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Autores: Prof. Luciana Mantzouranis Prof. Juliano Rodrigo Guerreiro Colaboradoras: Profa. Fernanda Torello Mello Profa. Mônica Teixeira Profa. Cristiane Jaciara Furlaneto Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Bioquímica Metabólica Professores conteudistas: Luciana Mantzouranis / Juliano Rodrigo Guerreiro Luciana Mantzouranis Formou-se em Química pela Universidade de São Paulo em 2003. É licenciada em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz, onde se formou em 2012. Fez doutorado em Ciências na área de Bioquímica, pela Universidade de São Paulo e obteve o título em 2009, ano no qual começou a atuar na docência universitária como professora titular da Universidade Paulista – UNIP, em São Paulo. Desde 2014 atua como professora conteudista no curso de Educação a Distância da UNIP, sendo responsável pelas disciplinas de Química e Bioquímica. Leciona nas áreas de Química, Bioquímica e Biologia Molecular. Juliano Rodrigo Guerreiro Graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP, 2004), é doutor em Bioquímica (USP, 2009) e pós-doutor com ênfase em bioquímica de plantas (USP, 2012), além de ser especialista em Mariologia pela Universidade Dehoniana (2017). Atualmente, cursa licenciatura em História pela Universidade Paulista (UNIP). É coordenador do curso de Farmácia da UNIP desde 2008 e professor titular da mesma instituição desde 2009, tendo sido professor auxiliar de 2005 a 2009. Tem experiência nas áreas de bioquímica, farmacologia, fisiologia, química, teologia e história, além de gerenciamento de drogarias, atuando principalmente nos seguintes temas: estrutura de biomoléculas; bioquímica estrutural, metabólica e clínica; bioquímica e fisiologia de plantas; interação ligante-receptor; e venenos animais. É autor e coautor de diversos livros, patentes e artigos científicos sobre venenos animais, fisiologia e bioquímica. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U508.68 – 20 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M293b Mantzouranis, Luciana. Bioquímica metabólica. / Luciana Mantzouranis, Juliano Rodrigo Guerreiro. São Paulo: Editora Sol, 2020. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Bioquímica. 2. Proteína. 3. Minerais. I. Guerreiro, Juliano Rodrigo. II. Título. CDU 577.1 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Juliana Muscovick Lucas Ricardi Vitor Andrade Sumário Bioquímica Metabólica APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 PROTEÍNAS ......................................................................................................................................................... 11 1.1 Aminoácidos ........................................................................................................................................... 14 1.1.1 Titulação ..................................................................................................................................................... 19 1.1.2 Classificação .............................................................................................................................................. 22 1.1.3 Destino da cadeia carbônica .............................................................................................................. 22 1.1.4 Necessidade na dieta ............................................................................................................................. 23 1.1.5 Radical (R) .................................................................................................................................................. 25 2 ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS PROTEÍNAS ............................................................................................... 27 2.1 Níveis estruturais .................................................................................................................................. 28 2.1.1 Estrutura primária .................................................................................................................................. 28 2.1.2 Estrutura secundária ............................................................................................................................. 29 2.1.3 Estrutura terciária ................................................................................................................................... 32 2.1.4 Estrutura quaternária ............................................................................................................................ 32 2.2 Classificação ........................................................................................................................................... 35 2.2.1 Separação ................................................................................................................................................... 36 3 ENZIMAS ............................................................................................................................................................. 38 3.1 Classificação e nomenclatura .......................................................................................................... 41 3.2 Cinética enzimática: fatores que alteram a velocidade de uma reação enzimática ........................................................................................................................................ 42 3.3 Inibidores da atividade enzimática ............................................................................................... 44 3.4 Gráficos de Lineweaver-Burk .......................................................................................................... 46 3.5 Enzimas alostéricas e isoenzimas .................................................................................................. 47 3.5.1 Enzimas alostéricas ................................................................................................................................ 47 3.5.2 Isoenzimas ................................................................................................................................................. 47 4 ENZIMOLOGIA CLÍNICA ................................................................................................................................. 48 4.1 Erros metabólicos hereditários ....................................................................................................... 49 4.1.1 Fenilcetonúria e albinismo .................................................................................................................. 49 4.1.2 Albinismo ...................................................................................................................................................50 4.1.3 Galactosemia ............................................................................................................................................ 51 4.1.4 Doença de von Gierke ou glicogenose tipo I ............................................................................... 51 4.1.5 Cretinismo .................................................................................................................................................. 51 Unidade II 5 SÍNTESE PROTEICA .......................................................................................................................................... 57 5.1 Aminoácidos e proteínas ................................................................................................................... 57 5.2 Síntese de aminoácidos ..................................................................................................................... 57 5.3 Síntese de proteína (tradução) ....................................................................................................... 57 5.3.1 Ativação de aminoácidos ..................................................................................................................... 57 5.3.2 Iniciação ..................................................................................................................................................... 58 5.3.3 Elongação ................................................................................................................................................... 58 5.3.4 Terminação ................................................................................................................................................ 60 5.4 Inibidores da síntese de proteínas ................................................................................................. 61 5.5 Modificações pós-traducionais ...................................................................................................... 63 6 CATABOLISMO PROTEICO ............................................................................................................................. 63 6.1 Degradação de proteínas e aminoácidos .................................................................................... 63 6.1.1 Transaminação ......................................................................................................................................... 65 6.1.2 Desaminação ............................................................................................................................................ 68 6.1.3 Ciclo da ureia ............................................................................................................................................ 69 6.1.4 Utilização do cetoácido (cadeia remanescente) dos aminoácidos ..................................... 