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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Estudar a epidemiologia, fatores de risco, etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas e diagnóstico das hepatites virais. Hepatites virais ↠ O termo “hepatite viral” é mais comumente utilizado no contexto do comprometimento hepático por vírus hepatotrópicos, que incluem os vírus das hepatites A, B, C, D e E (KUMAR et. al., 2023). Outros vírus podem infectar o fígado, mas este órgão não é nem o local primário de suas replicações, nem o seu alvo principal. Nessa condição, incluem-se o citomegalovírus, o herpes simples, o Epstein-Barr, o vírus da febre amarela e da dengue, assim como outros flavivírus (DANI; PASSOS, 2011). ↠ As hepatites agudas são processos inflamatórios que acometem de maneira difusa o parênquima hepático e que têm duração, em geral, inferior a seis meses (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ As hepatites agudas virais podem ser causadas por cinco diferentes tipos de vírus: A, B, C, Delta e E, denominados vírus hepatotrópicos. Conforme a via de transmissão, os vírus hepatotrópicos podem ser classificados em dois grupos: enterais, cuja transmissão se faz por via fecal-oral, e parenterais, nos quais a transmissão ocorre através do sangue ou outras secreções (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ O Brasil registra presença dos cinco vírus hepatotrópicos, porém, são mais importantes as infecções causadas pelos vírus A, B e C (ZATERKA; EISIG., 2016). HEPATITE A ↠ A infecção pelo vírus da hepatite A (HAV) é uma doença autolimitada que não leva à hepatite crônica (KUMAR et. al., 2023). CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS ↠ O VHA está classificado na família Picornaviridae como representante único do gênero Hepatovirus. Como os demais membros dessa família, o VHA não tem envelope lipídico e seu genoma é revestido por um capsídeo proteico composto por 60 cópias de cada uma de suas proteínas estruturais, VP1, VP2 e VP3 (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). ↠ Tem a forma icosaédrica, com 28 nm de diâmetro (DANI; PASSOS, 2011). ↠ O genoma do VHA é constituído por uma molécula de RNA de fita simples com polaridade positiva que funciona, também, como RNA mensageiro (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). ↠ Além do hepatotropismo e da inabilidade em suprimir a síntese de macromoléculas da célula hospedeira, outras características distinguem o VHA dos demais membros da família Picornaviridae, como a notável estabilidade da partícula viral e o ciclo replicativo lento, não citopático, do VHA selvagem (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). MODO DE TRANSMISSÃO ↠ O HAV é transmitido principalmente por via fecal-oral, sendo rara a via parenteral, dado o curto período de viremia. A transmissão pessoa a pessoa é a forma mais frequente de disseminação da doença, ocorrendo em situações de contato íntimo e prolongado, como nos domicílios, nas creches, em escolas, instituições e acampamentos militares (ZATERKA; EISIG., 2016). Surtos epidêmicos por contaminação dos suprimentos de água de abastecimento têm sido descritos em algumas regiões, mas são uma forma menos frequente de disseminação da doença. Alimentos crus ou mal cozidos que estiveram em contato com água contaminada, como frutos do mar, podem gerar surtos epidêmicos da doença (ZATERKA; EISIG., 2016). APG 11- “MEU FÍGADO NÃO PASSOU NO TESTE” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A viremia não ultrapassa 7 dias, daí porque a transmissão parenteral é rara. Não evolui para hepatite crônica, embora raríssimos casos com essa evolução tenham sido descritos (DANI; PASSOS, 2011). Outras formas de transmissão da doença já foram descritas, mas com menor importância epidemiológica: transmissão sexual, uso de drogas ilícitas injetáveis e transfusão de sangue ou por via vertical, em que o vírus é transmitido da mãe para o recém-nascido no momento do parto (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Nos países de alta renda, infecções esporádicas podem ser contraídas pelo consumo de moluscos crus ou cozidos no vapor (ostras, mexilhões, amêijoas), que concentram o vírus da água do mar contaminada por esgoto humano. Pode ocorrer transmissão sexual, mas não transmissão materno-fetal. Como a viremia do HAV é transitória, a transmissão hematogênica do HAV é rara, e o sangue doado não é submetido a rastreamento para esse vírus (KUMAR et. al., 2023). ↠ O período de incubação dura em média 28 dias, podendo variar de 15 a 45 dias. O HAV é excretado nas fezes por 1 a 2 semanas antes do início dos sintomas e mantém-se por uma semana após o aparecimento do quadro clínico. Esta é, portanto, a fase de maior transmissibilidade da doença (ZATERKA; EISIG., 2016). O VHA, geralmente adquirido pela via fecal-oral, em razão de sua capacidade de resistir ao pH ácido, atravessa o estômago e, provavelmente, se replicará em algum ponto, ainda não determinado, no trato digestivo. Atravessando o epitélio intestinal mediante sistemas de transporte ainda não bem definidos, que levam às veias mesentéricas e ao fígado pelo sistema porta. No hepatócito, ocorre a replicação viral com participação de mecanismo mediado por uma polimerase RNA dependente. O VHA é excretado nos sinusoides e canalículos biliares, atingindo o intestino por meio da bile (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). O receptor para o HAV nos hepatócitos é a HAVcr-1 (também conhecida como TIM-1), uma glicoproteína que é membro da família de proteínas que servem como receptores para vários outros vírus. O HAV não é