e outros sin- tomas psicóticos humor-incon- gruentes MARCADORES BIOLÓGICOS (NÃO SÃO ESPECÍFICOS) – Inversão cronobiológica (p. ex., da arquitetura do sono, com diminui- ção da latência para o primeiro ci- clo de sono REM) – Ausência de resposta ao teste de supressão do cortisol pela dexame- tasona – Em depressões graves: SPECT, PET – hipofrontalidade – Em depressões graves: ventrículos e sulcos alargados, redução do vo- lume do hipocampo – Em adultos maduros ou idosos: si- nais de alterações vasculares PERDAS E DEPRESSÃO Cabe aqui breve comentário sobre os di- versos fatores causais e desencadeantes nas síndromes depressivas. Certamente fatores biológicos, genéticos e neuroquímicos têm importante peso nos diversos quadros de- pressivos. Do ponto de vista psicológico, as síndromes depressivas têm uma relação fundamental com as experiências de per- da (Hofer, 1996; Del Pino, 2003). As sín- dromes e as reações depressivas surgem com muita freqüên- cia após perdas sig- nificativas: de pes- soa muito querida, emprego, moradia, status socioeconô- mico, ou de algo pu- ramente simbólico. Nesse sentido, o poeta fala da experiência marcante que é a perda da pessoa amada: A que perdi está misturada, tão misturada comigo Que às vezes sobe ao meu coração o seu coração morto E sinto o seu sangue correr nas minhas veias. A que perdi é tão presente no meu pensamento Que sinto misturarem-se com as minhas lembranças de infância as lembranças de sua infância desconhecida. A que perdi é tão minha que as minhas lágrimas vieram dos seus olhos. E as suas é que descem dos meus. A que perdi está dentro do meu espírito como o filho no corpo materno Como o pensamento na palavra Como a morte no fim dos caminhos do mundo. Augusto Frederico Schmidt SUBTIPOS DE SÍNDROMES E TRANSTORNOS DEPRESSIVOS A ordenação da depressão em vários sub- tipos é um desafio psicopatológico perma- nente. Revisões sobre esse tema encontram- se nos trabalhos de Del Porto (2000) e de Dubovsky e Dubovsky (2004). Os subtipos de síndromes e transtornos depressivos mais utilizados na prática clínica são: 1. Episódio ou fase depressiva e trans- torno depressivo recorrente 2. Distimia 3. Depressão atípica 4. Depressão tipo melancólica ou en- dógena 5. Depressão psicótica 6. Estupor depressivo 7. Depressão agitada ou ansiosa 8. Depressão secundária ou orgânica As síndromes e as reações depressivas surgem com muita freqüência após per- das significativas: de pessoa muito queri- da, emprego, mora- dia, status socioeco- nômico, ou de algo puramente simbó- lico. Paulo Dalgalarrondo310 Episódio ou fase depressiva e transtorno depressivo recorrente (Quadro 27.1) No episódio depressivo, evidentes sintomas depressivos (humor deprimido, anedonia, fatigabilidade, diminuição da concentração e da auto-estima, idéias de culpa e de inu- tilidade, distúrbios do sono e do apetite) devem estar presentes por pelo menos duas semanas, e não mais que por dois anos de forma ininterrupta. Os episódios duram ge- ralmente entre 3 e 12 meses (com media- na de seis meses). É o escritor Otto Lara Resende quem descreve de forma muito verossímil a ex- periência de vivenciar um episódio de depressão. Em uma carta a um amigo, ele diz: Caí naquela depressão que me assalta de vez em quando – por que, Santo Deus? Sei lá! Depressão neurastênica, vontade de ficar quieto, calado, macambúzio. Me custa até a simples locomoção domésti- ca. Para sair de casa, é como arrancar uma tonelada inerte e sem rodas ladeira aci- ma [...] Quanto aos episódios depressivos, é conveniente ressaltar que: – O episódio depressivo é classifica- do pela CID-10 em leve, modera- do ou grave, de acordo com o nú- Quadro 27.1 Critérios diagnósticos para os transtornos depressivos segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002) Pelo menos cinco critérios por duas semanas, com prejuízo no funcionamento psicossocial ou sofrimento significativo. Pelo menos um dos