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Formação Sociocultural Professor Esp. Cleber Henrique Sanitá KojoProfessor Esp. Cleber Henrique Sanitá Kojo Professor Esp. Paulino Augusto Peres de SouzaProfessor Esp. Paulino Augusto Peres de Souza Professor Me. Paulo Vitor Palma NavasconiProfessor Me. Paulo Vitor Palma Navasconi EduFatecie E D I T O R A Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Prof.ª Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Candido Berthier Fortes, 2177, Centro Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rua Pernambuco, 1.169, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 4 BR-376 , km 102, Saída para Nova Londrina Paranavaí-PR (44) 3045 9898 www.unifatecie.edu.br/site/ As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock https://orcid.org/0000-0001-5409-4194 2021 by Editora EduFatecie Copyright do Texto © 2021 Os autores Copyright © Edição 2021 Editora EduFatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora EduFatecie. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. EQUIPE EXECUTIVA Editora-Chefe Prof.ª Dra. Denise Kloeckner Sbardeloto Editor-Adjunto Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Assessoria Jurídica Prof.ª Dra. Letícia Baptista Rosa Ficha Catalográfica Tatiane Viturino de Oliveira Zineide Pereira dos Santos Revisão Ortográ- fica e Gramatical Prof.ª Esp. Bruna Tavares Fernades Secretária Geovana Agostinho Daminelli Setor Técnico Fernando dos Santos Barbosa Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt www.unifatecie.edu.br/ editora-edufatecie edufatecie@fatecie.edu.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP K79f Kojo, Cleber Henrique Sanitá Formação sociocultural / Cleber Henrique Sanitá Kojo, Paulino Augusto Peres de Souza, Paulo Vitor Palma Navasconi. Paranavaí: EduFatecie, 2021. 109 p. : il. Color. ISBN 978-65-87911-29-8 1. Negros – Identidades raciais - Brasil. 2. Indígenas da América do Sul – Usos e costumes. 3. Identidade de gêneros. I. Souza, Paulino Augusto Peres de. II. Navasconi, Paulo Vitor Palma III. Faculdade de Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná - UniFatecie. IV. Núcleo de Educação a Distância. V. Título. CDD : 23 ed. 301 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 https://doi.org/10.33872/edufatecie.formsociocultural.2019 AUTORES Professor Esp. Cleber Henrique Sanitá Kojo ● Mestrando em Ensino Profissionalizante de História pela UNESPAR - Campo Mourão/PR ● Professor na Escola Fatecie Max (séries finais do Ensino Fundamental). ● Professor no Colégio Fatecie Premium (Ensino Médio). ● Professor de Sociedade e Cultura na UniFatecie no curso de Ciências Contábeis. ● Professor formador e conteudista no EAD UniFatecie ● Tutor do EAD UniFatecie. Professor Esp. Paulino Augusto Peres ● Graduado em História pela UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná) cam pus de Paranavaí/PR. ● Especialista em Didática e Tecnologia na Educação pela FATECIE (Faculdade de Ciências e Tecnologia do Norte do Paraná). ● Mestrando em Ensino Profissionalizante de História pela UNESPAR - Campo Mourão/PR ● Professor na Escola Fatecie Max (séries finais do Ensino Fundamental). ● Professor no Colégio Fatecie Premium (Ensino Médio). Professor Me. Paulo Vitor Palma Navasconi Psicólogo, membro do coletivo Yalodê-Badá e do Núcleo de Estudos Interdisciplinar Afro-Brasileiro da UEM (NEIAB). Ex Coordenador estadual da cadeira LGBT do Fórum Pa- ranaense de Juventude Negra. Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) no ano de 2015. Mestre pela Universidade Estadual de Maringá. Doutorando em Subjetividade e práticas sociais na contemporaneidade na Universidade Estadual de Maringá. Membro do grupo de pesquisa em sexualidade, saúde e política. Membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia (Sede Paraná 08). Professor em Psicologia na Faculdade Cidade Verde (FCV) na cidade de Maringá. Atualmente dedica-se a estudos relacionados à raça, gênero, genocídio da população negra, história da Psicologia e com- portamento suicida. APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Sejam bem-vindos ao nosso curso de Formação Sociocultural. A partir de ago- ra partimos para uma viagem ao tempo para buscar nas nossas experiências históricas algumas explicações para o que ocorre no Brasil contemporâneo e claro, olhar para um horizonte futurístico e depositar nele nossa aprendizagem como uma forma de expectativa. Em nossa viagem ao passado em busca desses espaços de experiências do Brasil e consequentemente, de nós mesmos, primeiro iremos compreender que durante toda a nossa história os detentores do poder no nosso país criaram mecanismos para manutenção de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena, a branca mais empobrecida e claro, a população negra. Em seguida, você entenderá como funcio- nou a escravidão no mundo em vários períodos históricos para após compreender como foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreenderá como era a vida do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado Mahommah G. Baquaqua e por fim, entenderá como esses escravizados no Brasil resistiam à escravidão para então ter contato com o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o quilombo dos Palmares. Nas Unidades III e IV retomaremos o fascínio sobre o assunto desta disciplina, observando, lendo ou estudando as unidades I e II, pois é o início de um grande desafio em que vamos triunfar juntos. Proponho, uma construção conjunta sobre a História e Cultura dos primeiros moradores desse “Gigante pela própria natureza”, nossa querida terra, uma terra próspera, cheia de riquezas naturais e tão diversificada culturalmente, fazendo assim uma viagem temporal, desde a descoberta do Brasil até a atualidade. Vamos explorar a Lei 11.645/2008, complementando a Lei 10.639/2003 apresentada nos capítulos anteriores. Vale ressaltar que iremos verificar a visão eurocêntrica e os desafios de desmistificar essa ideia retrógrada, devemos assim elevar a história e a cultura indígena ao patamar que a mesma merece. Dentro desse desafio, iremos conhecer muito além da lei 11.645/2008, pois obser- vamos os seus impactos na sociedade, conhecendo assim um pouco da história e da cultura indígena. Temos que exaltar os desafios de superar o etnocentrismo e mostrar o conceito de “Índio” na sociedade atual. Vale destacar que vamos reconhecer a sociodiversidade indígena, ou seja, reconhecer os direitos e as diferenças entre os povos e os troncos lin- guísticos. Ressalta-se ainda que não se deve desprezar o Índio na historiografia brasileira, fazendo assim uma comparação entre passado e presente, semelhanças e diferenças, entre várias culturas que compõem esse povo, sobretudo seus aspectos religiosos. Quase no fim de nossa jornada debateremossobre as questões de Gênero e suas vertentes. Vale ressaltar que abordaremos alguns conceitos chaves para que possamos compreender um pouco melhor o termo gênero e sexualidade. Vamos apresentar e expla- nar os conceitos de heterossexualidade compulsória, heteronormatividade e naturalização. Assim, chegaremos ao fim dessa viagem. Espero que seu horizonte de expec- tativas seja modificado, uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica de vários povos, desta forma, a humanização das relações entre esses povos só é possível quando os conhecemos melhor e possamos ver que o outro é igualzinho a mim. Muito obrigado e bom estudo! SUMÁRIO UNIDADE I .................................................................................................... 