citopático, e a lesão hepatocelular é provocada por linfócitos T citotóxicos e células NK que reconhecem e matam os hepatócitos infectados pelo vírus (KUMAR et. al., 2023). EPIDEMIOLOGIA ↠ Nos países em desenvolvimento atinge principalmente crianças de 6 a 15 anos de idade, e sua prevalência varia de região para região, na dependência das condições de higiene e padrão socioeconômico; quanto mais precárias forem as condições de saúde de determinada região, mais baixa é a faixa etária em que incide a doença (ZATERKA; EISIG., 2016). A hepatite A é de notificação compulsória no país, sendo os dados do sistema de vigilância baseados na notificação passiva dessa doença. Por questões culturais, a subnotificação de HVA é marcante. As maiores taxas de casos notificados de hepatite A ocorrem nas Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil. Apesar das flutuações vistas de ano a ano, as taxas nessas regiões permanecem sempre acima da média nacional (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). HEPATITE B ↠ O vírus da hepatite B (HBV) é do tipo DNA, classificado entre os hepaDNAvírus CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS ↠ Com vírion completo, a partícula de Dane tendo 42 nm de diâmetro, com genoma circular, composto de dupla fita de DNA com aproximadamente 3.200 pares de base de extensão (DANI; PASSOS, 2011). Como observado por Dane, à microscopia eletrônica, no soro de indivíduos infectados pelo VHB, é possível encontrar três tipos de partículas. A menor delas é esférica, com 22nm de diâmetro e representa o antígeno de superfície (AgHBs) com seu envoltório lipídico. Essas partículas não são infecciosas e produzem-se em grande quantidade durante a infecção viral. As partículas de Dane, propriamente ditas, são esferas com 42 nm de diâmetro e constituem o vírion completo (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). As partículas de Dane são constituídas por um envoltório lipídico externo que contém o antígeno de superfície do VHB (AgHBs) e uma região nuclear densa (core). Esse núcleo central tem uma proteína interna (AgHBc) que induz a formação de anticorpos específicos (anti- HBc) pelos indivíduos infectados (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). O antígeno do core (AgHBc) não é secretado, por isso é muito difícil sua detecção no sangue circulante, diferentemente do que ocorre no 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck fígado doente, onde é abundante. O AgHBc pode ser encontrado nos hepatócitos de doentes aguda ou cronicamenteinfectados pela técnica da imunoperoxidase (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). Na zona central da partícula de Dane, encontra-se, ainda, o ácido nucleico viral (DNA-VHB). Esse DNA, que forma a matriz genética do vírus, tem uma dupla cadeia disposta circularmente com 3.200 nucleotídeos. No genoma, ainda se localizam enzimas como a DNA- polimerase e a fosfoquinase (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). Na parte central do vírus, também está presente o antígeno e (AgHBe), que é secretado e, diferentemente do AgHBc, pode ser facilmente detectado no sangue. O AgHBe se associa à replicação e à infectividade virais e induz a formação de um anticorpo específico (anti-HBe), normalmente relacionado com a parada da replicação viral (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). GENOMA ↠ Nesse genoma, identificam-se quatro estruturas gênicas principais: S, P, C, X, que possuem diferentes funções (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). O gene S é dividido em três sítios de iniciação, o que levará à formação de três diferentes proteínas de superfície com suas formas glicosiladas: a p25 (proteína de cadeia curta ou S); a p33 (proteína de cadeia média ou pré-S2); e a p139 (proteína de cadeia longa ou pré- S1). Entre esses peptídeos, a p25 é predominante e representa o principal antígeno de superfície (AgHBs) que vai induzir a formação do anticorpo anti-HBs. Esse peptídeo é encontrado em níveis elevados nas fases aguda ou crônica da hepatite B (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). As regiões pré-S1 e pré-S2, durante a penetração do VHB no hepatócito, unem-se à membrana hepatocítica mediante a formação de pontes e participam, portanto, como elemento de ligação para a adsorção do VHB (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). O gene C e a região pré-C (pré-core) que o precede codificam, respectivamente, o antígeno do core (AgHBc) e o antígeno e (AgHBe) do VHB (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). O gene P codifica a DNA-polimerase, uma enzima es pecífica fundamental para a duplicação do DNA, que também tem atividade de transcriptase reversa (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). REPLICAÇÃO DO VHB A entrada do HBV nos hepatócitos ocorre por meio da ligação do HbsAg grande ao transportador de sais biliares, conhecido como polipeptídeo cotransportador de sódio-taurocolato (NTCP) (KUMAR et. al., 2023). O vírus se liga, por um peptídeo codificado pela região pré-S1, a um receptor específico localizado na membrana do hepatócito quando, então, perde seu envoltório e, por meio da albumina polimerizada, o genoma viral é introduzido na célula hepática (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). O DNA-VHB, ao alcançar o núcleo do hepatócito, pela ação da DNA- polimerase, perde sua disposição circular e se converte em DNA super-helicoidal (ccc-DNA) que servirá de molde para a síntese do RNA viral. Isso ocorre pela transcrição dos genes virais, no núcleo da célula infectada. Mediante a transcrição reversa, produzir-se-á um RNA pré- genômico