70 6.1.5 Ciclo glicose-alanina ............................................................................................................................. 71 Unidade III 7 METABOLISMO DE COMPOSTOS NITROGENADOS NÃO PROTEICOS .......................................... 77 7.1 Ácidos nucleicos ................................................................................................................................... 77 7.1.1 Síntese de nucleotídeos e bases nitrogenadas ........................................................................... 79 7.1.2 Síntese de DNA (replicação ou duplicação) ................................................................................. 79 7.1.3 Transcrição (síntese de RNA) .............................................................................................................. 83 7.1.4 Transcrição reversa ................................................................................................................................. 85 7.1.5 Degradação de DNA e RNA................................................................................................................. 86 7.1.6 Formação de ácido úrico ..................................................................................................................... 87 7.2 Grupo heme ............................................................................................................................................ 89 7.2.1 Estrutura química ................................................................................................................................... 90 7.2.2 Síntese do grupo heme ........................................................................................................................ 90 7.2.3 Porfirias ....................................................................................................................................................... 92 7.2.4 Degradação do grupo heme ............................................................................................................... 94 8 VITAMINAS E SAIS MINERAIS ..................................................................................................................... 96 8.1 Vitaminas ................................................................................................................................................. 97 8.1.1 Vitamina A ................................................................................................................................................. 98 8.1.2 Vitamina D ...............................................................................................................................................102 8.1.3 Vitamina E ................................................................................................................................................105 8.1.4 Vitamina K ...............................................................................................................................................106 8.1.5 Complexo B .............................................................................................................................................108 8.1.6 Vitamina C (ácido ascórbico) ...........................................................................................................114 8.2 Sais minerais .........................................................................................................................................116 8.2.1 Cálcio .........................................................................................................................................................116 8.2.2 Fósforo ....................................................................................................................................................... 118 8.2.3 Magnésio ..................................................................................................................................................118 8.2.4 Sódio, cloreto e potássio .................................................................................................................... 118 8.2.5 Ferro ........................................................................................................................................................... 119 8.2.6 Zinco ..........................................................................................................................................................119 8.2.7 Selênio .......................................................................................................................................................119 8.2.8 Cobre ......................................................................................................................................................... 120 8.2.9 Iodo ............................................................................................................................................................ 120 9 APRESENTAÇÃO A palavra bioquímica vem do grego: “bio” significa vida, nesse caso nas células, e “química”pode ser considerada uma ciência exata que estuda a composição, a estrutura e as propriedades da matéria, e as reações entre as substâncias, se liberam ou consomem energia. Ou seja, este livro-texto trata sobre o entendimento da química da vida. Já o uso do termo estrutural diz respeito ao enfoque que quer ser dado, neste caso como estão ligados os átomos, por exemplo, carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo ou enxofre. Se fosse bioquímica metabólica, a ênfase recairia nas reações que podem ocorrer nas células e suas implicações. Reconhecer que a bioquímica é a base para o entendimento de muitos outros assuntos da área é vital para que o aluno encare o desafio de entender fórmulas químicas moleculares e estruturais. Esta obra foi elaborada com uma linguagem própria para a educação a distância (EaD) e apresenta uma série de informações e condições especiais de aprendizado para que se possa aprimorar conhecimentos sobre o tema. A divisão da obra foi pensada para que o entendimento fosse o mais rápido e eficaz possível, levando em consideração as peculiaridades das famílias das estruturas bioquímicas. A água existente dentro e fora das células no corpo humano proporciona a ocorrência de reações importantes, uma vez que funciona como meio de transporte para todas as substâncias presentes. Por isso, é a primeira molécula escolhida para ser estudada, além de suas correlações. Em seguida, são tratadas todas as outras moléculas que compõem as células. Este livro-texto oferece embasamento técnico e científico para entender as mais importantes substâncias químicas presentes em nosso corpo e em outros animais, vegetais, bactérias e vírus. Se as reações do corpo que utilizam essas moléculas bioquímicas ocorrem corretamente, o organismo em questão sobrevive e tem seu papel na cadeia biológica. Caso haja desarmonia, surgem doenças que devem ser detectadas, tratadas e prevenidas para que não retornem no futuro ou apareçam em outras pessoas ou animais/vegetais. INTRODUÇÃO Neste livro são estudadas as estruturas e as funções dos principais compostos nitrogenados presentes nos organismos: proteínas e aminoácidos, ácidos nucleicos, grupo heme, vitaminas e sais minerais (embora este não seja composto nitrogenado). Em um primeiro momento, são apresentadas a estrutura e a função das proteínas, as biomoléculas mais abundantes da matéria viva, representando cerca de 50% a 80% do peso seco da célula (sem o peso da água). Nos animais, correspondem a cerca de 80% do peso dos músculos desidratados, 70% da pele e 90% do sangue seco. São compostos orgânicos formados por carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio e enxofre. Algumas proteínas contêm elementos adicionais, como fósforo, ferro, zinco e cobre. Essas biomoléculas apresentam elevadas massas moleculares. São encontradas em todas as partes das células e desempenham funções fundamentais na manutenção dos processos vitais de todos os organismos vivos, como o transporte de oxigênio, função 10 desempenhada no sangue pela hemoglobina e nos tecidos pela mioglobina. Daí a derivação do termo proteína, do grego proteos, a primeira ou a mais importante. Todas as proteínas são formadas a partir do mesmo conjunto dos vinte aminoácidos padrões, ligados covalentemente em sequências lineares características, sequências chamadas de estrutura primária. Vamos estudar também os aminoácidos e suas propriedades químicas, e na sequência as ligações peptídicas e as estruturas proteicas. A partir desse entendimento, conheceremos as principais funções e classificações das proteínas, como, por exemplo, a ação enzimática que algumas proteínas possuem. Em seguida, vamos aprender como as enzimas podem ser usadas no diagnóstico de doenças metabólicas. Na sequência, vamos estudar os aspectos metabólicos que envolvem as proteínas tanto no que concerne à produção quanto à degradação. A síntese proteica ocorre a partir de aminoácidos vindos da dieta ou de síntese endógena, e só é possível por meio da expressão gênica. Assim, temos a molécula de DNA, sendo 97% não gênico, com função apenas regulatória, e apenas 3% gênico, ou seja, a parte que apresenta a sequência ordenada para codificar proteínas ou RNA. Duas etapas importantes desse processo são: transcrição e tradução. Já na proteólise, o processo pelo qual se degrada as proteínas ocorre pela hidrólise das ligações peptídicas controladas pelas enzimas proteases. Assim, se libera os aminoácidos que serão desaminados e/ou transaminados, no fígado e no músculo, que libera o grupamento amino na forma de amônio que será utilizado no ciclo da ureia. O esqueleto carbônico resultante da desaminação ou transaminação pode seguir pelas