04 História e Cultura Africana UNIDADE II ................................................................................................... 33 O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado UNIDADE III .................................................................................................. 54 História e Cultura Indígena UNIDADE IV .................................................................................................. 75 A Compreensão sobre Questões de Gênero e Direitos Humanos 4 Plano de Estudo: ● O ainda mal compreendido negro no Brasil; ● Africanos são todos iguais? De onde veio a população negra no Brasil? ● O que foi a escravização? ● O africano no Brasil; ● A Resistência Negra; ● Os quilombos como sinônimo de resistência negra. Objetivos da Aprendizagem: ● Contextualizar a história do africano no Brasil a fim de perceber que sua existência hoje.se dá através de muita luta,e que sua cultura está presente no nosso dia a dia; ● Compreender que a africanidade no Brasil é composta de diversas etnias africanas e não de apenas um povo chamado africano, pois não existe um povo africano, mas povos africanos; ● Estabelecer a importância da compreensão da escravização negra no Brasil como ponto de partida para entender a existência do próprio negro no Brasil contemporâneo; ● Entender que os escravizados não aceitavam passivamente sua escravidão, mas resistiam de diversas formas, sobretudo na forma de concentração quilombolas. UNIDADE I História e Cultura Africana Professor Esp. Cleber Henrique Sanitá Kojo Professor Esp. Paulino Augusto Peres 5UNIDADE I História e Cultura Africana INTRODUÇÃO Sejam bem-vindos ao nosso curso de Formação Sociocultural e Ética. A partir de agora, partimos para uma viagem no tempo em busca das nossas experiências históricas, algumas explicações para o que ocorre no Brasil contemporâneo e, claro, olhar para um ho- rizonte futurístico, depositando nele nossa aprendizagem como uma forma de expectativa. Em nossa viagem ao passado, em busca desses espaços de experiências do Brasil e, consequentemente, de nós mesmos, primeiro iremos compreender que, durante toda a nossa história, os detentores do poder no nosso país criaram mecanismos para manutenção de seu próprio poder, mantendo nas camadas mais baixas a população indígena, a branca mais empobrecida e, claro, a população negra. Em seguida, você entenderá como funcionou a escravidão no mundo em vários períodos históricos para logo após compreender como foi a escravidão moderna no Oceano Atlântico. Também compreenderá como era a vida do africano no Brasil através da biografia de um ex-escravizado chamado Mahommah G. Baquaqua e, por fim, entenderá como esses escravizados no Brasil resistiam à escravidão para então ter contato com o maior exemplo de resistência negra no Brasil, o quilombo dos Palmares. Ao fim dessa viagem espero que seu horizonte de expectativas seja modificado, uma vez que todos nós, brasileiros, somos fruto de uma herança multiétnica de vários povos; desta forma, a humanização das relações entre esses povos só é possível quando os conhecemos melhor e possamos ver que o outro é igualzinho a mim. 6UNIDADE I História e Cultura Africana 1. O AINDA MAL COMPREENDIDO NEGRO NO BRASIL Os africanos trazidos ao Brasil foram tantos que hoje o país já não pode ser expli- cado sem a devida compreensão desta população. Quando os indígenas, nativos da terra, ao conhecer o território resistiram à escravidão foi na África que portugueses encontraram a solução. Sem os indígenas a falta de mão-de-obra colocou em risco o sucesso da colo- nização lusitana. Os africanos substituíram a população nativa no trabalho escravo para as atividades essenciais que iam desde a lavoura de cana-de-açúcar até a mineração. O mercado de escravos foi tão importante que movimentou por séculos o comércio no atlântico sul, uma vez que Portugal não abriria mão de trabalho tão barato. A mistura entre africanos, indígenas e portugueses foi inevitável. A vida em meio à natureza do indígena, o ímpeto colonizador europeu e toda a carga cultural africana que iam desde linguagem às religiões e artes. O povo africano não pode ser compreendido apenas através de suas relações de trabalho, mas também de cultura e poder. Aliás, diversos povos africanos foram trazidos contra suas vontade ao Brasil e seria errado e injusto chamá-los apenas de povo sendo que vieram de diversos povos e nações africanas. O grande número de africanos trazidos ao país foi tanto que sua cultura se misturou e se enraizou por aqui e hoje formam a cultura do povo brasileiro. Junto a cultura europeia e indígena formam o brasileiro que come feijoada - comida atribuída aos africanos escravi- zados -, ao banho diário - prática indígena - e ao hábito de tomar café - prática popularizada pelos europeus. A miscigenação cultural é característica desta terra e, ao mesmo tempo, 7UNIDADE I História e Cultura Africana pouco compreendida. É nesse ponto que devemos nos atentar ao fato da cultura dos povos africanos vindos ao Brasil ser pouco compreendida. Samba, capoeira, candomblé é sabido de todos que fazem parte da cultura africana, mas a África é um continente gigantesco com diversas cultura o que implica na confusão de que a cultura africana seja homogênea. Grande equívoco. Os povos trazidos ao Brasil vieram de lugares distintos, uns adoravam orixás, outros, Alá. Compreender que não existe povo africano, mas povos africanos é o primeiro passo para valorização da cultura desses povos africanos que contribuíram para nossa formação. Qual o significado da capoeira: dança ou luta? Se dança, o que ela repre- senta, se luta, contra que lutavam? E o samba, por que sambavam? Por ser um elemento ritualístico de uma religião ou por alegria? Por que João Gilberto afirmou que “Madame não gosta de samba”? Teria o cantor interpretado tal música apenas pela beleza da mesma ou o fato de Madame não gostar de samba nos apresenta uma desigualdade social que envolve elementos étnico-raciais? Durante toda a história do Brasil, é realizada a manutenção de mecanismos que impediram a ascensão social do negro no Brasil. Durante todo o período colonial (1500- 1522) e imperial (1822-1889) a escravidão imperou de tal forma que até mesmo pressões estrangerias de potências mundiais criaram leis internacionais para forçar o Brasil a declarar o