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UNIDADE 1 – DESENV. HUMANO: ADOLESCÊNCIA, ADULTEZ E VELHICE. ADOLESCÊNCIA 1 Início da adolescência: conceitos e mitos Estudar a evolução do ciclo de vida dos seres humanos é um dos temas mais importantes na formação de psicólogas e psicólogos, pois é aprendendo como acontece a construção social do psiquismo que se pode compreender o comportamento humano expresso nos mais variados contextos da vida das pessoas. Nesta unidade, vamos nos dedicar ao estudo da adolescência, focalizando os estudos mais relevantes para a compreensão dessa temática. 1.1 Conceito de adolescência A adolescência vem sendo estudada desde quando passou a existir, ao mesmo tempo em que existe desde que começou a ser estudada – logo vamos entender o que isso quer dizer. Primeiramente, cabe dizer o que é amplamente sabido: a adolescência corresponde ao período intermediário entre a infância e a vida adulta, ou adultez. A maioria dos autores que se propõem a estudar o comportamento de adolescentes em qualquer contexto nos apresenta os estudos clássicos dessa temática, dos quais podemos citar os detalhados abaixo. Hall (apud OLIVEIRA, 2017) definia a adolescência como o período evolutivo marcado por “tempestade e tormenta”, devido ao desabrochar da sexualidade e à expressão de comportamentos impulsivos de humor oscilante. Esse conceito é ultrapassado, porém, ainda é importante, pois difundiu uma ideia que ficou fortemente arraigada na nossa cultura, influenciando estudos posteriores. Erickson (apud OLIVEIRA, 2017) propõe a evolução da identidade humana em uma sequência de fases, sendo a adolescência a mais crítica dessas, por representar uma difusão de papéis que precisam ser elaborados, dando suporte à idade adulta. Aberastury e Knobel (apud OLIVEIRA, 2017) também enfatizam a crise e os conflitos da adolescência, atribuindo-os a três perdas fundamentais cujos lutos precisam ser elaborados: o corpo infantil, a identidade infantil e as relações com os pais de infância. O adolescente passa, então, por esse período de instabilidades e de desequilíbrio, que são apresentados como normais, visto que são necessários à formação da maturidade do adulto. Compreender as fases do desenvolvimento humano é importante porque tal entendimento dá subsídios ao estabelecimento de políticas públicas, intervenções clínicas, sociais, psicológicas e educacionais, estabelecendo parâmetros que nos ajudem a reconhecer em que ponto estamos para diagnosticar a situação atual e estabelecer objetivos para o futuro. Por isso, as instituições que se preocupam com o bem-estar social buscam informações na ciência e sistematizam informações que contribuem para a formação de ideias norteadoras. Schoen-Ferreira et al. (2010) integram algumas informações esclarecedoras: para a Organização Mundial de Saúde (XXXX), a adolescência é “um período biopsicossocial que compreende a segunda década da vida, ou seja, dos 10 aos 20 anos”. O Ministério da Saúde do Brasil e o IBGE concordam com esse período; já o Estatuto da Criança e do Adolescente o identifica dos 12 aos 18 anos. Mas não é somente uma questão de idade, pois “a adolescência inicia-se com as mudanças corporais da puberdade e termina com a inserção social, profissional e econômica na sociedade adulta” (FORMIGLI et al. apud SCHOEN-FERREIRA et al., 2010, p. 227). Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 1 - Representação social do ciclo de vida humanoFonte: Ollyy, Shutterstock, 2020 #PraCegoVer: A imagem mostra a representação social dos estágios do ciclo de vida dos indivíduos, enquanto passam da infância à fase adulta, no período conhecido por adolescência, na nossa cultura. 