vias de gliconeogênese (intermediários da via glicotílica, formando piruvato), da oxidação (intermediários de ciclo de Krebs, formando oxaloacetato) ou ainda para síntese de ácidos graxos, formando acetil-CoA. Dessa forma, o balanço nitrogenado deve manter equilibradas a ingestão, síntese e degradação de aminoácidos e proteínas por meio do pool de aminoácidos plasmáticos. A ureia eliminada pela proteólise precisa ser eliminada, podendo ser pelo suor ou pela urina. Em seguida, estudaremos os compostos nitrogenados não proteicos. Os ácidos nucleicos, e o DNA em particular, são macromoléculas-chave para a continuidade da vida. O DNA carrega a informação hereditária que é passada de pais para filhos, fornecendo instruções de como (e quando) fazer as muitas proteínas necessárias para construir e manter o funcionamento das células, tecidos e organismos. Aprenderemos também como os ácidos nucleicos são produzidos pelos organismos ou obtidos por eles pela alimentação, além de compreendermos como essas moléculas são degradadas e eliminadas. Por fim, conheceremos o grupo heme, um complexo de coordenação que consiste em um íon de ferro coordenado com uma porfirina. Muitas metaloproteínas contendo porfirina têm o heme como grupo protético, e são conhecidos como hemoproteínas. Os heme são mais comumente reconhecidos como componentes da hemoglobina, o pigmento vermelho no sangue, mas também são encontrados em várias outras hemoproteínas biologicamente importantes, como mioglobina, citocromos, catalases, heme peroxidase e óxido nítrico sintetase endotelial. Além disso, compreenderemos o papel das vitaminas e dos sais minerais para os organismos vivos. 11 BIOQUÍMICA METABÓLICA Unidade I 1 PROTEÍNAS Temos a tendência a pensar na proteína como um sinônimo de massa, uma substância homogênea, algo que sua dieta deve conter em uma determinada proporção. No entanto, quem já esteve em um laboratório de biologia ou de química pôde verificar que a proteína não é apenas uma única substância, existem muitos tipos diferentes delas em um organismo ou mesmo em uma única célula. Elas variam de tamanho, forma e tipo, cada uma com um trabalho único e específico. Algumas são peças estruturais, dando forma às células ou as ajudando a se moverem; outras agem como sinais à deriva entre as células, como mensagens em uma garrafa; outras são enzimas metabólicas que agregam ou separam as biomoléculas necessárias para a célula. As proteínas são uma das moléculas orgânicas mais abundantes entre os sistemas vivos e têm estruturas e funções muito mais diversificadas do que outras categorias de macromoléculas. Uma única célula pode conter centenas de proteínas, cada qual com uma função única. Ainda que suas estruturas, como suas funções, variem muito, todas são feitas de uma ou mais cadeias de aminoácidos. As proteínas podem desempenhar uma ampla gama de funções em uma célula ou organismo. A seguir veremos alguns exemplos de tipos comuns de proteínas importantes na biologia de alguns organismos. Entre as várias funções das proteínas, pode-se citar: • Enzimas: catalisadores biológicos de alta especificidade, pois existem muitas reações diferentes, cada uma com uma enzima apropriada, deixando a reação bem mais rápida. Assim, seus produtos são liberados mais rapidamentetambém para serem substratos (reagentes) de outras reações. Observação Um exemplo de enzima encontrada no corpo é a amilase salivar, que quebra a amilose (um tipo de amido) em açúcares menores. A amilose não tem um gosto muito doce, mas os açúcares menores têm. Por isso, os alimentos ricos em amido normalmente possuem gosto doce quando mastigados por mais tempo, pois se dá mais tempo para a amilase salivar trabalhar. • Hormonal: entre vários exemplos, pode-se citar a insulina e o glucagon, hormônios produzidos no pâncreas, mais precisamente nas ilhotas de Langerhans. A insulina (figura a seguir) apresenta duas cadeias de aminoácidos, uma com 21 e outra com 30 aminoácidos, ligadas por ligações de dissulfeto (-S-S-), com a função de diminuir a quantidade de glicose 12 Unidade I no sangue (gerar hipoglicemia), pois está relacionada com a entrada da glicose nas células. O glucagon possui uma cadeia com 29 aminoácidos e tem como função aumentar o nível de glicose no sangue (hiperglicemia). S ———————————————— S | | H—Gly—Ile—Val—Glu—Gln—Cys—Cys—Ala—Ser—Val—Cys—Ser—Leu—Tyr—Gln—Leu—Glu—Asn—Tyr—Cys—Asn—OH | S | S | H—Phe—Val—Asn—Gln—His—Leu—Cys—Gly—Ser—His—Leu—Val—Glu—Ala—Leu—Tyr—Leu—Val—Cys—Gly—Glu—Arg | Gly | Phe | HO—Ala—Lys—Pro—Thr—Tyr—Phe | S | S | Figura 1 – Estrutura química da insulina com duas cadeias ligadas por pontes dissulfeto Observação A insulina é um hormônio peptídico que ajuda a regular os níveis de glicose no sangue. Quando os níveis de glicose plasmática aumentam (por exemplo, após uma refeição), células especializadas do pâncreas liberam insulina. A insulina se liga às células no fígado e em outras partes do corpo, fazendo com que extraiam a glicose. Esse processo auxilia o açúcar plasmático a retornar ao seu nível normal, de repouso. • Estrutural: dá sustentação, suporte e resistência aos tecidos dos organismos. A elastina, por exemplo, atua na estrutura da pele; a queratina, na estrutura dos pelos, unhas e cabelos; e o colágeno, na estrutura das cartilagens e dos tendões. • Defesa: ocorre quando há a presença de uma substância denominada antígeno, algo que o ser vivo entende como não sendo seu e pode ser uma ameaça. Quando bactérias, vírus, fungos, helmintos, toxinas, moléculas de alimentos ou grãos de pólen entram em contato com o organismo, o organismo categoriza-os como um perigo, então são fabricados anticorpos (proteínas) que vão atacar tais antígenos. Os anticorpos podem ser chamados de imunoglobulinas (Ig) e são proteínas que estão ligadas a carboidratos (glicoproteínas). • Coagulação: para que não haja perda de sangue no caso de um corte, são ativadas reações com várias proteínas de coagulação, ocorrendo a formação de um trombo. Entre as várias proteínas de coagulação sanguínea pode-se citar o fibrinogênio e a trombina. O fibrinogênio é sintetizado no fígado e se converte em fibrina pela ação da trombina. As deficiências dessas glicoproteínas podem levar a hemorragias. 13 BIOQUÍMICA METABÓLICA • Armazenamento: a proteína albumina, que nos animais é sintetizada no fígado, é liberada no sangue. Ela tem muitas funções, entre elas a de manter a pressão osmótica no sangue e o equilíbrio ácido-base e transportar hormônios, bilirrubina e fármacos. Pode-se encontrá-la também no leite (lactoalbumina) e nos ovos (ovoalbumina). Ela contém nove dos aminoácidos que os animais não sintetizam (aminoácidos essenciais). No ovo, a albumina (ou clara) é fonte de nutrição para o embrião, e a albumina do leite, juntamente com a caseína, são importantes proteínas para o neonato. Nas plantas ocorre o aparecimento de outras proteínas que são armazenadas nas sementes e servem como nutriente necessário para a germinação. • Receptores (de membrana ou citoplasmáticos): proteínas que se ligam a substâncias sinalizadoras, como gases, óxido nítrico ou até mesmo estímulos, como a luz. Ao se ligarem com as proteínas receptoras, iniciam reações que culminarão em uma resposta celular, por exemplo, morte, diferenciação e divisão. • Moléculas sinalizadoras: substâncias cuja função é ativar ou inibir determinadas reações após se ligarem aos receptores. Exemplos dessas moléculas reguladoras são os hormônios, como a insulina e glucagon, que possuem função antagônica no metabolismo da glicose, e ações em outras vias também. Pode-se ainda citar as enzimas como as quinases ou GTPases, que, com seu aumento ou diminuição, podem promover um descontrole celular, levando a vários tipos de doenças, incluindo o câncer. • Movimento (contratilidade): para que uma fibra muscular faça a contração, várias proteínas são recrutadas, principalmente a actina e a miosina, que deslizam uma sobre a outra nas miofibrilas, provocando o encurtamento da fibra muscular, ou seja, ocorre contração. • Transporte: as proteínas podem transportar várias substâncias no corpo de um animal. Entre elas está a hemoglobina, proteína complexa composta de quatro cadeias de globina, cada uma ligada ao heme, responsável pelo transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos, podendo ser encontrada nos glóbulos vermelhos. A mioglobina é composta por heme e globina, tendo a função de transportar oxigênio intracelularmente nos tecidos musculares, além de estocar oxigênio nesses tecidos. A albumina transporta várias substâncias, desde hormônios, bilirrubina e ácidos graxos até mesmo medicamentos, além de proteínas que transportam outras substâncias para dentro da célula, como a proteína glut, que leva a glicose para o interior de algumas células. • Toxinas: são substâncias que podem provocar reações maléficas em outros organismos. Consideradas proteínas venenosas, são produzidas por certos organismos vivos, como bactérias, insetos, plantas e répteis, e têm como função proteção ou defesa. No entanto, quando penetram em outros animais podem ser letais, como, por exemplo, a toxina botulínica, toxina do tétano e até mesmo a produzida em caracóis marinhos, como a conotoxina. • Citocinas: são proteínas ligadas ao sistema imune, ou sistema imunológico, como a interferon e as interleucinas, e têm como função defender o organismo contra agentes invasores (antígenos), como vírus, bactérias, fungos, protozoários ou parasitas, o que inicia, por exemplo, respostas inflamatórias. 