sintomas é humor deprimido ou perda do interesse ou prazer. Critérios para o diagnóstico Subtipos de transtornosdepressivos (TD) Pelo menos cinco critérios por duas semanas • Humor deprimido • Desânimo, perda do interesse • Apetite • Sono • Anedonia • Fadiga, perda de energia • Pessimismo • Baixa auto-estima • Concentração prejudicada • Pensamentos de morte ou suicídio • Retardo/agitação psicomotora Transtorno depressivo maior, episódio único Transtorno depressivo maior, recorrente (> 1 episódio) Transtorno distímico: humor cronicamente deprimido por pelo menos dois anos Características específicas TD leve, moderado ou grave TD grave sem ou com sintomas psicóticos TD com características catatônicas (estupor depressivo): imobilidade, negativismo, mutismo, ecolalia, ecopraxia TD com características melancólicas (depressão endógena ou com sintomas somáticos): acentuado retardo ou agitação psicomotora, perda total de prazer, piora pela manhã, perda de peso, culpa excessiva TD com características atípicas: aumento do apetite ou ganho de peso, hipersonia, sensação de peso no corpo, sensibilidade extrema à rejeição interpessoal, humor muito reativo de acordo com as situações ambientais Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 311 mero, a intensidade e a importân- cia clínica dos sintomas. – Quando o paciente apresenta, ao longo de sua vida, mais de um epi- sódio depressivo, que nunca foram intercalados por episódios manía- cos ou hipomaníacos, faz-se estão o diagnóstico de transtorno de- pressivo recorrente. Distimia Trata-se de uma de- pressão crônica, ge- ralmente de inten- sidade leve, muito duradoura. Começa no início da vida adulta e persiste por vários anos. Os sin- tomas depressivos mais comuns são diminuição da auto-es- tima, fatigabilidade aumentada, dificulda- de em tomar decisões ou se concentrar, mau humor crônico, irritabilidade e senti- mento de desesperança. Os sintomas de- vem estar presentes de forma ininterrup- ta por, pelo menos, dois anos. Depressão atípica É um subtipo de depressão que pode ocor- rer em episódios depressivos de intensida- de leve a grave, em transtorno unipolar ou bipolar. Além dos sintomas depressivos gerais, ocorrem: – Aumento do apetite (principalmen- te para doces, chocolate) e/ou ga- nho de peso – Hipersomnia (>10h/dia ou duas horas a mais que quando não-de- primido) – Sensação do corpo muito pesado (paralisia plúmbea ou inerte) – Sensibilidade exacerbada a “indica- tivos” de rejeição – Reatividade do humor aumenta- da (melhora rapidamente com eventos positivos e também piora rapidamente com eventos nega- tivos) – Fobias e aspecto histriônico (afe- tação, teatralidade, sugestionabi- lidade) associados Depressão tipo melancólica ou endógena Trata-se de um sub- tipo de depressão na qual predominam os sintomas classica- mente endógenos. Sinais e sintomas como lentificação psicomotora, ane- donia, alterações do sono e do apetite, piora dos sintomas no período da ma- nhã (melhora no período da tarde e da noi- te) e idéias de culpa devem fazer o clínico pensar em depressão tipo endógena ou me- lancólica (Del Porto, 2000). Esse tipo de depressão é de natureza mais neurobio- lógica, mais independente de fatores psi- cológicos. Seus sintomas típicos são: – Lentificação psicomotora, demora em responder às perguntas – Perda do apetite e de peso corporal – Alterações do sono, sobretudo se apresentar insônia terminal (indi- víduo acorda de madrugada e não consegue mais dormir) – Anedonia (incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida) – Depressão pior pela manhã, melho- rando ao longo do dia – Hiporreatividade geral Distimia é uma de- pressão crônica, ge- ralmente de intensi- dade leve, muito du- radoura. Começa no início da vida adulta e persiste por vários anos. Na depressão me- lancólica, ocorrem lentificação psico- motora, anedonia, al- terações do sono e do apetite, piora dos sintomas no período da