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história do liberalismo no Brasil 1

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Revisão ortográfica e gramatical: Equipe Brasil Paralelo 
Projeto de capa: Equipe Brasil Paralelo 
Produção editorial: Equipe Brasil Paralelo 
 
 
Berlanza, Lucas 
 
O histórico do pensamento liberal brasileiro 
 
ISBN: 
 
1. Economia 2. Liberalismo 
CDD 330 
__________________________________________ 
 
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SINOPSE 
 Como as ideias liberais chegaram ao Brasil e estiveram presentes no país ao 
longo de sua história e diversos períodos políticos? Nesta aula, Lucas Berlanza 
remonta dos tempos coloniais à contemporaneidade para fazermos cientes do 
percurso percorrido pelas ideias liberais no solo brasileiro e como estas se 
disseminaram atualmente na sociedade. 
 
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM 
 Ao final desse e-book, espera-se que você saiba como as ideias liberais 
chegaram ao Brasil; quais as defesas de teor liberal feitas ao longo da história 
brasileira; as figuras que defenderam o liberalismo no Brasil. 
 
INTRODUÇÃO 
 Esta aula trata da aventura histórica do liberalismo no Brasil. Esse 
relacionamento difícil, delicado, complicado, mas, ao mesmo tempo, longevo, entre 
as ideias liberais e a brasilidade. Esse é o nosso tema. 
Para abordar a inserção das ideias liberais no contexto brasileiro, é preciso 
primeiro saber que conceito de liberalismo estamos utilizando aqui, pois existe uma 
tremenda polissemia, não só em relação ao liberalismo, como em relação a quase 
todo rótulo político que se preze. Existem acepções distintas. É legítimo que haja 
acepções distintas, porque é um fenômeno natural que as palavras ganhem 
significados diferentes em contextos e momentos diferentes e nas obras de autores 
diferentes. A palavra é um fenômeno histórico que adquire acepções distintas ao 
longo do tempo. 
 
O que é liberalismo? 
No entanto, é preciso, para que nós dialoguemos, estabelecer um conceito, 
mais do que propriamente uma definição. O que nós queremos dizer quando falamos 
em liberalismo e em liberais? A minha base para construir esse conceito, que não foi 
escolhida por acaso, mas justamente por trabalhar com a minha premissa de que as 
palavras vão ganhando esses contornos diferenciados nos contextos históricos e no 
avanço do tempo, é a obra do José Guilherme Merquior, que é um dos personagens 
que abordaremos hoje. Antecipo sua menção pelo fato de ele conceituar do que 
estamos tratando quando falamos em liberalismo. 
José Guilherme Merquior afirma que o liberalismo é dificilmente definível, 
justamente por essa consciência que nós começamos a externar, mas que se pode 
entender o conceito de liberalismo partindo-se da premissa de que ele se estrutura e 
se enraíza em um movimento, que se manifesta em ideias, em obras, em instituições, 
em iniciativas políticas, partidos, sistemas políticos estabelecidos em determinadas 
nações, no sentido de retrair a dimensão do arbítrio do Estado, a dimensão da 
autoridade do Estado, exercida sem nenhum condicionante, sem nenhuma 
delimitação aparente, explícita, pelo menos, e favorecendo a expansão da dimensão 
do indivíduo, das prerrogativas dos sujeitos que vivem naquela sociedade, 
favorecendo então, também, uma certa dose de expansão da heterogeneidade dentro 
daquela sociedade. Ou seja, não prevalece, em absoluto, algum modelo cultural, 
ideológico, estabelecido pelo Estado. Existe a margem para que haja preferências 
distintas no sentido estético, no sentido cultural, que não sejam impostas como um 
molde absoluto de cima. Passa a haver uma margem maior para aquilo que o 
sociólogo argentino Gino Germani vai chamar de ações eletivas. A palavra 
autoexplicativa. O indivíduo elege, ele não se amolda a uma imposição de cima, uma 
imposição histórica, uma imposição do Estado. Há uma margem maior, não quer dizer 
que seja absoluta ou que tenha de ser absoluta, para que o indivíduo se manifeste e 
se expresse. Grosso modo, essa expansão da dimensão individual e a retração e a 
delimitação da autoridade do Estado, de alguma forma, é o que conceitua a ideia de 
liberalismo historicamente compreendida e inserida. 
A partir daí, sendo necessariamente redundante, a expressão ganha suas 
diferentes acepções ao longo do tempo, e subtendências, encaminhamentos, que vão 
em um sentido ou no outro. O próprio Merquior expõe a existência de diferentes 
liberdades. Há o liberalismo clássico, por exemplo, que nasce por volta dos séculos 
17 e 18. Há a liberdade britânica, a liberdade francesa - que enfatiza a participação 
política mais do que a dimensão individual -, a liberdade alemã, que se materializa na 
realização do ser. Esses são detalhes para introduzir a conceituação do Merquior. 
Fato é que Merquior deriva este liberalismo clássico do que ele chama de whiggismo, 
que seria o protoliberalismo. Dentro do partido Whig, na batalha política britânica, 
desenvolve-se essa tradição de um liberalismo que era necessariamente, pelo 
contexto, um liberalismo aristocrático, um liberalismo de representação restritiva, nós 
não estamos tratando, ainda, de uma democracia de massa, mas se estabelece ali 
essa consciência. Há uma herança histórica por trás disso, da Inglaterra 
propriamente, mas essa consciência se desenvolve em uma sociedade que já tinha o 
histórico da Carta Magna e de uma série de realizações que levam em direção a essa 
restrição do poder absoluto do monarca. O liberalismo é o resultado de um 
desenvolvimento de ideias, de posturas e de atitudes, que se enraízam na cultura 
cristã-ocidental. 
Merquior explica que há o movimento na direção do liberalismo social, o qual 
concede um maior papel ao Estado, aproximando-se mais do que convencionamos 
chamar de esquerda. Entre os brasileiros, Merquior e Miguel Reale se declaram 
sociais-liberais. Merquior, em sua obra, inclusive faz uma distinção entre liberalismo 
e liberismo. Para Merquior, liberalismo é a liberdade econômica, o liberalismo 
econômico. Então, nem todos os liberais são liberalistas, pois há os liberais-sociais 
que não são liberalistas. 
Além dessas posições, existe o liberal conservador. Muitos afirmam que essa 
expressão é um oxímoro, que não faz qualquer sentido, tal qual liberalismo social. O 
liberal conservador é aquele que abraça a tradição Whig, a tradição de Edmund 
Burke. Edmund Burke era considerado um liberal inclusive por Hayek, expoente da 
Escola Austríaca, que se afirmava como um velho Whig Burkeano. 
Com base em toda essa exposição, é possível perceber que há um panorama 
extremamente plural dentro do que Merquior denominava liberalismo. O conceito é 
esse: retração do Estado, expansão do indivíduo. 
 
A chegada do liberalismo 
No primeiro momento em que o liberalismo aparece historicamente, manifesta-
se através do constitucionalismo. São estabelecidas regras precisas para delimitar o 
poder do Estado, as quais precisam ser respeitadas e obedecidas à revelia de quem 
você seja dentro da sociedade. Esta ideia aparece, introduz-se na sociedade, dando 
origem às constituições modernas. Liberalismo, na sua origem histórica, assimila-se 
muito com a ideia do constitucionalismo. E é assim, também, em boa medida, que 
será introduzido no Brasil. 
Nossa história começa ainda em tempos de colônia, em que Brasil e Portugal 
formavam uma única unidade, uma única nacionalidade, um único Estado. As ideias 
liberais já começam a se introduzir aí. Temos, primeiro, como prólogo disso,o 
movimento do Marquês de Pombal, na Universidade de Coimbra, em que ele absorve 
as ideias científicas, sobretudo britânicas, mas não absorve ou se interessa pela parte 
política, institucional, que vai se desenvolvendo entre os britânicos. Como a elite 
brasileira e a portuguesa estudavam na Universidade de Coimbra, essa absorção de 
ideias modernizantes, científicas, participa da formação de toda uma elite política e 
intelectual brasileira, que foi decisiva no processo de emancipação, de 
independência. Dentre estas ideias, está presente a noção de que é preciso 
desenvolver a técnica econômica, de que é preciso absorver a ciência econômica. E 
com esse ponto de vista, este tecido e essa preparação, que aparecem as ideias 
liberais no Brasil. 
 O ingresso do liberalismo, no Brasil, é importante, mas difícil e delicado. Por 
isso, antes de entrar propriamente no histórico, é interessante fazer um pequeno 
inventário de quais são os desafios que o Brasil oferece às ideias liberais. Sociólogos 
e cientistas sociais apontam um punhado de empecilhos. No Raimundo Faoro, 
encontramos a ideia do Estamento Burocrático, do patrimonialismo, que também foi 
desenvolvida por Schwartzman e Antonio Paim. Esses autores trazem a ideia do 
Estamento Burocrático, que se desenvolve na sociedade e no Estado brasileiros, que 
atrai e absorve as suas vantagens, os seus privilégios, que são sumamente 
antiliberais tanto no sentido econômico quanto no sentido político. Há o que DaMatta 
denomina sociedade relacional, uma sociedade que não consegue entronizar a 
impessoalidade, a qual é muito importante no pensamento liberal. E as regras se 
aplicam a todos indivíduos, independente de características específicas destes. 
Temos uma certa dificuldade com isso. A velha história do jeitinho e do “você sabe 
com quem você está falando?”. Isto é um substrato cultural que dificulta e é avesso 
às ideias liberais no que tange à impessoalidade, fundamental para que estas se 
firmem. Essa cultura relacional também atrapalha. Além disso, temos uma sociedade 
que começou e se desenvolveu em uma circunstância de grande decantação, uma 
sociedade alicerçada na escravidão, em que havia grandes porções de terra em que 
os senhores eram autoridade. Havia aquela divisão profunda entre os indivíduos que 
a escravidão necessariamente estabelece, muito embora, no Brasil, tenha sido bem 
diferente dos Estados Unidos, pois havia uma miscigenação muito mais forte no 
Brasil. De qualquer modo, a sociedade se constrói de uma maneira um tanto quanto 
decantada. Há autores, como Oliveira Viana, que afirmam que isso favorece um certo 
nível de insolidarismo no espírito público. Enfim, são uma série de desafios. 
O que foi feito, de fato, a despeito desses desafios? Retornamos ao período 
colonial, em que houve três nomes importantes, os quais estavam embebidos nessa 
formação da elite coimbrana. 
 