fim de sua escravidão. Nenhum país no mundo teve uma escravidão tão duradoura quanto a nossa. O Brasil foi o último país no mundo a abolir sua escravidão. Decretos como o nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam admitidos escravos e o Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos es- colares. Sendo a educação um meio de ascensão econômica e social, o impedimento aos negros de estudarem consolidou a manutenção destes nas camadas mais pobres. Após o fim da escravatura, a teoria do embranquecimentoda raça impede o ne- gro, agora livre, de conseguir emprego, de alcançar cargos públicos de ser cidadão de fato. O imigrante europeu foi trazido ao país para fazer crescer o número de brancos no país e assim, embranquecer a população brasileira. O negro fora considerado, durante a primeira república, como um ser humano de segunda categoria, menos capaz, menos inteligente. A história do povo africano no Brasil e sua cultura não pode ser contada sem compreender de onde esses povos vieram, porque foram escravizados e porque, mesmo após a escravidão, continuaram sendo colocados como cidadãos de segunda classe. 8UNIDADE I História e Cultura Africana 2. AFRICANOS SÃO TODOS IGUAIS? DE ONDE VEIO A POPULAÇÃO NEGRA NO BRASIL? Segundo Alencastro (2000) entre 1551 e 1575, cerca de 25 mil africanos foram trazidos ao Brasil. Entre 1576 e 1600, houve um salto considerável para quase 200 mil africanos. Entre 1676 e 1700 houve um pequeno recuo para cerca de 175 mil pessoas trazidas da África e mais de 350 mil entre 1741 e 1760. A maior parte dos africanos trazidos ao nosso país era da costa oeste africana, sobretudo dos povos sudaneses e banto. Da África Setentrional, no norte do continente, vieram ao Brasil povos de Castelo da Mina, Costa da Mina, povos Ajudá, Bissau, Oorin, Calabar e Cameron. Calcula-se que entre 1812 a 1820 17.691 escravizados tenham sido trazidos em 68 navios. Já da África Meridional ao sul do continente, 20.841 africanos foram trazidos em 69 navios negreiros ao país do Congo, Zaire, Cabinda, Angola, Moçambique, Quillemani, Cabo Lopes, Malambo, Rio Ambriz e Zanzibar. Esta estatística não nos diz a nacionalidade dos negros trazidos ao Brasil, mas nos apresenta que os navios negreiros vinham da costa oeste africana, entre povos bantos e sudaneses. Os dados, ainda que limitados, nos mostram a procedência dessas pessoas trazi- das para o trabalho escravo no Brasil. O governo inglês proibiu o comércio de escravos, tornando, assim, a atividade portuguesa em tráfico negreiro, e para despistar os ingleses, muitos documentos foram destruídos, outros nunca chegaram a existir com a intenção de enganar os britânicos. 9UNIDADE I História e Cultura Africana O contingente de pessoas trazidas do Oeste da África fora chamado de “ouro negro” pelos mercantilistas europeus. Portugueses, franceses, holandeses e ingleses disputavam o comércio de escravos bantos e sudaneses no Oceano Atlântico. Reginaldo Prandi diz o seguinte sobre esses povos: [...] os sudaneses constituem os povos situados nas regiões que hoje vão da Etiópia ao Chade e do sul do Egito a Uganda mais ao norte da Tanzânia’. Quanto aos bantos, eram povos da ‘África Meridional, estão representados por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos aparentados, es- tendendo-se para o sul, logo abaixo dos limites sudaneses, compreendendo as terras que vão do Atlântico ao Índico até o cabo da Boa Esperança. O ter- mo ‘banto’ foi criado em 1862 pelo filólogo alemão Wilhelm Bleek e significa ‘o povo’, não existindo propriamente uma unidade banto na África.(BRANDI, 2000, p. 83). Brandi (2000) afirma que bantos e sudaneses são definições genéricas e imprecisas, produzidas no contexto da apropriação europeia do continente e dos povos da África. Sendo assim, afirmações sobre a origem dos africanos no Brasil são quase sempre imprecisas. Os bantos dividiam-se em dois grupos, os angola-congoleses e os moçambiques e tinham como destino o Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. Os sudaneses também se dividiam em três subgrupos: yorubás, jejes e fanti-ashantis e seu destino principal era a Bahia. E, ao contrário do imaginário popular, esses povos falavam línguas diferentes, muitas vezes dentro de uma mesma fazenda, existiam escravizados de várias etnias e, desta forma, não conseguiam se organizar devido a impossibilidade trazida pela linguagem. 10UNIDADE I História e Cultura Africana 3. O QUE FOI A ESCRAVIZAÇÃO? A história do Brasil se confunde com a dos povos africanos devido aos milhões de africanos trazidos ao nosso país à sua revelia. A escravidão não foi invenção da época moderna, tão pouco dos portugueses. A escravidão surge na antiguidade há pelo menos cinco mil anos. Um dos primeiros códigos legais do mundo, o de Hamurabi, já destacava diretrizes da manutenção da escravidão indo desde a compra de prisioneiros de guerra como escravizados e pessoas endividadas que poderiam serem transformadas em escravizadas até condições de vida dos mesmos. A escravização ela legalizada na Mesopotâmia e em outros diversos lugares do mundo. a escravização era aceita e, ao contrário do que imagina, não envolvia a cor da pele como algo essencial para a escravidão. Prisioneiros de guerra e pessoas endividadas foram os primeiros a serem tornados escravos na humanidade. A escravização negra surgiria milê- nios depois. (FIGUEIREDO: 2019). Entre os romanos na antiguidade a escravidão tabém envolvia prisioneiros de guerra e ainda durante a República romana também endividados poderiam tornarem-se escravos. Situação modificada depois da pressão da plebe sobre os patrícios. Existia tam- bém a possibilidade de negociação para a libertação dos escravizados. A escravidão na Roma Antiga era essencial para a existência do Império uma vez que a mão-de-obra no campo era quase que totalemente de escravizados. O processo de conquista era essencial para aquisição de novos escravos. O trabalho escravizado em Roma era, normalmente um 11UNIDADE I História e Cultura Africana trabalho pesado, tanto que a palavra trabalho que usamos hoje no idioma português (que é uma variação do latim falado pelos romanos) tem origem na palavra latina, tripalium, que era um instrumento de tortura romano. (FIGUEIREDO: 2019). Na Grécia Antiga as cidades- -estados gregas praticavam a escravidão largamente. As duas principais potências gregas, Esparta e Atenas rivalizavam militarmente, economicamente, politicamente, mas algumas semelhanças as aproximavam, uma delas a escravidão. Apesar da democracia ateniense, ser cidadão em Atenas exigia diversos critérios e claro, os escravos não poderiam ser cidadãos. Em Esparta, com uma política diárquica, a escravização a prisioneiros de guerra permanecia. Três termos eram utilizados pelos gregos para denominar o trabalho: poiesis, praxis e labor. A poiesis seria o trabalho criativo, a práxis o político e o labor o trabalho físico que era, quase que geralmente, destinado aos