1.2 Adolescentes e mitos da adolescência Bock et al. (2009), Berni e Roso (2014) e De Oliveira (2018) se colocam em posição crítica em relação aos estudos clássicos, porque estes, em grande parte, descrevem a adolescência como uma fase do desenvolvimento, como se fosse algo de natural, que acompanha a puberdade ou que é consequência dela. Para essas autoras, a adolescência é uma construção social, cultural, antropológica, histórica, enfim, é consequência de um processo de institucionalização que já faz parte da nossa cultura tão fortemente que acaba por não deixar dúvidas. Bock et al. (2009) explicam que no passado não existiam fases ou estágios de desenvolvimento. Crianças viviam junto aos adultos e aprendiam com eles: os modos de ser, os costumes, as atividades, o trabalho, daí passavam a ter maior autonomia e a formar sua própria família, não sendo necessário um período de transformação. O universo familiar era mais simples, porém, após a revolução industrial, as famílias se tornaram cada vez mais nucleares, tendo sua dinâmica definitivamente alterada (BOCK et al., 2009; BERNI; ROSO, 2014). Com a evolução social, passou-se a construir uma ideia de adolescência, porém, não para todas as sociedades, nem uniformemente em cada uma delas. Na nossa cultura, entendemos que o desenvolvimento se dá em diversos estágios, iniciando pela fase pré- natal, a do neonato, a infância, a pré-adolescência, a adolescência, a adulta e a velhice (BOCK et al., 2009, p. 292). Já na cultura dos trobriandenses, habitantes de ilhas da Nova Guiné, a puberdade acontece antes da nossa e nela existe a iniciação sexual e a participação nas atividades produtivas. Eles têm um rito de passagem ao atingir a puberdade: para que o incesto seja evitado, os jovens deixam de habitar com suas famílias e vão viver, até se casarem, em uma espécie de república, coordenada por um homem mais velho, solteiro ou viúvo. Se compararmos com a nossa cultura, os trobriandenses passam da pré-adolescência para a fase adulta sem a necessidade de uma fase de preparação. Já na nossa sociedade, não podemos identificar um único rito de passagem, mas diversos, que acontecem ao longo de um tempo maior, e durante o qual o indivíduo não possui o status de criança, nem de adulto, mas de adolescente (BOCK et al., 2009). Para Berni e Roso (2014, p. 130), a adolescência, sendo uma representação social, pode ser entendida como mito: [...] símbolos e significados foram sendo elaborados para dar sentido àquele momento em que o ser humano começa a questionar e experienciar o que estivera adormecido durante a infância, mas que nem os adultos têm respostas precisas sobre tais questões. A preparação para a vida adulta pode se dar em um período curto, ou mais longo, dependendo das condições econômicas familiares, já que os filhos dos operários necessitam adquirir autonomia financeira mais cedo, o que lhes permite formarem família mais cedo e tornarem-se independentes, enquanto os jovens de classe média normalmente permanecem na dependência e na casa dos pais, enquanto estudam e aprendem uma profissão, para depois conseguirem um emprego e só então tornarem-se independentes (BOCK et al., 2009). Dito isso, podemos justificar nossa afirmação precedente, a internalização das explicações científicas sobre o fenômeno da adolescência passaram a fazer parte das representações sociais quanto a esse período, contribuindo para seu fortalecimento e para a complexidade da sua configuração. Assista aí 2 Mudanças físicas, sociais e comportamentais do adolescente Às vezes é difícil compreender um fenômeno complexo e dinâmico como é a adolescência, e os estudiosos tentam subdividir o tema para fins didáticos, mas nós temos que ficar atentos, pois nenhum desses quocientes consegue ter vida própria isoladamente. Assim acontece com as mudanças que os indivíduos sofrem na adolescência – são mudanças físicas, mentais e comportamentais, mas elas são interdependentes e influenciam umas às outras, resultando em características fundamentais ou secundárias, que acompanharão a pessoa durante toda a sua vida, ou em períodos dela, mais curtos ou mais longos. Então vejamos. 