manhã (melhora no período da tarde e da noite) e idéias de culpa. Paulo Dalgalarrondo312 – Tristeza vital, “sentida no corpo” (qualitativamente diferente da tris- teza normal) – Diminuição da latência do sono REM (inversão da arquitetura do sono) – Ideação de culpa Depressão psicótica É uma depressão grave, na qual ocorrem, associados aos sintomas depressivos, um ou mais sintomas psicóticos, como delírio de ruína ou culpa, delírio hipocondríaco ou de negação de órgãos ou alucinações com conteúdos depressivos. Se os sintomas psicóticos são de conteúdo negativo, de- pressivo, são classificados como sintomas psicóticos humor-congruentes (de culpa, doença, morte, punição, etc.). Caso os sin- tomas psicóticos não sejam de conteúdo negativo, são denominados sintomas psicó- ticos humor-incongruentes (delírio de per- seguição, de inserção de pensamentos, auto-referentes, etc.). Estupor depressivo É um estado depressivo grave, no qual o paciente permanece dias na cama ou sen- tado, em estado de catalepsia (imóvel; em geral rígido), com negativismo que se ex- prime pela ausência de respostas às solici- tações ambientais, geralmente em estado de mutismo, recusando alimentação, mui- tas vezes urinando e defecando no leito. O paciente pode, nesse estado, desidratar e vir a falecer por complicações clínicas (pneumonia, insuficiência pré-renal, dese- quilíbrios hidroeletrolíticos). Depressão agitada ou ansiosa É a depressão com forte componente de ansiedade e inquie- tação psicomotora. O paciente queixa- se de angústia inten- sa associada aos sin- tomas depressivos; não pára quieto; in- sone; irritado; anda de um lado para outro; desespera-se. Aqui, nos casos graves, há sério risco de sui- cídio. Depressão secundária ou orgânica É uma síndrome depressiva causada ou for- temente associada a uma doença ou um quadro clínico somático, seja ele primaria- mente cerebral ou sistêmico. Síndromes e doenças como hipo ou hipertireoidismo, hipo ou hiperparatireoidismo, lúpus eri- tematoso sistêmico, doença de Parkinson e acidentes vasculares cerebrais (AVCs) apresentam, com significativa freqüência, quadro depressivo que faz parte da pró- pria condição patológica. No caso dos AVCs, ocorre depressão após o episódio agudo, sendo que, de modo geral, AVCs no hemisfério esquerdo e mais próximos do pólo frontal desencadeiam mais freqüen- temente depressões secundárias (Cu- mmings; Trimble, 1995). No Quadro 27.2, são apresentadas perguntas que facilitam a identificação da depressão na história do paciente. Na depressão agita- da, o paciente quei- xa-se de angústia in- tensa associada aos sintomas depressi- vos; não pára quieto; insone; irritado; anda de um lado para ou- tro; desespera-se. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais 313 Questões de revisão • Descreva os sintomas afetivos, ideativos, da volição/psicomotricidade e psicóticos das síndromes depressivas. • Quais são os subtipos de síndromes e transtornos depressivos? • Descreva a depressão atípica, a depressão melancólica e a depressão agitada. Quadro 27.2 Semiotécnica de episódios depressivos no passado Você teve períodos em que se sentiu muito triste ou desanimado (claramente diferente do habitual)? Nesses períodos, não achava graça em nada, perdeu o interesse ou o prazer pelas coisas? Percebeu que o apetite diminuiu ou aumentou? Emagreceu ou engordou? Sentia-se também irritado ou nervoso? Tinha insônia ou dormia demais? Sentia-se mais cansado que o habitual? Perdeu o “pique”? Tinha dificuldade para trabalhar ou estudar? Sentia dificuldades para se concentrar ou tomar decisões? Tinha idéias negativas, como pensar em morrer? Sentia-se culpado ou arrependido? Em caso positivo Quando foi que isso aconteceu pela primeira vez? Ocorreu mais de uma vez? Quanto tempo duravam esses períodos? Quando foi o último período? O que ajudou a melhorar? O que o fazia piorar?
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