escravizados. A escravidão pela guerra ou por dívidas foi o mais comum visto pelo mundo, não só na Mesopotâmia, Grécia e Roma, mas também existiu nas civilizações ameríndias, entre os indígenas americanos, entre chineses, japoneses, mongóis, nórdicos, hebreus e árabes. A escravidão também existia no continente africano, quase todos os povos da Áfric apraticavam a escravidão e repetiam o padrão da escravização de prisioneiros de guerra e endividados. Não existia a escravidão etnico-racial. (FIGUEIREDO: 2019). As religiões também tiveram sua relações com a escravidão. Os hebreus escraviza- vam povos conquistados e após sete anos eram obrigados, de acordo com a Lei Mosaica, a libertarem seus escravos. O mais famoso argumento judaico-cristão para a manutenção da escravidão é retirado da bílblia onde Noé, após sair da Arca com sua família, teria amaldiçoado seu filho Cam por ter rido de seu pai bêbado (FIGUEIREDO: 2019). Após se recuperar de sua bebedeira a tradição afirma que Noé amaldiçoou Cam por sua atitude. A maldição lançado por Noé sobre Cam, segundo essa teoria, teria sido a escravidão de seus descendentes. Acreditam que os filhos de Noé se espalharam pelo mundo onde Jafé teria ido para a Europa sendo seus descendentes os europeus, os filhos de Sem teriam ficado no Oriente Médio e dado origem a hebreus e árabes e Cam teria ido para a Áfricadando origem aos povos africanos. Essa teoria é somada a outra teoria baseada nos textos bíblicos onde Caim após matar seu irmão Abel teria sido marcado pelo próprio Deus para que todos soubessem de seu crime e essa marca seria a cor negra. Ambas as teorias não possuem fundamento teórico-metodológico, entretanto foram utilizadas para justificarem a escravidão da população africana. Outra religião que fez da escravidão uma prática nor- malizada foi o islã e liberavam alforria para aqueles que se convertiam ao islamismo. Em todos os casos citados a escravidãosempre envolvia prisioneiros de guerra e/ou pessoas 12UNIDADE I História e Cultura Africana endividadas, havia possibilidade de alforria e até mesmo de ascensão econômica dos es- cravizados, talvez o exemplo mais famoso eram o dos gladiadores romanos, onde muitos eram escravizados e viviam uma vida de de prestígio social e conforto econômico. Tanto a prática da escraidão quanto a crítica à mesma foi muito comum desde a antiguidade. Na República Romana plebeus e tribunos da plebe criticavam a escravidão e extinguiram a modalidade por dívida. Na Grécia muitos defensores da democracia pediam o fim da escravidão. Apesar das críticas a escravidão foi algo bem comum a diversos povos, lugares e períodos. (FIGUEIREDO: 2019). Como a escravização de pessoas foi comum a diversas culturas, alguns usam esse fato como argumento para minimizar a escravização de africanos entre os séculos XVI e XIX no continente americano e suas consequências. Essa comparação não pode ser realizada, pois carece de fundamento. A escravização realizada pelos europeus é inaugurada durante as Cruzadas na Baixa Idade Média (séc. X a XV). Os eslavos eram escravizados pelos reinos da Europa, tanto que a palavra escravo surge da palavra eslavo. E no Mediterrâneo, que era a fronteira natural entre cristãos (Europa) e islâmicos (norte da África), houve a escravização mútua de muçulmanos e católicos (FIGUEIREDO: 2019). Durante as Grandes Navegações iniciadas por Portugal no século XV, os lusitanos ao contornarem a África para alcançarem as Índias comercializavam escravizados com os povos africanos, inicialmente com os do norte da África e após com os das demais regiões. No norte da África prevalecia povos africanos e árabes de religião islâmica que tinha na escravidão uma fonte econômica importante. Conforme os portugueses iam para o Sul da áfrica encontravam novos vendedores de escravos, mas esses eram de pele escura e de religiões de origem africana. É importante destacar que a prática escravista que existia na África não era diferente da que existia em outros lugares do mundo e o ponto que deve ser destacado sobre os demais é que não existia escravidão étnica na África. Os povos africanos que escravizam o faziam com prisioneiros de guerra e pessoas endividadas e não devido a religiosidade, origem ou cor da pele (FIGUEIREDO: 2019). Quando o papa Nicolau V percebeu a rentabilidade do comércio de escravizados autorizou o rei português o direito de aplicar a escravidão perpétua a sarracenos pagãos e quaisquer não cristãos: [...] outorgamos por estes documentos presentes, com a nossa Autoridade Apostólica, permissão plena e livre para invadir, buscar, capturar e subjugar sarracenos e pagãos e outros infiéis e inimigos de Cristo onde quer que se encontrem, assim como os seus reinos, ducados, condados, principados, e outros bens [...] e para reduzir as suas pessoas à escravidão perpétua. [...]. (ASSUNÇÃO, 2004, p. 51). 13UNIDADE I História e Cultura Africana O papa era a maior autoridade política na Europa naquele período, por isso, uma bula papal tinha importância não somente na Europa, mas nos novos territórios que esses países conquistavam. Nesta Bula os portugueses eram autorizados a conquistar territórios não cristianizados e consignar a escravatura perpétua aos sarracenos e pagãos que cap- turassem como forma de defesa, uma vez que estes vinham perseguindo e ameaçando cristãos da época. Esse documento é considerado frequentemente como o advento do comércio e tráfico europeu de escravos na África Ocidental. Durante as guerras do período entre os século XVI e XIX foram escravizados quase um milhão de pessoas por reinos muçulmanos e essas pessoas não eram negras, islandeses, italianos, espanhóis e gregos eram capturados e forçados a trabalharem, prin- cipalmente como remadores em galés. O Brasil ainda não fazia parte desta rota da escra- vidão sendo restrita ao mediterrâneo na Europa. Os muçulmanos não realizaram nenhuma captura no Brasil ou no continente americano, portanto a escravização da era moderna restrita à população africana negra não pode ser comparada com as demais escravizações. (FIGUEIREDO: 2019). . Apesar da antiguidade da prática da escravidão a África se torna o maior centro de esvravização já visto no mundo. Segundo Philipp Curtin as estimativas de africanos trazidos para serem escravizados nas américas poderia variar entre 11 e 20 milhões, principalmente para Brasil e Estados Unidos, além de alguns milhões que morreram na viagem transa- tlântica. (CURTIN: 1972) Ainda na primeira metade do século XVI começaram a chegar os primeiros africanos no Brasil para o trabalho compulsório, ainda de maneira tímida, mas se intensificaria nos séculos seguintes. Quase cinco milhões de escravizados foram trazidos ao Brasil pelos portugueses, que eram os principais mercadores de escravizados no mundo. O mercado de escravizados era tão lucrativo que incentivaria outras potências europeias a fazerem o mesmo. (FIGUEIREDO: 2019) A escravização ocorrida nas américas através do atlântico é um fenômeno diferente das modalidades de escravidão anteriores. Antes se escravizava o prisioneiro de guerra, no era moderna o africano negro. São dois fenômenos diferentes. O africano foi transformado em mercadoria fruto de um mercado lucrativo. Além de econômico foi um fenômeno étnico, que reduziu várias etnias africanas a um patamar inferior ao europeu e a outras etnias do mundo. Esse é outro ponto importante para diferenciar a escravização da idade moderna das anteriores. (FIGUEIREDO: 2019). É na Idade Moderna que se estabelece a cor da pele como fator determinante para a escravidão, uma novidade na história. 