de 3,5 Kb (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). A partir daí, ambos, o RNA mensageiro e o RNA pré-genômico, são transportados para dentro do citoplasma, onde serão transcritos para a produção do pré-genoma. Várias cópias do pré-genoma são, então, elaboradas. Nesta fase não ocorre integração do DNA viral no genoma do hospedeiro. Esse grande RNA de 3,5 Kb, que serve de molde para a transcrição reversa, contém todas as informações presentes no DNA viral. Enquanto isso, no citoplasma da célula hospedeira, são sintetizadas as proteínas do core, as quais encapsularão o RNA pré-genômico e a DNA-polimerase (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). No citoplasma, particularmente no retículo endoplasmático e no complexo de Golgi, ocorrerá a transcrição reversa do pré-genoma, sendo, então, sintetizada a cadeia longa (minus) do DNA viral. O pré- genoma, que produziu a cadeia longa, é destruído por ação enzimática, e essa cadeia, por meio da DNA-polimerase, produzirá a outra cadeia do DNA-viral (cadeia curta ou plus). Esse capsídeo será envolvido pelo envelope externo e essa estrutura viral completa deixa a célula (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). MODO DE TRANSMISSÃO ↠ O HBV pode ser transmitido por via parenteral, sexual e vertical (ZATERKA; EISIG., 2016). O VHB está presente no sangue, saliva, sêmen, secreções vaginais, e, em menor grau, suor, leite materno, lágrimas e urina de 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck indivíduos infectados. Esse vírus é resistente ao calor, pode sobreviver fora do corpo e é facilmente transmitido pelo contato com líquidos corporais infectados (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). ↠ Atinge todas as faixas etárias, predominando entre os 20 e os 40 anos de idade, já que a via sexual é hoje a principal forma de disseminação da doença (ZATERKA; EISIG., 2016). Atualmente, a transmissão por transfusões de sangue é praticamente nula, em função do controle nos bancos de sangue, mas outras formas de transmissão parenteral podem ocorrer: uso de drogas intravenosas, acidentes ocupacionais, tatuagens, acupuntura ou outros procedimentos envolvendo materiais potencialmente contaminados (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Os portadores funcionam como um grande reservatório da infecção, e são responsáveis pela ocorrência das formas agudas de infecção. O período de incubação da infecção pelo HBV é de 45 a 90 dias, podendo se estender até 180 dias (ZATERKA; EISIG., 2016). EPIDEMIOLOGIA ↠ A hepatite B continua sendo um problema de saúde pública global, apesar dos esforços para eliminar essa infecção viral crônica por meio de orientação, triagem e dos programas de vacinação (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). ↠ A hepatite B continua representando importante problema de saúde pública em todo o mundo, estimando- se que existam globalmente 300 milhões de portadores crônicos do vírus (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Os pacientes com hepatite crônica por VHB têm entre 15 e 40% de risco de desenvolver cirrose, insuficiência hepática ou carcinoma hepatocelular (CHC); e entre 15 e 25% de risco de morte por doença relacionada com a infecção por VHB (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). ↠ Nas áreas de alta incidência de infecção pelo VHB, a transmissão é usualmente vertical (mãe-filho) ou horizontal (entre familiares). Nas áreas de baixa prevalência, o VHB é doença de adolescentes e adultos jovens com predominância das transmissões sexual e parenteral (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). Na exposição vertical, a transmissão pode ocorrer durante o parto, pela exposição do RN a sangue ou líquido amniótico (onde está presente o VHB), durante a passagem pelo canal vaginal, pela amamentação e, também, mais raramente, por transmissão transplacentária (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). A transmissão nosocomial do VHB também pode ocorrer. Existem casos de transmissão entre pacientes, de pacientes para profissionais de saúde (acidentes perfurocortantes) e destes para pacientes (cirurgias) (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). PATOGÊNESE Existem evidências consideráveis de que a hepatite B se inicia por uma resposta imunocelular dirigida contra antígenos virais específicos que levarão ao dano hepático (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). Provavelmente a participação dos dois componentes da resposta imune (celular e humoral) seja necessária para que ocorra a eliminação do vírus, além da inativação viral intracelular produzida por citocinas liberadas pelas células linfomononucleares. As principais citocinas produzidas e liberadas no fígado são as interleucinas, o interferon- gama (IFN-.) e o fator de necrose tumoral (FNT), que podem levar diretamente à morte dos hepatócitos infectados ou sãos (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). Os interferons produzem um estado de “alerta” antiviral no fígado, reduzindo a replicação e induzindo a expressão das glicoproteínas da classe 1 do MHC (complexo maior de histocompatibilidade). Além disso, ocorre ativação das células T citotóxicas antivirais específicas, com a consequente produção de anticorpos antivirais neutralizantes que limitam a reinfecção das células hepáticas pelosvírus circulantes (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). A ativação das células destruidoras naturais (NK) as faz migrar para o fígado para destruir os hepatócitos infectados. Durante a fase aguda da hepatite viral, os hepatócitos infectados pelo VHB expressarão na sua