Hipólito José da Costa e o Liberalismo Britânico 
Na entrada do século 19, há a figura de Hipólito José da Costa, que era 
jornalista, publicava o Correio Braziliense, à época joanina. Vale frisar que D. João VI 
é, em muitos aspectos, foi um fundador desta unidade do país, estabeleceu bases 
para um Estado, no Brasil, mais sofisticado. Em torno de sua corte e do seu período, 
essas ideias liberais ganharam certa importância. Com a publicação do Correio 
Braziliense, diretamente de Londres, Hipólito José da Costa tinha por meta expor, aos 
brasileiros, aquilo que Pombal não havia exposto, quando fez um recorte nas 
conquistas britânicas, apropriando-se dos aspectos científico e técnico. Hipólito da 
Costa aborda igualmente estes dois aspectos, defendendo, dentre outras medidas, a 
importância do fomento à indústria e a melhoria da agricultura. A diferença é que 
Hipólito da Costa também introduz a dimensão institucional e política. Ele defende 
que os brasileiros precisam ter representação nas Cortes. Defende que haja 
constituição, regras explícitas na sociedade brasileira. O liberalismo inglês era 
difundido no Correio Braziliense. Existia uma relação ambígua com o governo 
brasileiro, que era o governo português. O Correio Braziliense não era legal. Por isso, 
Hipólito da Costa às vezes criticava veementemente às autoridades, às vezes fazia 
textos elogiosos. Por outro lado, a visão britânica, de um liberalismo inglês, era 
defendida ininterruptamente, e inspirava os rumos da política brasileira. Ao contrário 
de Visconde de Cairu, do qual falaremos mais adiante, quando a Revolução do Porto 
eclode em 1920, Hipólito José da Costa a defende, pois acredita que poderia resultar 
na elaboração de uma Constituição afinada com seu posicionamento político. 
Entretanto, ao perceber que os liberais portugueses, que eram muito liberais consigo 
próprios, mas nem tanto com o Brasil, queriam impor medidas de esfacelamento da 
unidade que o reino do Brasil já havia construído, impor novas sanções e retomar 
algumas limitações que a Colônia tinha anteriormente, Hipólito da Costa retifica seu 
posicionamento e passa a defender a independência do Brasil. Com a concretização 
da Independência brasileira, o Correio Braziliense é encerrado. Hipólito da Costa 
morre no ano seguinte. 
 
Visconde de Cairu 
Outro nome a ser citado, já mencionado, é o Visconde de Cairu, que era um 
estadista ligado à Corte de D. João VI. Visconde de Cairu era um homem que tinha 
os amálgamas do seu tempo, com as ideias complexificadas e mescladas. Um 
exemplo disso é que ele chegou a ser simpático, em algum momento da sua trajetória, 
às corporações de ofício da Idade Média, o que não é uma ideia muito liberal. Além 
disso, chegou a ser simpático à censura governamental, tendo trabalhado nessa 
atividade no período joanino. Posteriormente, Visconde de Cairu evoluiu em uma 
direção britânica do seu pensamento em enaltecer a liberdade de imprensa no Reino 
Unido. 
Esse homem é fundamental para esse pensamento liberal conservador, 
conforme denominação de Merquior, no contexto brasileiro, por ter trazido a obra de 
Adam Smith e por ter atuado na defesa da implementação dessa visão científica e 
técnica da economia, no Brasil, baseada nas teses deste teórico. Visconde de Cairu 
também influenciou, embora exista uma discussão para determinar em que grau isso 
ocorreu, a Abertura dos Portos às Nações Amigas implantada por D. João VI - uma 
medida que os liberais devem comemorar como marco histórico. Ademais, Visconde 
de Cairu também trouxe para o Brasil, e traduziu para o português, as obras de 
Edmund Burke. Com isso, inoculou no Brasil as ideias do velho Whiggismo 
defendidas por Burke, as quais são transcritas como liberalismo conservador por 
Merquior. 
Visconde de Cairu era contra a Revolução do Porto de 1920 justamente por 
entender o risco de nesta se verificar algo semelhante ao terror de todos os estadistas 
daquele tempo, a Revolução Francesa. As chacinas, as guilhotinas, a ideia de uma 
política abstrata e revolucionária, que saqueia a cultura, e que só ficará satisfeita 
quando o último rei e o último padre forem enforcados e mortos. Porque a Revolução 
Francesa teve início com esse anseio pela constituição, ele teve medo que a 
Revolução do Porto tomasse rumos similares. 
Se a Revolução do Porto transplantou o liberalismo para Portugal, despertou, 
no Brasil, posições indesejadas pelos portugueses. Estes tinham ficados 
abandonados em meio a uma situação complicada após as invasões napoleônicas, e 
sentiram inveja dos avanços conquistados pelo Brasil. Por isso, Visconde de Cairu 
era contrário à Revolução do Porto, mas defendeu, no final, a Independência do 
Brasil. 
 
Silvestre Pinheiro Ferreira e a representação de interesses 
O terceiro e último nome que precisamos citar deste período foi, na verdade, 
mais importante no meio do século 19, no império propriamente dito. Neste momento, 
no entanto, ele já compunha a equipe do governo de D. João VI. Essafigura é muito 
recuperada e enaltecida pelo professor Antonio Paim, que o considera uma chave 
para interpretar o período. Esse homem é Silvestre Pinheiro Ferreira, que naquele 
tempo era tido como uma figura mais liberal e antenada com as ditas ideias novas, 
ou seja, essas ideias de retração do Estado, o qual era delimitado em prol do 
indivíduo. Em seu “Manual do Cidadão no Governo Representativo”, Silvestre 
Pinheiro Ferreira defende exatamente um sistema representativo estabelecido em 
torno de interesses. Em sua perspectiva, portanto, é preciso que haja interesses 
distintos se representando. Essa é uma informação que vale guardar, pois exerce 
peso na análise que Antonio Paim faz da República. Além disso, inspirado em 
Benjamin Constant, defende que haja, na sociedade, o que denomina de poder 
conservador. O poder conservador era um poder diluído nas instituições e nos outros 
poderes, que realizaria e promoveria a fiscalização entre esses poderes, o controle 
da ordem social. No Brasil, isso foi transformado em um poder exercido pelo monarca, 
especificamente, que é o poder moderador. Para Antonio Paim, as ideias liberais de 
representação do Silvestre Pinheiro Ferreira são decisivas para a elite política que 
construiu a monarquia brasileira. Foi inspirando-se nessas ideias que a monarquia 
construiu, em boa parte, sua solidez e perenidade, principalmente, do Segundo 
Reinado, que durou cerca de cinco décadas. 
 
Escravidão e Constituição: sim ou não? 
Passado esse período, chegamos à independência propriamente dita. São dois 
os personagens necessários para entender o cenário então estabelecido. O primeiro 
deles é José Bonifácio, o qual dispensa apresentação. Embora este também 
estivesse sob influências das ideias novas, das ideias modernas, tinha receio que a 
elaboração de uma constituição de imediato despertasse despenhadeiros 
demagógicos. José Bonifácio preocupava-se mais com a sociedade do que com as 
instituições e com o sistema político. Do seu ponto de vista, erguer uma constituição 
liberal, naquele exato momento, não produziria tantos efeitos com o quadro social 
existente. Para ele, antes, era preciso acabar primeiro com a escravidão. Assim como 
Hipólito da Costa, que considerava a escravidão ineficiente, um desastre para a 
economia brasileira, e Cairu, o qual, ainda que mais contido em suas críticas, também 
era contra a forma como a escravidão funcionava e a lógica econômica que se 
enraizava em cima dela, para Bonifácio, a escravidão era uma mancha absurda no 
Brasil. Suas concepções eram extremamente radicais quanto a essa questão. Ele as 
defendeu à frente, diga-se de passagem, de muitos e dos pais fundadores dos 
Estados Unidos, para os quais a escravidão não era uma preocupação tão grande, 
até porque tinham seus escravos. 
O segundo personagem, do outro lado, era Gonçalves Ledo, que representava 
a maçonaria fluminense. Ao seu lado estavam Clemente Pereira e outros maçons 
fluminenses. Eles também defenderam a independência. Contudo, almejavam uma 
constituição imediata. Isso gerou disputas políticas de menor significados, em termos 
de pensamento, gerou disputas temporais e uma tensão entre Bonifácio e Ledo, entre 
Bonifácio e a maçonaria fluminense, durante o processo de emancipação do Brasil. 
Bonifácio apresentava uma preocupação social e uma preocupação elevada 
com a união nacional, com a manutenção da unidade nacional. Ledo e os maçons 
fluminenses, pelo contrário, não se afligiam com a escravidão. Prova disso está 
constante nos manifestos de agosto. Em 1822, foram escritos dois textos manifestos 
da nossa independência, um do dia 1º e outro do dia 6 de agosto. Um deles foi 
atribuído a Bonifácio. O outro, a Ledo. Ambos foram assinados por D. Pedro. Um 
detalhezinho faz toda a diferença: em seu manifesto, Bonifácio aborda a importância 
que o processo de independência brasileiro não conduzida o país ao caos, à anarquia, 
tal como havia acontecido no Haiti. O manifesto de Ledo, por sua vez, elenca como 
uma das razões para a indignação que os brasileiros sentiam em relação aos 
portugueses, o fato de estes, naquele processo, em meio a todas as injustiças que 
verdadeiramente estavam cometendo como o Reino do Brasil, questionarem a 
propriedade dos brasileiros sobre seus escravos. Para Ledo, era um absurdo querer 
interferir nesta propriedade. Conquanto fosse liberal, Ledo portava a contradição 
brasileira de assentar o liberalismo sob a escravidão. 
 