2.1 Mudanças físicas do adolescente: a puberdade Levando em conta os estudos científicos sobrea adolescência e as definições institucionais atuais sobre os estágios evolutivos do ciclo de vida das pessoas na nossa sociedade, existe unanimidade em reconhecer que essa fase se inicia com a puberdade. Se procuramos a definição dessa palavra em dicionários e artigos científicos, é comum encontrarmos que esta também é uma fase do desenvolvimento que fica entre a infância e a adolescência. A palavra “puberdade” se refere objetivamente ao período de mudanças biológicas e fisiológicas que ocorrem no corpo humano dos indivíduos, aproximadamente na idade de 10 anos para meninas e 12 para os meninos. São mudanças hormonais que refletem na aparência e na fisiologia do corpo, entre estas o aparecimento de pelos, originando, a partir do latim, a palavra “púbere” (que começa a ter barba) ou “pubescente” (que tem pelos curtos, penugem). Na nossa sociedade, se convencionou que esse é o início da adolescência (SCHOEN-FERREIRA et al., 2010; DICIO.COM, 2020; PRIBERAM.ORG, 2020). Para Lourenço e Queiroz (2010), a puberdade corresponde ao início da adolescência, dura de dois a quatro anos e se caracteriza por mudanças geneticamente determinadas, que se iniciam pela ativação de gonadotrofinas, as quais estimulam os hormônios que definem o dimorfismo sexual, uma vez que existem poucas diferenças na forma do corpo das crianças e, com a puberdade, os corpos feminino e masculino desenvolvem os órgãos sexuais e as características sexuais secundárias. Em síntese, a puberdade é caracterizada fundamentalmente pelos eventos enumerados abaixo. Clique e veja-os. Crescimento esquelético linear. Alteração da forma e composição corporal. Desenvolvimento dos órgãos e sistemas. Desenvolvimento das gônadas e dos caracteres sexuais secundários (LOURENÇO; QUEIROZ, 2010, p. 71). As principais mudanças físicas que fazem as crianças passarem para a fase de adolescentes, então, vão além do crescimento de pelos pubianos e de barba. É nesse período que o corpo das meninas ganha novo formato, devido ao aumento de tecido adiposo nos quadris e nos seios, e o corpo dos meninos aumenta suas dimensões musculares e esqueléticas entre os ombros, configurando o formato masculino. Além disso, o crescimento das glândulas mamárias e desenvolvimento dos ovários nas meninas e dos testículos nos meninos indica o amadurecimento sexual, com a produção das células reprodutoras, óvulos nas meninas, espermatozoides nos meninos, dando início à possibilidade de reproduzir-se. As alterações hormonais também influenciam o comportamento, pelo emergir dos instintos sexuais. Enfim, tais mudanças orgânicas se referem ao dimorfismo sexual e levam ao amadurecimento biológico e à adultez (SCHOEN-FERREIRA et al., 2010; LOURENÇO; QUEIROZ, 2010). É interessante notar que as mudanças biológicas, fisiológicas e químicas que determinam as novas características físico-corporais dos adolescentes são consequência do potencial genético, mas também podem sofrer interferência do meio onde vivem os sujeitos, ainda que dentro de um mesmo país ou território. Por exemplo, em comunidades pobres, a menarca (primeira menstruação da menina) pode se dar mais tarde do que aquela das meninas de comunidades melhor favorecidas economicamente. Tais diferenças econômicas podem interferir também na estatura e no porte físico- corporal. Esses fenômenos se devem ao fato de as comunidades pobres não disporem das mesmas condições de alimentação e aquisição do potencial nutritivo e energético necessário ao desenvolvimento (LOURENÇO; QUEIROZ, 2010). Sendo assim, as condições socioeconômicas podem retardar e influenciar a puberdade das comunidades mais carentes, e essas mesmas condições têm a propriedade de encurtarem o período da adolescência, antecipando a adultez das comunidades citadas, em consequência da necessidade que a juventude carente tem de entrar no mercado de trabalho. Está aí um bom estímulo para a aplicação prática desses estudos, em busca do bem-estar da nossa população. 