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Rastreamento CA Colo Uterino Neoplasia do Trato Genital Inferior Neoplasia Intraepitelial: a lesões no epitélio escamoso do TGI, consideradas precursoras do câncer invasivo. As lesões são diagnosticadas por biópsia e avaliação histológica. As neoplasias intraepiteliais de colo uterino, vagina, vulva, região perianal e ânus (NIC, NIVa, NIV, NIPA e NIA, respectivamente) apresentam uma neoplasia que vai desde alterações citoplasmáticas e nucleares levemente displásicas até displasia grave. Não há invasão da membrana basal, o que caracterizaria um câncer invasivo. A gravidade da lesão intraepitelial é classificada de acordo com a proporção de epitélio acometido a partir da membrana basal até a superfície. No caso de neoplasia intraepitelial de colo (NIC), quando as células anormais estão limitadas ao terço inferior do epitélio escamoso denomina-se displasia leve ou NIC 1; quando se estendem ao terço médio, displasia moderada ou NIC 2; quando atingem o terço superior, displasia grave ou NIC 3; e quando há envolvimento de toda a espessura, denomina-se carcinoma in situ (CIS). Por outro lado, considerando que apresenta apenas uma camada celular, o epitélio colunar do colo uterino não demonstra espectro de doença neoplásica análogo. As anormalidades histológicas limitam-se, portanto, ao adenocarcinoma in situ (AIS), ou adenocarcinoma. Em virtude de muitos conflitos, devidos a diagnósticos citopatológicos discordantes dos achados histológicos e do conhecimento apontando aparente dicotomização biológica entre infecção pelo HPV e neoplasia genuína, desencadeou-se, em 1988, a primeira de uma série de conferências de consenso em Bethesda, Maryland (EUA), para desenvolver uma nova nomenclatura descritiva dos achados da citologia ginecológica, surgindo então a Nomenclatura de Bethesda. Essa nova nomenclatura sugere que a doença intraepitelial cervical não é um processo contínuo, mas sim um sistema de duas doenças descontínuas, criando o conceito de lesões intraepiteliais de baixo grau (LSIL) e lesões intraepiteliais de alto grau (HSIL). A lesão de baixo grau é de menos provável progressão para carcinoma invasivo, diferentemente das lesões intraepiteliais de alto grau. Estas são predominantemente causadas por tipos de HPV oncogênicos, tendo comportamento de lesão precursora do carcinoma invasivo. A Nomenclatura de Bethesda foi submetida a revisões em 199119, 2001 e 2014. Com a atualização do Sistema de Bethesda, em 2001, e considerando a necessidade de incorporar novas tecnologias e conhecimentos clínicos e morfológicos, o INCA e a Sociedade Brasileira de Citopatologia promoveram o Seminário para Discussão da Nomenclatura Brasileira de Laudos de Exames Citopatológicos – CITO 2001 e, durante o XVII Congresso Brasileiro de Citopatologia, ocorrido em 2002, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, a nova proposta foi oficializada. Essa nomenclatura guarda semelhanças com a Nomenclatura de Bethesda e continua em vigência até o presente momento, devendo ser a única nomenclatura utilizada para os laudos citopatológicos no SUS e nos laboratórios conveniados na sua rede de serviços. Independentemente da terminologia usada, o exame citológico do colo uterino é uma ferramenta de rastreamento que indica a necessidade de avaliação adicional e não deve ser confundida com diagnóstico histológico. Os resultados da citologia apenas direcionam a próxima etapa na avaliação da paciente. O exame histológico, em geral de amostra obtida por biópsia direta guiada por colposcopia, é a ferramenta indicada para diagnosticar a presença e determinar a gravidade das neoplasias do TGI. Esses resultados histológicos determinam as etapas do tratamento. Recomendações do rastreio CA Colo do Útero O método de rastreamento do câncer do colo do útero e de suas lesões precursoras é o exame citopatológico. Os dois primeiros exames devem ser realizados com intervalo anual e, se ambos os resultados forem negativos, os próximos devem ser realizados a cada 3 anos (A). O início da coleta deve ser aos 25 anos de idade para as mulheres que já tiveram ou têm atividade sexual (A). O rastreamento antes dos 25 anos deve ser evitado (D). Os exames periódicos devem seguir até os 64 anos de idade e, naquelas mulheres sem história prévia de doença neoplásica pré-invasiva, interrompidos quando essas mulheres tiverem pelo menos dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos (B). Para mulheres com mais 64 anos de idade e que nunca se submeteram ao exame citopatológico, devese realizar dois exames com intervalo de um a três anos. Se ambos os exames forem negativos, essas mulheres podem ser dispensadas de exames adicionais (B). Papiloma Vírus Humano O papilomavírus humano é um vírus de DNA dupla- hélice simples com um capsídeo proteico, membro da família Papillomaviridae. O HPV infecta principalmente as células epiteliais escamosas ou metaplásicas humanas. Os tipos e subtipos de HPV são classificados em função do grau de homologia genética. Foram identificados aproximadamente 130 tipos de HPV geneticamente distintos. Desses tipos, 30 a 40 infectam principalmente o trato anogenital inferior. Tipos de HPV Os tipos de HPV que infectam o trato genital são divididos em dois grupos, de acordo com seu potencial oncogênico e as lesões às quais costumam estar associados: • Baixo risco oncogênico: tipos 6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, 72 e 81. • Alto risco oncogênico: tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82. • Os tipos 26, 53 e 66 provavelmente são de alto risco oncogênico, enquanto os tipos 34, 57 e 83, de risco indeterminado. Clinicamente, os tipos de HPV são classificados como de alto risco e de baixo risco com base em sua oncogenicidade e força de associação ao câncer de colo uterino. Os tipos de HPV de baixo risco 6 e 11 causam quase todas as verrugas genitais e uma pequena parcela das infecções subclínicas por HPV. As infecções por HPV de baixo risco, raramente, são oncogênicas. Em contrapartida, a infecção persistente por HPV de alto risco é exigência para o desenvolvimento de câncer do colo uterino. Os HPV de alto risco, incluindo os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 45 e 58, assim como outros menos