14UNIDADE I História e Cultura Africana A consequência da estrura racial da escravidão é o racismo que se apresenta de forma explícita, estrutural e institucional em nosso país. Ter 52% da população negra ou parda mostra como a nossa sociedade tem origem africana do período da escravização. Ainda hoje ser negro, para algumas pessoas, no continente americano, é sinônimo de infe- rioridade. Ou seja, a pessoa por ser negra já é considerada inferior. No passado do Brasil, era considerada escrava, mesmo se não fosse. A escravização negra no Brasil durou três séculos. Estes séculos deixaram marcas ainda abertas na nossa sociedade. (FIGUEIRE- DO: 2019). Ainda é importante destacar que o fato de a escravidão negra ser mais recente e mais ampla que as versões aneriores não ameniza a situação de escravidão que viveram pessoas de outros lugares e épocas, mas enfatiza a importância de comprender a diferença entre essas modalidades e descatar a cor da pele como fundamentla da escravidão inau- gurada na era moderma. 15UNIDADE I História e Cultura Africana 4. O AFRICANO NO BRASIL A história do africano no Brasil é uma história de resistência. Milhões de africanos foram raptados, escravizados e trazidos para o Brasil entre os séculos XVI e XIX. Pelo me- nos um terço de todos os cativos africanos trazidos para o continente americano vieram ao Brasil. Mas a história do africano em terra tupiniquins vai além da escravidão em si. Muitos são os pontos que envolvem essa história, incluindo a resistência, desde a violência às imposições culturais. Diante da proibição do direito à liberdade e de mantersuas tradições, alternativas foram criadas por essa população para driblar as imposições portuguesas. (NASCIMENTO: 2019). O africano no Brasil é muito mais que mão-de-obra e a história africana passa a ser valorizada nas últimas décadas na tentativa de compreender o processo histórico envolvendo as diferentes etnias ainda na áfrica, o comércio de escravos entre africanos, o rapto, a viagem transatlântica e as jornadas em território brasileiro para serem vendidos no mercado de escravos para algum senhor de engenho. Todo esse complexo emaranhado de fatos nos apresenta a história do africano no Brasil. Os árabes eram os maiores praticantes do comércio de escravos nos séculos XV e XVI, apesar de também existir escravidão na Europa, África e Ásica. Os árabes traficavam pelo menos 400% mais pessoas que os europeus no século XVI, mas com a expansão marítima portuguesa em sua ambiciosa missão até as Índias mudaria esse panorama. Os portugueses, ao contornarem a África, estabeleceram postos comerciais que ligavam o 16UNIDADE I História e Cultura Africana comércio de mercadorias do interior africano até o litoral e do litoral para o mundo.Neste momento tiveram contato com a escravidão que já existia entre os africanos e assim ini- ciaram um mercado de escravos que envolvia a compra ou expedições para o rapto de africanos para vendê-los após. (NASCIMENTO: 2019). Com essas medidas os portugueses descobriram uma nova fonte de comércio extremamente lucrativa: o comércio de pessoas escravizadas. O pioneirismo português no uso da mão-de-obra negra inicia-se com a agricultura de cana-de-açúcar nas ilhas Canárias (da Espanha) e Cabo Verde, na África. As primeiras áreas de produção açucareira são instaladas e o africano foi utilizado no trabalho forçado, o que barateava a mão-de-obra e elevava o lucro dos produtores. Os espanhóis também praticaram a escravidão na América e nas ilhas Canárias, entretanto não se estabeleceram na apfrica, como fizeram os portugueses, portanto, o monopólio do comércio de escravos estava nas mãos de Portugal que inicou vendendo os cativos para a Espanha e depois à sua maior colônia, o Brasil. Portugal saiu na frente no comércio de escravos, mesmo com Holanda e Inglaterra como concorrentes, a liderança dos portugueses era sólida. Portugueses e membros da elite colonial no Brasil eram os maiores interessados nesse comércio, pois controlavam diretamente os portos da África. Com tamanho monopólio português, pelo menos 30% de todo o translado de africanos à América foram trazidos por portugueses e brasileiros, aliados, evidentemente, de Portugal. Os números de africanos trazidos ao continente americano cresceu ao longo dos séculos, sendo cerca de 34 mil no século XVI, 900 mil no século XVII, cerca de 2 milhões no século XVIII e alcança seu apogeu no século XIX, após a independência do Brasil que trazia 17 mil escravizados por ano (NASCIMENTO: 2019) e só não foi maior esse comércio porque em 1950 foram impedidos de trazer africanos ao Brasil. A escravização em território africano iniciava com as guerras entre os povos afri- canos, muitas delas não tinha qualquer interferência dos europeus. Como acontece com as guerras, eram feitos muitos prisioneiros que eram comercializados com outros povos africanos como escravizados. Com as grandes navegações europeias, esses prisioneiros de guerra também passaram a ser vendidos a comerciantes da Europa, principalmente portugueses. Também existiam os que eram comercializados para a escravidão criminosos e endividados e ainda existiam os que eram raptados por portugueses e vendidos como escravos, sem qualquer acordo com os poderes locais. (NASCIMENTO: 2019). 17UNIDADE I História e Cultura Africana A comercialização portuguesa de cativos africanos chamou a atenção de mais investidores e com apoio da Igreja Católica. No início do comércio de africanos fora da África pelo português Antão Gonçalves no século XIV a Igreja chegou a condenar a prática da escravidão através da Carta Sicut Dudum do Papa Eugênio IV onde proibia e escravidão e ordenava a liberdade imediata dos cativos: Ordenamos e ordenamos a todos e a cada um dos fiéis de cada sexo, no es- paço de quinze dias após a publicação dessas cartas no local em que vivem, que restaurem à sua liberdade anterior todas e cada pessoa de ambos os sexos que já foram residentes das referidas Ilhas Canárias, e fizeram cativos desde o momento da sua captura e que foram sujeitos à escravidão. Essas pessoas devem ser total e perpetuamente livres, e devem ser deixadas ir sem a exação ou recepção de dinheiro. (EUGÊNIO IV: 2021) Apesar da investida do Papa contra a escravidão ao longo dos anos a Igreja foi se tornando cada vez mais simpática a ideia, uma vez que poderiam