2.2 Mudanças sociais e comportamentais do adolescente O adolescente está em processo de crescimento e de transformação, e as alterações físicas da puberdade, unidas às exigências e expectativas culturais ligadas às representações sociais dos papéis de adolescente e de adulto, provocam crises, tensões e instabilidades no percurso em direção à fase adulta, pois o indivíduo se percebe em crise de identidade. Na necessidade de construir uma nova identidade, a pessoa enfrenta dificuldades internas, como ansiedade e depressão, ou voltadas para o externo, como condutas antissociais, oposições e desafios. Daí surge um importante recurso comum no desenvolvimento do adolescente, a participação em grupos de pares, onde pode se sentir engajado em sentimentos e interesses semelhantes e experienciar situações que sirvam para construir um novo cabedal de comportamentos (DE OLIVEIRA, 2018). Clique abaixo e obtenha mais informações sobre o processo da adolescência. As mudanças sociais e comportamentais do adolescente ocorrem no contato com uma maior variedade de instituições sociais, cada uma delas apresentando novos ou velhos valores a serem internalizados ou refutados. A ideia geral que se apresenta sempre aparece como positiva: ser corajoso, forte, independente, amado, dar o melhor de si; porém, o adolescente precisará enfrentar essas possibilidades utilizando e checando os critérios que assimilou na infância. Daí ele poderá optar pelos preceitos familiares ou pelas novas alternativas dos novos grupos de referência. Estas, porém, podem levá-lo a roubar, usar drogas, aderir à promiscuidade sexual, ao fanatismo religioso, ou outros caminhos tortuosos que poderão trazer consequências nefastas ao seu projeto de adultez (BOCK et al., 2009). Vygtsky (apud BORDIGNON, 2015) aponta mudanças na estrutura psíquica que transforma o adolescente em adulto: a atenção, a percepção, a memória e o pensamento se reestruturam, possibilitando sínteses superiores em relação à percepção do mundo e de si mesmo, dando vez à habilidade de elaboração das próprias experiências para deixar o estágio de dependência infantil e adquirir autonomia em suas ações. Tais condições cognitivas precisam ser bem estimuladas e aproveitadas, principalmente porque, com o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, as possibilidades de contatos virtuais aumentam exponencialmente as alternativas para qualquer tipo de escolha, e diminuem as possibilidades de controle das mesmas (DE OLIVEIRA, 2018). Se nossa sociedade quer primar pela liberdade, precisará estar atenta à difusão de valores que fortaleçam as ideias de responsabilidade sobre os critérios de escolha, a fim de que seus membros desenvolvam uma consciência quanto a consequências e resultados imprevisíveis. Com Oliveira (2017), conseguimos assimilar melhor essa nova dinâmica social e seu impacto no desenvolvimento do adolescente. O mundo virtual que a internet propicia estabelece uma nova relação espaciotemporal que interfere na necessidade do adolescente elaborar as perdas do passado e os planos de futuro, fazendo-o alternar-se entre abandonar o papel de criança, ou a ele retornar, querer abraçar o futuro como adulto ou querer resistir a ele, tudo isso em um tempo muito estreito, permitido pelas relações virtuais, que não valorizam seu investimento em reflexão e análise do que foi e do que será (OLIVEIRA, 2017). A dificuldade social que se apresenta é que todos nós ainda estamos construindo os novos significados e parâmetros para essas novas relações, e a velocidade com que coisas acontecem, unida à dispensabilidade de um lugar físico para estabelecer relacionamentos, ainda não nos permitiu a institucionalização de comportamentos mais perenes, reforçando representações sociais de um mundo fluido, pouco previsível também para os adultos (OLIVEIRA, 2017). Leia sobre a temática da adolescência: “A solidão dos números primos”, obra de ficção do escritor italiano PaoloGiordano (2009). 