comuns, respondem por aproximadamente 95% dos casos de câncer de colo uterino no mundo. O HPV 16 é o mais carcinogênico, provavelmente em razão de sua maior tendência à persistência em comparação com outros tipos (Schiffman, 2005). Ele é responsável pela maior porcentagem de lesões NIC 3 (45%) e de cânceres do colo uterino (55%) em todo o mundo, e por cânceres relacionados com HPV e localizados fora do trato anogenital e na orofaringe. A prevalência do HPV 18 é bem menor que a do HPV 16 na população geral. Contudo, ele é encontrado em 13% dos carcinomas de células escamosas e em proporção ainda maior dos adenocarcinomas e carcinomas adenoescamosos do colo uterino (37%). Juntos, os HPVs 16 e 18 respondem por aproximadamente 70% dos cânceres de colo uterino. Os tipos de HPV mais encontrados nos cânceres de colo uterino (tipos 16, 18, 45 e 31) são também os mais prevalentes na população geral. O HPV 16 é o tipo mais comumente descrito nas lesões de baixo grau e nas mulheres sem neoplasia. A infecção por HPV de alto risco não resulta em neoplasia na maioria das mulheres infectadas. Isso indica que fatores ligados à hospedeira e ao ambiente determinam se o HPV de alto risco causará ou não neoplasia. Transmissão do HPV A transmissão do HPV genital ocorre por contato direto, normalmente contato sexual com pele ou mucosas genitais ou com líquidos corporais de um parceiro com verrugas ou infecção subclínica por HPV. Pouco se sabe sobre a infectividade do HPV subclínico, mas presume-se que seja alta, especialmente na presença de carga viral elevada. Em geral, aceita-se que o HPV tenha acesso a camada de células basais e à membranabasal por meio de microabrasões do epitélio genital durante o contato sexual. Uma vez infectadas, as células basais tornam-se um reservatório do vírus. A infecção genital por HPV é multifocal, acometendo mais de um local do trato reprodutivo inferior na maioria dos casos. Portanto, a neoplasia em um sítio genital aumenta o risco de neoplasia em outros locais do TGI, embora o colo uterino pareça ser o local mais vulnerável. Além disso, é comum haver infecção sequencial e simultânea por diversos tipos de HPV. Formas de transmissão do HPV Em sua maioria, as infecções por HPV resultam de contato sexual. A infecção do colo uterino por HPV de alto risco em geral é limitada às mulheres que tenham tido contato sexual com penetração. Algumas mulheres sexualmente inativas ocasionalmente apresentam resultados positivos para tipos não oncogênicos em vulva ou vagina, talvez em razão de uso de tampão vaginal ou penetração com os dedos. O papel da transmissão não sexual de HPV não foi determinado e requer pesquisas adicionais. Infecção congênita: a transmissão vertical (mãe para feto ou recém nato) além da colonização transitória da pele é rara e está relacionada com presença de verrugas genitais maternas ou com a via do parto, com a formação de lesões cutaneomucosas em recém-nascidos ou papilomatose recorrente de laringe. A transmissão por fômites é rara. A presença de verrugas genitais em crianças após a primeira infância é sempre motivo para se considerar a possibilidade de abuso sexual. Epidemiologia O risco geral estimado para a exposição a essa infecção é de 15% a 25% a cada nova parceria sexual e a quase totalidade das pessoas sexualmente ativas adquirirá a infecção em algum momento de suas vidas. As infecções são tipicamente assintomáticas. Aproximadamente 1% a 2% da população apresentam verrugas anogenitais e 2% a 5% das mulheres mostram alterações no exame preventivo de colo do útero provocadas por infecção pelo HPV. A prevalência é maior em mulheres abaixo dos 30 anos. A maioria das infecções por HPV em mulheres (sobretudo quando adolescentes) tem resolução espontânea, em um período aproximado de até 24 meses. Evoluções da infecção por HPV A infecção pode ser latente ou evidente. A expressão pode ser tanto produtiva, levando à formação de novos vírus, ou neoplásica, causando doença pré- invasiva ou maligna. A maioria das infecções proliferativas e neoplásicas é subclínica, sem as manifestações clínicas características como verrugas genitais ou doença maligna evidente. Finalmente, a infecção por HPV pode ser transitória ou persistente, com ou sem desenvolvimento de neoplasia (displasia ou câncer). A neoplasia é o resultado menos comum da infecção genital por HPV. LATENTE: quando as células estão infectadas, mas o HPV permanece quiescente. Não há efeito detectável nos tecidos, já que não há reprodução viral. PROLIFERATIVA: ocorre o ciclo de vida completo do vírus e aumento da população de partículas virais infecciosas. Não afeta a morte celular programada das células escamosas e sua descamação do epitélio superficial, baixo potencial de malignidade. Tanto no trato genital feminino como no masculino, as infecções proliferativas por HPV causam verrugas genitais visíveis, denominadas condilomas acuminados ou, muito mais comumente, infecções subclínicas. As infecções subclínicas podem ser identificadas indiretamente por citologia na forma de lesões intraepiteliais escamosas de baixo grau, por anormalidades colposcópicas e, histologicamente, por identificação de condiloma plano ou NIC 1. Esses diagnósticos são indiretos e nem sempre refletem de forma acurada a presença ou a ausência de HPV. NEOPLASIA: Nas lesões NIC 3 ou cancerosas, o genoma circular do HPV sofre uma quebra e integra-se linearmente em locais aleatórios no cromossomo do hospedeiro. Segue-se transcrição ilimitada dos oncogenes E6 e E7. Os produtos, as oncoproteínas E6 e E7, interferem com a função e aceleram a degradação de p53 e pRB, proteínas importantes de supressão tumoral no hospedeiro. Com isso, a célula infectada torna-se vulnerável à transformação maligna em razão de perda de controle sobre o ciclo celular, proliferação celular e acúmulo de mutações no DNA ao longo do tempo. Em lesões pré-invasivas, a diferenciação epitelial normal é abreviada. O grau de maturação epitelial anormal resultante é empregado para classificar a histologia das lesões, como displasia ou NIC leve, moderada ou grave. Fatores de risco para infecção por HPV Os fatores de risco mais importantes para infecção genital por HPV são número de parceiros sexuais durante toda a vida e recentes e primeira relação