14 Unidade I Alguns tipos adicionais de proteínas e suas funções estão listados no quadro a seguir. Quadro 1 Papel Exemplos Funções Enzima digestiva Amilase, lipase, pepsina Quebram nutrientes na comida em pequenos pedaços que podem ser absorvidos imediatamente Transporte Hemoglobina Transportam substâncias pelo corpo por meio do sangue ou linfa Estrutura Actina, tubulina, queratina Constroem diferentes estruturas, como o citoesqueleto Hormônio sinalizador Insulina, glucagon Coordenam a atividade de diferentes sistemas corporais Defesa Anticorpos Protegem o organismo de corpos estranhos patógenos Armazenamento Legumes armazenam proteínas, ovo branco (albumina) Fornecem alimento para o desenvolvimento inicial de embriões ou de mudas As proteínas têm tamanhos e formas diferentes. Algumas são globulares (quase esféricas) na forma, enquanto outras formam fibras longas e finas. Por exemplo, a proteína hemoglobina, que carrega o oxigênio no sangue, é uma proteína globular, enquanto o colágeno, encontrado na pele, é uma proteína fibrosa. A forma de uma proteína é crítica para sua função e muitos tipos diferentes de pontes químicas podem ser importantes na manutenção dela. Mudanças na temperatura e pH, assim como a presença de certos químicos, podem romper a proteína e fazer com que ela perca a funcionalidade, processo conhecido como desnaturação. As proteínas são compostas de aminoácidos que se ligam por ligações peptídicas, se dobrando por cima de si mesmas e formando uma complexa forma com características singulares. Para entender melhor as proteínas, sugere-se começar com os formadores delas: os aminoácidos. 1.1 Aminoácidos Para entender uma das mais importantes substânciasque a bioquímica estuda, as proteínas, deve-se conhecer os aminoácidos, monômeros de um polímero chamado proteína (figura a seguir). Esses, por si só, também apresentam outras funções que não a de somente formadores dessas substâncias. Polímero Monômero Figura 2 – Esquema de monômero e polímero 15 BIOQUÍMICA METABÓLICA Lembrete Moléculas pequenas, chamadas de monômeros, podem ligar-se dando origem aos polímeros. Existem muitos aminoácidos na natureza (já foram descritos cerca de 300), porém aqui serão estudados apenas 20 deles, pois estão na composição das proteínas dos animais. Como o próprio nome diz, essas substâncias (figura a seguir) são formadas de um grupamento amino (NH2) e outro ácido (COOH). Esses dois agrupamentos estão ligados a um carbono, que como apresenta a possibilidade de fazer quatro ligações faz também ligação com um átomo de hidrogênio (H), sendo que a última ligação pode ser desde outro hidrogênio até cadeias mais complexas com outros átomos, as quais dá-se o nome de radical (R), como mostra a figura a seguir. H CR C O OHNH2 Figura 3 – Estrutura dos aminoácidos COO– C+H3N H H COO– C+H3N H CH3 COO– COO– C C CH CH CH2 +H3N +H3NH H H3C Glicina Alanina Valina Leucina H3C CH3 CH3 COO– COO–COO– C CC CH CH2 CH2 S CH3 CH3 +H3N +H2N H2C +H3NH H H CH2 Isoleucina Prolina Fenilalanina Metionina CH3 CH2 CH3 COO– C CH2 +H3N H 16 Unidade I Tripofano Treonina Cisteína Serina COO– COO– COO–COO– C C C HC CH2 C CH2 CH2OH C = CH CH3 SH NH +H3N +H3N +H3N +H3NH H H OH H COO– COO– C C C CH2 CH2 C +H3N +H3NH H H2N H2N Asparagina Lisina Tirosina Glutamina O O COO–COO– CC CH2 CH2 CH2 CH2 NH3 + CH2 OH +H3N +H3N HH CH2 C NH2 + COO– COO– C C CH2 C HC +H3N +H3NH H NH NH+ Arginina Glutamato Aspartato Histidina CH COO–COO– CC CH2 CH2 COO– CH2 COO– +H3N +H3N HH CH2 CH2 CH2 NH NH2 Figura 4 – Estrutura dos aminoácidos encontrados nas proteínas 17 BIOQUÍMICA METABÓLICA Outra característica dos aminoácidos é que eles são moléculas assimétricas. Para que um objeto seja simétrico, ele deve possuir um plano de simetria, que divide o objeto em duas metades. Por exemplo, a caneca representada na figura a seguir é simétrica. Figura 5 – Objeto simétrico Se colocarmos essa caneca na frente de um espelho, teremos uma imagem que pode se sobrepor ao objeto por meio de uma mudança do ângulo. Figura 6 – Objetos simétricos possuem imagens especulares que podem se sobrepor ao objeto 18 Unidade I Um objeto assimétrico não possui plano de simetria e sua imagem especular não é sobreponível ao objeto. A mão é assimétrica, pois a imagem especular da mão direita é a mão esquerda, no entanto, não é possível sobrepor a mão direita e a mão esquerda. 3 1 2 Figura 7 – A mão é assimétrica e não é possível sobrepor a mão direita e a mão esquerda. 1) Mão direita; 2) Imagem especular; 3) Mão esquerda Para que uma molécula seja assimétrica deve existir pelo menos um carbono assimétrico ou quiral. Observação O termo quiral vem da palavra grega cheir, que significa mão, que é assimétrica. A condição para que um átomo de carbono seja quiral é que ele esteja ligado a quatro ligantes diferentes. O carbono alfa dos aminoácidos é um carbono quiral, com exceção da glicina, que possui dois átomos de hidrogênio ligados ao carbono alfa. Os aminoácidos apresentam solubilidade variável em água e têm atividade óptica (poder de girar a luz polarizada para esquerda ou direita) por apresentarem carbono assimétrico, em geral, na forma levógira. O aminoácido tem um carbono especial chamado de carbono quiral ou quirálico (figura a seguir), que pode mudar o trajeto da luz, ou seja, girar a luz polarizada para direita (+ ou dextrogiro) ou esquerda (- ou levógiro). Nesse carbono, há quatro ligantes diferentes e caso o grupo amina estiver à esquerda (de quem olha de frente) diz-se que é L. X C*W Y Z Figura 8 – Aminoácido com carbono quiral 19 BIOQUÍMICA METABÓLICA Se estiver à direita chama-se de D (figura a seguir), sendo que na natureza encontra-se mais os L-aminoácidos, ou seja, aqueles presentes nas proteínas. A glicina não apresenta atividade óptica, pois tem como ligantes 2 hidrogênios e, dessa forma, o carbono não é quiral. COOH CH NH2 R COOH CH2N H R Figura 9 – Aminoácido genérico na forma L e D Em pH fisiológico, ou seja, em acidez normal para uma determinada parte do corpo (no caso em questão, o sangue com pH aproximado de 7,4), os aminoácidos têm seus grupamentos amina e carboxila ionizados, ou seja, a amina fica com carga positiva e a carboxila com carga negativa (figuras a seguir). Dessa forma, podem reagir com ácidos e bases, sendo chamados, por causa dessa característica, de anfóteros. Essa propriedade é muito interessante, pois quando se visualiza a reação de um aminoácido com ácido ou base percebe-se que não há mudança brusca de pH. Essa característica é chamada de tampão, pois a solução resiste a mudanças de pH quando se adicionam pequenas quantidades de ácido ou base. Essa propriedade pode ser estudada quando se analisa o comportamento da albumina (proteína presente no sangue), que também ajuda na manutenção do pH do sangue. H CR COOH NH2 Figura 10 – Aminoácido na forma não ionizada H CR COO– NH+3 Figura 11 – Aminoácido ionizado ou íon dipolar 1.1.1 Titulação Quando se dissolve um aminoácido na água e se vai gotejando um ácido, por exemplo, HCl, se inicia um processo chamado titulação, que quer dizer que o ácido reagirá lentamente, gota a gota, com outra substância. Espera-se que quando se adiciona um ácido em uma solução, ela fique ácida, porém não é exatamente isso que ocorre. O pH abaixa lentamente e quando coloca-se ácido não ocorre nada, não há mudança de pH, a cada gota de ácido colocada na solução de aminoácido o pH fica resistente à mudança, ou seja, não há um aumento de acidez (caracterizada com o aumento da presença de íons H+ livres na solução) porque o H+ se liga ao grupamento ionizado do grupamento carboxila (COO-), neutralizando-o (figura a seguir). 20 Unidade I COO–CH + H+ → R CH COOH NH+3 NH + 3 R Figura 12 – Reação genérica do aminoácido com o H+ liberado por um ácido, que neutraliza o grupamento carboxila Essa observação é característica das soluções ditas tampão, ou seja, soluções que resistem a mudanças no pH. Caso se gotejar NaOH (figura a seguir), isso mostra atividade tampão também, idêntico ao explicado anteriormente para o ácido, pois o OH- se juntará ao grupamento NH3 +, neutralizando-o, ou seja, o íon OH- não fica livre na solução, o que eleva o pH da solução (liberando H2O, OH - da base e H+ retirado do grupamento amina). COO–CH + OH– → H2O + R CH COO – NH+3 H+ NH2 R Figura 13 – Reação genérica do aminoácido com o OH- liberado por uma base, que neutraliza (perde a carga) o grupamento amina Quando se traduz a titulação dos aminoácidos em forma gráfica (pH versus HCl ou NaOH adicionado), observa-se a fase de não variação do pH na forma de um patamar, pois o pH quase não muda, como se estivesse estável. Se o aminoácido conter um grupamento carboxila e uma amina, terá ao todo dois patamares (figura a seguir), um para cada neutralização; se tiver dois grupamentos carboxila (aminoácidos ácidos), terá dois patamares quando adicionado ácido (H+); e se tiver dois grupamentos amina (aminoácidos básicos) também serão notadas duas faixas, em que há resistência de mudança de pH, ou seja, dois patamares na curva de titulação com adição de base (OH-). pH Gotas de NaOH adicionada Patamar Patamar pH inicial Gotas de HCl adicionadas Figura 14 – Curva de um aminoácido genérico com apenas dois grupamentos, sendo um de amina e outro de carboxila O centro do patamar, onde metade do aminoácido está neutralizado e metade ainda está ionizado, corresponde a uma grandeza chamada pKa. O pka do grupo carboxila varia entre 1,8 e 2,4, enquanto o pKa do grupo amina varia entre8,8 a 10,9. Em pH 7,4 a maior parte dos aminoácidos deve estar com o grupo amina protonado (NH3+) e o grupo carboxila desprotonado (COO-). 