3 Adolescente e sociedade Estudar o adolescente nas suas relações com a sociedade é o melhor modo da psicologia abordar essa fase (e as outras) do ciclo de vida dos seres humanos. Muitos estudiosos criticam as metodologias tradicionais que isolam o sujeito para fins de estudo, dando a impressão de que tudo que acontece com uma pessoa tem a ver mais com ela que com o contexto onde está inserida (BOCK et al., 2009; BERNI; ROSO, 2014; DE OLIVEIRA, 2018). O comportamento do adolescente pode variar conforme o meio onde esse se desenvolve, pois sua subjetividade se constrói enquanto ele atua e interage no seu ambiente social. Importa observar como o adolescente se desenvolve historicamente, pois “... só é possível compreender qualquer fato a partir da sua inserção na totalidade, na qual esse fato foi produzido, totalidade essa que o constitui e lhe dá sentido” (BOCK apud BORDIGNON, 2015, p. 11). 3.1 Sociedade O adolescente está inserido na sociedade que o constitui, portanto, é necessário compreender que a sociedade é um tecido estruturado pelos grupos de pessoas que nela vivem, trabalham e se relacionam coletivamente e, para tanto, estabelecem regras e normas de conduta em defesa do bem comum. Para Parsons (apud SANTOS, 2009), a sociedade é um sistema complexo, composto por quatro subsistemas, os quais descrevemos abaixo. O da economia, que se refere à produção e distribuição de bens de consumo com fins de sobrevivência, com instituições produtivas e comerciais. O político, com a função de realizar os objetivos coletivos (segurança, saúde, educação, direitos humanos etc.), com instituições do Estado e governamentais. O de socialização, responsável pela difusão da cultura, através de instituições como escola e família. E a comunidade societária, responsável pela integração através de grupos de interesse, associações, sindicatos, com o objetivo de defesa dos interesses comuns. Os subsistemas “estão vinculados por uma rede em que circulam quatro meios de troca: moeda, poder, influência e compromisso” (SANTOS, 2009, p. 46). O sistema social cria mecanismos de controle a fim de regular a correlação de forças entre as instituições envolvidas e, no caso dos adolescentes e de outros grupos em risco de vulnerabilidade, existem leis que se propõem a defender seus direitos e proteger sua adequada inserção social. Na defesa dos interesses dos adolescentes, no Brasil, além da Constituição Federal (BRASIL, 1988), temos a lei 8069/90, mais conhecida como ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Com essas informações, podemos compreender em que sociedade o adolescente brasileiro faz sua inserção. O indivíduo, enquanto criança, tem a mediação dos pais ou tutores para se relacionar com tais subsistemas, mas, quando adolescente, essa mediação deve ser paulatinamente abandonada, o indivíduo cresce e se transforma, aprendendo a exercer seu papel de adulto na sociedade, ou seja, adquirindo competências para lidar autonomamente com essa realidade complexa. Clique para abrir a imagem no tamanho original Figura 2 - Adolescente e sociedadeFonte: Rena Schild, Shutterstock, 2020 #PraCegoVer: Na imagem, temos uma manifestação de protesto, reunindo adolescentes na defesa de uma causa comum. O adolescente busca identificação com o grupo de pares, enquanto participa da construção social da própria realidade, em um contínuo vir a ser. 3.2 Condições sociais do adolescente Até aqui parece que tudo funciona tranquilamente, pois ainda não demos relevância às diferenças existentes no funcionamento do sistema social, tais como as enumeradas abaixo. 1 Alguns têm melhores condições de sobrevivência que outros. 2 Existem políticas públicas e leis que controlam a distribuição dos produtos de interesse coletivo, porém, alguns têm melhor acesso que outros. 