sexual em idade precoce. Sinais e sintomas Apresentação subclínica: As alterações são detectadas pelo exame preventivo de câncer de colo do útero, por meio de lupas, corantes e colposcopia, acompanhado ou não de biópsia. Os tipos virais de baixo risco oncogênico são geralmente associados a padrão de lesões escamosas de baixo grau (low grade intraepithelial lesions – LSIL), que equivalem ao quadro histopatológico de displasia leve ou neoplasia intraepitelial cervical grau 1 – NIC 1. Os tipos de alto potencial oncogênico são em geral associados a lesões intraepiteliais escamosas de alto grau (high grade intraepithelial lesions – HSIL), que correspondem à histopatologia dos quadros de displasia moderada e grave ou carcinoma in situ – também denominadas neoplasias intraepiteliais cervicais grau 2 – NIC 2, ou grau 3 – NIC 3. Esta última é considerada carcinoma in situ. Como mencionado, outros epitélios podem sofrer a ação oncogênica do vírus, originando neoplasias intraepiteliais vaginais – NIVA, vulvares – NIV, perineais – NIPE, penianas – NIP e anais – NIA. Não apresenta sintomas na maioria das pessoas. Em alguns casos, o HPV pode ficar latente de meses a anos, sem manifestar sinais (visíveis a olho nu), ou apresentar manifestações subclínicas (não visíveis a olho nu). As primeiras manifestações da infecção pelo HPV surgem, aproximadamente, entre dois e oito meses, mas pode demorar até 20 anos para aparecer algum sinal da infecção. As manifestações costumam ser mais comuns em gestantes e em pessoas com imunidade baixa. As lesões da infecção pelo HPV são polimórficas; quando pontiagudas, denominamse condiloma acuminado. Variam de um a vários milímetros, podendo atingir alguns centímetros. Costumam ser únicas ou múltiplas, achatadas ou papulosas, mas sempre papilomatosas. Por essa razão, a superfície apresenta-se fosca, aveludada ou semelhante à da couve-flor. Apresentam-se da cor da pele, eritematosas ou hiperpigmentadas. Em geral são assintomáticas, mas podem ser pruriginosas, dolorosas, friáveis ou sangrantes. As verrugas anogenitais resultam quase exclusivamente de tipos não oncogênicos de HPV. Na mulher, costumam ser observadas na vulva, vagina e/ou cérvice. Em ambos, podem ser encontradas nas regiões inguinais ou perianais. As manifestações perianais são mais frequentes, ainda que não exclusivas, em pessoas que tenham atividade sexual anal receptiva. Menos frequentemente, as lesões podem estar presentes em áreas extragenitais, como conjuntivas e mucosas nasal, oral e laríngea. As PVHIV apresentam maior frequência de neoplasias anogenitais e lesões intraepiteliais decorrentes da infecção pelo HPV. Mais raramente, crianças que foram infectadas no momento do parto podem desenvolver lesões verrucosas nas cordas vocais e laringe (Papilomatose Respiratória Recorrente). Prevenção Vacinação contra os tipos mais frequentes: 6, 11, 16 e 18. A imunização para HPV é realizada por meio de vacina quadrivalente (tipos 6, 11, 16 e 18), estando indicada para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos. O esquema é composto de duas doses, com intervalo de seis meses. Para PVHIV, pessoas transplantadas de órgãos sólidos ou medula óssea e pacientes oncológicos, a faixaetária indicada para imunização é de nove a 26 anos, sendo o esquema de vacinação composto por três doses (0, 2 e 6 meses)9 . Em mulheres e homens com imunossupressão, a faixa etária da vacina de HPV foi ampliada até 45 anos, conforme os Ofícios nº 203/2021 e nº 810/2022/CGPNI/DEIDT/SVS/MS. Exame preventivo do câncer de colo de útero: o câncer do colo do útero é causado principalmente pela infecção persistente por alguns tipos de HPV. O exame preventivo é o mais comum para identificar lesões precursoras de câncer do colo do útero. Não é capaz de diagnosticar a presença do HPV; no entanto, é considerado o melhor método para detectar o câncer do colo do útero e suas lesões precursoras. Preservativo: o uso de preservativo (camisinha) nas relações sexuais é outra importante forma de prevenção do HPV. Contudo, o seu uso, apesar de prevenir a maioria das IST, não impede totalmente a infecção pelo HPV, pois muitas vezes as lesões estão presentes em áreas não protegidas pela camisinha (vulva, região pubiana, períneo ou bolsa escrotal). A camisinha feminina, que cobre também a vulva, é mais eficaz para evitar a infecção, se utilizada desde o início da relação sexual. Parceria sexual: é fundamental que as parcerias sexuais sejam aconselhadas e examinadas. Pode acontecer de a infecção inicial ter ocorrido na parceria sexual que não apresente qualquer sinal ou sintoma. Diagnóstico de infecção por HPV É realizado por meio de exames clínicos e laboratoriais, dependendo do tipo das lesões. • Lesões clínicas – podem ser diagnosticadas por meio do exame clínico urológico (pênis), ginecológico (vulva/vagina/colo uterino), anal (ânus e região perianal) e dermatológico (pele). • Lesões subclínicas – podem ser diagnosticadas por exames laboratoriais, como o exame preventivo Papanicolau (citopatologia), colposcopia, peniscopia e anuscopia, e também por meio de biopsias e histopatologia, a fim de distinguir as lesões benignas das malignas. A suspeita de infecção por HPV decorre do aparecimento de lesões clínicas e achados citológicos, histológicos e de colposcopia, todos subjetivos e normalmente imprecisos. Além disso, a sorologia não é confiável, sendo incapaz de distinguir entre infecção prévia e recente. Portanto, o diagnóstico definitivo só pode ser estabelecido por detecção direta do DNA do HPV. Isso pode ser feito histologicamente via hibridização in situ, amplificação do ácido nucleico por reação em cadeia da polimerase (PCR, de polymerase chain reaction) ou por outras técnicas. Caso sejam encontradas verrugas típicas em uma jovem, ou caso seja identificada neoplasia de colo uterino de alto grau ou câncer invasivo por citologia ou histologia, presume-se que haja infecção por HPV e a confirmação por teste para HPV não é necessária. O teste de rotina para HPV não é indicado além dos seguintes cenários: rastreamento para câncer de colo uterino em mulheres com 30 anos ou mais, rastreamento ou acompanhamento de determinados achados citológicos anormais e vigilância pós- tratamento. O teste para HPV não está indicado