A Revolução Liberal de 7 de abril 
Por último, há o próprio D. Pedro. D. Pedro era um imperador formado na 
cultura portuguesa, na monarquia tradicional, que estava muito afastada de uma 
monarquia liberal-constitucional. Além disso, como Otávio Tarquínio de Sousa 
destaca, Pedro queria participar e estar envolvido nas questões, era um homem 
voluntarioso, algo que, de certa forma, em algumas circunstâncias, colocava 
obstáculos à limitação do seu poder. Ao mesmo tempo, porém, D. Pedro era 
reconhecido no seu tempo como um campeão das ideias novas. Entre os imperadores 
e os monarcas do mundo, ele era a referência do liberalismo, referência de alguém 
que propõe um sistema liberal, para o próprio Benjamin Constant, um liberal francês. 
Isso revela a importância de analisar todos os aspectos de acordo com a circunstância 
da época. Entretanto, o imperador D. Pedro, em seu sistema liberal, firmado na 
Constituição de 1824 com a participação do Marquês de Caravela, acrescentou o 
poder moderador. A adição do poder moderador foi a principal diferença em relação 
à Constituição elaborada pela constituinte de 1823, a qual foi dissolvida pelo 
imperador. Embora, para compor o poder moderador, D. Pedro tenha se afastado 
ligeiramente das propostas presentes no livro de Benjamin Constant, que não 
concediam todo esse poder para o monarca, D. Pedro se inspirou nas ideias deste 
para forjar o poder moderador. Tanto é que essa expressão está em sua obra. D. 
Pedro era leitor de Constant e desse liberalismo moderado, que prezava a ordem e a 
continuidade. Essas ideias influenciaram na formação das instituições monárquicas 
brasileiras. 
Após a independência, essa personalidade voluntariosa de D. Pedro gerou 
embates com os políticos, com os estadistas, muitos deles já influenciados pelas 
ideias liberais. Neste contexto, aparecem Bernardo Pereira de Vasconcelos e Evaristo 
da Veiga, homens que estão lendo o liberalismo e estão sendo particularmente 
influenciados pelo liberalismo inglês. Ambos querem implementar essas concepções 
no Brasil. Por isso, enfrentam certos choques com D. Pedro, os quais foram 
exacerbados pela hostilidade que se criou, no Brasil, em relação à nacionalidade 
portuguesa de D. Pedro. Havia um sentimento nativista e uma rejeição aos 
portugueses. A Corte permaneceu, assim como o estamento ao redor de D. Pedro. 
Isso incomodava os brasileiros, que queriam que nacionais assumissem esses 
postos. Isso gerou uma má vontade que, em alguns aspectos, o imperador colaborou 
para provocar. 
Essa tensão alcançou um extremo, um ponto limite, e eclodiu o que muitos 
chamaram, naquele momento, de a Revolução Liberal de 7 de abril, quando D. Pedro 
abdica em 1831. Tal abdicação não resultou de uma decisão tomada 
espontaneamente por D. Pedro. Havia uma mobilização para sua abdicação, a qual 
apresentava até mesmo um componente militar. Face a uma tensão de que haveria 
ruptura, D. Pedro abdica em favor de seu filho. Na época, aqueles homens 
consideraram esta uma revolução liberal. Como eu mencionei, aquela geração falava 
da Revolução de 7 de abril de inspirações liberais contra o imperador absoluto que 
quer mandar e passar por cima de tudo. Era esse, ao mesmo, o discurso deles. Com 
isso, o liberalismo já está marcando presença forte no pensamento dessa elite política 
brasileira. 
 
Centralizar ou descentralizar? 
 Com a abdicação de D. Pedro I, estabelece-se a regência, uma vez que D.Pedro II ainda não apresentava idade constitucional para ser coroado como 
monarquia. 
A regência foi um período extremamente conturbado, em que havia calorosas 
discussões em torno da centralização ou descentralização administrativa e política. 
Na época, esse debate se tornou ainda mais ardente devido à eclosão de revoltas 
separatistas. Havia três grupos políticos que protagonizam essa contenda. 
Em primeiro lugar, o liberalismo radical, que tinha em Frei Caneca um de seus 
representantes. O liberalismo radical abarcava todo manual abstrato do liberalismo e 
queria impô-lo a qualquer custa. Além disso, eventualmente, confundia-se com aquilo 
a que o professor Paim chama de democratismo, de inspiração rousseauniana. 
Portanto, não existia uma preocupação com a representação dos interesses. A 
retórica adotada proclamava que seria o povo atuando, participando, da política. Os 
interesses, as divisões, que desembocam mais modernamente nos partidos, os quais 
propiciam solidez a esse sistema liberal democrático, não são tão mencionadas por 
esses liberais radicais que queriam o federalismo imediato e a descentralização 
absoluta. Os liberais radicais foram protagonistas de várias rebeliões que ocorreram 
durante a regência. 
O segundo grupo político eram os caramurus, que lutavam pela restauração 
da Coroa de D. Pedro. Com a morte deste, os caramurus desaparecem, uma vez que 
já não possuíam razão de ser. 
O último grupo político é precisamente aquele que vence essa batalha e que 
construiu o Segundo Reinado. São os intitulados liberais moderados. Novamente, o 
papel do liberalismo é enfatizado, frisado e evidenciado como construtor das 
instituições do Brasil do século 19. Os liberais moderados pleiteavam as mesmas 
demandas que os liberais doutrinários da França1, como Benjamin Constant e 
François Guizot. Estes estavam associados com a filosofia ecletista de Victor Cousin, 
uma das ortodoxias filosóficas da França daquele tempo, a qual defendia a junção 
entre a ordem e a liberdade. Ao mesmo tempo em que propugnavam o retorno da 
França ao Antigo Regime, ao que existia antes do caos revolucionário, defendiam o 
respeito à ideia liberal da constituição, da limitação dos poderes, e queriam 
instituições sólidas e ordem, a fim de socorrer a França do caos absoluto em que se 
encontrava. A Revolução havia levado a França a um caminho incerto e ninguém 
encontrava uma maneira de reorganizar o país. Essa foi a história da França no século 
19. Os liberais doutrinários estavam preocupados com essa questão, bem como 
outras correntes políticas, caso dos positivistas. Essas ideias dos liberais doutrinários 
influenciou os liberais moderados brasileiros a também tentarem conseguir, no Brasil, 
a junção entre ordem - tudo que o Brasil queria, pois desejava findar as revoltas 
separatistas - e constituição, representação, parlamento, tudo aquilo que o figurino 
liberal significava. Esse grupo prevaleceu e, quando a regência chegou ao fim, com o 
golpe da maioridade e a coroação de D. Pedro II como imperador, seus partícipes se 
tornaram elementos-chave do governo. 
 
O Segundo Reinado 
 Após a coroação de D. Pedro II, ao longo do tempo, criou-se uma divisão 
política entre saquaremas e luzias que caracterizou o Segundo Reinado. Um detalhe 
que precisa ficar claro é que tanto os saquaremas quanto os luzias, popularmente, 
conservadores e liberais, eram liberais, porque eram originários do grupo regencial 
do liberalismo moderado. 
Dentre eles, inclusive, Bernardo Pereira de Vasconcelos que, como mencionei 
anteriormente, confrontava diretamente D. Pedro I para construir um ambiente 
parlamentar no Brasil, um ambiente em que a força da opinião prevalecesse sobre o 
voluntarismo do imperador. Embora fosse escravocrata, lembremos que Bernardo era 
campeão liberal da representação. A bem da verdade, Bernardo oscilou um pouco 
seu pensamento acerca da escravidão, mas, na maioria das vezes, e na maior parte 
do tempo, foi a favor desta. É esse mesmo Bernardo que participa da fundação dos 
 
1 Os liberais doutrinários da França são muito estudados pelo professor Vélez Rodríguez. 
saquaremas. Fundação entendendo-se o que isso significaria no século 19, porque 
inexistiam as agremiações partidárias como as temos hoje. 
Esses grupos eram blocos parlamentares que tinham os seus jornais, suas 
lideranças, e que ganhavam identidade espontaneamente em cima dessas 
particularidades. Uma identidade que, simultaneamente, convivia com uma grande 
semelhança entre essas figuras, a ponto de existir o ditado que “Nada se assemelha 
mais a um ‘saquarema’ do que um ‘luzia’ no poder”. Na prática, era uma elite muito 
parecida em vários aspectos. Apesar de tal parecença, há motivos que justificam 
entender que existia uma diferença entre os dois partidos. Observa-se, portanto, que, 
na elite política, predominava os grupos que eram mais parecidos e mais moderados. 
Conquanto houvesse outras diferenças, como estamos tratando do liberalismo 
no Brasil, grosso modo, a distinção fundamental era que os saquaremas queriam e 
depositavam mais relevância no Conselho de Estado, no poder moderador, na 
importância do monarca. Eles perseguiam a centralização político-administrativa e 
queriam que as forças armadas locais permanecessem sob comando central. Por sua 
vez, os luzias, os liberais, aspiravam aos modelos americano e britânico. Eles 
desejavam o federalismo. 
Contudo, os saquaremas, os conservadores, justificavam a sua perspectiva, o 
seu pensamento em defesa de um Estado maior, com mais poder central, embasados 
em um argumento liberal, no sentido de visar à liberdade e à representação de 
interesses, consonantes com Silvestre Pinheiro Ferreira. Paulino José Soares de 
Sousa, um dos principais pensadores dentre os saquaremas, desenvolve o 
argumento de que, na configuração social do Brasil naquela época, de uma sociedade 
civil fraca, decantada pela escravidão, em que os juízes eram eletivos e respondiam 
às oligarquias das províncias, despejar franquias descentralizadoras para as 
províncias e colocar as armas nas mãos das elites oligárquicas, significaria criar 
ditaduras dos oligarcas regionais e impedir a rotação do poder. 
Os desafios eleitorais para haver uma eleição com lisura eram tremendos no 
império, pois as eleições já eram fraudadas. Isso preocupava tanto o monarca quanto 
os estadistas da monarquia. Prova disso é que foram realizadas várias reformas 
eleitorais durante esse período. Assim, essa preocupação e o problema existiam. Era 
muito fácil controlar o encaminhamento das eleições e se perpetuar no poder. Uma 
vez alcançada a direção da província, o partido indicava os comandantes das 
províncias e o conselho de gabinetes2. Deste modo, a máquina toda estava submetida 
a ele. Os saquaremas entendiam que era preciso imperar, naquele momento de 
construção nacional, um Estado central mais forte, capaz de impedir a perpetuação 
dessa máquina das oligarquias no poder. Além disso, que fosse também capaz de 
evitar que a rotatividade, a alternância do poder, se desse através das armas, o que 
acontecerá durante a República Velha. 
Os saquaremas acreditavam nessa necessidade e construíram o Estado 
brasileiro e uma lógica de sociedade que funcionaram praticamente sem distúrbios 
institucionais até 1889. Essa ordem social e essa constituição, o Segundo Reinado, 
tiveram o período mais longevo da história do Brasil. Ambos estavam alicerçados na 
teoria da representação do Silvestre Pinheiro Ferreira, de uma representação por 
interesses que organizasse os núcleos de pensamentos, as ideias, as correntes, 
dentro do parlamento imperial. 
 