alcançar novos fiéis nos continentes americano e africano. A Igreja iria auxiliar no processo de expansão marítima conforme aponta Costa: Igreja e Coroa Portuguesa estreitavam suas relações, unindo forças na con- quista das riquezas e das almas além-mar. Isso porque, colonização e evange- lização faziam parte de um grande empreendimento, no qual a cruz e a espa- da configuravam-se como elementos indissociáveis na conquista da América. Dessa forma, a Igreja surge como principal legitimadora das ações das Coroas Ibéricas, incluindo a escravização dos africanos (COSTA, 2008, p. 03). Apesar de vastos vestígios históricos sobre o período ainda se carece de docu- mentos mostrando a realidade da escravizadão sob o olhar dos escravizados. Em 1854 foi publicada em inglês o livro autobiográfico de Mahommah Gardo Baquaqua. Nascido na África Ocidental, era de uma família muçulmana de poder. Os muçulmanos se preocupavam com a alfabetização e sua família havia o alfabetizado em dois idiomas o que, no futuro, o auxiliaria aprender mais facilmente outros idiomas. Em sua obra descreve a sua experiên- cia com a escravidão. Apresenta a trajetória desde o momento que conheceu os homens brancos, sua captura, a viagem no navio negreiro e quais estratégias de resistência utilizou durante sua condição de cativo no Brasil e Estados Unidos. (NASCIMENTO: 2019). O escravizado era vendido como mercadoria, como coisa e eram separados de seus pais e família. Filhos eram separados de pais e irmãos e maridos de suas esposas para nunca mais se verem. A violência extrapolava os limites da violência física e atingia diretamente o psicológico ao forçar a separação de familiares. O comércio de escravos misturava diferentes etnias africanas de forma estratégica para evitar que um grande nú- mero de escravizados estivessem em um mesmo lugar e, assim, poderia dificultar a união entre eles em forma de revoltas. Caso houvessem muitos africanos da mesma etnia em um mesmo navio negreiro ou mercado de escravos eles poderiam se unir em resistência. 18UNIDADE I História e Cultura Africana Colocar pessoas de etnias diferentes e com idiomas diferentes foi uma estratégia bem eficiente. Outra estratégia dos comerciantes europeus era apagar as identidades dos que eram escravizados e isso não se resume ao nome, mas identidade é tudo aquilo que faz a pessoa ser o que é, desde religiosidade a vestes e cabelo. Muitas etnias africanas valorizam em sua construção da identidade o cabelo em tranças, podendo até mesmo serem distin- guidas no estilo de uso das mesmas. Para apagar a identidade desses povo seus cabelos eram cortados. Ao cortarem-lhes as tranças, retirarem a liberdade de expressão de suas religiosidades, entre outras coisas, eram-lhe tiradas a sua humanidade, eram reduzidos a meras coisas, objetos, enfim, mercadorias. Baquaqua relata seu sofrimento na captura em uma guerra e sua venda. Descreve como muitos morrerem afogados no naufrágio de um dos barcos que levava ao tumbeiro (navio negreiro). Afirma que a viagem foi um tormento, e em condiçõespéssimas muitos morriam. Chamavam o translado da África à América de travessia onde comiam apenas milho e água. (NASCIMENTO: 2019). E qualquer tentativa de rebelião era tratada com crueldade pelo homem branco: “quando qualquer um de nós se tornava rebelde, sua carne era cortada com uma faca e o corte esfregado com pimenta e vinagre, para torná-lo pacífi- co”. (LARA: 1988). Quando chegou ao Brasil, relata Baquaqua, foram vendidos em um mercado de escravos na casa de um fazendeiro em Pernambuco. (NASCIMENTO: 2019). Após dois dias de espera foi comprado por um comerciante e revendido a um padeiro. Trabalhando para esse padeiro sofreu os mais variados tipos de sofrimento físico e psicológico e nada que tentasse fazer para agradar seu senhor e diminuir sua aflição. As coisas iam de mal a pior e estava muito ansioso para trocar de senhor, en- tão tentei fugir, mas logo fui apanhado, atado e restituído a ele. [...] fui muito severamente espancado. Eu disse a ele que não deveria mais me açoitar e fiquei com tanta raiva que me veio à cabeça a ideia de matá-lo e, em seguida, suicidar-me. [...]. (LARA, 1988, p. 62). Após sua resistência em forma de suicídio, Baquaqua foi vendido a um proprietário que realiza viagens na costa brasileira. Em uma dessas viagens conseguiu fugir quando foi a Nova York em 1847 com ajuda de religiosos abolicionistas estadunidenses. Baquaqua sabia falar diversos idiomas, além de sua língua nativa falava árabe, português, francês e escrevia em inglês. Mudou-se ainda para o Canadá e após para o Haiti que foi o primeiro país onde negros conseguiram sua independência e chegaram ao poder. (NASCIMENTO: 2019). 19UNIDADE I História e Cultura Africana A história de Baquaqua está longe de ser única. Muitos outros escravizados passa- ram por situações semelhantes ou piores e pior, muitos não conseguiram fugir ou comprar sua alforria e viveram a vida toda em escravidão. Mas não viveram sem resistir, seja pela fuga, pela revolta ou pela negociação e busca de alforria: a resistência. (NASCIMENTO: 2019). 20UNIDADE I História e Cultura Africana 5. A RESISTÊNCIA NEGRA A resistência a escravidão era comum desde a África, passando pelos navios ne- greiros e continuava nas colônias. As guerras na África já era uma forma de resistência, pois sabiam que seriam vendidos como escravos. Dentro dos tumbeiros as resistências eram comuns, por isso a estratégia de colocar dentro dos navios africanos de etnias e idiomas diferentes dificultando uma união e possível rebelião. (NASCIMENTO: 2019). Baquaqua afirmou que os navios eram a pior parte da experiência. Baquaqua era islâmico o que no Brasil de católicos era um problema e o padeiro que fora seu proprietário tentou obrigá-lo a se converter com açoites e ameaças. O mesmo acontecia no Brasil com os indígenas que eram obrigados a abandonar a sua fé. (NASCI- MENTO: 2019). A Igreja católica não impedia que isso acontecesse pois via nessa prática o aumento de fiéis em todo o continente americano. As tradições africanas foram proibidas e para preservá-las a população africana no Brasil teve que fazê-la em segredo, muitas vezes enganando os senhores e padres, assim a cultura africana foi se misturando à portuguesa e indígenas tornando sua religiosidade sincrética em nosso país. Os esforços portugueses tentaram anular totalmente qualquer traço da cultura africana, mas os esforços desses povos, durante séculos, conseguiu pre- servá-la. (NASCIMENTO: 2019). A violência sempre era a estratégia durante a escravidão sobre os cativos. Tortu- ras, marcas a ferro, troncos e correntes (NASCIMENTO: 2019) para manter o escravizado 21UNIDADE I História e Cultura Africana “dócil”. Essa violência além de física era psicológica pois o medo era fundamental para manutenção da ordem no escravagismo. A violência talvez seja a principal marca da escra- vião. O trabalho escravo é cruel de diversas formas, começando pelo ato inicial