superfície um complexo formado por proteínas do core do VHB e proteínas da classe 1 do HLA (antígeno linfocitário humano). O linfócito T citotóxico reconhece as proteínas do core viral (AgHBc e AgHBe) e o peptídeo da classe 1 do HLA e, ao atacar o hepatócito infectado, produz a lise celular ou a sua degeneração (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). A resposta das células T às proteínas virais sintetizadas, e que se expressam em antígenos HLA de classe 1 na superfície dos hepatócitos infectados, representa o maior determinante da lise dessas células. Quando esse mecanismo é eficiente, dá-se a recuperação da infecção. Essa lise imunológica dos hepatócitos infectados é, portanto, a base histopatológica da enfermidade crônica produzida pelo VHB. O indivíduo poderá desenvolver infecção crônica porque não ocorre a expressão da classe 1 do HLA ou porque o linfócito citotóxico não é apropriadamente estimulado ou, ainda, por algum outro mecanismo desconhecido (VEROSENI-FOCACCIA, 2015). HEPATITE C ↠ O vírus da hepatite C (HCV) raramente causa hepatite aguda sintomática, porém constitui a causa mais comum de hepatite viral crônica (KUMAR et. al., 2023). 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS ↠ O vírus C da hepatite (HCV) é do tipo RNA, semelhante aos flavivírus e classificado atualmente como um hepacivírus (ZATERKA; EISIG., 2016). Composto de genoma de fita única (DANI; PASSOS, 2011). ↠ O HCV é um pequeno vírus de RNA de fita simples e envelopado, com um quadro de leitura aberto que codifica uma única poliproteína, que é subsequentemente processada em várias proteínas funcionais, incluindo duas proteínas do envelope, E1 e E2, e cinco proteínas do cerne: p7, NS2, NS3/4a (protease), NS5A (complexo de replicação) e NS5B (RNA polimerase) (KUMAR et. al., 2023). ↠ Destaque-se como importante característica do vírus C, a grande variedade de genótipos (9) e subtipos (76) já descritos, com grande variabilidade de prevalência ao longo do mundo, além de um mecanismo complexo de fuga imunológica, que dificulta sua eliminação pelo sistema imune na maioria dos casos, levando a cronificação da hepatite C (SILVA et. al., 2012). A incapacidade da resposta imune do hospedeiro de eliminar o HCV está relacionada com o rápido surgimento de variantes genéticas, tanto na população quanto nos indivíduos infectados. A RNA polimerase do HCV apresenta baixa fidelidade, dando origem a variantes que são classificadas em sete genótipos e muitos subtipos. Com a progressão da doença, múltiplas variantes genéticas “pessoais”, conhecidas como quasispécies, surgem em indivíduos infectados. Os anticorpos anti-HCV dirigidos contra a proteína do envelope E2 são comuns e têm atividade neutralizante, porém as variantes emergentes com epítopos E2 alterados escapam dessa defesa do hospedeiro. A protease NS3/NS4A também afeta a resposta antiviral celular mediada por interferona, bloqueando outros meios potenciais de defesa do hospedeiro (KUMAR et. al., 2023). MODO DE TRANSMISSÃO ↠ O HCV transmite-se por via parenteral, através do sangue ou seus derivados. Embora possam ocorrer, as transmissões por via sexual ou vertical são pouco relevantes na epidemiologia da doença (ZATERKA; EISIG., 2016). O período de incubação da hepatite C é variável, em função da carga do inóculo. Pode variar de 30 a 180 dias (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ O período de incubação da hepatite por HCV varia de 4 a 26 semanas, com média de 9 semanas. O RNA do HCV é detectável no sangue durante 1 a 3 semanas na infecção aguda e coincide com o aumento das 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck transaminases. Os anticorpos anti-HCV surgem 3 a 6 semanas após a infecção. A eliminação espontânea do vírus após 4 a 6 meses é rara, de modo que a detecção persistente do RNA do HCV depois desse período fornece um indicador de infecção crônica pelo HCV (KUMAR et. al., 2023). EPIDEMIOLOGIA ↠ A prevalência varia mundialmente, e no Brasil estima- se que existam cerca de 2 milhões de portadores do vírus. Após a introdução dos testes sorológicos para detecção do HCV nos bancos de sangue, a incidência da doença caiu dramaticamente. Atualmente, a ocorrência de casos agudos de infecção pelo HCV é pouco frequente, mas tem sido relatada em algumas populações, como os usuários de drogas intravenosas e os hemodialisados (ZATERKA; EISIG., 2016). O vírus C é considerado um vírus oncogênico, associando-se à instalação do carcinoma hepatocelular (DANI; PASSOS, 2011). HEPATITE D ↠ O vírus da hepatite D (HDV) ou “agente delta” é um vírus de RNA característico, que depende do HBV para o seu ciclo de vida (KUMAR et. al., 2023). CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS ↠ O vírus da hepatite Delta (HDV) é do tipo RNA, defectivo, que necessita do vírus B para sua sobrevivência. É o único representante da família Deltaviridae (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ O antígeno de revestimento externo do HDV envolve uma montagem polipeptídica interna, denominada antígeno delta (HDAg), que é a única proteína produzida pelo vírus. Associada à partícula viral, existe uma pequena molécula circular de RNA de fita simples, cujo comprimento é o mais curto de qualquer vírus animal conhecido (KUMAR et. al., 2023). ↠ A replicação do vírus ocorre por meio de síntese de RNA dirigida por RNA pela RNA polimerase do hospedeiro. A base dos surtos de doença associados à superinfecção pelo HDV não está bem elucidada; foram sugeridos efeitos citopáticos e aumento das respostas citotóxicas do hospedeiro (KUMAR et. al., 2023). O VHB exerce função de fornecedor de moléculas do HBsAg ao vírus