21 NOME DA DISCIPLINA Para designar qual aminoácido está sendo referido, pode-se chamá-los por abreviaturas, ou seja, pelas três primeiras ou por uma única letra, como nota-se no quadro a seguir. Quadro 2 – Nome dos aminoácidos com abreviaturas Nome Abreviatura com três letras Abreviatura com uma letra Cisteína Cys C Histidina His H Isoleucina Ile I Metionina Met M Serina Ser S Valina Val V Alanina Ala A Glicina Gly G Leucina Leu L Prolina Pro P Treonina Thr T Arginina Arg R Asparagina Asn N Aspartato Asp D Glutamato Glu E Glutamina Gln Q Fenilalanina Phe F Tirosina Tyr Y Triptofano Trp W Aspartato Asx B Glutamato Glx Z Lisina Lys K Para saber se há presença de proteínas em soro ou plasma sanguíneo, líquido cérebro-espinhal, urina ou alimentos, utiliza-se o método de biureto, apesar de serem comercializados outros reagentes. O reagente de biureto contém cobre (coloração azul) e torna-se violeta na presença de proteínas. A intensidade da coloração violeta varia de acordo com a concentração de proteínas na amostra analisada, podendo ser determinada a concentração em um aparelho chamado de espectrofotômetro. A reação com o composto chamado ninhidrina é um teste geral para detecção de aminoácidos em solução ou em cromatografia (método físico químico de separação de substâncias químicas, em que se separa, por exemplo: lipídeos, aminoácidos, carboidratos, em uma parte fixa – papel ou resina – e outra móvel – solvente –, corando-se com corante especializado para a substância em questão). A reação dos aminoácidos com a ninhidrina origina um composto de cor violeta ou púrpura para todos eles, com exceção do derivado 22 Unidade I prolina, que dá origem a um composto de cor amarela. Hoje, é comumente utilizada para detectar impressões digitais, revelando resíduos de pele. Saiba mais Para saber mais sobre o assunto, leia os artigos a seguir: ZAIA, D. A. M.; ZAIA, C. T. B. V.; LICHTIG, J. Determinação de proteínas totais via espectrofotometria: vantagens e desvantagens dos métodos existentes. Química Nova, v. 21, n. 6, 1998. SEBASTIANY, A. P. et al. A utilização da ciência forense e da investigação criminal como estratégia didática na compreensão de conceitos científicos. Educação Química, v. 24, n. 1, p. 49-56, 2013. 1.1.2 Classificação Analisando-se a estrutura de um aminoácido é possível classificá-la quanto as suas diferentes formas, por exemplo, quanto ao destino da cadeia carbônica, à necessidade na dieta e ao radical (R). 1.1.3 Destino da cadeia carbônica Quando uma proteína já cumpriu seu papel fisiológico, ela será catabolizada (destruída), e assim será liberada uma parte que contém o grupamento amina (que dará origem à ureia e posteriormente liberada na urina), sendo o restante chamado de cadeia carbônica. Essa cadeia pode ser aproveitada para sintetizar glicose, ou seja, degradar em precursores de glicose, como piruvato (componente da via metabólica que se chama glicólise), alfa-cetoglutarato, succinil-CoA, fumarato, oxaloacetato (componentes da via metabólica que se chama ciclo de Krebs), dando a eles o nome de glicogênicos. Em seguida, alanina, cisteína, glicina, serina, triptofano e treonina são degradados, produzindo um intermediário chamado de piruvato; arginina, glutamato, glutamina, histidina e prolina têm sua cadeia carbônica transformada em alfa-cetoglutarato; isoleucina, metionina e valina dão origem a succinil-CoA; aspartato, fenilalanina e tirosina dão origem ao fumarato; e asparagina e aspartato dão origem a oxaloacetato. Os aminoácidos cetogênicos são degradados a acetil-CoA (componente do ciclo de Krebs) ou acetoacetato e são convertidos em ácidos graxos ou corpos cetônicos. Isoleucina, leucina, lisina e treonina dão origem ao acetil Co-A; leucina, lisina, fenilalanina, triptofano e tirosina dão origem ao acetoacetato. Alguns aminoácidos podem ser utilizados como formadores de glicose e de acetil-CoA, sendo chamados, portanto, de glicocetogênicos, como triptofano, fenilalanina, tirosina, treonina e isoleucina, por exemplo. 23 BIOQUÍMICA METABÓLICA 1.1.4 Necessidade na dieta Pode-se dividir os aminoácidos em essenciais e não essenciais, ou ainda em dispensáveis, indispensáveis e condicionalmente indispensáveis. Os essenciais são assim chamados pois são muito importantes na constituição das proteínas, porém os animais não conseguem fabricá-los, ou seja, são sintetizados pelos vegetais, e por essa condição a dieta do ser humano deve ser rica em ingestão de vegetais. São eles: arginina (essencial para indivíduos jovens e em crescimento, mas não para adultos), histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina. Existe uma outra abordagem que considera os aminoácidos dispensáveis, indispensáveis e condicionalmente indispensáveis. Dispensáveis e indispensáveis seria o mesmo que essencial e não essencial. Condicionalmente indispensáveis são aminoácidos essenciais apenas em determinadas situações patológicas (caso de doença ou estresse) ou em organismos jovens e em desenvolvimento, por exemplo, o aminoácido arginina não é essencial, mas quando a pessoa está com câncer não é produzido, sendo necessário suplemento. Outros exemplos podem ser: • Fenialanina: precursor da tirosina. • Ácido glutâmico e amônia: precursor da glutamina. • Glutamina, glutamato e asparato: precursor da arginina. • Metionina e serina: precursor da cisteína. • Serina e colina: precursor da glicina. • Glutamato: precursor da prolina. Saiba mais Para saber mais sobre os aminoácidos, leia o artigo a seguir: LAIDLAW, S. A.; KOOPLE, J. D. et al. Newer concepts of indispensable amino acids. American Journal of Clinical Nutrition, v. 46, n. 4, p. 593-605, 1987. A fenilcetonúria é uma doença genética na qual ocorre a falta ou diminuição da atividade da enzima fenilalanina hidroxilase, que catalisa a transformação de fenilalanina em tirosina (figura a seguir), aminoácido presente em alguns alimentos, como leite, queijos, carnes, ovos e leguminosas, por exemplo, feijão, lentilha e grão-de-bico. Dessa forma, a fenilalanina se acumula no corpo, principalmente no cérebro, na forma de ácido fenilpirúvico, levando à redução da capacidade intelectual e a distúrbios do comportamento. 24 Unidade I Fenilalanina Fenilalanina hidroxilase Tirosina L-Dopa Dopamina Noradrenalina Adrenalina Figura 15 – Esquema da via de transformação do aminoácido fenilalanina em outros metabólitos O tratamento dessa enfermidade deve ser por meio da adoção de uma dieta com restrição de fenilalanina (redução de fontes desse aminoácido, principalmente com a ingestão de leite especiais para impedir a ocorrência dos sintomas neurológicos) de forma mais rígida até a adolescência. Além disso, é vetado o uso de aspartame para essas pessoas, pois esse adoçante é composto de dois aminoácidos ligados: ácido aspártico e fenilalanina, que ao ser ingerida vai para o sangue. Outros adoçantes encontrados em alimentos light ou diet podem ser ingeridos. Para saber se uma criança é portadora de fenilcetonúria, deve ser realizado o teste do pezinho, ou seja, a coleta de algumas gotas de sangue do calcanhar do recém-nascido, após a primeira mamada, com mais de 48 horas de vida. Em 1992, essa triagem neonatal se tornou obrigatória em todo o território nacional, ao passo que pode diagnosticar fenilcetonúria, hipotiroidismo, anemia falciforme, fibrose cística, entre outras doenças. Outro problema ligado a essa via é o albinismo. Caso a pessoa não apresente a enzima tirosinase (que catalisa a transformação de tirosina em L-Dopa) não terá L-Dopa, que se transforma no pigmento da pele chamado melanina. Com a deficiência na produção da proteína melanina a pessoa tem ausência de pigmentação na pele, na cor dos olhos e nos cabelos, por exemplo, sendo esse fator preocupante,visto que trata-se de um pigmento que protege o material nucleico (DNA) contra os raios solares, podendo ocasionar o câncer de pele. 25 BIOQUÍMICA METABÓLICA Observação Os aminoácidos não essenciais produzidos pelos animais são: alanina, asparagina, ácido aspártico (caso esteja ionizado, o aspartato), cisteína, ácido glutâmico (caso esteja ionizado, o glutamato), glutamina, glicina, prolina, serina e tirosina. A serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) é um importante neurotransmissor relacionado com os processos bioquímicos do sono e do humor – e até mesmo inibição da ira, agressão, temperatura corporal, humor, sono, vômito e apetite. Essa substância provém do aminoácido triptofano (figura a seguir), que é transformado em serotonina nos neurônios (figura adiante). A inibição da produção de serotonina, também chamada de 5-HT, ou sua diminuição, se relacionam com efeitos no humor e no estado mental humano, ou seja, estão diretamente ligados aos sintomas de depressão, dificuldade em memorizar informações, cansaço, angústia, ansiedade, medo, agressividade e irritação excessiva. Alimentos como banana, leite, chocolate, atum e verduras escuras apresentam mais triptofano que outros alimentos. Caso a pessoa faça ingestão de antidepressivos do tipo inibidor seletivo de recaptação de serotonina, ela pode apresentar osteoporose (redução da densidade óssea), pois a serotonina também interfere na densidade dos ossos. H HH CC OH C NH2H O Tripofano N Figura 16 – Fórmula estrutural do aminoácido triptofano C HO OH NH2 NH2 O Tripofano Serotonina H N H N Figura 17 – Reação de síntese de serotonina 1.1.5 Radical (R) Como de certa maneira os aminoácidos têm uma estrutura semelhante entre si, o que realmente os diferencia é o radical (R). O R pode ter características apolares, ou seja, ter na sua maioria somente carbonos e hidrogênios, e isso também leva a chamá-lo de radical alifático e hidrofóbico. Como cadeias de carbono saturadas levam a características apolares, esses aminoácidos são chamados de apolares. 