para rastreamento primário em mulheres com menos de 30 anos ou com qualquer indicação para pacientes com menos de 21 anos, em razão da alta taxa de prevalência e alta taxa de depuração viral espontânea nesses grupos. Tratamento de infecção por HPV O objetivo do tratamento das verrugas anogenitais (região genital e ânus) é a destruição das lesões. Independentemente da realização do tratamento, as lesões podem desaparecer, permanecer inalteradas ou aumentar em número e/ou volume. As indicações para tratamento de doença do TGI relacionada a HPV são verrugas sintomáticas que causem desconforto físico ou psicológico, neoplasia de alto grau ou câncer invasivo. A infecção por HPV diagnosticada a partir de impressão clínica ou testes citológicos, histológicos ou de DNA de HPV, não implica tratamento. Há diversas formas de tratamento para condiloma disponíveis a serem escolhidas de acordo com tamanho, localização e número de verrugas. Não há tratamento clínico efetivo para a infecção subclínica por HPV. O exame do parceiro masculino não traz benefícios. • Deve ser individualizado, considerando características (extensão, quantidade e localização) das lesões, disponibilidade de recursos e efeitos adversos. • Os tipos de tratamento são químicos, cirúrgicos e estimuladores da imunidade. • Podem ser domiciliares (autoaplicados: imiquimode, podofilotoxina) ou ambulatoriais (aplicados no serviço de saúde: ácido tricloroacético – ATA, podofilina, eletrocauterização, exérese cirúrgica e crioterapia), conforme indicação profissional para cada caso. • Podofilina e imiquimode não devem ser usadas na gestação. • O tratamento das verrugas anogenitais não elimina o vírus e, por isso, as lesões podem reaparecer. As pessoas infectadas e suas parcerias devem retornar ao serviço, caso se identifiquem novas lesões. • Além do tratamento de lesões visíveis, é necessário que os profissionais de saúde realizem exame clínico anogenital completo, pois pode haver lesões dentro de vagina e ânus não identificadas pela própria pessoa afetada. Tratamento domiciliar Como autotratamentos já incorporados ao SUS, têm- se o imiquimode e a podofilotoxina. O imiquimode apresenta menos efeitos locais que a podofilotoxina, mas implica maior tempo de tratamento (quatro meses vs. quatro semanas). Imiquimode 50mg/g creme: é um modulador da resposta imunológica pela indução do interferon alfa e de outras citocinas. O imiquimode não destrói o vírus, mas auxilia na eliminação da verruga. Portanto, novas verrugas podem aparecer durante o tratamento. A exposição da pele à luz solar (inclusive ao bronzeamento artificial) durante o tratamento deve ser evitada, em razão do aumento da sensibilidade cutânea a queimaduras. A inflamação provocada pelo imiquimode é o seu mecanismo de ação terapêutico; portanto, será observada uma irritação e eritema no local do tratamento. É destinado apenas a uso externo, não dever ser usado na uretra, vagina, colo do útero ou na parte interna do ânus. Aplicação: 1. Antes de se deitar, lavar as mãos e a área a ser tratada com água e sabonete neutro. Secar bem a área limpa. Abrir um sachê novo de imiquimode e espremê-lo, a fim de liberar o creme na ponta do dedo indicador; 2. Aplicar uma camada fina de imiquimode sobre a região afetada e massagear suavemente até o creme desaparecer; 3. Após a aplicação, jogar fora o sachê e lavar as mãos com água e sabão; 4. Deixar o creme agir por seis a dez horas sobre as verrugas genitais externas, evitando qualquer banho ou ducha; 5. Após esse período, lavar a região tratada com água e sabonete suave. Abrir sempre um novo sachê a cada aplicação do produto; 6. Após o uso, sempre jogar fora o sachê; 7. Nunca guardar a sobra do sachê para usá-la posteriormente. Doses maiores que as recomendadas podem levar a um aumento de reações adversas no local de aplicação. Posologia: Para as verrugas externas genitais/anais, as aplicações devem ser realizadas em dias alternados (três vezes por semana), por exemplo, às segundas, quartas e sextas, ou às terças, quintas e sábados. O tratamento com imiquimode deve ser mantido até o desaparecimento das verrugas ou por um período máximo de 16 semanas a cada episódio de verrugas. Reações adversas: As reações adversas mais comuns ocorrem na área de aplicação do produto e incluem vermelhidão, descamação, erosão da pele, escoriação e inchaço. Podofilotoxina: é a forma purificada da podofilina e possui propriedades antimitóticas. A absorção sistêmica após a aplicação tópica é muito baixa. Como aplicar: 1. Antes de aplicar o creme, lavar as áreas afetadas com água e sabão e secá-las completamente; 2. Utilizando a ponta dos dedos, aplicar quantidade de creme suficiente para cobrir cada verruga, permanecendo com as pernas afastadasuma da outra até que o creme seja totalmente absorvido; 3. Se o creme entrar em contato com a pele sadia, ele deve ser retirado com água e sabão. O contato prolongado com a pele sadia deve ser evitado; 4. As mãos devem ser completamente lavadas após cada aplicação. Posologia: A aplicação de podofilotoxina deve ser feita duas vezes ao dia, pela manhã e à noite, por três dias consecutivos (dias 1, 2 e 3), seguidos por um período de quatro dias sem aplicação (um ciclo de tratamento). Caso haja qualquer verruga remanescente após sete dias de aplicação, outro ciclo de tratamento pode ser feito. Recomendam-se, no máximo, quatro ciclos de tratamento. Reações adversas: Pode ocorrer irritação local no segundo ou terceiro dia de aplicação, associada ao início da necrose da verruga. Na maioria dos casos, as reações são leves. Sensibilização da pele, prurido, ardor, eritema, úlcera epitelial superficial e balanopostite foram relatados. A irritação local diminui gradativamente após o tratamento. TTO Ambulatorial a) Ácido tricloroacético (ATA) 80% a 90% em solução: agente cáustico que promove a destruição dos condilomas pela coagulação química de seu conteúdo proteico. Aplicar uma pequena quantidade com um aplicador de algodão adequado ao tamanho das lesões. Deve-se evitar o contato com a mucosa normal e permitir que a solução seque – observa-se um branqueamento semelhante à porcelana. A frequência e o número de sessões devem variar conforme a resposta, sendo adequado iniciar com aplicações semanais. É um tratamento