3 Também o suporte familiar e o acesso à escola são bastante desiguais e nem sempre os grupos de interesse defendem efetivamente os interesses comuns. Para conhecer como realmente se dá o desenvolvimento do adolescente na nossa sociedade, buscaremos as considerações dos estudiosos e pesquisadores da área, iniciando por Bock et al. (2009). Para ela, as expectativas que a sociedade tem quanto ao futuro do adolescente expressam uma relação de poder e dominação, por exemplo, aos dezoito anos o jovem atinge sua maioridade penal e, aos vinte e um anos, a maioridade civil, e é assim porque foi decidido pelos adultos, cabe ao jovem cumprir o que lhe é determinado. Bordignon (2015) analisa uma série de pesquisas e estudos sobre a adolescência e defende a abordagem histórico-cultural, porque esta envolve o adolescente nos fenômenos estudados, contribuindo para a construção de sua subjetividade, ao mesmo tempo que permite que o estudo observe a dinâmica do sistema. Esse autor relata uma pesquisa que verificava, com adolescentes em conflito com a lei e seus socio- educadores, qual era, para eles, o sentido das medidas socioeducativas. Os resultados revelaram contradições, pois as medidas são instituídas para o desenvolvimento dos adolescentes, porém, não atingem o objetivo de re-integrá-los efetivamente à sociedade. Bordignon (2015) observou que três pesquisas envolviam atividade artística como recurso mediador com os adolescentes. Os instrumentos foram considerados válidos porque a expressão artística representa uma síntese do fazer humano e mobiliza condições cognitivas, afetivas e históricas, que são constituintes dos sujeitos (BORDIGNON, 2015). Berni e Roso (2014) realizaram entrevistas com adolescentes que vivem com HIV, com o objetivo de analisar se o discurso deles, sobre a adolescência, reproduz as representações sociais que a nossa sociedade construiu. Elas concluíram que, apesar de os sujeitos da pesquisa reforçarem as representações sociais da adolescência, utilizando os padrões institucionalizados para falarem de si, também reconstruíram tais representações, a partir de suas vivências pessoais (BERNI; ROSO, 2014, p. 134). A pesquisa de Oliveira (2017) se propôs analisar a percepção do tempo utilizado pelos adolescentes na internet. Ao opinar sobre a frase: “a internet ocupa muito o meu tempo”, 67,56% dos adolescentes concordaram, apresentando justificativas e comentários que revelaram a consciência de algumas consequências negativas, como perda da noção do tempo, o isolamento social, a fuga da realidade e dispersão da atenção. Aqueles que discordaram justificaram com a rapidez em conseguir informações, a hipertextualidade, a fartura de fontes e materiais oferecidos. Oliveira (2017) concluiu que, diante dessa nova percepção do tempo e consequências nos aspectos cognitivos, a educação mediática deve ser revista a fim de despertar maior interesse pela aprendizagem. Os estudos apresentados focalizaram contextos diversos e identificaram as estratégias utilizadas pelos adolescentes na gestão das situações apresentadas, indicando que podemos concordar com os pesquisadores quando refutam a ideia de que a adolescência é uma fase natural e padronizada com começo, meio e fim; essa fase se dá em um contínuo vir a ser, que depende das situações vivenciadas, do contexto e das condições psicossocioeconômicas da vida dos adolescentes. Assista aí 4 Adolescente e contexto familiar A família é, talvez, a instituição social mais importante para o ciclo de vida das pessoas, pois é o primeiro contato concreto com o mundo. Um mundo no qual os seres humanos chegam sem mínimas condições de sobreviver sozinhos. Precisamos ser alimentados, aquecidos, protegidos de quaisquer perigos (DE OLIVEIRA, 2018). Você pode dizer que isso acontece com outros animais também, mas o nosso período de dependência é bem mais longo e menos facilitado pela natureza. Nos nossos primeiros anos de vida, a família ou seu substituto exercerá um papel bem fundamental, que servirá de base para todos os estágios de desenvolvimentoque se seguirão. Porém, também é importante ter em mente que a própria instituição familiar foi mudando através dos tempos, naquele processo de construção da realidade que se retroalimenta, entre sociedade, grupos, indivíduos, famílias, todos contribuindo para a construção uns dos outros, como nos ensinam Berger e Luckmann (1985). Atualmente, os modelos de família se diversificaram, deixando de ser somente aquele formado por um homem, uma mulher e seus filhos consanguíneos. Temos famílias homoafetivas, as formadas por uma mulher ou por um homem com seus filhos, as famílias mistas com filhos de outros relacionamentos, entre outras configurações que se tornam famílias pelo tipo de relação social, econômica, psicológica ou afetiva, que as integram (BOCK et al., 2009; DE OLIVEIRA, 2018). 