de tirar a liberdade, passa também pelo objetivo de realização do trabalho, pois o fruto do trabalho não é um salário, mas o livramento de ser torturado ou morto. Segundo Manzano (2015) O esforço dos cativos para agradar seus senhores não era suficiente, nem mesmo Baquaqua, um africano alfabetizado conseguia agradar, mesmo tentando aprender os mais variados tipos de funções e sabendo mais de um idioma o tra- balho aumentava e as pressões também. Quando não alcançava as metas estabelecidas era açoitado. A resistência dos escravizados também lhe garantiram algumas conquistas, nem algumas fazendas, por exemplo, conseguiram um pequeno pedaço de terra e um dia de folga por semana. Nestas terras praticavam agricultura e a vendiam e com as economias que juntavam compravam sua alforria.Conceder a esperança de alforria aos cativos era uma forma de mantê-los calmos diminuindo a possibilidade de rebeliões. (NASCIMENTO: 2019). Baquaqua afirmou que, mesmo sabendo das duras consequências, sentiu, mais de uma vez, vontade de agredir seus senhores. O sofrimento desta população os fazia resistir de formas inimagináveis como o suicídio, pois era preferível morrer que ter que viver em tais condições. Ou ainda o aborto de seus filhos que, se nascessem, também estariam condenados àquela vida de medo e torturas constantes, a morte da criança que ainda não nascera seria a ela menos delorosa. Outras formas mais comuns de resistência ocorriam nas fazendas, como o boicote à produção. Ateavam fogo à plantação, quebravam o engenho, escondiam o ouro, soltavam animais, (NASCIMENTO: 2019) tudo para atrasar a produção, gerando prejuízo ao senhor e também para que pudessem ter algumas horas de descanso nas 16 horas diárias de trabalho durante a colheita. A resistência acaba sendo a arma preferida nas relações sociais entre senhor e es- cravizado, uma vez que a obediência irrestrita não surtia efeitos reais. Baquaqua aprendeu o idioma português, aprendeu todos os ofícios na padaria e mesmo assim, após vender os pães na cidade e não atingir a meta, apanhava novamente. O aprendizado não era sufi- ciente na escravidão para amenizar a situação dos escravizados, portanto a resistência se torna a outra alternativa apra evitar espancamentos. Baquaqua se torna desobediente ao seu senhor, pois desobediente ou não, o açoite era certo. O padeiro o vende a um traficante de escravos que o comercializa no Rio de Janeiro. (NASCIMENTO: 2019). 22UNIDADE I História e Cultura Africana Baquaqua ainda afirmou que quase foi comprado por um senhor de escravos negro. Sim existiam no continente americano negros que escravizavam outros negros, entretanto, o número era irrelevante em relação aos senhores brancos. (NASCIMENTO: 2019). O domínio de Brasil e Portugal no tráfico negreiro garantiu a estabilidade e custos baixos no fornecimento de cativos para o Brasil. O escravizado era barato, então para o senhor de escravos não saia caro a alforria do escravo. O custo benefício compensava isso favorecia os acordos entre senhores e cativos. A promessa de alforria estimula muitos a não iniciarem revoltas e não fugirem e a serem leais. Durante muito tempo esses acordos entre as duas partes fez com que alguns acreditassem que a escravidão no Brasil fosse menos cruel, mas esses acordos em nada representam isso, mas sim, a possibilidade, para o senhor, ter mais prejuízos com revoltas, boicotes e revoltas e do escravo poder alcançar sua liberdade. Mesmo com esses pactos entre as partes era muito difícil ao cativo alcançar sua alforria. Ao africano, que era maioria, era mais difícil alcançar a liberdade que o cativo nascido no Brasil. Para aumentar suas chances de alcançar a liberdade, a distância de sua cultura era valorizada pelo senhor. Os negros que abandonavam suas práticas africanas tinham mais oportunidades de serem alforriados. Além do fator cultural, o fator fenotípico também era destacado,uma vez que escravos com pele mais clara tinham mais chances de se tornarem livres que os de pele mais escura. A questão fenotípica era tão comum que até hoje o Brasil ainda convive com suas consequências. Além dos cativos que adotavam os padrões culturais portugueses e os de pele mais clara, também tinham privilégio na possibilidade de alcançar a alforria, os escravizados domésticos, que não participavam da lavoura, e ainda as mulheres conseguiam a alforria duas vezes mais que o homem. O que não representa, de forma alguma, um trato melhor à mulher negra no Brasil, muito pelo contrário, a mulher negra sofria diversos tipos de violência, sobretudo a sexual, a ponto de, na época, se popularizar a frase “branca para casar, mulata para fuder e preta para trabalhar” (FREYRE: 2006). As alforrias de mulheres e crianças eram consequência da violência sexual. As crianças acabavam se alforriando junto com suas mães, pois sua condição estava condicionada a liberdade ou não de sua mãe. As diferentes formas de se tratar os escravizados gerava intrigas e rivalidades, ou pelo tom da cor da pele, ou por ter nascido no Brasil ou por ser católico, o que era bom para o senhor, pois escravos desunidos representava menos perigo para a ordem escravocrata no país. 23UNIDADE I História e Cultura Africana Dividir a população negra era uma estratégia utilizada desde a viagem pelo Atlânti- co, várias etnias em um mesmo barco, com diferentes idiomas evitava a união dos cativos e possíveis revoltas. Nas fazendas essa lógica continuava, o tratamento desigual reforçava a desunião e dificultava a resistência. como não existe um povo africano, mas vários tinham formas diferentes de agir e pensar no mundo, o que os unia era o sentimento contrário à vida cativa, mas as estratégias dos senhores em os desunir deu certo em diversos momen- tos e lugares, mas em outros muitos momentos se uniam mesmo de etnias diferentes para resistir através de fugas, boicotes e assassinatos. 24UNIDADE I História e Cultura Africana 6. OS QUILOMBOS COMO SINÔNIMO DE RESISTÊNCIA NEGRA Quando se fala em resistência à escravidão não há como não se lembrar dos qui- lombos. Quilombo, para os portugueses, seria um grupo de escravos fugidos que cabia às autoridades capturar ou exterminar. Mas para os quilombolas, o quilombo era sua vida, seu habitat, sua casa, era uma forma de organização social em defesa da liberdade.Os quilombos existiam aos montes provando a tese que o escravo resistia à escravidão. As concentrações quilombolas eram uma negação da sociedade escravocrata. Os documentos que existem sobre os africanos nas fazendas e nos quilombos são de maioria portuguesa. Os europeus não se importavam com os nomes, se importa- vam com as informações que destacavam a que tipo de trabalho seria útil, portanto eram notas importantes o sexo, local, origem, altura e peso. Sobre os quilombos descreviam as habitações, o tempo de permanência na comunidade, as roças que plantavam, tecnologias e pessoas capturadas e mortas e mais uma vez, desdenhava-se os nomes. Com a coleta desses dados desenvolveram estratégias que os auxiliavam a evitar a resistência e como melhor combatê-la. A palavra quilombo era usada pelos guerreiros jaga durante os séculos XVI e XVII. Eram guerreiros que resistiram à invasão dos europeus à África e que depois se aliaram a eles em acordos que lhe garantiram a sobrevivência. 