que pode ser utilizado durante a gestação. Não deve ser prescrito para uso domiciliar, frente ao potencial dano aos tecidos e suas complicações. b) Podofilina 10% a 25% (solução): derivada de plantas (Podophylum peltatum ou Podophylum emodi), tem ação antimitótica, podendo trazer dano ao tecido lesado e ao tecido normal. Aplicar a podofilina sobre as verrugas e aguardar a secagem, evitando o contato com o tecido são. A frequência e o número de sessões variam conforme a resposta ao tratamento, sendo adequado iniciar com aplicações semanais. Em cada sessão, limitar o volume utilizado a 0,5mL e a área tratada a 10cm2 . Além de irritação local, a absorção de grande quantidade da substância pode acarretar cardio, neuro e nefrotoxicidade. É contraindicada na gestação. c) Eletrocauterização: exige equipamento específico e anestesia local. É apropriada para o caso de lesões exofíticas, pedunculadas e volumosas. Como vantagem, permite a destruição de todas as lesões em uma sessão. Os resultados dependem da experiência do operador; o uso inadequado da técnica pode resultar em cicatrizes desfigurantes e, excepcionalmente, estenose ou fístulas em estruturas tubulares, como uretra, canal anal e vaginal. d) Exérese cirúrgica: requer anestesia local. A exérese tangencial (“shaving”) com tesoura delicada ou lâmina é um excelente método, vez que, além da remoção completa das lesões, permite o estudo histopatológico dos fragmentos. É adequada para lesões volumosas, especialmente as pedunculadas. Em geral, não é necessário realizar sutura ou procedimento para hemostasia, sendo suficiente a compressão do local operado. e) Crioterapia: o nitrogênio líquido é atualmente a substância mais usada no tratamento ambulatorial das verrugas. Tem seu ponto de ebulição a -192°C e promove citólise térmica. Pode ser utilizada por meio de sondas, aplicadores de algodão ou, em sua forma mais prática, em spray, mediante equipamento específico. A crioterapia é atóxica, podendo ser utilizada na gestação. É muito apropriada em caso de lesões isoladas e queratinizadas. Geralmente bem tolerada, pode, excepcionalmente, requerer anestesia. A frequência e o número de sessões variam conforme a resposta ao tratamento, sendo adequado iniciar com aplicações semanais. Seguimento Sabendo-se que o tratamento das verrugas anogenitais não leva à erradicação viral, recorrências são frequentes. O paciente e sua(s) parceria(s) sexual(is) devem retornar ao serviço caso identifiquem novas lesões. Testes de detecção viral não são indicados em nenhuma situação, por não trazerem qualquer benefício às pessoas acometidas. Parcerias sexuais É importante que as parcerias sexuais sejam orientadas e examinadas. O profissional precisa ter segurança quanto às informações prestadas, eliminando dúvidas sobre os aspectos da transmissão. Pelo fato de a infecção ser assintomática e ter um período de incubação potencialmente longo, na maioria das vezes não há como estabelecer em qual parceria sexual iniciou-se a infecção. É mesmo possível que a infecção inicial tenha ocorrido em uma parceria sexual que não apresenta qualquer manifestação. A ocorrência de verrugas anogenitais pode ser causa de sofrimento psicológico, com repercussão nos relacionamentos interpessoais. A presença de lesões, assim como de outras IST, pode trazer insegurança às relações, inclusive com risco de estabelecimento de violência. Daí a importância de abrir uma possibilidade de consulta para as parcerias sexuais. Gestantes O HPV não causa infertilidade. Na gestação, as lesões podem apresentar crescimento rápido, atingir grande volume, tornar-se friáveis e sangrantes. O tratamento das gestantes muitas vezes tem pior resultado. A podofilina e o imiquimode não devem ser usados na gestação. O ácido tricloroacético ou o nitrogênio líquido são boas opções. Por vezes, especialmente no caso de lesões volumosas, a eletrocoagulação ou a exérese tangencial (“shaving”) são as melhores opções. Não há indicação de parto cesáreo pela presença das lesões, ainda que haja a possibilidade de transmissão destas ao recém-nascido. A indicação seria a obstrução do canal de parto ou sangramento (ocorrências excepcionais). Crianças e adolescentes A ocorrência de lesões anogenitais em crianças deve sempre levantar a suspeita de abuso sexual. Ainda que possa ocorrer na ausência de abuso, o achado merece uma investigação cuidadosa. Essa investigação, todavia, deve ao mesmo tempo evitar a negligência da possibilidade de abuso e as consequências indesejáveis de uma acusação injustificada. Ao contrário do que frequentemente se acredita, a presença de lesões em membros da família não é uma prova de abuso, bem como a ausência de lesões em um potencial abusador não significa inexistência de violação. Tais crenças podem gerar demandas equivocadas por parte de profissionais de saúde, conselhos e autoridades judiciárias. O manejo dessas situações deve ser individualizado e judicioso. Lesão intraepitelial escamosa de baixo grau A LSIL representa a manifestação citológica da infecção causada pelo HPV, altamente prevalente e com potencial de regressão frequente, especialmente em mulheres com menos de 30 anos. Recomenda-se que mulheres com diagnóstico citopatológico de LSIL devem repetir o exame citopatológico em seis meses na unidade de atenção básica. Processos infecciosos ou atrofia genital identificados devem ser tratados antes da nova coleta. Se a citologia de repetição for negativa em dois exames consecutivos, a paciente deve retornar à rotina de rastreamento citológico trienal na unidade de atenção básica. Se uma das citologias subsequentes no período de um ano for positiva, encaminhar à unidade de referência para colposcopia. À colposcopia, se presentes achados anormais no colo do útero, deve-se realizar a biópsia. Presente NIC II/III ou câncer, deve-se seguir conduta específica. Caso presente NIC I, a paciente deverá ser mantida em seguimento citológico. Quando presentes achados anormais menores, a biópsia poderá ser dispensada, considerando-se outros fatores como idade menor do que 30 anos, rastreamento prévio negativo e ausência de história de doença cervical pré-invasiva (NIC II/III). As pacientes não submetidas à biópsia devem ser seguidas com citologia em 12 meses até dois exames