O Movimento Abolicionista 
 No final do Segundo Reinado, formou-se o movimento abolicionista, um 
movimento liberal por excelência. A liberdade não veio antes, embora José Bonifácio 
pugnasse para que viesse, porque o liberalismo brasileiro dessas elites políticas doimpério, contraditoriamente, mantinha-se e se harmonizava com a escravidão, tal 
como nos Estados Unidos. Não temos esse nefasto privilégio. Era uma questão da 
época, o que não é desculpa, porque não faltou quem a contestasse. José Bonifácio 
foi muito claro quando enviou à Assembleia Constituinte o seu manifesto pela 
libertação dos escravos, declarando que a escravidão era absolutamente inaceitável, 
anticristã e contra as bases da civilização a que o Brasil queria se integrar. 
A verdade é que existia um trabalho de construção de uma elite política, de um 
país jurídico, um país institucional, que, de certa forma, pairava sob uma realidade de 
muitas limitações. Havia uma elite de iluminados, de esclarecidos, de juristas, de 
fazendeiros, etc., sob um imenso torrão de terra com escravos. A realidade era essa. 
Os obstáculos eram muito grandes. 
 
2 Na década de 1840, constituiu-se, com participação e estímulo do imperador, o conselho de 
gabinetes, que é outra evolução liberal. O imperador transferia algumas prerrogativas para 
um Conselho de Ministros. Este figurino, do que seria equivalente ao Primeiro-Ministro 
britânico, intencionalmente aumentava a parecença do modelo brasileiro com o inglês. 
Contudo, José Bonifácio já falava sobre a escravidão. Essa questão vai ter 
culminância e ganhar abrangência popular, vasta abrangência social, no processo 
abolicionista, do qual participam os saquaremas e os luzias, todos esses herdeiros do 
liberalismo moderado que venceu no período da regência. Portanto, é um movimento 
suprapartidário. O abolicionismo não era exclusividade nem dos luzias nem dos 
saquaremas. Joaquim Nabuco, grande luzia, grande liberal abolicionista, que tinha 
tendências e aderências whigs, aderências inglesas, e que depois se insurgiu contra 
o movimento republicano e a república, afirmava isso muito claramente. O presidente 
do Conselho de Ministros que levou adiante a lei áurea, a qual deu fim a essa mácula 
trevosa de nossa história, era João Alfredo Corrêa, um conservador, um saquarema, 
rival eleitoral de Joaquim Nabuco em Pernambuco. Aliás, a maioria das leis 
abolicionistas foram aprovadas em gabinetes saquaremas. A última, fatal, também. 
Isso demonstra uma capacidade daquela elite política de superar as diferenças 
eleitorais que tinham, de interesses eleitorais, para construir uma unidade em torno 
de um propósito tão nobre quanto esse, que restaurava a dignidade dos homens 
escravizados. 
Há um passagem lindíssima de “Minha Formação”3, em que Joaquim Nabuco 
diz: “Qualquer que seja a verdade teológica, acredito que Deus nos levará de algum 
modo em conta a utilidade prática de nossa existência, e, enquanto o cativeiro 
existisse, estou convencido de que eu não poderia dar melhor emprego à minha do 
que combatendo-o. Essa vida exterior, eu sei bem, não pode substituir a vida interior, 
mesmo quando o espírito de caridade, o amor humano, nos animasse sempre em 
nosso trabalho. A satisfação de realizar, por mais humilde que seja a esfera de cada 
um, uma parcela de bem para outrem, de ajudar a iluminar com um raio, quando 
não fosse senão de esperança, vidas escuras e subterrâneas como eram as dos 
escravos [...]”. 
A abolição, um grande feito liberal, foi questionada devido à ausência de 
indenização para os senhores de escravos. De certo modo, esse também é um 
argumento liberal, porque protesta que o direito de propriedade, disposto na 
Constituição de 1824, não foi respeitado. A retirada súbita de uma propriedade, 
declaravam, deveria ser indenizada. Em certos aspectos, isso também é um 
 
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argumento liberal, mas a favor da escravidão. É curioso como funcionavam as 
contradições da época. 
Aliás, voltemos no tempo para mencionar Diogo Feijó, regente uno durante o 
período da regência. Feijó, defensor do liberalismo e da libertação dos escravos, 
participou da revolução liberal de 1842 contra o governo. No entanto, não tinha 
qualquer interesse no parlamento e no sistema representativo. Pelo contrário, 
defendia um líder com mais poderes. Ele tinha um temperamento presidencialista em 
pleno império. Bernardo Pereira de Vasconcelos, por outro lado, era o oposto. Ele 
tinha a Inglaterra como modelo e defendia a existência de deputados, a 
representação, a opinião forte. Ao mesmo tempo, apoiava a continuidade da 
escravidão. São as contradições que existiam na época. 
 
A Crise Monárquica e a questão militar 
O regime entra em crise. Não nos alongaremos nos meandros da crise da 
monarquia, mas é importante destacar a questão militar. Sobretudo a partir da guerra 
do paraguai, surge uma insatisfação militar com o governo, que, em alguma medida, 
talvez possa ser justificada. É possível que os militares merecessem ter tido uma 
atenção maior do governo monárquico. Esse foi apenas um dos vários tiros nos 
próprios pés que a monarquia deu para acabar. 
Insatisfeitos, os militares começaram a querer militar e interferir na política, 
uma característica que marcou a república, o século 20. Até porque, diante de 
subsequentes ditaduras, estados de sítio e autoritarismos determinados pela própria 
elite política, as instituições frágeis acabaram se apoiando e se sustentando nas 
forças armadas. Sustentando, inclusive, as suas rotações e suas transições de regime 
e de governo nas forças armadas. Isso, que veremos na República, tem início aí. 
No final do Império, essa questão ganhou peso. A proclamação da República, 
o feriado de 15 de novembro, foi um golpe militar. Foi um fenômeno antiliberal, um 
dos caminhos errados que nossa nação tomou. Visconde de Ouro Preto, Presidente 
do Conselho de Ministros, liberal, tinha montado um projeto para aumentar a 
descentralização, pois a monarquia já havia entendido que essa era a via a ser 
seguida a partir de então. O movimento neste sentido já existia, no entanto, a 
atmosfera política e social não permitiu sua concretização. 
Sobreveio o golpe militar, que depôs Visconde de Ouro Preto. Originalmente, 
a ideia era somente mudar o gabinete. Contudo, os republicanos, que eram variados, 
cujas diferenças abordaremos, acabaram conseguindo a destruição do regime e da 
ordem constitucional como um todo, para fazer um novo país, um novo sistema, a 
república tão sonhada. Até mesmo Assis Brasil, um importante liberal do Rio Grande 
do Sul, participou desse momento militando pela república, afirmando que seria um 
governo maravilhoso, que iria sanear os atrasos e levar o país até a grandeza com 
que todos sonhavam. Para ele, era uma fatalidade histórica que a república existisse. 
Essa mentalidade era um indício de uma certa influência, nos liberais, do positivismo, 
em voga nessa época. 
O positivismo, que ganhou peso na sociedade brasileira e na filosofia de 
Augusto Comte, é marcado por uma ideia cientificista, por uma ideia de previsão muito 
categórica do que são as etapas do desenvolvimento da sociedade. Além disso, 
essencialmente, o positivismo tem desconfianças e receios em relação à opinião e ao 
parlamento, porque ciência é ciência. Não há contrariedades. Por isso, opiniões e 
interesses, no sentido de Silvestre Pinheiro Ferreira, não eram relevantes. Os 
positivistas queriam saber dos fatos científicos. A sociedade poderia ser regida 
também com base em programas científicos plenamente esquematizados, tornando 
desnecessárias discussões sobre divergências e dissensões. De certa forma, esse é 
um cacoete do pensamento positivista, que chega no Brasil e ganha fôlego sobretudo 
entre os militares, muitos dos quais participam do golpe que depôs a monarquia. 
 