26 Unidade I São eles: alanina, cisteína, glicina, valina, leucina, isoleucina, prolina (aminoácido com estrutura cíclica alifática), fenilalanina, triptofano e metionina. • Glicina: H-CH(NH2) -COOH • Alanina: CH3-CH(NH2) -COOH • Leucina: CH3(CH3)-CH2-CH(NH2)-COOH • Valina: CH3-CH(CH3)-CH(NH2)-COOH • Isoleucina: CH3-CH2-CH (CH3)-CH(NH2)-COOH • Prolina: -CH2-CH2-CH2- ligando o grupo amino ao carbono alfa • Fenilalanina: C6H5-CH2-CH(NH2)-COOH • Triptofano: R aromático-CH(NH2)-COOH • Metionina: CH3-S-CH2-CH2-CH(NH2)-COO O R pode ser polar neutro, ou seja, ter cadeias laterais polares eletricamente neutras (sem cargas) em pH neutro. Esse grupo inclui a serina, treonina, tirosina, glutamina e asparagina. • Serina: OH-CH2-CH(NH2)-COOH • Treonina: OH-CH (CH3)-CH(NH2)-COOH • Cisteína: SH-CH2-CH(NH2)-COOH • Tirosina: OH-C6H4-CH2-CH(NH2)-COOH • Asparagina: NH2-CO-CH2-CH(NH2)-COOH • Glutamina: NH2-CO-CH2-CH2-CH(NH2)-COOH Caso o R tenha carga, pode ser aminoácido polar ácido ou negativo, como é o caso do ácido glutâmico e do ácido aspártico, que possuem um grupo carboxila em seu radical, e, quando em pH fisiológico, perdem o hidrogênio da carboxila que está em seu radical (COO-), se tornando glutamato e aspartato. • Ácido aspártico: HCOO-CH2-CH(NH2)-COOH • Ácido glutâmico: HCOO-CH2-CH2-CH(NH2)-COOH 27 BIOQUÍMICA METABÓLICA Observação O glutamato monossódico é um sal composto de ácido glutâmico (aminoácido não essencial) e sódio encontrado em alimentos como tomate e cogumelos. Esse composto é usado principalmente por asiáticos como realçador de sabor ou, como os japoneses chamam, de essência do sabor para melhorar a palatabilidade. Esse aminoácido é também um neurotransmissor excitatório no cérebro humano, importante no aprendizado e na memória. Caso o R tenha carga positiva, tais aminoácidos podem ser chamados de polares básicos, pois quando em pH fisiológico, ganham hidrogênio em seu grupamento amina (NH3 +), presente em seu radical, tendo como positiva sua carga final. São eles: histidina, lisina e a arginina • Arginina: HN=C(NH2)-NH-CH2-CH2-CH2-CH(NH2)-COOH • Lisina: NH2-CH2-CH2-CH2-CH2-CH(NH2)-COOH • Histidina: H-(C3H2N2)-CH2-CH(NH2)-COOH Observação A histamina é uma amina originada a partir da descarboxilação, ou seja, perda de um grupo carboxila, do aminoácido histidina (um dos aminoácidos básicos), presente principalmente em carnes, vísceras e miúdos. Pode ser encontrada em células chamadas de mastócitos, sendo liberada quando um antígeno alérgeno encontrado em alguns alimentos, produtos químicos, picadas de insetos e até mesmo no pólen estimula a formação de anticorpos do tipo IgE. Quando ocorre a liberação da histamina, no local ou na corrente sanguínea, inicia-se a resposta alérgica com coceira, inchaço, hipotensão, estresse respiratório e inclusive taquicardias e arritmias, sintomas que podem levar à morte. 2 ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS PROTEÍNAS Para se obter uma proteína (ou polipeptídio) deve-se ligar os aminoácidos. Essa junção se dá por intermédio de ligações peptídicas (figura a seguir), em que uma carboxila de um aminoácido se liga com o grupamento amino do outro aminoácido, liberando água. Tal ligação é rígida, pois é feita entre dois átomos extremamente eletronegativos (N e O), sendo de difícil quebra ou quebra lenta, mas em organismos vivos enzimas digestivas clivam com facilidade essas ligações, gerando proteínas menores chamadas peptídeos, podendo até gerar aminoácidos no intestino. 28 Unidade I H H C CR R1C C O O OH H H OHNH2 N H HC C R+H2O C C O O N OH NH2 R1H Ligação peptídica (ligação amídica) dipeptídeo ou dipéptido Figura 18 – Esquema da formação de ligação peptídica 2.1 Níveis estruturais Pode-se estudar a estrutura das proteínas começando pela mais simples para a mais complicada, ou seja, da estrutura primária para a secundária, terciária e quaternária. 2.1.1 Estrutura primária É a sequência linear dos aminoácidos, na qual a ligação que a mantém é a peptídica. H H C CR R1+C C O O OH H H OHNH2 N H HC C R+H2O C C O O N OH NH2 R1H Ligação peptídica (ligação amídica) dipeptídeo ou dipéptido Figura 19 – Representação da ligação peptídica que mantém a estrutura primária. Um pequeno dipeptídeo formado por glicina e alanina tem uma ligação peptídica. A proteína terá uma extremidade amino e outra carboxila H2N C H H HH H Glicina (Gly) Alanina (Ala) Glicilalanina (Gly-Ala) H CH3 CH3H H C O + + O OO O H H N C CCC CCO ONH HH2O H2N Figura 20 – Dipeptídeo glicilalanina Essa estrutura é diferente de um dipeptídeo formado por uma alanina, em primeiro lugar, ligada à glicina, portanto, a ordem dos aminoácidos é muito importante, e está indicada pelo 29 BIOQUÍMICA METABÓLICA DNA. O DNA, material genético contido no interior do núcleo dos seres humanos, é formado por vários fragmentos chamados de gene, os quais têm a informação de como será uma determinada proteína do ser vivo. Todas as proteínas dos seres têm sua informação da estrutura primária no DNA. Trata-se do material genético que indica qual aminoácido será o primeiro, o segundo etc. É por isso que quando ocorre um erro no DNA ele será repassado para a proteína, gerando uma proteína anômala, ou seja, errada. Caso ocorra uma modificação no gene, a chamada mutação, a proteína será fabricada de forma diferente do que deveria ser e, se for, por exemplo, uma enzima, a reação catalisada pode não acontecer, gerando dessa forma uma doença genética (genética é igual à gene). A anemia falciforme é uma doença caracterizada pela mudança da forma dos glóbulos vermelhos que ficam na forma de foice, ocasionando vários malefícios que podem ser leves ou graves, como dor, icterícia, infecções e palidez pela diminuição de glóbulos, sintomas que causam risco de morte. Decorre de uma alteração de um gene que tem as instruções de como será a proteína globina. Como as instruções foram mudadase estão erradas no DNA, a globina fica anômala, levando à produção da hemoglobina S (Hb S). Essa alteração consiste em uma mutação no gene da beta globina, em que ocorre a troca de uma única base nitrogenada – a adenina pela timina, resultando na substituição do ácido glutâmico (um aminoácido com grupo R polar) pela valina (com grupo R apolar) na posição 6 da cadeia beta com consequente modificação físico-química da molécula da hemoglobina. É reconhecidamente uma doença de elevada mortalidade e morbidade, necessitando de identificação e tratamento precoce. Trata-se de uma doença crônica, pois não tem cura na maioria dos casos, sendo algumas vezes indicado o transplante de medula óssea. No Brasil, o diagnóstico é obrigatório em todos os estados pelo teste de triagem neonatal ou teste do pezinho. Essa condição é mais comum em pessoas afrodescendentes, já que o gene da HbS teve origem no continente africano, porém, como no Brasil há alta miscigenação, qualquer pessoa de raça branca ou parda pode ter a anemia falciforme. A anemia mais comum no Brasil e no mundo é pela falta de ferro, mas entre as hereditárias a falciforme está em primeiro lugar. 2.1.2 Estrutura secundária É verificada quando a estrutura primária gira sobre si formando um caracol ou α-hélice, que é mantida por pontes de hidrogênio. Algumas proteínas ficam na estrutura secundária (somente em α-hélice como a queratina: proteína resistente, impermeável à água, podendo ocorrer em mamíferos – pele, cabelo, unha, casco, chifre – e aves – pena, bico etc.), enquanto outras se dobram mais e vão para a estrutura terciária. Existe também a estrutura secundária chamada de folha β-pregueada. É um tipo de estrutura que ocorre quando duas estruturas primárias se ligam por pontes de hidrogênio, formando uma estrutura de zigue-zague, somente em folha β-pregueada como a fibroína, proteína altamente resistente e rígida fabricada por aranhas para suas teias ou pelo bicho da seda, que pode ser aproveitada para se transformar em um tecido, a seda pura, quando colocada em um tear. A maioria das proteínas tem as duas formas em uma mesma cadeia: α-hélice e folha β-pregueada, alternando-se (figuras a seguir). 30 Unidade I Figura 21 – Esquema espacial da estrutura secundária de uma proteína. Estrutura secundária em forma de alfa hélice Figura 22 – Esquema espacial da estrutura secundária de uma proteína. Estrutura secundária na forma de folha beta pregueada O colágeno é sintetizado principalmente por fibroblastos, condroblastos e osteoblastos e exportado para fora da célula, onde enzimas catalisam a transformação em tripla hélice, ou seja, são três estruturas na forma de alfa-hélice unidas entre si. A maior parte dos aminoácidos é de glicina, prolina e lisina, que recebem radical -OH e se transformam em hidroxiprolina e hidroxilisina com a ajuda da vitamina C. Com vários radicais hidroxila, os aminoácidos ligam-se entre si por meio de ligações-pontes e hidrogênio, 31 BIOQUÍMICA METABÓLICA deixando a estrutura rígida. Todos os mamíferos fabricam colágeno (também chamado de gelatina), sendo que no setor alimentício é usado na fabricação de iogurtes, embutidos (salsichas, presunto, rosbife) e para sobremesas de fácil preparação (sobremesas de gelatinas, pudins, maria-mole), além da área de cosméticos e produtos fármacos (cápsulas moles e duras). Há vários tipos de colágeno (tipo I até tipo XII) comuns em ossos, tendões, pele, parede de artérias ou endotélios e articulações. A matriz óssea é composta de uma parte orgânica feita na sua maior parte por colágeno tipo I (que confere flexibilidade ao osso), em que íons de fosfato e cálcio (cristais de hidroxiapatita) são os responsáveis pela rigidez e resistência do osso. A deficiência da vitamina C leva ao escorbuto, doença relacionada a problemas na síntese do colágeno, pois não há aminoácidos com o radical hidroxila ligado, causando hemorragia, ao passo que os vasos sanguíneos e pele possuem colágeno na sua constituição. A deficiência de colágeno no organismo denomina-se colagenoses, o que acarreta alguns problemas como má-formação óssea, rigidez muscular, problemas com o crescimento, inflamação nas articulações e doenças cutâneas. Entre as colagenoses mais conhecidas pode-se citar o lúpus eritematoso. A doença lúpus é uma doença autoimune, que se