seguidos negativos, seguindo-se condutaespecífica a partir dos resultados subsequentes. Considerando-se a alta possibilidade de sobretratamento e efeitos adversos, o método “Ver e Tratar” é inaceitável nas mulheres com citologia de LSIL. Na ausência de achados colposcópicos anormais no colo e na vagina, é recomendado repetir a citologia. A nova citologia deverá ser realizada a cada seis meses em mulheres com mais de 30 anos ou anualmente, nas mulheres até 30 anos. Caso o exame citopatológico seja negativo em dois exames seguidos, a mulher deve retornar à rotina de rastreamento citológico trienal. Mantido o diagnóstico citopatológico de LSIL, a mulher deverá ser mantida em seguimento citológico até que os exames retornem à normalidade. Caso, nesse seguimento, seja obtido um diagnóstico mais relevante (ASC-H, HSIL, AGC ou câncer), a conduta deverá ser definida em função do novo resultado. Na persistência de LSIL por 24 meses, a mulher deve ser reencaminhada para colposcopia. Na persistência de NIC I por 24 meses, a manutenção do seguimento ou o tratamento são aceitáveis, sendo recomendada a individualização considerando a idade, paridade e preferências da paciente. Se a opção for pelo tratamento, nos casos de JEC visível e a menos de um centímetro no canal (ZT tipo 1 ou 2), pode-se optar por métodos destrutivos (eletrocauterização, criocauterização ou laserterapia) ou excisão tipo 1 ou 2. Quando a decisão for tratar e a ZT for tipo 2 (com JEC além do primeiro centímetro do canal) ou 3, a indicação de um procedimento excisional (excisão tipos 2 ou 3) deve ser criteriosamente avaliada frente ao risco obstétrico. Lesão intraepitelial escamosa de alto grau - HSIL Os métodos de escolha para a abordagem dessas lesões têm sido os excisionais; pois, além de permitirem diagnosticar os casos de invasão não detectados pela citologia ou pela colposcopia, servem de tratamento quando a lesão é intraepitelial. No Brasil, o tratamento excisional ambulatorial é chamado de exérese da zona de transformação – EZT, (em inglês LLETZ – Large loop excision of the transformation zone ou LEEP – Loop electrosurgical excision procedure), realizado sob visão colposcópica e anestesia local. Está indicado para doença ectocervical ou quando a JEC não ultrapassa o primeiro centímetro do canal endocervical. Seguimento pós-tratamento de NIC II/III Recomendações Nos casos em que o exame histopatológico da peça cirúrgica mostrar margens livres de doença ou comprometidas por NIC I, a mulher deverá ser submetida à citologia seis e 12 meses após o 83 procedimento (A). A colposcopia poderá ser realizada a critério do serviço (I). Após o primeiro ano, o seguimento deverá ser realizado com citologia anual até completar cinco anos do tratamento na unidade básica de saúde (I). Nos casos em que o exame histopatológico da peça cirúrgica mostrar qualquer uma das margens comprometidas por NIC II/III, o seguimento deverá ser feito com exame citopatológico e colposcopia semestrais nos primeiros dois anos (A). Após os dois primeiros anos, o seguimento deverá ser feito com a citologia anual até completar cinco anos do tratamento, na unidade básica de saúde (I). Em ambos os casos, após os primeiros cinco anos do tratamento a mulher deverá retornar para o rastreamento citopatológico trienal (B). A história de doença intraepitelial tratada deverá ser informada no pedido do exame citopatológico (B). Um novo procedimento excisional estará indicado quando houver comprometimento das margens cirúrgicas por NIC II/III, seja ecto- ou endocervical, e não for possível o seguimento por questões técnicas ou da mulher (A). Na evidência de lesão residual ou recorrente, a mulher deverá ser conduzida da mesma forma quando da lesão inicial (A). Câncer de Colo Uterino O CCU é o segundo câncer mais comum em mulheres no mundo, com 500 mil novos casos por ano. Essa doença afeta as regiões mais pobres de forma desproporcional, sendo que 80% dos casos são diagnosticados em países em desenvolvimento. Essa neoplasia é mais comumente diagnosticada em torno da quinta década de vida, ou seja, vários anos mais precocemente que a média de idade para cânceres de mama, pulmão e ovário. Fatores de risco São aqueles relacionados à infecção pelo HPV, considerada uma doença sexualmente transmissível (DST): baixo nível socioeconômico e comportamentos relacionados a início precoce da atividade sexual e grande número de parceiros sexuais, incluindo gravidez precoce, multiparidade, prostituição, além do número total de parceiros da paciente e de parceiras do cônjuge. Fatores relacionados à imunidade também se destacam devido ao HPV como fator causal da doença. Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês human immunodeficiency virus) associa-se ao CCU devido à imunodepressão. O tabagismo também se relaciona por diminuição da resposta imunológica local na mucosa do colo uterino; entretanto, essa associação acontece somente com as lesões do tipo carcinoma epidermoide. Patologia A evolução da infecção pelo HPV para o CCU envolve quatro passos: 1. Infecção do epitélio metaplásico da zona de transformação cervical; 2. Persistência da infecção viral; 3. Progressão do epitélio persistentemente infectado a pré-câncer cervical; 4. Invasão através da membrana basal do epitélio. Origina-se normalmente na junção escamocolunar (JEC) do colo uterino. Se a lesão pré-invasora não for tratada, evolui para carcinoma invasor em 10 a 30% dos casos. Na grande maioria dos casos, o NIC III já surge nessa fase, sem apresentar-se inicialmente como NIC I ou II. Quando visíveis, as lesões podem ser endofíticas ou exofíticas. Disseminam-se por extensão direta ao tecido paracervical, à vagina e ao endométrio; com a progressão, envolvem as paredes pélvicas lateralmente, a bexiga anteriormente e o reto. Metástases ocorrem, principalmente, por via linfática, mas também há disseminação hematogênica. O CCU tem histologia epidermoide em 70 a 90% dos casos, enquanto os adenocarcinomas, originados das células colunares endocervicais, ocorrem em cerca de 25% dos casos. À medida que se tornam menos diferenciados, podem perder sua aparência glandular e tornar-se mais sólidos. O adenocarcinoma também tem sido associado à maior recorrência, ao maior número de linfonodos comprometidos e à diminuição da sobrevida, ou seja, ao pior prognóstico. Outro tipo histológico é o carcinoma adenoescamoso, que exibe diferenciação tanto glandular quanto escamosa, e alguns autores relacionam-no a um pior prognóstico, 6 enquanto outros descrevem um comportamento semelhante. 