 
 
Os diferentes grupos republicanosComo mencionei, os republicanos também se diferenciavam entre si. Havia um 
grupo, o qual nasce na Convenção de Itu, em 1870, que ganhou alguma importância 
ainda no período monárquico e organizou o partido republicano em São Paulo. Eles 
eram os republicanos mais liberais. Além de pleitearam uma constituição, defendiam 
a implementação do liberalismo. Esses republicanos liberais desenvolvem uma 
narrativa, presente em autores anteriores, de que a monarquia brasileira fora um 
embuste criado no processo de independência, quando a vocação brasileira era 
republicana. Deste modo, o Brasil deveria ter sido uma república desde 1822. Isso 
somente não aconteceu porque os monarquistas impuseram a instituição monárquica. 
Com isso, constroem a narrativa de que corrigiriam os rumos do país, colocando no 
caminho que tinha que estar seguindo pela sua vocação natural. Ademais, afirmam 
que os anseios republicanos foram suprimidos. 
Isso é uma bobagem, porque mesmo no período de declínio da monarquia, a 
sociedade em geral continuava respeitando o imperador D. Pedro II. D. Pedro II 
apanhava muito da imprensa porque existia ampla liberdade para esta. Por isso, era 
possível vilipendiar o imperador à vontade. Na República, a situação foi diferente. 
Além disso, havia muito pouca adesão ao pensamento e ao partido republicano. A 
descrença no regime, a descrença no sistema estabelecido, a descrença no poder 
moderador, o fato de a monarquia já não mais poder existir naquela funcionalidade, 
naquelas condições e caracteres que tinha, ganhou fôlego na reta final da monarquia. 
Todas essas descrenças, no entanto, não significavam uma crença na república. 
Diga-se de passagem, a maioria daqueles que tensionavam fazer mudanças nesses 
aspectos, queriam esperar a morte do imperador para proclamar a república. O golpe, 
de certa forma, foi uma precipitação. A adesão ao movimento republicano era muito 
escassa, muito limitada, era uma defesa de alguns. Foram esses alguns que 
impuseram ao país a República, o qual, conforme Aristídes Lobo, assistiu, 
bestializado, àquela transição. 
Este movimento mais liberal, mais federalista e mais constitucionalista, 
enraíza-se em São Paulo. São esses republicanos que começam a desenvolver essa 
narrativa e essa visão de um Brasil pujante, das riquezas locais, do qual São Paulo é 
a grande locomotiva. Os positivistas puros, por outro lado, queriam a ditadura 
republicana. A república sonhada por eles é esse governo científico, sem parlamento, 
baseado na ciência da sociedade, em que o governante impõe o que é melhor a todos 
independentemente do que pensem. Havia os jacobinos, expressão inspirada nos 
feitores do terror jacobino da França revolucionária, que eram alas radicais, militares, 
nacionalistas, populistas, daquele movimento republicano que exerceu peso na 
sustentação de Floriano Peixoto, que criou o florianismo. O florianismo era um 
movimento em torno da imagem de Floriano Peixoto, de sua personalidade como líder 
nacional. Esses ingredientes personalistas são essencialmente antiliberais e são o 
berço e a introdução de muitos aspectos que aparecem mais à frente, na república. 
O golpe republicano mata a narrativa de representação dos interesses 
construída por Silvestre Pinheiro Ferreira. Com isso, os republicanos extinguem a 
preocupação com a representação de interesses, existente na monarquia, e adotam 
uma retórica do povo. Como a república representa o povo, os partidos conservador 
e liberal não são necessários. É o povo quem está ali decidindo. Nós, o governo, 
somos o povo. Isso dificulta a organização da sociedade. O professor Antonio Paim, 
afirma que, embora tecnicamente não seja exatamente isso, a República Velha é um 
regime de partido único praticamente, porque há o partido republicano fluminense, o 
partido republicano rio-grandense é o partido republicano. 
Comentário de aluno: o João Camilo de Oliveira Torres diz que é um unipartidarismo 
de base estadual. 
Portanto, perde-se essa preocupação com os partidos e tem-se, praticamente, 
um regime de partido único. Era simplesmente uma elite, uma oligarquia política, que 
queria canais de expressão e os tinha nos partidos republicanos regionais e locais. 
Não havia, essencialmente, substância de pensamento a entrar em choque, a 
divergir, a discutir, no parlamento brasileiro. Este era muito mais uma oligarquia 
procurando canais de se expressar. 
 
A República da Espada 
Esse sistema político tem início com um autoritarismo militar. A República da 
Espada, de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, era um governo militar, 
repressor, que perseguia a oposição, que praticava censura. A República nasce, 
portanto, com contornos essencialmente antiliberais. No entanto, a Constituinte de 
1891 apresentava um componente liberal constitucionalista, o qual ganhou força na 
elaboração inicial da república, pelo simples fato de ter prevalecido a ideia de haver 
uma constituição. Rui Barbosa participou dessa constituição, estabelecendo 
delimitações constitucionais. Um dos exemplos que se destaca nesta constituinte é a 
liberdade religiosa. 
Um detalhe interessante é que o espiritismo chegou ao Brasil durante o período 
do império e D. Pedro II era extremamente tolerante com as sociedades espíritas. 
Entretanto, no início da década de 1890, na República, teoricamente um Estado laico, 
em que a liberdade religiosa era garantida a todos, o espiritismo foi proibido via código 
penal. Ou seja, a liberdade religiosa, nesta circunstância, era mais um discurso do 
que uma realidade. Houve uma luta tremenda para legalização das práticas espíritas. 
Essa contradição entre prática e discurso é inerente, não tem jeito. 
Por isso, temos que entender, a despeito das contradições e das limitações 
que são inevitáveis, a força que essas ideias liberais, presentes ao longo de todo esse 
tempo, construindo-se e estimulando um imaginário, uma atitude política, um 
pensamento na sociedade brasileira, tem. Temos que reconhecer que o liberalismo 
tem presença e atravessou a nossa história muito mais do que, por exemplo, a da 
Rússia. A influência do liberalismo no Brasil, construindo as nossas instituições e o 
imaginário da nossa elite política, é muito maior do que a influência do liberalismo na 
Rússia. Nesse ponto, nós temos vantagem. E precisamos conhecer essa vantagem, 
conhecer esses nomes, conhecer esse processo, para apoiar, nessa experiência, no 
que eles têm para oferecer para o nosso imaginário, para o nosso enriquecimento 
intelectual. Além disso, também conhecer no que eles erraram, em que pecaram, 
onde as limitações do tempo prevaleceram, para não repetirmos esses erros. 
A implantação da República com o golpe militar de 15 de novembro de 1889 
foi a ruptura institucional mais radical, inaugural de todas as outras radicais que o 
Brasil viria a ter século 20 a dentro. Recapitulando brevemente: formou-se uma elite 
republicana que combinava: estadistas egressos do império, os quais concedem 
alguma substância liberal com fôlego a ponto de impor a existência de uma 
constituição, que é a Constituição de 1891; liberais como Rui Barbosa e 
constitucionalistas egressos do movimento republicano de Itu de 1870 e as alas mais 
militaristas e centralizadoras em que havia uma presença muito forte do positivismo 
que, sem converter os liberais à sua visão política ou às suas consequências políticas 
integralmente, influenciou o pensamento de alguns desses liberais que participavam 
dessa república, o que fez com que, por exemplo, a retórica dele seja essa do povo 
em vez dos interesses. Isso justifica a existência desse regime de partido único da 
república velha. 
 Do outro lado, havia os positivistas puros, os chamados jacobinos, que 
construíram aquela visão nacionalistas, militarista, radical, que desembocou no culto 
ao florianismo, culto à personalidade de Floriano Peixoto. Os governos de Deodoro 
da Fonsecae de Floriano Peixoto são marcados por essa característica, por essa 
consistência militar. Não à toa, foram batizados de República da Espada, devido à 
repressão, à censura, à perseguição ao divergente, inclusive, por óbvio, aos 
monarquistas. 
 