delta, as quais servem de invólucro e proteção para este último, permitindo desse modo sua replicação, transmissão, infectividade, penetração e a replicação exclusiva nos hepatócitos. Portanto, a infecção com o vírus da hepatite D ocorre somente associada à presença do VHB (SILVA et. al., 2012). MODO DE TRANSMISSÃO ↠ A transmissão do HDV ocorre por via parenteral, sendo o uso de drogas ilícitas injetáveis a principal forma de disseminação da doença (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Ocorre mais frequentemente entre usuários de drogas injetáveis em países desenvolvidos, e nas populações que habitam a região da Amazônia ocidental (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ A infecção aguda pelo HDV pode ocorrer de duas formas: coinfecção e superinfecção. Na coinfecção adquirem-se, a um só tempo, o HBV e o HDV. A evolução, embora possa ser grave na fase aguda, em geral resulta no clareamento de ambos os vírus. Na superinfecção o portador crônico de HBV adquire a infecção aguda pelo Delta, o que acarreta evolução para formas graves de doença, com alta incidência de hepatite fulminante e evolução para cronicidade do HDV em 70% dos casos (ZATERKA; EISIG., 2016). • Ocorre coinfecção após a exposição a soro contendo tanto HDV quanto HBV. A coinfecção pode resultar em hepatite aguda, que é indistinguível da hepatite B aguda. Ela é autolimitada e geralmente é seguida de eliminação de ambos os vírus. Entretanto, existe uma maior taxa de insuficiência hepática aguda em usuários de substâncias intravenosas (KUMAR et. al., 2023). • Ocorre superinfecção quando um portador crônico de HBV é exposto a um novo inóculo de HDV. Isso resulta em doença dentro de 30 a 50 dias, que se manifesta como hepatite aguda grave em um portador de HBV assintomático ou como exacerbação de infecção crônica preexistente pelo vírus da hepatite B. A infecção crônica pelo HDV ocorre em mais de 80% das superinfecções e pode apresentar duas fases: uma fase aguda, com replicaçãoativa do HDV e supressão do HBV associada a níveis elevados de transaminases; e uma fase crônica, em que a replicação do HDV diminui, a replicação do HBV aumenta e os níveis de transaminases flutuam (KUMAR et. al., 2023). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck EPIDEMIOLOGIA ↠ A doença ocorre em praticamente todo o mundo, com maior prevalência em áreas tropicais da America do Sul e da África Subsaariana, nas quais a infecção pelo VHB é consideravelmente elevada (SILVA et. al., 2012). ↠ No Brasil, os casos de hepatite delta concentram-se na Amazônia Ocidental, que apresenta uma das maiores incidências mundiais da doença, ocorrendo principalmente entre crianças e adultos jovens (SILVA et. al., 2012). HEPATITE E ↠ O vírus da hepatite E (HEV) é uma infecção transmitida entericamente pela água, cuja ocorrência se dá principalmente em jovens e adultos de meia-idade (KUMAR et. al., 2023). CARACTERÍSTICAS DO VÍRUS ↠ Descoberto em 1983, o HEV é um vírus de RNA de fita positiva e não envelopado, do gênero Hepevirus. O genoma de RNA tem 7,3 kb de comprimento e contém quatro quadros de leitura abertos, que codificam múltiplas proteínas, incluindo uma protease viral e a RNA polimerase viral (KUMAR et. al., 2023). ↠ O HEV não é citopático, e acredita-se que os danos hepáticos sejam decorrentes da resposta do hospedeiro às células infectadas pelo vírus (KUMAR et. al., 2023). MODO DE TRANSMISSÃO ↠ Sua transmissão é fecal-oral, à semelhança da hepatite A (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Após a entrada do VHE no hospedeiro, habitualmente por via oral na ingestão de água e alimentos contaminados, ele atinge o fígado por mecanismos desconhecidos até agora. Sabe-se, porém, que o VHE se replica no citoplasma dos hepatócitos (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). EPIDEMIOLOGIA ↠ O HEV é uma doença zoonótica com reservatórios animais, como macacos, gatos, porcos e cães. Foram relatadas epidemias na Ásia e no subcontinente indiano, na África Subsaariana, no Oriente Médio, na China e no México (KUMAR et. al., 2023). O HIV é um importante fator de comorbidade nas infecções por vírus hepatotrópicos. A coinfecção pelo HIV e por vírus da hepatite é comum nos EUA, visto que entre 10 e 25% dos indivíduos infectados pelo HIV também são infectados por HBV e HCV, respectivamente. As infecções crônicas por HBV e HCV constituem as principais causas de morbidade e mortalidade em indivíduos infectados pelo HIV, embora a gravidade e a progressão em pacientes imunocompetentes infectados pelo HIV sejam semelhantes àquelas de indivíduos HIV negativos. A infecção pelo HIV não tratada exacerba de modo significativo a gravidade da doença hepática causada por HBV ou HCV (KUMAR et. al., 2023). MECANISMO DE LESÃO CELULAR (PATOGÊNESE) Aceita-se que a magnitude da lesão celular, nas hepatites agudas, dependa da carga viral e da capacidade de multiplicação do agente viral (DANI; PASSOS, 2011). ↠ Por sua vez, tem importância a resposta despertada pelo hospedeiro, classificada como: (DANI; PASSOS, 2011). • não especifica, dependente da participação de interferon, complemento e linfócito NK; • de células killer, como neutrófilos e macrófagos, as quais requerem anticorpos para sua atuação; • especificidade exercida pelos linfócitos T citotóxicos (CTC). ↠ Esses mecanismos atuam visando a eliminar o agente viral, precipitando a lise celular. Quando essas respostas se revelam eficientes e precoces, propiciam a cura sorológica e restituição total do parênquima, não facilitando a instalação de estado de portador ou de hepatite crônica. Além desses efeitos, o vírus pode lesar a célula do