4.1 Família e contexto familiar Para podermos compreender a relação entre adolescente e família, devemos saber um pouco mais sobre essa instituição, que possui uma função social: transmitir às novas gerações o modo certo de pensar, sentir e agir no período histórico de referência, ou seja, transmitir a cultura, as instituições sociais e a ideologia vigente (BOCK et al., 2009). Bock et al. (2009) explicam que a família é responsável pela procriação, pela sobrevivência, pela inserção do indivíduo na sociedade através do ensino da língua, dos hábitos e dos costumes, enfim, concretizar os direitos da criança e do adolescente: “o direito aos cuidados essenciais para seu crescimento e desenvolvimento físico, psíquico e social” (BOCK et al., 2009, p. 249). Tal responsabilidade é tão fundamental que, na falta de uma família, será necessária uma família substituta, ou uma instituição de acolhimento que supra essas necessidades de inserimento do indivíduo no mundo concreto. Ao longo do tempo, a família foi se reconfigurando e dando novas cores ao ciclo de vida. A adolescência, que nos primórdios nem existia, começou a se tornar cada vez mais longa, pois com a entrada das mulheres no mercado do trabalho, as crianças passaram a frequentar mais cedo os ambientes escolares (BOCK et al., 2009; DE OLIVEIRA, 2018). Nesse sentido, a família não é mais a única a plantar os valores fundamentais na construção da subjetividade e da identidade do indivíduo. Também o final da adolescência tem sofrido mudanças, pois em algumas famílias, com melhores condições socioeconômicas para sustentar a educação e a formação profissional dos filhos, a aquisição de autonomia e independência para a gestão da própria vida em termos materiais vai ficando para cada vez mais tarde (DE OLIVEIRA, 2018). Acreditamos que você já tenha percebido o quanto as condições econômicas interferem na dinâmica social e familiar. É assim porque o desenvolvimento humano que se está abordando se dá na nossa sociedade capitalista, e as famílias têm a função de reproduzir a ideologia dominante, fazendo com que muitas decisões familiares girem em torno da condição econômica e social que a família consegue ter, o que é diretamente influenciado pelas políticas públicas de investimento em educação, cultura, trabalho, entre outras. Ainda com relação ao contexto familiar, devemos atentar para a estrutura interna da família. Se falamos da família burguesa, esta comumente encontra alternativas para suprir as necessidades básicas dos seus integrantes, sem uma forte dependência de programas sociais. Ao contrário, as famílias de baixa renda ficam mais expostas a condições degradantes, fazendo com que seus integrantes fiquem colocados em risco de vulnerabilidade (BOCK et al., 2009; SCHOEN-FERREIRA; AZNAR-FARIAS, 2010; DE OLIVEIRA 2018). Dito isso, podemos notar que “o adolescente e o contexto familiar” é um tema que pode ser visto a partir de diversos enfoques, devido às grandes variações que podemos encontrar em relação a contextos familiares. “Lady Bird – a hora” de voar é um filme sobre uma adolescente que traz um pouco de tudo que é este período na vida de uma pessoa. Vale a pena ver e encontrar nele os conteúdos que estudamos aqui. 4.2 Adolescente no e após o contexto familiar O subtítulo “no e após o contexto familiar” foi escolhido a fim de recordarmos que nossos estudos, em psicologia, são sempre dirigidos a encontrar melhores entendimentos sobre o comportamento das pessoas, e assim fazer propostas de intervenção que contribuam para que seu inserimento social seja positivo. Assim, o que for o adolescente no contexto familiar, vai impactar o após, quando o indivíduo for considerado adulto, quando deverá lidar