A República Velha 
Quando Prudente de Moraes ocupa o cargo da presidência, consegue-se que 
um civil assuma o poder, ainda em um momento de conturbações e brigas entre esses 
grupos. Apesar das tentativas de atentado e de subtraí-lo da presidência, Prudente 
de Moraes sustentou sua posição presidencial e teve o mérito de manter e estabelecer 
uma linhagem civil e constitucional, evitando o regresso à República da Espada. 
Em sequência a Prudente de Moraes, Campos Sales assumiu a presidência, 
sendo um dos elementos-chave para compreender esse período. Campos Sales é 
importante porque consagrou o grande pacto que construiu o sistema político daquele 
momento. Face à ausência do poder moderador e das intervenções do monarca para 
equilibrar o sistema político, estabeleceu-se um pacto com as oligarquias locais, 
assentado em um discurso federalista, que era o discurso republicano por excelência. 
No regime republicano, as províncias passaram a se chamar estados e a usufruir de 
maior autonomia. Tal autonomia era concedida às elites e às oligarquias dos estados 
em troca de apoio ao presidente e ao poder central. Na prática, era uma autonomia 
que colocava essas elites na dependência do presidente e vice-versa. Havia 
estruturas de apoio, como a Comissão Verificadora dos Eleitos, a qual incumbia julgar 
a validade ou invalidade das eleições. Essa comissão, obviamente, favorecia os 
interesses da situação que, na prática, era uma situação única. Na República Velha, 
era muito difícil conseguir uma rotação de poder. A Oligarquia definia qual seria seu 
candidato e, basicamente, passava ritualmente o poder para o sucessor. 
Não é verdade que essa estrutura permaneceu monolítica e perfeita durante 
todo tempo. Há, eventualmente, um Pinheiro Machado na história. Pinheiro Machado 
era um senador que tentou, de todas as formas, inclusive manipulando as oligarquias, 
eleger seu candidato, Hermes da Fonseca, provocando o rompimento de uma 
sequência de sucessões daqueles que eram indicados fielmente pelas elites mineira 
e paulista. Hermes da Fonseca era um militar e trazia consigo essa dimensão 
militarista de volta para a presidência. No entanto, grosso modo, o que se verifica 
nesse período é uma rotação dos presidentes através de acordos entre as oligarquias 
e as elites. A institucionalidade existente impunha que a rotação de poder se desse 
pelas armas. 
Há uma impressão muito errada de que este foi um período de calmaria, de 
marasmo, em que os fazendeiros, sentados, decidiam quem assumiria o poder. Essa 
não é uma percepção precisa, pois a República Velha foi marcada por guerras e 
revoltas. Houve a guerra de canudos, a revolta do contestado, duas revoltas 
federalistas no Rio Grande do Sul. 
A revolta federalista de Gaspar Silveira Martins, um homem que, de início, era 
simpático à monarquia, confrontou-se, assim como Assis Brasil, mais recentemente, 
com o castilhismo na sua nascença. O castilhismo é um sistema de pensamento 
político que surge com Júlio de Castilhos no Rio Grande do Sul, sendo uma adaptação 
do pensamento político positivista à atmosfera gaúcha. O castilhismo também 
encampa as ideias do reforço à autoridade e da política dos grandes homens. Ao 
mesmo tempo, apresenta uma desconfiança no liberalismo e no parlamentarismo 
igualmente presentes no positivismo, mas elevadas à enésima potência. O 
castilhismo nasce como cultura política, como tradição política, no Rio Grande do Sul. 
É a proposta de autoritarismo mais coerente, mais bem formada, mais bem 
estabelecida que surge na República Velha. O castilhismo foi decisivo para o que 
aconteceu nas décadas seguintes, quando da Revolução de 1930 e da ascensão de 
Getúlio Vargas ao poder. 
Nesse período, ainda vigora o sistema de Campos Sales, a política dos 
governadores, acompanhada de sucessões presidenciais estipuladas pelas 
oligarquias, somente com algumas interrupções na base da maquinação, como foi o 
caso do Hermes da Fonseca por Pinheiro Machado. A eleição de Hermes da Fonseca 
redundou na política das salvações, que nada mais é do que o uso da violência, o uso 
da intervenção militar, nos estados, para corrigir os desentendimentos entre Hermes 
da Fonseca e as oligarquias e elites estaduais. 
Há, também, uma sucessão de estados de sítio sendo declarados justamente 
por aqueles que se diziam os liberais constitucionalistas, os liberais bacharéis, da 
República Velha. Chama-se, inclusive, a política desse período de bacharelismo 
liberal. Conquanto o nome, a prática política era de recursos constantes à censura e 
ao estado de sítio, diante das revoltas que começam a aparecer no início da década 
de 1920, principalmente as revoltas tenentistas, as quais tumultuam o governo de 
Artur Bernardes. No mandato de Epitácio Pessoa, ocorre a Greve Geral de 1917, e 
há a introdução do anarquismo e do comunismo no Brasil. É nesse período que as 
ideias que reconhecemos como sendo as ideias da esquerda moderna, da ideia 
contemporânea, ganham fôlego e penetram no Brasil. Alguns autores menciona que, 
na época imperial, já havia registros de socialismo utópico. Nas revoluções de 
Pernambuco, estavam presentes os pensamentos de Fourier, Saint-Simon, do 
socialismo utópico pré-marxista. Mas, grosso modo, no Império, a esquerda mais 
radical e transgressora era o democratismo rousseauniano, ou seja, as ideias de 
Rousseau. Na República Velha, por outro lado, os comunistas e os anarquistas, que 
conhecemos bem hoje e no século 20, começam a se organizar. Em um primeiro 
momento, por incrível que pareça, os anarquistas apresentavam vantagem em 
relação aos comunistas, pois usufruíam de maior presença entre o operariado. Nessa 
época, cria-se o partido comunista, que se torna uma força política relevante. Na 
minha modesta avaliação, nunca a ponto de justificar um golpe de Estado para evitar 
um perigo comunista, como alegou Getúlio Vargas na década de 1930. Mas houve, 
verdadeiramente, a Intentona Comunista em 1935, e o comunismo começava a 
ganhar corpo e substância no Brasil. 
O panorama era o seguinte: no sul, havia o castilhismo. O comunismo, de fonte 
marxista, avolumava-se. Havia alternativas autoritárias conquistando espaço. No 
poder, o liberalismo se contrazia e era incapaz de recuperar a força do sistema de 
representação por interesses que a monarquia havia absorvido no século 20. 
Portanto, era um liberalismo que se enfraquecia e se sabotava, mas estava ali. 
 
Os contestadores 
Havia quem questionasse a maneira como o liberalismo se conduzia. Um dos 
principais dentre esses personagens era Rui Barbosa. Rui Barbosa era um dos 
bacharéis, intelectuais, da política da época. Por sua maior preocupação ser com a 
federação, ele aderiu à república. Rui Barbosa possuía discordância com Campos 
Sales em relação ao presidencialismo. Enquanto Campos Sales acreditava que o 
presidencialismo era necessário, inevitável, o único caminho compatível com a 
federação, Rui Barbosa entendia que o parlamentarismo não era necessariamente 
incompatível com o sistema político brasileiro. Em sua concepção, seu funcionamento 
era uma possibilidade. Além disso, Rui Barbosa preconizava uma importância maior 
para o poder judiciário. Como ministro do governo militar do Deodoro da Fonseca, um 
liberal no governo militar - eram os arranjos da época - ele é encantado com a ideia 
de industrialização, de levar o país a um caminho industrial. Para fazer isso, Rui 
Barbosa emitiu moeda. Até hoje, discute-se até que ponto teve responsabilidade pelo 
desastre do encilhamento ou se a crise decorreu de algo anterior, tendo em vista que, 
no último mandato imperial, Visconde de Ouro Preto também estava gerenciandoa 
moeda. 
De qualquer forma, politicamente, intelectualmente, institucionalmente, Rui 
Barbosa se destaca por sua briga contra o regime vigente na República Velha. Ele 
dizia, com todas as letras, que havia uma oligarquia comandando o país. Para 
combatê-la, lançava-se como anticandidato, propondo reformas eleitorais, reformas 
institucionais, jurídicas, as quais concretizariam um sistema liberal de fato e não 
meramente na ficção, na aparência, sem recorrer ao estado de sítio e aos militares. 
Em 1910, Rui Barbosa se sobressaia devido à campanha civilista, que defendia o 
afastamento do grupo jacobino, militarista, da condução dos fatos, evitando que o 
Brasil seguisse o caminho de nações militarizadas, e direcionando para o caminho do 
Reino Unido, o caminho britânico. Rui Barbosa lutou usando as armas à disposição. 
Isso significa que, para ser candidato e abater o sistema estabelecido, também se 
juntou com alguns oligarcas, sem nunca vencer. 
Simultaneamente, no sul, Assis Brasil, também um liberal, participa da Revolta 
Federalista contra os castilhistas, desafiando essa proposta autoritária, teórica, 
desenvolvida no Rio Grande do Sul. Assis Brasil era um presidencialista, uma vez que 
dava importância ao presidente, mas, ao mesmo tempo, defendia a federação e a 
descentralização. 
Nenhum dos dois, segundo o professor Antonio Paim, com todas as qualidades 
que têm, recupera a perdida representação por interesses, a organização de partidos. 
Ressalta-se, no entanto, que o Rio Grande do Sul, com a atuação de figuras como 
Assis Brasil, Gaspar Silveira Martins e companhia, é o único estado que realmente 
criou, naquela época, partidos, ao contrário do resto do Brasil. De fato, havia uma 
divisão no Rio Grande do Sul, que o castilhismo provoca e essa reação liberal 
corporifica. 
Fato é que nem Rui Barbosa nem Assis Brasil contribuem para recuperação 
da representação por interesses e para que se organize a discussão em termos da 
formação de partidos, de núcleos partidários, de mobilizações do eleitorado e da 
sociedade civil. 
Outro aspecto a ser mencionado é que Rui Barbosa fazia excursões pelo país, 
em que falava diretamente ao povo, criando uma cultura do diálogo direto, uma cultura 
do comício, praticamente inexistente antes dele. Rui Barbosa constrói essa atmosfera 
crescente falando ao público, às pessoas, defendendo a sua campanha civilista. 
Na reta final da República Velha, um terceiro nome, pouco conhecido, vem 
compor essa lista: João Arruda. João Arruda é um liberal de São Paulo, da área do 
direito, que usa a expressão ultraliberal para se definir. Ultraliberal não tem o mesmo 
sentido que os libertários de hoje, que defendem anarquismo, abolição do Estado, 
privatização de ruas, nada disso. João Arruda apoiava o sistema representativo e 
todas as franquias liberais. Além disso, acreditava na diluição da figura do presidente 
através da instituição de um Conselho de gestores, pois era contra a existência de 
uma pessoa concentrando tanto poder. João Arruda foi responsável por introduzir, na 
literatura liberal brasileira, uma sentença que, futuramente, foi encampada como lema 
pela UDN, cuja autoria titubeia entre Thomas Jefferson e Patrick Henry: “o preço da 
liberdade é a eterna vigilância”. Sentença mais liberal que essa não pode haver, 
porque a atividade liberal, por excelência, é a oposição, é a fiscalização do poder. O 
poder liberal, por excelência, é o legislativo, é ter força no legislativo, para fiscalizar, 
para controlar, para acompanhar e para conter os extravasamentos e exageros do 
poder executivo. 
Essa sentença entrou no imaginário liberal brasileiro através de João Arruda e 
foi absorvida na primeira tentativa de se organizar um partido, a União Democrática 
Brasileira, com base nessas ideias de Rui Barbosa, de rompimento com o sistema 
oligárquico, de uma reforma eleitoral e de acabar com a Comissão Verificadora. 
Armando de Sales Oliveira fez uma experiência de governo em São Paulo baseada 
nessas ideias, que são ideias economicamente as mais liberais do momento no país, 
mas que enfatizavam a presença do Estado em muitas atividades. A consciência da 
necessidade de haver uma institucionalidade liberal contendo o autoritarismo 
castilhista, o qual dispensava tudo isso, tinha ali ainda o seu fôlego. Esse fôlego foi 
totalmente eclipsado com a revolução de 1930 e com o Estado Novo. Isso é 
interessante porque, ao mesmo tempo, o movimento tenentista, formado de baixas 
patentes militares, era um movimento que se insurgia contra essas oligarquias 
dominantes da República Velha. Esse movimento trazia, no bojo, pregações e ideias 
que, de alguma sorte, ecoavam a pregação do Rui Barbosa. O voto secreto a fim de 
acabar com o voto de cabresto e a luta por encerrar a comissão dos eleitos são 
exemplos de bandeiras que se vão no sentido de dar mais transparência ao sistema, 
de densificar, enraizar o sistema transparente do ponto de vista liberal, político, da 
democracia liberal. Claro, dependendo da acepção de democracia que se utilize. No 
berço aristotélico, a democracia, uma forma de governo, degenera-se na demagogia, 
nessa crença absoluta na vontade da maioria, na vontade do povo. Contudo, no final 
do século 19 e no século 20, um esforço para casar o aumento da participação popular 
no processo decisório, a criação da democracia de massa, com a manutenção de 
pesos e contrapesos, de regras e de instituições que colocassem e mantivessem isso 
nos eixos. Ou seja, a fim de que se mantivesse uma continuidade institucional sem 
incorrer naquilo que Aristóteles chamava de demagogia. Na verdade, a pólis, a 
república, era o sistema que tentava combinar características de participação, de 
autoridade, de legalidade, de maneira virtuosa. Era o que esses liberais tentavam 
fazer, desconfiando da demagogia, da tirania que, no caso brasileiro, segundo os 
liberais da UDN, os quais apareceram posteriormente, sequestrou essa penetração 
da massa no processo para fins autoritários, populistas, porque identificou-se essa 
massa com o pai dos pobres, o salvador, o grande líder. 
Nesse momento, portanto, o tenentismo apresenta essas bandeiras rui 
barbosianas, de moralização do sistema. Ao mesmo tempo, contudo, existia uma 
vagueza em suas propostas que abria margem para soluções consideradas 
centralizadoras e de força para remexer esse sistema. 
 