manifesta com manchas na pele, úlceras orais, artrite, alterações renais, distúrbios do sangue, inflamações nos pulmões e coração. Bactérias, protozoários, fungos e vírus são seres vivos, microrganismos que podem causar várias doenças. Em meados dos anos 1980 foram descobertas por Stanley B. Prusiner algumas moléculas proteicas e sua possível função infecciosa; em 1997, o cientista ganhou o Prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina por sua descoberta: os príons (proteinaceous infection particle) que podem desencadear doenças neurodegenerativas invariavelmente fatais. As doenças priônicas podem atingir tanto humanos quanto animais, elas atacam o sistema nervoso, prejudicando suas funções normais e matando as células nervosas. São proteínas cuja função ainda não é totalmente conhecida e elucidada, mas acredita-se que estejam ligadas à plasticidade do cérebro, na formação de sinapses, diferenciação neuronal e proteção dos neurônios. O conhecimento do príon chegou ao público quando, na década de 1980, na Inglaterra foram observados alguns bovinos com sinais associados a disfunções do sistema nervoso central (SNC), que os levavam à morte. A encefalopatia espongiforme bovina (ou doença da vaca louca) era causada por um príon mutante, com uma estrutura diferente dos príons normais, que teria sido transmitido por ingestão de carne de ração enriquecida com carne de carneiro que estava contaminada. A proteína príon celular normal (PrPc), rica em estrutura α-helicoidal, sofre uma mudança conformacional, produzindo a proteína patológica defeituosa (PrPSc), na qual prevalecem folhas-β e transformam os príons saudáveis em patológicos se agrupando no cérebro, formando placas amiloides que dificultam a passagem nervosa. Os príons podem até mesmo produzir réplicas de si mesmos por mecanismos ainda desconhecidos. Em seres humanos, esse príon pode ficar em longos períodos de incubação (décadas), sendo causador de uma doença extremamente grave, conhecida como CJD, a doença de Creutzfeldt-Jacob, com sintomas semelhantes à doença de Alzheimer, encefalopatia na qual o cérebro fica em forma de esponja (encefalopatia espongiforme). 32 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre os príons, leia o artigo: COSTA, A. L. P.; JUNIOR, A. C. S. S. Príons: uma revisão de suas propriedades bioquímicas e das características patológicas das encefalopatias espongiformes transmissíveis. Revista Arquivos Científicos (IMMES), v. 1, n. 1, p. 4-13, 2018. 2.1.3 Estrutura terciária Essa estrutura é visualizada quando a estrutura secundária se dobra sobre si mesma. Nesse dobramento os aminoácidos ficam muito perto uns dos outros, podendo ocorrer outras ligações que manterão essa proteína, como: ligação dipolo-dipolo, ponte dissulfeto, ponte de hidrogênio, força de Van der Waals e ligação hidrofóbica (figura a seguir). Algumas proteínas permanecem nessa estrutura e outras passam para a estrutura quaternária. B C D A CH2 CH3 H H H H H H N CH3 H3C H3CCH2 C C C C C C C C CO O O C H H H H HS S H H H H NH3 ácido glutâmico ácido glutâmico cadeia polipeptídica cisteína cisteína valina valina asparagina lisina O O Ponte de hidrogênioPonte dissulfeto Ligação iônica Força de London Figura 23 – Esquema das possíveis ligações que mantêm a estrutura terciária de uma proteína 2.1.4 Estrutura quaternária Ocorre quando a estrutura terciária se liga a outra(s) estrutura(s) terciária(s). Cada estrutura é chamada de subunidade e pode-se ver proteínas com várias subunidades iguais ou diferentes (por exemplo, a hemoglobina encontrada nas hemácias, que é um tetrâmero, ou seja, tem quatro subunidades, que em seres humanosadultos são duas com o nome de α e duas de β (figura a seguir). Além da proteína (globina), pode-se visualizar o grupamento heme em seu interior, parte não proteica onde se liga o oxigênio, e, dessa forma, cada subunidade da globina terá um grupamento heme em seu interior. 33 BIOQUÍMICA METABÓLICA Figura 24 – Esquema das quatro proteínas globina ligadas formando a hemoglobina Molécula de oxigênio CH CH2 H3C H3C Heme CH3 CH3 N N N N CH CH2 Fe O O CH2 CH2 COOH CH2 CH2 COOH Figura 25 – Esquema da parte não proteica presente na hemoglobina: o grupamento heme Tendo como exemplo a proteína conjugada hemoglobina, e sabendo-se que é composta de heme + globina, pode-se analisar sua composição desde sua síntese mediante o conteúdo no DNA que levou a estrutura primária, seu dobramento em estrutura secundária e terciária e ligação com outras subunidades gerando a estrutura quaternária que, ligadas ao heme, resultou na hemoglobina (figura a seguir). 34 Unidade I Estrutura primária Estrutura secundária Estrutura terciária Grupo heme Estrutura quaternária (quatro cadeias polipeptídicas combinam-se para formar hemoglobina) Figura 26 – Análise do passo a passo da estrutura da hemoglobina Nos seres humanos, o oxigênio (O2) é transportado para as células pela hemoglobina encontrada nas células vermelhas do sangue. A hemoglobina consiste em quatro cadeias de proteínas unidas entre si: duas cadeias de globina α idênticas e duas cadeias de globina β idênticas, cada uma contendo um grupo heme. Este contém um íon Fe2+, responsável pela ligação e transporte da molécula O2. A hemoglobina é uma proteína que apresenta os quatro níveis estruturais: • Estrutura primária: sequência de aminoácidos. • Estrutura secundária: arranjo da cadeia de aminoácidos em forma de hélice α. 35 BIOQUÍMICA METABÓLICA • Estrutura terciária: hélices dobradas formando uma estrutura tridimensional. • Estrutura quaternária: duas ou mais cadeias, cada uma com sua própria estrutura primária, secundária e terciária, combinam para formar uma unidade mais complexa. Quando ocorre a exposição da proteína a temperaturas elevadas, extremos de pH, radiação ultravioleta, exposição a alguns detergentes, tratamento químico (solventes orgânicos como álcool e acetona) e ureia, por exemplo, as estruturas se desfazem, ou seja, a proteína perde a forma tridimensional ou estrutura, não funcionando mais da forma que deveria funcionar. Essa situação é chamada de desnaturação. A estrutura primária é mantida, mas em condições extremas, como fervura em HCl 5M por 24 horas, e a estrutura primaria é quebrada, ou seja, tem sua estrutura espacial afetada e perde sua função biológica pela quebra de ligações não covalentes. Observação Verduras, carnes, leite e ovos contêm diversas proteínas, e quando cozidos ou fritos em alta temperatura ocorre a desnaturação delas, processo que modificam-nas estruturalmente. De certa forma isso pode ser benéfico, pois somente assim esses nutrientes são digeridos e absorvidos na forma de aminoácidos. No processo de digestão de proteínas o HCl do estômago, as enzimas digestivas especializadas cortam ou clivam essas grandes cadeias de aminoácidos unidos, processo demorado. Caso a proteína já venha previamente cortada (clivada), a absorção (passagem para o sangue) fica mais fácil. Por exemplo, basta imaginar qual bife é de mais fácil digestão, um malpassado ou um bem passado. Sabendo-se que o leite é composto por água, gordura, proteínas, açúcar e sais minerais, quando é fervido a proteína de maior quantidade no leite, a lactoalbumina, se desnatura e endurece boiando na superfície. Fato semelhante ocorre com a clara do ovo, que contém ovoalbumina, e após o cozimento sofre aglutinação e a precipitação da albumina, por isso que ela se torna branca. Caso se coloque um pouco de leite em um copo e vinagre, por ser ácido acético, ele promoveria a desnaturação das proteínas do leite, que boiam, fenômeno semelhante ao do aquecimento 2.2 Classificação As proteínas podem ser classificadas quanto ao número de aminoácidos em oligopeptídeos (oligo, poucos) e polipeptídeos (mais de cem, poli, muitos) mediante sua quantidade de aminoácidos. Além disso, as proteínas também podem ser classificadas quanto à composição química, podendo ser simples ou compostas (conjugadas). As simples são aquelas que apresentam somente aminoácidos em sua composição; as compostas apresentam aminoácidos e outras substâncias que podem ser carboidratos (glicoproteínas), lipídeos (lipoproteínas) ou hemoglobina (globina+heme). 36 Unidade I Quanto a sua forma, as proteínas podem ser separadas em fibrosas e globulares. As fibrosas são insolúveis em água, devido à alta concentração de aminoácidos hidrofóbicos, e apresentam somente um tipo de estrutura secundária, α-hélice ou folha β-pregueada. Ficam na forma de longos filamentos resistentes, resultando principalmente na função estrutural. Pode-se citar o colágeno, queratina ou seda. Já as globulosas são estruturas de proteínas solúveis em água, que estão ou em estrutura terciária ou quaternária, com forma esférica. Entre as várias proteínas nessa forma, pode-se citar enzimas e hemoglobina. Muitas vezes as proteínas intercalam as estruturas secundárias, ficando em α-hélice e folha β em uma única fita de aminoácidos. 2.2.1 Separação Para se estudar as proteínas deve-se identificar e caracterizá-las separando ou purificando-as. Uma determinada proteína estudada deve estar misturada com outras dentro das células, e fica muito difícil de compreender sua função particular se está junto com outras. Lembrete As condições em que as proteínas estão no momento da separação devem ser próximas às encontradas dentro das células, como pH e temperatura, devendo para isso serem usadas soluções tampão para manter sua forma, caso contrário podem perder sua função biológica. As proteínas podem ser separadas baseadas em algumas propriedades físico-químicas, usando vários critérios como: tamanho ou peso molecular, solubilidade e carga. 