7 Outros tipos tumorais mais raros também podem ocorrer, como carcinoma de células claras, carcinoma neuroendócrino, sarcomas, linfomas, melanomas e tumores metastáticos. O grau de diferenciação tumoral (bem, moderadamente ou pouco diferenciado), a profundidade e a extensão da invasão e a presença ou não de invasão dos espaços linfovasculares têm impacto tanto prognóstico quanto na definição terapêutica, devendo ser adequadamente definidos. Achados clínicos O CCU apresenta-se na sua fase inicial de forma assintomática ou pouco sintomática, fazendo muitas pacientes não procurarem ajuda no início da doença. O CCU cresce localmente, atingindo vagina, tecidos paracervicais e paramétrios, podendo comprometer bexiga, ureteres e reto. A disseminação à distância ocorre principalmente por via linfática, envolvendo inicialmente os linfonodos pélvicos e, após, os para- aórticos. A chance de haver comprometimento de linfonodos para-aórticos sem comprometimento do grupo pélvico é rara, ou seja, em torno de 1%. A apresentação clínica depende principalmente da localização e da extensão da doença. A paciente pode referir secreção vaginal amarelada, fétida e até sanguinolenta, ciclos menstruais irregulares, spotting intermenstrual, sangramento pós-coital e dor no baixo ventre. Nos estádiosmais avançados, a paciente pode referir dor no baixo ventre mais importante; anemia, em virtude do sangramento; dor lombar, em função do comprometimento ureteral; hematúria e alterações miccionais, causadas pela invasão da bexiga; e alterações do hábito intestinal, em função da invasão do reto. As pacientes também podem sentir dores na coluna lombar e na bacia pélvica, devido ao comprometimento, às vezes, da parede pélvica. Diagnóstico O diagnóstico baseia-se na tríade citologia, colposcopia e histologia. A citologia tem papel mais relevante no rastreamento das lesões iniciais, ainda não identificáveis a olho nu. Como sua sensibilidade situa-se em torno de 60%, em casos de tumores invasores e commuita necrose, o resultado do citopatológico pode ser negativo. Entretanto, os casos positivos devemser valorizados, já que sua especificidade é de cerca de 95%. A colposcopia é um método auxiliar no diagnóstico, especialmente na identificação de lesões ainda microscópicas, por meio da visualização de imagens sugestivas de invasão tumoral (vasos atípicos, necrose, erosões, aspecto vegetante e circunvoluções na lesão). O padrão-ouro de diagnóstico é dado pela histologia, que pode ser obtida por biópsia direta da lesão, geralmente realizada sob visão colposcópica, curetagem de canal endocervical (esta geralmente de pouca utilidade, já que tem pelo menos 50% de falsos- negativos). Em casos nos quais não foi possível descartar ou confirmar a presença de invasão por meio da associação de colposcopia e biópsia dirigida e há suspeição, estará indicada a conização para esclarecimento diagnóstico, podendo, em alguns casos, já ter caráter terapêutico. Em casos avançados, em que a lesão é visível a olho nu e claramente tem caráter invasor, não está indicada a conização, bastando biópsia da lesão para o diagnóstico. O toque vaginal auxilia na avaliação inicial ao demonstrar um colo uterino irregular, endurecido, tumoral e vegetante. Ao toque retal, pode-se avaliar o estadiamento clínico, diagnosticando-se a presença ou não de invasão parametrial, além de avaliar um possível comprometimento da mucosa retal, menos frequente. Estadiamento O estadiamento mais utilizado atualmente é o da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). 10 Esse sistema preconiza um estadiamento clínico e baseia-se nos resultados de exame físico, incluindo toque retovaginal, colposcopia, biópsia, exames radiográficos (radiografia de tórax e urografia excretora), uretrocistoscopia e retossigmoidoscopia. O objetivo principal de preconizar um estadiamento clínico com base no exame físico e em exames complementares de fácil acesso, em vez do estadiamento cirúrgico, é baseado na incidência muito maior da doença nos países em desenvolvimento, nos quais exames de imagem como tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) não são facilmente acessíveis, além do fato de que a formação técnica em cirurgias radicais pode não ser amplamente difundida. Exames de imagem TC ou RM são frequentemente utilizadas para definir presença ou ausência de metástases linfonodais e avaliar a extensão da doença. Devido ao fato de esses exames avaliarem apenas os aspectos morfológicos e a dimensão dos linfonodos, é difícil identificar envolvimento tumoral desses nódulos quando seu tamanho é normal. Em geral, linfonodos de até 1 cm, no seu menor diâmetro, são considerados normais. Na determinação de características tumorais específicas como o tamanho, a RM mostra-se superior à TC e ao exame físico quando comparada com a medida na peça cirúrgica; essa informação tem papel relevante na determinação do tratamento. O delineamento tumoral também se mostrou superior com a RM, sendo este o método ideal para planejamento de braquiterapia. Desse modo, as evidências sugerem que a inclusão da RM, assim como da TC, deve resultar em maior acurácia no estadiamento clínico. A tomografia por emissão de pósitrons está se destacando no estadiamento do câncer cervical, principalmente no quesito da avaliação linfonodal pré-tratamento, mas também na detecção de metástases à distância. Sua sensibilidade e especificidade para detecção de doença linfonodal pode atingir 91 e 100%, respectivamente; entretanto, metástases microscópicas ainda podem não ser visualizadas. Valor do estadiamento cirúrgico Apesar de não estarem incluídas no estadiamento da FIGO, as linfadenectomias pélvica e paraaórtica são necessárias em algumas situações. O estudo linfonodal sempre fará parte do tratamento cirúrgico quando indicado, porém, em algumas situações de dúvida no estadiamento radiológico, poderá ser necessário para definição de tratamento. Isso ocorre porque, especialmente no caso de metástases para linfonodos