A vitória da Revolução de 1930 
A Revolução de 1930 levou os tenentistas ao poder e, em um primeiro 
momento, também essas bandeiras. Foram estas que concorreram nas eleições com 
o rótulo de Aliança Liberal, através de Getúlio Vargas, contra Júlio Prestes, o indicado 
de Washington Luís, este o último presidente da República Velha. A Aliança Liberal 
se apresentava como a personificação desse anseio por acabar com essa oligarquia. 
Entretanto, na verdade, era um movimento capitaneado por oligarquias descontentes, 
que queriam eleger Getúlio em um voto de protesto contra a situação estabelecida. 
Eles não conseguem e Júlio Prestes é eleito. Partem, então, para a reação armada, 
para a Revolução de 1930, com apoio da sociedade. Houve manifestações e um 
público que comemorou o feito, porque as pessoas queriam abolir aquele sistema 
fictício, aquela ficção jurídica que era a República Velha. 
O componente centralizador, para o qual havia margem, rapidamente passa a 
prevalecer sobre as bandeiras genuínas, que eram realmente desejadas. Prevalece, 
vale dizer, em um momento em que o liberalismo sofre os seus períodos mais 
dramáticos. O liberalismo leva as suas maiores surras no mundo, não só no Brasil, 
com a ascensão de forças totalitárias na Europa, como o fascismo, o nazismo e, na 
União Soviética, o stalinismo. A onda do momento eram essas ideologias autoritárias 
que apostavam no Estado, neste trazendo para si a massa, personificando-a no líder, 
que devia ser cultuado. A retórica de Hitler, de Mussolini, de GetúlioVargas, era de 
que o parlamento, as discussões, só enfraquecem o regime, o sistema, e dividem a 
sociedade. Vargas chegou a declarar que os partidos políticos eram um problema 
porque dividiam a sociedade, o contrário do que pensava a elite imperial na questão 
da representação por interesses. A independência e a autonomia dos estados, para 
Getúlio, eram forças dispersivas. Por isso, um de seus primeiros atos foi mandar 
queimar as bandeiras estaduais. Passou a vigorar somente uma bandeira, a do Brasil, 
a bandeira do ordem e progresso. Fabricar-se-ia uma unidade baseada na força, na 
autoridade de Vargas, e no regime por ele estabelecido. Os líderes autoritários e 
totalitários daquela época, quaisquer que fossem as cores ideológicas de que 
revestissem sua retórica, adotavam uma retórica por excelência antiliberal. 
Na Constituinte de 1934, existia um certo tradicionalismo antiliberal, com uma 
representação católica relevante. Na constituinte, o deputado Luiz Sucupira afirmou 
que o Brasil deveria evoluir em direção ao estado corporativo, ao estado totalitário. 
Ele usava expressa a palavra totalitário. Temos portanto um parlamentar falando, no 
parlamento, que o caminho certo é o totalitarismo. Sucupira também afirma que o 
parlamento é temporário, que o mundo já provou que o caminho não é o liberalismo, 
que é preciso dar mais um passo e ir para o totalitarismo, para o estado corporativo. 
Obviamente, houve críticas. Isso prova que o trabalho realizado por João Arruda e de 
Armando Sales Oliveira produziu resultados, pois havia grupos baseados em suas 
pregações insurgindo-se contra a defesa do autoritarismo no parlamento. No entanto, 
o trabalho de cooptação das massas, do operariado, do povo, toda a máquina que 
Vargas construiu prevaleceu sobre as tentativas de manter as coisas nos seus 
devidos lugares. 
A Revolução de 1930 ficou dois anos sem nenhuma constituição. É comum 
afirmar que a ditadura do Vargas começa em 1937, com a implementação do Estado 
Novo. Contudo, esse momento inicial é pior, porque na ditadura do Estado Novo, há 
a constituição de 1937, do Francisco de Campos. Ainda que estabeleça o presidente 
como grande mandatário, há um texto, uma regra, uma limitação, em tese, 
estabelecida por escrito, de como será o funcionamento daquele regime. Em 1930, 
não havia sequer isso. Houve o rompimento com a República Velha, com o sistema 
antecessor, que foi substituído pelo governo provisório. “Provisório”, pois Vargas se 
manteve durante 15 anos no poder, sob a justificativa de preparar a nação. 
 
A Revolução Constitucionalista de 1932 
A constituição foi feita muito em função de uma reação liberal. Muitas pessoas 
falam que a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, foi simplesmente 
um movimento dos descontentes da República Velha, dos oligarcas, contra a ditadura 
da Revolução de 1930, a ditadura do Vargas, do governo provisório. Encaram a 
Revolução de 1932 como uma reação da parcela da população que queria que tudo 
ficasse como estava. No entanto, a Revolução Constitucionalista contou com a 
participação dos membros do Partido Paulista, que inicialmente haviam apoiado a 
revolução de 1930. Assim, não eram indivíduos que queriam manter as coisas como 
estavam. Na realidade, a Revolução de 1932 foi realizada por uma amálgama de 
forças paulistas contra a perpetuação daquele governo provisório. Eles exigiam uma 
constituição e afirmavam que não haviam pleiteado para substituir a República Velha, 
uma república de oligarcas que manipulavam a constituição, por uma ditadura de 
oligarcas sem nenhuma constituição. Apesar de ser derrotada, a Revolução de 1932, 
a meu ver, é um marco da luta pela liberdade, pela constituição, pela legalidade, no 
Brasil, que deve ser reconhecida nessa sua substância, nessa sua natureza, a 
despeito das prevenções e dos preconceitos que se lançam contra ela. 
Constrói-se, com certo apoio de Assis Brasil, uma conciliação em torno da 
perspectiva de uma constituição em 1934. Vargas conseguiu manipulá-la, colocando 
seus pelegos para votar, o que lhe garantiu a continuidade como primeiro presidente 
após a promulgação e o prolongamento do governo provisório. 
No período próximo às eleições, era perceptível a ascensão do pensamento 
centralizador e autoritário no universo político brasileiro. A ideologia da revolução de 
1930 que prevaleceu com Vargas, inspirada no castilhismo, que transportou este para 
âmbito nacional, era centralizadora. O comunismo já estava presente no país, 
manifestando-se. Por fim, neste contexto, houve a emergência do integralismo. Os 
candidatos da eleição de 1937, que não ocorreu, eram: Plínio Salgado, integralista; 
José Américo, representando o governo, ou seja, representando a situação existente, 
centralizadora, ainda que fosse mais liberal que Vargas e; Armando Sales de Oliveira, 
pela UDN, solitário, com uma bandeira de democracia liberal, com a meta de colocar 
as coisas nos eixos e não desembocar apaixonadamente para o Estado totalitário. 
 