hospedeiro ao interferir diretamente com o seu maquinismo, ou exercer toxicidade a partir de seus produtos (DANI; PASSOS, 2011). HEPATITE AGUDA X CRÔNICA Do ponto de vista de classificação morfológica, as hepatites virais agudas são consideradas doenças necroinflamatórias difusas que envolvem, primariamente, o parênquima lobular, enquanto as hepatites crônicas acometem, predominantemente, as áreas portais e periportais. As hepatites virais agudas, geralmente, duram menos do que seis meses e produzem degenerações hepatocelulares (necroses focais, corpos acidófilos e apoptose celular), inflamações difusas 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck (ativações de células sinusoidais, células de Kupffer e inflamação das células mononucleares lobulares e portais, e endoflebites das vênulas centrais) e regenerações hepatocelulares (mitoses e hepatócitos multinucleados). As hepatites virais crônicas são definidas morfologicamente como doenças hepáticas necroinflamatórias, difusas e fibrosantes, e que duram mais de seis meses (VEROSENI- FOCACCIA, 2015). HEPATITE VIRAL AGUDA ↠ A hepatite viral aguda, o tamanho do fígado pode ser normal, aumentado (devido à inflamação) ou diminuído (retraído) nos casos associados à insuficiência hepática aguda e à necrose hepática maciça (KUMAR et. al., 2023). ↠ No exame microscópico, há um infiltrado inflamatório portal e lobular, constituído predominantemente de linfócitos e uma mistura variável de plasmócitos e eosinófilos. A lesão dos hepatócitos pode resultar em necrose ou apoptose, geralmente com macrófagos pigmentados, que removem os restos celulares mortos. Nos casos graves, pode-se observar a necrose de grupos de hepatócitos (i. e., necrose confluente), que pode progredir para a necrose do lóbulo inteiro (i. e., necrose panlobular ou panacinar) ou conectar estruturas vasculares (i. e., necrose em ponte). Além disso, pode haver o desenvolvimento de insuficiência hepática com necrose hepática maciça (KUMAR et. al., 2023). HEPATITE VIRAL CRÔNICA ↠ A característica histológica definidora da hepatite viral crônica é a inflamação linfocitária ou linfoplasmocitária portal com fibrose. Com frequência, as células inflamatórias cruzam a placa limitante e levam à lesão dos hepatócitos periportais (atividade de interface). Isso pode ser acompanhado de grau variável de inflamação lobular. Há formação de fibrose com o aumento dos danos hepáticos, que se manifesta inicialmente como fibrose portal e periporta (KUMAR et. al., 2023). ↠ Ocorre desenvolvimento de septos fibrosos, que levam à fibrose em ponte portoportal e, por fim, à cirrose (KUMAR et. al., 2023). ↠ Algumas características morfológicas estão presentes em determinados subtipos de hepatite viral crônica: (KUMAR et. al., 2023). • Na hepatite B crônica, o retículo endoplasmático dos hepatócitos está intumescido e preenchido por HBsAg, levando a uma aparência de “vidro fosco”. A imuno- histoquímica para os antígenos de superfície e do cerne da hepatite B pode confirmar a infecção por HBV. • Em geral, a hepatite C crônica exibe agregados linfoides proeminentes ou folículos linfoides totalmente formados nos tratos portais. A esteatose é comum na hepatite C crônica e pode ser significativa nos casos de infecção pelo genótipo. Pode-se observar a presença de lesão dos ductos biliares na hepatite C, simulando uma doença biliar, porém isso normalmente é um achado focal. Com frequência, a biopsia de fígado é realizada para confirmar o diagnóstico de hepatite crônica e para avaliar a atividade inflamatória (grau) e a fibrose (estágio). O estágio da doença é utilizado em associação a outros parâmetros clínicos para determinar a abordagem terapêutica (KUMAR et. al., 2023). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ O quadro clínico das hepatites agudas virais é bastante semelhante, seja qual for o vírus envolvido, e compreende quatro períodos distintos: de incubação, prodrômico, de estado e de convalescença (ZATERKA; EISIG., 2016). • Incubação: é o período que se estende desde o momento da contaminação até o aparecimento do primeiro sintoma. É variável conforme o tipo de vírus responsável. Hepatócitos com aspecto de vidro fosco na hepatite Bcrônica, causados pelo acúmulo do antígeno de superfície do vírus da hepatite B no retículo endoplasmático. As inclusões citoplasmáticas são de coloração rosa-claro e finamente granulares na coloração pela hematoxilina e pela eosina; a imuno-histoquímica (detalhe) confirma que elas contêm o antígeno de superfície da hepatite B (em marrom). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck • Prodrômico: caracteriza-se por manifestações de quadro viral inespecífico. Dura em média uma semana, podendo ser mais prolongado. Às vezes, manifestações decorrentes da formação de imunocomplexos podem ocorrer, como artralgias, púrpuras, glomerulites e manifestações dermatológicas . • Estado: nas formas ictéricas clássicas, a colúria é o primeiro sintoma que faz sugerir o diagnóstico de hepatite. Precede de 1 a 2 dias o quadro ictérico. Conforme este se acentua, as fezes ficam descoradas ou até acólicas. Nesse período, os sintomas inespecíficos da fase prodrômica tendem a desaparecer e o paciente sente-se melhor. De acordo com a intensidade da icterícia, pode ser acompanhado por prurido. O exame físico mostra hepatomegalia dolorosa (70% dos casos) e esplenomegalia (20%). A rápida regressão do tamanho do fígado e a piora da icterícia podem sugerir má evolução. O período ictérico dura de 4 a 6 semanas, em geral. • Convalescença: os sintomas desaparecem e exames laboratoriais tendem à normalização, que em geral ocorre até o quarto mês. As