para-aórticos, sua presença tem importante impacto na sobrevida, podendo diminuir de 95% para menos de 40% de sobrevida em 5 anos Tratamento O tratamento do CCU com objetivo curativo pode envolver tanto cirurgia quanto radioterapia, sendo que esta última pode ser associada à quimioterapia radiossensibilizante. A definição do tratamento depende do estádio clínico, sendo que mais de uma modalidade pode ser aceita para o mesmo estádio. Contudo, o máximo de esforço deve ser feito com o objetivo de evitar a necessidade de sobrepor tratamentos, como a necessidade de radioterapia adjuvante após tratamento cirúrgico, já que ambos apresentam efeitos adversos que, se sobrepostos, irão trazer muito prejuízo à qualidade de vida da paciente. A cirurgia pode variar desde uma conização a frio, que tem caráter diagnóstico e curativo emsituações de doença microinvasora em pacientes com desejo de preservação da fertilidade, à histerectomia radical. A clássica cirurgia de Wertheim-Meigs (histerectomia total ampliada ou Piver III) envolve a retirada do útero, do terço superior da vagina, dos ligamentos uterossacros e vesicouterinos e de todo o paramétrio, bilateralmente, até a parede pélvica. Essa cirurgia inicia coma avaliação das cadeias ilíacas pélvicas bilaterais e para-aórtica e a realização de biópsia em caso de suspeição pela palpação ou métodos de imagem pré-operatórios, com avaliação anatomopatológica transoperatória. Se negativos, prossegue-se com a histerectomia seguida da linfadenectomia pélvica, que inclui a dissecção dos linfonodos da cadeia ilíaca externa, a partir da bifurcação, da fossa obturadora (tendo como limite o nervo obturador) e da veia hipogástrica; se positivos, a cirurgia é suspensa e a paciente é encaminhada para radioterapia. Pode-se tambémutilizar biópsia do linfonodo-sentinela para avaliação inicial. Não há necessidade de ooforectomia, a qual é realizada somente nas pacientes pós-menopáusicas; nas pré- menopáusicas, é preciso realizar ooforopexia do ovário direito, deslocando-o com seu pedículo para a goteira parietocólica direita e fixando-o no peritônio parietal. A radioterapia apresenta sobrevida semelhante à cirurgia radical na doença em estádios iniciais, situando-se em torno de 85 a 90%. Entretanto, como a cirurgia preserva a função sexual e hormonal da paciente, é preferida nas pacientes mais jovens e com melhor condição clínica. A radioterapia, além de esterilizar os ovários, afeta a função sexual devido a sequelas vaginais como encurtamento e fibrose. Em estádios localmente avançados, a radioterapia acaba tornando-se a única opção curativa, com sobrevida em 5 anos de 60% no tumor IIB, 40% no IIIB e 20% no IVA. 1 A combinação de radioterapia de feixe externo (teleterapia) e braquiterapia intracavitária parece ser o tratamento radioterápico mais adequado. Atualmente, está indicado o uso da cisplatina como fármaco radiossensibilizante para tratamento de tumores de estádios II, III e IV. Os resultados obtidos com quimioterapia exclusiva são modestos, sendo empregados em pacientes com doença recidivada e/ou metastática, com respostas variáveis. Há estudosutilizando quimioterapia neoadjuvante em tumores IB2 com o objetivo de reduzir o tamanho tumoral e, após, proceder à cirurgia radical, mas com resultados variáveis, não havendo definição até o momento. Tratamento ajuvante Apesar de ser evitada ao máximo, nos casos em que é necessária a radioterapia adjuvante, ela é indicada principalmente devido a linfonodos positivos, margens exíguas ou comprometidas e invasão parametrial, 23 sendo estes considerados critérios maiores (critérios de Peters). Essas pacientes devem receber RQ pós- operatória. Seguimento O objetivo do seguimento das pacientes é detectar o mais precocemente possível a recorrência, emum estágio em que ainda se possa oferecer tratamento de resgate, e monitorar a toxicidade relacionada ao tratamento. A maioria das recorrências ocorre nos primeiros 2 anos após o tratamento primário. O exame físico deverá incluir avaliação dos linfonodos supraclaviculares, palpação abdominal, exame especular do fundo de saco vaginal e paredes vaginais, coleta de citopatológico e toque retovaginal. As pacientes devem ser avaliadas a cada 3 meses no primeiro ano, a cada 4 meses no segundo ano, a cada 6 meses até o quinto ano e, após, anualmente. Sempre que a paciente apresentar dor, sangramento vaginal e alterações do trato urogenital e gastrintestinal, esses sintomas deverão ser investigados. Em relação ao uso rotineiro de exames radiológicos ou biológicos no seguimento de pacientes assintomáticas, estudos não recomendam o seu uso até o momento, devido à existência limitada de dados para justificar essa rotina. O seguimento de pacientes livres de doença, após tratamento primário, ainda é um assunto controverso e aguarda estudos bem-conduzidos para mostrar se a realização de exames rotineiros traria melhora em termos de sobrevida ou qualidade de vida. Tratamento da doença recorrente A recorrência do CCU é quase sempre incurável, e menos de 50% das pacientes estarão vivas em 5 anos. Pacientes que apresentarem recorrência pélvica após histerectomia radical podem ser tratadas com RQ se não tiverem recebido radioterapia anteriormente. Recorrências pélvicas centrais após radioterapia ou RQ podem ser tratadas com cirurgia curativa de exenteração pélvica na ausência de metástases à distância ou doença fixa em paredes pélvicas (FIG. 18.5). Na recorrência pélvica empacientes que não tenham recebido tratamento radioterápico prévio, pode ser oferecido tratamento de resgate com RQ. Referências Rotinas em ginecologia [recurso eletrônico] / Organizadores, Eduardo Pandolfi Passos ... [et al.] – 7. ed. – Porto Alegre: Artmed, 2017. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero / Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. – 2. ed. rev. atual. – Rio de Janeiro: INCA, 2016. Ginecologia de Williams [recurso eletrônico] / Hoff man ... [et al.] ; tradução: Ademar Valadares Fonseca ... [et al.] ; [coordenação técnica: Suzana Arenhart Pessini ; revisão técnica: Ana Paula Moura Moreira ... et al.]. – 2. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2014. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. – Brasília : Ministério da Saúde, 2022.