com sua vida com independência, autonomia e responsabilidade, para ter um trabalho, uma função social, uma família e tantos outros papéis que irá jogar no futuro. Clique abaixo para obter mais informações. Bock et al. (2009) trazem algumas situações concretas, presentes no convívio familiar do adolescente. As pessoas vivem na mesma casa, com proximidade e intimidade, por isso os conflitos aparecem. Surgem situações de ciúmes entre irmãos, de divisão de tarefas, ideias diferentes sobre coisas miúdas, situações de egoísmo x altruísmo, enfim, aparecem as relações de muito amor, mas também os momentos de raiva, e caberá aos adultos da família mediarem as dificuldades que podem surgir. Os adultos devem mediar, o quanto possível, as relações externas, virtuais ou concretas, educativas, de lazer, de relações afetivas, e o entendimento de que não existem receitas ajudará no treino da escuta. Buscar um entendimento quanto ao mundo do adolescente e colaborar com ele na interpretação dos seus entendimentos e sentimentos será importante tanto na construção da subjetividade do adolescente que se torna adulto quanto para a dos pais, que aprendem a exercer esse papel (BOCK et al., 2009; SCHOEN-FERREIRA et al., 2010. Por outro lado, uma outra situação trazida por Bock et al. (2009) se refere à dificuldade que os adultos podem ter na construção de um ambiente seguro para o desenvolvimento do adolescente, abrindo a possibilidade de problemas de saúde psíquica, imediata ou no futuro. Por exemplo, situações de maus tratos, episódios de violência doméstica, agressões físicas, psicológicas, sexuais, são modelos nefastos para a formação dos jovens. Infelizmente, nos diz a autora, episódios violentos acontecem em qualquer país do mundo, pobres, ricos, assim como em famílias de qualquer nível social e cultural, mas não é por isso que devemos deixar que sejam entendidos como naturais. Sempre existirão as causas, e essas devem ser exploradas com os envolvidos, a fim de que sejam encontradas as estratégias de mudança, daí a importância da educação, da saúde, das políticas públicas de assistência, das leis que protegem as categorias a risco ou em situações de vulnerabilidade. Estas últimas devem ser conhecidas, difundidas e, sempre que possível, aperfeiçoadas pelos atores sociais. É necessário que tenhamos em conta o desenvolvimento tecnológico e o acesso ao conhecimento, que tem aumentado sobremaneira nas últimas décadas, contribuindo para a evolução pouco equilibrada das competências dos jovens, que hoje são mais imediatistas, pouco reflexivos, dando pouco espaço às relações interpessoais e afetivas. Tais atitudes podem trazer consequências negativas para adolescentes de qualquer nível social, o que enfatiza a importância da mediação dos adultos em casa e na escola (CURY, 2017). O desenvolvimento do ciclo de vida é interessante de ser estudado, e psicólogas e psicólogos devem estar sempre se atualizando e contribuindo para a construção do conhecimento científico desse tema, pois, como dizia o poeta espanhol Antonio Machado (apud BOHOSLAVSKY, 1977, p. 27): Caminante son tus huellas el caminho y nada más. Caminante no hay caminhos se hace caminho al andar. Traduzindo: “Caminhante, tuas pegadas são o caminho, nada mais. Caminhante, não há caminhos; faz-se o caminho ao andar” (MACHADO apud BOHOSLAVSKY, 1977, p. 27). Assista aí É ISSO AÍ! Nesta unidade,você teve a oportunidade de: conhecer o conceito de adolescência enquanto período do ciclo de vida dos seres humanos; entender que a adolescência é uma construção social, que não acontece da mesma forma em todas as culturas; diferenciar o período da puberdade, mais relacionado com as mudanças biológicas, da adolescência, que tem um caráter mais social e comportamental; compreender a inserção do adolescente na sociedade e perceber a dinâmica das relações estabelecidas; identificar a importância da família enquanto instituição e como os diversos tipos de contextos familiares podem influenciar no desenvolvimento do adolescente. REFERÊNCIAS