hepatites agudas, em geral, têm boa evolução. A hepatite pelos vírus A não cronifica. Até recentemente se acreditava que a hepatite E, à semelhança da hepatite A, também não evoluía para formas crônicas de doença. Entretanto, relatos recentes indicam que, em pacientes imunossuprimidos, a hepatite E pode ser responsável por quadros de infecção crônica. Já as hepatites B, C e Delta devem ser cuidadosamente acompanhadas, pois cronificam em porcentagens elevadas de casos, sobretudo a hepatite C, cuja taxa de cronificação é de cerca de 80% (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Embora a maior parte das hepatites agudas virais tenha boa evolução, algumas formas particulares merecem ser consideradas: (ZATERKA; EISIG., 2016). • Hepatite anictérica: é a forma mais comum de hepatite (70% dos casos). Em geral esta forma passa despercebida e o diagnóstico de hepatite aguda não chega a ser estabelecido e confirmado laboratorialmente. Parece acarretar maior tendência à cronificação, quando causada pelos vírus B e C. • Hepatite fulminante: ocorre em menos de 1% dos casos de hepatite, independentemente da etiologia, e é bastante rara nas infecções pelo HCV. É a forma mais temida da doença, pois apresenta elevada taxa de mortalidade (superior a 80%) nos centros que não dispõem de transplante de fígado. Vômitos, sonolência, confusão mental, piora da icterícia e regressão rápida da hepatomegalia prenunciam esta condição, que laboratorialmente se caracteriza por queda rápida das aminotransferases e elevação das bilirrubinas. • Hepatite prolongada: é aquela em que a fase aguda se arrasta por mais de quatro meses, com sinais de melhora progressiva, porém lenta. A evolução para cura, entretanto, é regra nesses casos. Muitas vezes pode se apresentar com características de quadro recorrente, com reativação clínica e bioquímica após recuperação aparentemente completa do quadro. Tem sido frequente mente relatada em adultos com hepatite A. • Hepatite colestática: caracterizada por prurido intenso, elevação significativa das enzimas colestáticas e da bilirrubina. É importante estabelecer o correto diagnóstico diferencial com icterícia obstrutiva. Em geral, a evolução é favorável, com recuperação completa do quadro em 2 a 6 meses. ESPECIFICIDADES NAS MNIFESTAÇÕES A hepatite crônica pelo VHB geralmente é assintomática até o aparecimento de sinais e sintomas de doença hepática avançada. Muitos pacientes descobrem a hepatite por meio de sorologias positivas ou elevações de aminotransferases ao realizar uma doação de sangue, durante a realização de exames de sangue de rotina ou na investigação de outras doenças. Quando questionados, a astenia é um dos sintomas mais relatados. Outras manifestações relatadas incluem artralgias, anorexia, dor vaga e persistente em hipocôndrio direito. Icterícia, aparecimento de hematomas e sangramento fácil, edema e ascite indicam desenvolvimento de doença hepática avançada, como a evolução para a cirrose hepática e/ou desenvolvimento do carcinoma hepatocelular (ZATERKA; EISIG., 2016). DIAGNÓSTICO ↠ As hepatites agudas virais caracterizam-se, seja qual for o vírus causador, por níveis de aminotransferases (ALT e AST) em geral superiores a 10 vezes o limite superior da normalidade (xLSN), sendo que a dosagem dessas enzimas é utilizada tanto no diagnóstico como para acompanhamento da evolução do quadro (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ A persistência de níveis elevados de aminotransferases por período superior a seis meses indica diagnóstico de hepatite crônica, que necessita ser confirmado por estudo histológico do fígado (ZATERKA; EISIG., 2016). 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os níveis de bilirrubinas atingem seu máximo após o pico das aminotransferases, e em geral a bilirrubina total não ultrapassa o nível de 10 mg/dL, diminuindo mais lentamente que as aminotransferases. Formas colestáticas podem ocorrer, com importante elevação dos níveis de bilirrubinas, fosfatase alcalina e gama-GT; o diagnóstico diferencial com icterícias obstrutivas extra-hepáticas, nesses casos, impõe-se, estando indicado o emprego da ultrassonografia (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ O diagnóstico etiológico das hepatites é realizado por meio dos marcadores sorológicos, que são antígenos e anticorpos detectados no soro em consequência da infecção viral (ZATERKA; EISIG., 2016). HEPATITE A ↠ O diagnóstico da hepatite A é confirmado pela presença do marcador sorológico anti-HAV IgM, cuja positividade coincide com o início do quadro clínico e dura cerca de 6 a 12 meses. Após a fase aguda, os anticorpos IgM desaparecem do soro e passam a ser detectáveis anticorpos anti-HAV IgG, que perduram para o resto da vida, conferindo imunidade à doença (ZATERKA; EISIG., 2016). A identificação de partículas virais e antígenos nas fezes também é possível, mas muito pouco utilizada na prática clínica (ZATERKA; EISIG., 2016). HEPATITE B Algumas características relevantes desses marcadores merecem ser citadas: (KUMAR et. al., 2023). • O HBsAg aparece antes do início dos sintomas e alcança um pico na doença sintomática aguda. Em pacientes com resolução da infecção, o HBsAg com frequência declina para níveis indetectáveis em 12 semanas, porém pode persistir por até 24 semanas. Em contrapartida, o HBsAg persiste nos casos que progridem para a cronicidade • O anticorpo anti-HBs começa a surgir após a resolução da doença aguda, geralmente após o desaparecimento do HBsAg. Em alguns casos, o aparecimento do anticorpo anti- HBs é retardado até várias semanas a meses após o desaparecimento do HBsAg; nesses casos, pode-se estabelecer