2.2.1.1 Tamanho molecular Quanto ao peso molecular, pode-se citar a metodologia de separação chamada diálise e filtração molecular. Na diálise, a mistura de proteínas (grandes e pequenas) é colocada dentro de um saco de material semipermeável (como o celofane), que será imerso em tampão e após certo tempo de agitação, moléculas pequenas passam por pequenos poros do celofane, enquanto as grandes ficam retidas no seu interior, separando as proteínas pequenas das grandes. Pacientes com problemas renais não conseguem retirar substâncias pequenas tóxicas como a ureia e a creatinina do sangue. Caso a concentração dessas substâncias aumente no sangue, ela pode ser extremamente prejudicial à saúde, podendo levar à morte. Dessa forma, o paciente se submete a uma limpeza (clearence) do sangue, em que o sangue do paciente é retirado por uma bomba e injetado na mesma hora, processo chamado de hemodiálise. Quando o sangue é retirado, passa perto de um tampão chamado de dialisante em sentido contrário (contracorrente). Entre o sangue e o dialisante há uma membrana filtrante, onde ocorre um processo semelhante ao explicado acima (diálise), ou seja, moléculas pequenas passam e saem pelos poros. Para que as substâncias tóxicas sejam eliminadas do corpo humano, é necessário um mínimo de 12 horas por semana, divididas em quatro horas de sessão, três vezes por semana. 37 BIOQUÍMICA METABÓLICA Outro tipo de separação que leva em consideração o tamanho ou peso molecular da proteína é a cromatografia de filtração molecular. Nesse processo são verificadas duas fases: uma estacionária ou fixa (resina) e outra móvel (por exemplo, um líquido ou um gás). Entre as cromatografias pode-se citar a de exclusão molecular (ou filtração em gel). Na cromatografia de exclusão molecular, uma mistura de proteínas grandes e pequenas é colocada no topo da coluna contendo polímeros, que ao preencherem a coluna criam pequenos caminhosem seu interior. As proteínas pequenas entram nesses caminhos e percorrem um percurso maior e as proteínas grandes passam pelas laterais, chegando primeiro ao fim da coluna. A cromatografia líquida de alta eficiência (Clea), ou também conhecida como High Performance Liquid Cromatography (HPLC), é uma técnica físico-química usada não só com finalidade de pesquisa, mas também comercial e para diagnóstico em laboratórios clínicos. Pode ser utilizada em aplicações ou análises forenses, ambientais, de substâncias químicas, farmacêuticas, alimentícias, entre outras áreas, usando como amostra alimentos, água, solo, sangue, urina, matérias-primas, que injetados por intermédio de uma microsseringa ou válvula de injeção no topo da coluna cromatográfica são carregados por solventes, separando-os pela velocidade que saem da coluna. Na saída, há um detector de ultravioleta ou de fluorescência, responsável por desenhar um gráfico (cromatograma). Analisando-se esse gráfico pode-se verificar se as substâncias em questão estão separadas, bem como quantificadas. Em escala de tempo relativamente pequena, com alta resolução, eficiência e sensibilidade, é possível analisar princípios ativos para uma formulação de medicamentos, analisar drogas em sangue ou urina ou pesquisar a quantidade de vitamina D, hemoglobina glicada (hemoglobina ligada à glicose, importante no diagnóstico de diabetes mellitus), hormônios esteroides no sangue entre outras. 2.2.1.2 Solubilidade Por definição, a solubilidade é a quantidade máxima que uma substância pode se dissolver em um líquido, e expressa-se em mols por litro, gramas por litro ou em percentagem de soluto/solvente. Quando se estuda as proteínas, sabe-se que elas são formadas por aminoácidos que podem ser polares ou apolares em água, sendo, portanto, mais ou menos solúveis em água. As substâncias polares tendem a se dissolver em líquidos polares e substâncias apolares, em líquidos apolares. O efeito salting in é o aumento da solubilidade de proteínas devido ao acréscimo de baixas concentrações de sais em solução, que reagem com as cargas iônicas das proteínas, aumentando o número efetivo de moléculas de água fixadas à proteína. O efeito salting out é a precipitação de proteína em solução por altas concentrações de sais que atraem as moléculas de água, de forma que ocorre a diminuição da solubilidade e precipitação da proteína, pois a quantidade de água disponível diminui para as moléculas proteicas. Essa última é muito usada para a purificação das proteínas e quando se muda a solubilidade, com determinada quantidade colocada de sal NH4(SO4)2 na solução com diversas proteínas. Algumas se decantam, podendo ser retiradas após centrifugação, enquanto outras ficam solúveis, e dessa maneira mais sal deverá ser colocado para que elas se decantem, separando-as. 38 Unidade I 2.2.1.3 Carga A eletroforese é uma técnica de separação que se baseia no princípio de migração de moléculas com cargas (íons) que estão em um gel (de poliacrilamida ou agarose) em um campo elétrico, podendo ser empregada na separação de DNA, RNA e proteínas. As proteínas deverão ser mantidas em um tampão com um determinado pH, de modo que ficarão carregadas e mediante um campo elétrico, se movimentarão em direção ao polo oposto de sua carga. Na cromatografia de troca iônica a resina terá carga positiva ou negativa, e dessa forma proteínas carregadas positivamente serão grudadas ou haverá adsorção das proteínas de modo reversível em resinas negativas, e as negativas se ligarão na resina positiva, sendo necessário liberá-las com tampão com sal, por exemplo, NaCl. Quando um pesquisador estuda uma determinada proteína, ele deverá usar vários métodos de separação, elaborando uma estratégia para obtenção da proteína purificada com o extrato bruto sendo dialisado, depois passado por cromatografia, adição de sulfato de amônio e eletroforese. O pesquisador Pedro Cuatrecasas montou uma coluna de purificação para a insulina, porque era muito complexo isolar esse hormônio sem proteínas contaminantes que tinham características semelhantes a ela. Baseando-se na interação tão particular que é a afinidade do hormônio para com seu receptor, a ideia que o pesquisador teve foi a de pescar a insulina, isolando e ligando-o à coluna de resina fixa (fase estacionária) que receberá a mistura de proteínas extraída do pâncreas de porco ou boi no topo da coluna. A insulina se liga ao receptor e o restante das proteínas sai eluída por um tampão (fase móvel), para que depois somente a insulina seja coletada sem impurezas e comercializada. Saiba mais Para saber mais sobre o estudo de Pedro Cuatrecasas, leia o artigo: CUATRECASAS, P. Protein purification by affinity chromatography: derivatizations of agarose and polyacrylamide beads. The Journal of Biological Chemistry, jun., 1970, n. 245, p. 3059-3065. 3 ENZIMAS Enzimas são substâncias orgânicas (ou seja, possuem carbono) proteicas que fazem a catálise das reações, deixando-as mais rápidas, sem perder ou ganhar nada (elétrons, hidrogênios etc.), sendo essenciais para a vida, cada uma com sua função específica. 39 BIOQUÍMICA METABÓLICA Observação Em 1981 foram descobertas as ribozimas: molécula de RNA com capacidade autocatalítica semelhante às enzimas, também chamada de RNA catalítico. São pequenas moléculas de RNA que têm função catalítica e já foram descritas em vírus, em procariotos e em eucariotos. Estão relacionadas com o processamento ou maturação do RNA e a síntese de proteínas. Os pesquisadores Altman e Cech ganharam o Prêmio Nobel de Química em 1989 pela descoberta dos RNAs catalíticos. Espera-se que tenham um grande papel na terapêutica, visando a inativação de oncogenes celulares e de retrovírus, como o vírus da Aids. A função de catalisar reações levou a especulações sobre a origem da vida, em que cientistas defendem que a vida teria começado no RNA, ou seja, a primeira forma de vida na Terra, e que depois teria sido englobado por uma membrana celular, formando DNA e proteínas e, portanto, dando início à primeira célula procariota. Por definição, enzimas são catalisadores biológicos de alta especificidade. O termo catalisador diz respeito ao aumento da velocidade da reação; o biológico ao que provém de um ser vivo; e alta especificidade é responsável por catalisar uma reação específica. Para que ocorra o aumento da velocidade da enzima deve ocorrer uma diminuição da energia de ativação (energia necessária para que os reagentes cheguem ao estado de transição e ocorra a reação química), tornando o caminho menor e mais rápido (figura a seguir). Energia Estado de transição Reagentes Ea sem catalisador Ea com catalisador Produtos Caminho da reação Figura 27 – Gráfico da energia versus o caminho da reação. Com enzima a energia para chegar no estado ativado é menor, o que leva a uma maior velocidade para gerar produtos 40 Unidade I Podemos dizer que as enzimas alteraram a velocidade e a energia de ativação e não alteram a natureza das reações (se a reação é endotérmica não a torna exotérmica), não muda as concentrações finais das reações (se é 1A → 1B não vai mudar para 1A →100B) e nem a constante de equilíbrio (que depende das concentrações dos produtos e reagentes), entalpia (ΔH) e entropia (ΔG). O substrato (ou reagente, a substância que vai ser modificada pela enzima) se liga à enzima em um local especial chamado de sítio ativo ou catalítico. A enzima é uma molécula polipeptídica que apresenta estrutura terciária ou quaternária, enovelada, ou seja, tem forma ou estrutura tridimensional globosa, como uma esfera com uma depressão, onde se encaixa o substrato. Os aminoácidos do sítio ativo direcionam o substrato, isto é, a enzima tem um aminoácido polar positivo, então o local do substrato que é negativo se direciona para este local, e assim por diante. Enzima Substrato Sítio ativo Figura 28 – Esquema de encaixe de um substrato no sítio ativo da enzima Quando nos referimos
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