O golpe do Estado Novo 
Essa disputa não foi posta à prova pois Vargas surgiu com o Plano Cohen, 
declarando que havia uma grande armação comunista para tomar o poder. Existissem 
ou não tais planos, Vargas daria um jeito de permanecer no poder, pois era sua índole, 
sua personalidade, como enfatizamos, pelos discursos que desenvolveu. Em sua 
concepção, o Brasil precisava da unidade absoluta, com a destruição da rica 
diversidade das regiões dando lugar à construção de uma cultura nacional 
estabelecida. A meu ver, isso é um absurdo, uma contradição em si mesmo, porque 
a nossa riqueza vem justamente das diferenças que temos, das riquezas que temos 
regionalmente, das pluralidades. Isso engrandece a nossa pátria. Mas Getúlio não 
pensava assim. Ele dá o golpe do Estado Novo e implantando um regime com o 
mesmo nome do regime português do Salazar. Um regime que tem essa vocação por 
fechar o congresso e estabelecer, de fato, o antiliberalismo completo. Esse é o 
momento mais trevoso e de mais absoluta supressão do liberalismo no Brasil. O 
liberalismo está calado, morto, banido, sufocado. Friso que esta não foi a única 
ditadura que o Brasil teve, mas foi a mais completa, a que mais merece que esse 
rótulo seja estampado em letras garrafais, a ditadura do Vargas, alicerçada em sua 
autoridade pessoal. Vargas governava muito pela acomodação e ócio das forças 
políticas, que permitiram que ele perpetuasse seu regime opressor, violento, que 
apresentava um departamento de imprensa e propaganda e que construiu uma 
máquina de propaganda sofisticadíssima, uma réplica do que vinha sendo feito na 
Europa. Houve trocas de informações, de experiência, e até uma afinidade notória 
com a Alemanha nazista e com o fascismo. A CLT buscou inspiração na Carta del 
Lavoro. Dutra, um dos militares que participaram do golpe, era um germanófolo, 
admirava o regime nacional-socialista alemão. Havia uma aproximação desses 
líderes e homens de mentalidade antiliberal e parecia que esse era o caminho. 
Mussolini, na doutrina do fascismo, afirma justamente que este é o caminho, o futuro, 
que o liberalismo acabou e que o totalitarismo é a resposta que o mundo precisa. O 
século 20 será o século do totalitarismo. 
Essa era a substância da ditadura varguista. Uma ditadura anticomunista, que 
perseguiu os comunistas, os quais, posteriormente, em 1950, aliaram-se a Vargas, 
por uma orientação do Comintern. O Comintern ordenava que, onde os comunistas 
não tivessem condições de estabelecer a revolução para impor a ditadura do 
proletariado, apoiassem os governos nacional-populistas, que promoveriam, no 
linguajar marxista, revoluções burguesas contra as oligarquias liberais, 
encaminhando os países em uma direção que, depois, cavalgando esses regimes 
nacionais-populistas, os comunistas poderiam tomar a frente, assumindo o 
protagonismo. É exatamente isso que os comunistas vãopensar em 1964, com João 
Goulart e Brizola. Os comunistas eram e continuam sendo os mestres em estratégia. 
Embora, agora, estejam levemente perdidos. 
A ditadura de Vargas foi um momento de total eclipse do liberalismo. É preciso 
enaltecer que a sociedade brasileira não tinha o pensamento do Eixo, ao contrário de 
seus líderes. Houve manifestações, sobretudo quando a Alemanha atacou o navio 
brasileiro. Existia características do espírito ocidental incompatíveis com esse delírio 
totalitário, tanto que nossos pracinhas vão à Itália lutar pela liberdade de homens que 
nunca viram, que nunca conheceram, uma outra realidade da qual nunca 
participaram, arriscando dar suas vidas por essa liberdade. É uma luta brasileira pela 
liberdade, embora não se insira no contexto de um liberalismo teórico, do pensamento 
doutrinário liberal, esse sacrifício dos pracinhas é uma demonstração do anseio do 
brasileiro, de identificação do brasileiro, com as liberdades, algo que merece ser 
enaltecido. Os pracinhas arriscaram suas vidas pela liberdade de quem nem 
conheciam, de outra nação que não a sua própria, de um continente que não o seu 
próprio. 
Quando esses pracinhas regressam, o liberalismo volta a ter algum vigor e a 
se insurgir contra o estado de coisas estabelecido. Naquele cenário, começa a fazer 
pouco sentido nosso exército lutar em uma guerra contra os fascistas, contra a 
ditadura, pelos aliados, pelo Ocidente, e ser uma ditadura. Essa falta de sentido 
desperta algumas vozes, como a dos mineiros, em 1943. Os mineiros assinaram um 
manifesto, um texto histórico importante do liberalismo brasileiro, no qual expressam 
que o desenvolvimento econômico e social brasileiros não depende da ditadura do 
Getúlio Vargas. Os mineiros publicaram: nós não precisamos do totalitarismo. Nós 
não precisamos do autoritarismo. Nós não precisamos do corporativismo e do 
justicialismo4. 
Esse caráter ditatorial de Vargas, sem substância ideológica doutrinária 
estabelecida, muito embora houvesse influência do castilhismo, ia na direção do 
antiamericanismo e decorria de sua própria natureza a ideia de um Estado forte, 
interventor, de uma industrialização forçada pelo Estado. Neste ponto, estabelece-se 
um debate, marcante no liberalismo brasileiro, entre o professor Eugênio Gudin com 
o Roberto Simonsen, defendendo o liberalismo econômico. O professor Eugênio 
Gudin, embora tenha apoiado o ato institucional n.º 2, era o grande campeão do 
 
4 O justicialismo é a expressão técnica usada para se referir ao regime peronista, que 
apresentava semelhanças com o regime de Vargas. Eram os regimes populistas latino-
americanos impostos por ditadores que tentaram cooptar as bases operárias e da elite, 
simultaneamente, com um discurso quimérico. A lei do país sai da cabeça do ditador. 
liberalismo econômico naquele momento, e permaneceu neste posto durante quase 
todo o século 20, sendo mais liberal economicamente do que o Roberto Campos. 
Muitos descredenciam o liberalismo de Roberto Campos devido a iniciativas que 
adotou quando estava no Ministério do Planejamento do Castelo Branco. Contudo, se 
consideradas as limitações da época, Roberto Campos era um dos mais liberais do 
Brasil. Ele já falava, por exemplo, em voucher para ensino. Por isso, descredenciar 
seu liberalismo por limitações que tinha, como todos tinham, parece-me uma grande 
injustiça. 
 
O fim do Estado Novo 
Com a volta dos pracinhas e o manifesto dos mineiros, estabelece-se uma 
pressão para que Getúlio Vargas abra o regime, que acaba acontecendo. No entanto, 
às vésperas da transição do regime, Vargas começa a arquitetar certos movimentos 
a fim de favorecer a sua máquina. Isso faz com que seja necessário, e é preciso 
entender isso sobre o período, a existência de um golpe militar na ditadura, uma ação 
armada para depor o Vargas, em outubro de 1945, a fim de realizar as eleições. Isso 
é muito interessante. Contudo, a reforma eleitoral que havia sido feita foi comandada 
por Agamenon Magalhães, ministro do Vargas, um apoiador da ditadura de longa 
data. Vargas, o ditador, foi passar férias em São Borja, para voltar, cinco anos depois, 
com a bênção de toda máquina autoritária que havia montado. Então, é uma 
reintrodução democrática que também tem profundas deficiências. 
Neste momento, cabe enfatizar o que foi a UDN. A UDN se organiza, em um 
primeiro momento, para representar o anteparo antivarguista no sistema político que 
se estabelece, porque dois dos três grandes partidos são egressos da máquina 
varguista. Diz-se que o PSD é o partido conservador, o PTB é o partido trabalhista e 
a UDN é o partido liberal. Mas, conservador do quê? O PSD era o partido conservador 
do Estado Novo, era um partido que não se preocupava com a substância histórica 
brasileira, com o legado histórico brasileiro, e com a construção dessa unidade 
histórico-conceitual que diz respeito à maioria dos partidos conservadores no mundo. 
Nada disso. Era um partido que abrigava os egressos da máquina de poder da 
ditadura, os interventores, aqueles que mandaram nos estados sem constituição, sem 
lei, e que passaram a ser políticos. A máquina do PSD era a base elitista de apoio do 
governo do Vargas. O PTB, por outro lado, era a base trabalhista, a base dos pelegos. 
Vargas introduziu, nos dois partidos, homens de sua confiança. Nesse momento, 
Amaral Peixoto é presidente do PSD, e o Lutero Vargas presidente do PTB, partido 
através do qual Getúlio Vargas se candidata. Ele se candidata em vários estados 
simultaneamente, para puxar voto com o objetivo de fazer com que pessoas de sua 
confiança ocupassem o poder. Nada é feito quanto a isso. Vargas se elege como 
senador do Rio Grande do Sul pelo PTB. 
Com a revolução de 1930, instaurou-se erroneamente, no Brasil, esse sistema 
eleitoral deturpado, proporcional, de puxar votos, que não é na lista fechada do 
partido. Isso estimula alianças que não tinham consistência em princípios. Há estados 
em que o PTB e a UDN se coligam. Não há coerência ou coesão. Esses partidos 
deveriam ser grandes adversários, coligando-se para puxar votos. Lacerda fica 
horrorizado com isso. Nessa senda de puxar votos, com a máquina da ditadura toda 
montada e intocada, com a legislação eleitoral decorrendo do regime varguista, o 
varguismo, nas suas vertentes psedista e petebista, sempre prevalece, com a única 
exceção do Jânio Quadros. 
A UDN começa com uma frente de organização de todas as forças políticas 
que reagiam a essa máquina, indivíduos que queriam enfrentar o legado do Vargas, 
inclusive socialistas. Com o tempo, os socialistas desfiliam-se para criar o Partido 
Socialista Brasileiro, do Miguel Arraes. Com isso, a UDN se torna o reduto, ao mesmo 
tempo, de diferentes espectros. Havia uma substância liberal conduzindo a UDN, que 
abrigava liberais históricos, figuras como Milton Campos, Afonso Arinos de Melo 
Franco, Carlos Lacerda, o qual preferia enfatizar a sua simpatia pela democracia 
cristã, mas realçava sua inspiração na economia social de mercado, do 
ordoliberalismo alemão. Havia, igualmente, uma ala udenista à bossa nova, mais 
populista e pró-Estado. Havia, também, uma ala oligárquica, no nordeste, que não 
diferia muito das antigas oligarquias. A UDN era um partido que também estava 
poluído pelo sistema, inclusive, pelo sistema de puxar votos. Havia, no entanto, um 
liberalismo consistente dentro da UDN, real, que desafiava o legado varguista. Porém, 
muito ligado também aos grupos militares, o que levava a UDN a apoiar intervenções 
militares, em determinadas ocasiões. 
No final desse período, há uma polarização incensada da sociedade brasileira, 
pelas iniciativas do presidente João Goulart de colocar as instituições em uma posição 
de serem achacadas pelos sindicatos, que eram tomados de comunistas, os quais 
dominavam as diretorias dos sindicatos, com o apoio de seu governo. As Forças 
Armadas já estão

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