um diagnóstico sorológico pela detecção do anticorpo IgM anti-HBc. Os anticorpos anti-HBs tendem a persistir durante toda a vida, conferindo proteção ao organismo, base essa das estratégias atuais de vacinação que utilizam o HBsAg não infeccioso. Em contrapartida, os anticorpos anti-HBs não são produzidos nos casos que progridem para a doença hepática crônica, que também está associada a elevações persistentes e variáveis dos níveis séricos de transaminases na maioria dos casos (mas não em todos). • O HBeAg, o DNA do HBV e a DNA polimerase do HBV são detectáveis no soro logo após o HBsAg e indicam uma replicação viral ativa. A persistência do HBeAg é um importante indicador de replicação viral contínua, infectividade eprovável progressão para a hepatite crônica. Uma ressalva é o possível surgimento de cepas mutadas de HBV que não produzem HBeAg, mas que apresentam replicação competente e expressam HBcAg. Nesses pacientes, o HBeAg pode estar baixo ou indetectável, apesar da presença do DNA do HBV no soro • A presença do anticorpo anti-HBe indica que a infecção aguda alcançou o seu pico e está declinando, ao passo que, nos casos que progridem para a infecção crônica, o anticorpo anti-HBe não é produzido ou só aparece tardiamente no curso da doença. ↠ Nos casos em que há suspeita de hepatite pelo vírus B, a presença no soro do HBsAg, inicialmente denominado antígeno Austrália, e do anticorpo anti-HBc IgM confirma o diagnóstico. Via de regra, esses marcadores já são positivos por ocasião das primeiras manifestações clínicas (ZATERKA; EISIG., 2016). Alterações temporais dos marcadores sorológicos na infecção pelo vírus da hepatite B. A. Infecção aguda com resolução. B. Progressão para a infecção crônica. Em alguns casos de hepatite B crônica, os níveis séricos de transaminases podem tornar-se normais. Alterações temporais dos marcadores sorológicos na infecção aguda pelo vírus da hepatite A (HAV). IgM, imunoglobulina M. 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ O HBsAg é o primeiro marcador a aparecer no soro, e já pode ser detectado no período de incubação, 2 a 6 semanas antes do início do quadro clínico. Nos casos que evoluem para a cura, o HBsAg torna-se negativo antes do sexto mês (ZATERKA; EISIG., 2016). A cicatriz sorológica da hepatite B será caracterizada pela presença de anticorpos anti-HBc IgG e aparecimento dos anticorpos anti-HBs (ZATERKA; EISIG., 2016). HEPATITE C ↠ Em relação à hepatite C, não há um teste diagnóstico que permita diferenciar a hepatite C aguda da forma crônica da doença. Na infecção aguda o diagnóstico baseia-se na presença do anti-HCV, se possível com documentação da soroconversão (paciente anteriormente negativo para o teste torna-se positivo). Como isso nem sempre é possível, o diagnóstico de infecção aguda baseia-se na história clínica, epidemiologia compatível e elevação de aminotransferases, acompanhada da presença do anti- HCV (ZATERKA; EISIG., 2016). É importante ressaltar que o anticorpo anti-HCV é um anticorpo de aparecimento tardio, tornando-se positivo cerca de 8 a 12 semanas após a contaminação (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ O diagnóstico poderá ser feito mais precocemente pela pesquisa no soro do HCV RNA, por técnica de PCR (ZATERKA; EISIG., 2016). HEPATITE D ↠ Na infecção pelo vírus Delta, o diagnóstico pode ser feito no soro, pela presença de antígeno Delta e anticorpo anti-Delta IgM (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Na coinfecção, além dos marcadores de hepatite aguda Delta, detectam-se os marcadores de infecção pelo HBV, ou seja, o HBsAg e o anti-HBc IgM (ZATERKA; EISIG., 2016). ↠ Já na superinfecção estão presentes os marcadores de infecção crônica pelo HBV: HBsAg, anti-HBc IgG e, em geral, está positivo o anti-HBe, indicando a inibição da replicação do HBV ocasionada pela superinfecção Delta (ZATERKA; EISIG., 2016). HEPATITE E ↠ A infecção aguda pelo HEV pode ser detectada pela presença no soro de anticorpos anti-HEV IgM, que permanecem positivos por cerca de 4 a 6 meses após o episódio agudo, dando lugar a anticorpos da classe IgG, conferindo imunidade definitiva (ZATERKA; EISIG., 2016). VÍRUS HEP. A HEP. B HEP. C HEP. D HEP. E TIPO DE VÍRUS RNAfs Parcialmen te DNAfd RNAfs RNAfs circular defeituoso RNAfs VIA DE TRANSMISS ÃO Fecal-oral Parenteral, contato sexual, perinatal Parenter al; uso de cocaína intranasal Parenteral Fecal-oral PERÍODO MÉDIO DE INCUBAÇÃO 2 a 6 semanas 2 a 26 semanas 4 a 26 semanas Igual ao HBV 4 a 5 semanas FREQUÊNCI A DE DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA Nunca 5 a 10% >80% 10% (coinfecção) ; 90 a 100 % para a superinfecç ão Apenas em hospedeiros imunocomprometi dos DIGNÓSTICO Anticorp os IgM séricos Anticorpos anti-HBs ou anti- HBc; PCR para DNA do HBV ELISA para anticorpo s anti- HCV; PCR para RNA do HCV Anticorpos IgM ou IgG séricos; PCR para RNA do HDV Anticorpos IgM e IgG séricos; PCR para RNA do HEV Referências VEROSENI-FOCACCIA. Tratado de infectologia, 5ª edição. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. DANI, Renato; PASSOS, Maria do Carmo F. Gastroenterologia Essencial, 4ª edição. Grupo GEN, 2011 ZATERKA; EISIG. Tratado de Gatroenterologia da graduação à pós-graduação, 2ª edição. Atheneu, 2016. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Grupo GEN, 2023. SILVA et. al. Hepatites virais: B, C e D: atualização. Revista Brasileira de Clínica Médica, São Paulo, 2012. Alterações temporais dos marcadores sorológicos na infecção pelo vírus da hepatite C. A. Infecção aguda com resolução. B. Progressão para a infecção crônica.
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