25UNIDADE I História e Cultura Africana A colonização existiu, mas não sem a forte resistência desses cativos em busca de sua liberdade. Os quilombos foram e ainda são considerados os grandes símbolos dessa resistência. Em todo o continente americano surgiram quilombos ainda no primeiro século da escravização africana, no século XVI. A resistência é algo inerente à escravidão, sempre a resistência surgiu como reação a ação escravagista. A fuga para a formação de quilombos foi a mais comum e organizada forma de resistir. Em todas as regiões brasileiras, de norte a sul, eles se formaram e persistiram até mesmo após a assinatura da Lei Áurea. O Quilombo dos Palmares ou Angola Janga, com certeza, foi o mais famoso de to- dos os quilombos em terras brasileiras. entre Alagoas e Pernambuco, na Serra da Barriga, região afastada das cidades e vilas e de difícil acesso formou-se um complexo de povoa- ções. Essas vilas de escravizados fugidos eram autossuficientes, viviam da agricultura e criação de animais e dominavam a metalurgia. Por mais de um século, muitos cativos que escaparam de suas vidas nas fazendas e senzalas foram abrigados em Palmares. O quilombo foi ganhando cada vez mais pes- soas aponto de se tornar um reino chamado de Angola Janga, que provavelme foi a união de duas etnias guerreiras da África, os Mbundu N’Gola e os guerreiros jagas que eram os que batizaram seus acampamentos de quilombos. alguns defendem que foi a princesa Aqualtune, que comandou batalhas contra os europeus na África, tenha liderado a criação de Angola Janga. Líderes africanos tornados escravos, como reis, príncipes, juízes, entre outros, poderiam se tornar um problema para a sociedade escravista, pois tinham poder para reor- ganizar as estruturas de poder africanas em forma de resistência. Ganga Zumba, o primeiro Rei de Angola Janga, representava essa reorganização do poder do continente africano, seu nome na realidade não era Ganga Zumba, esse nome era um título dos reis do reino de Imbangala. Além do nome, o rei Zumba também utilizava tranças características de sua tradição, o que o diferenciava dos demais e representava autoridade. A organização de Angola Janga tinha raízes na África. Os povoados do quilombo de Palmares eram chamados de mocambos. O quilombo era tão grande que os mocambos estavam distantes uns dos outros e se interligavam através da mobilização dos guerreiros. Pensaram toda a defesa para resistir aos ataques dos colonizadores que atacam de surpresa. Durante todo o século XVII Angola Janga conseguiu impedir todos os ataques dos colonizadores portugueses e holandeses. Após capturar alguns cativos, os portugueses conseguiram informações sobre a localização do quilombo, além de seu tamanho e de 26UNIDADE I História e Cultura Africana sua organização em mocambos. No século XVII a província pernambucana vivia um grave problema de crise atingindo suas principais vilas, Olinda e Recife. Os portugueses mantinham no Brasil uma economia voltada para a produção de açúcar o que gerava um direcionamento de toda a máquina colonial na produção da cana-de-açúcar, por causa dos altos lucros,o que desestimulava a produção de outras culturas essenciais para a sobrevivência na Colônia. A fome estimulava ainda mais a fuga dos cativos, sobretudo após saberem que em Angola Janga (Palmares) havia alimento. Nesse período Angola Janga cresceu significativamente, devido o aumento das fugas o que preocupou as autoridades que começaram a ver Palmares como uma ameaça. Angola Janga era distante, o caminho até lá era difícil, era um quilombo numeroso e que tinha um governo que dominava técnicas de guerra e vigilância. Além dos próprios habitantes de Palmares, habitantes próximos que dependiam dos alimentos vendidos pelo quilombo para sobreviver, também ajudavam na defesa. Alguns pequenos proprietários de terras compravam comida de Angola Janga em troca de armas e munição para sua defesa. Os habitantes do quilombo também trocavam seus alimentos por informações sobre a movimentação das linhas portuguesas. Holandeses e portugueses não tiveram sucesso nas investidas contra Palmares, mas fizeram o que puderam, como destruir plantações, incêndios a casas e morte e captura de habitantes. Para evitar maiores perdas, o rei Ganga Zumba aceita fazer um acordo de paz com o representante da Coroa Portuguesa em Pernambuco. O acordo reconhecia a liberdadedas pessoas nascidas em Angola Janga, mas não aceitaria a liberdade de novos escravos fugitivos que fossem até Palmares. O acordo tinha desfecho ambíguo, pois trazia tranquilidade para aqueles que já viviam no quilombo, mas retirava a possibilidade de continuarem se fortalecendo com a chegada de novos membros que fugiam do cativeiro. Essa decisão de Ganga Zumba foi decisiva para que alguns membros do quilombo o envenenassem e dar lugar ao último rei de Angola Janga, Zumbi dos Palmares. Zumbi havia nascido em Palmares, portanto era beneficiado pelo acordo de Ganga Zumba, mas não queria que a liberdade estivesse apenas nas mãos dos que ali viviam, mas para todos a população negra, independente se haviam nascido na África ou América. Apesar de ter nascido livre em Palmares, Zumbi foi capturado ainda bebê e dado de presente a um padre que o rebatizou de Francisco. Não aceitou sua condição de escravidão aos 15 anos, quando poderia resistir melhor ao trabalho compulsório. Fugiu e retornou a Angola Janga, abandona seu nome católico e se torna Zumbi. Se envolveu na defesa do 27UNIDADE I História e Cultura Africana quilombo e aos 17 já comandava guerreiros, inclusive foi Zumbi quem impediu a maior tentativa de invasão portuguesas em Palmares. Após a morte de Ganga Zumba, Zumbi se torna o novo rei. Zumbi havia liderado uma rebelião contra Zumba e contra sua proposta de aliança de paz. Durante o reinado de Zumbi Palmares se fortaleceu e construíram muralhas em torno dos mocambos. Zumbi reagiu aos ataques portugueses atacando engenhos e aproveitavam para libertar mais escravizados e conseguia mais territórios para os quilombos. Ele investiu no enfraquecimento econômico do inimigo ao atacar os engenhos. Portugal junto à província de Pernambuco tentaram novo acordo com Palmares que foi recusado. A província pernambucana contratou um exército de bandeirantes para poder solucionar o caso. Os bandeirantes tinham experiência em entrar em lugares difíceis no interior do país e possuíam também experiência nas guerras em busca de escravizados de povos indígenas. Jorge Velho, o líder bandeirante foi derrotado em sua primeira batalha contra os Palmares em 1691. Com as informações reunidas da derrota anterior retornam em 1693 com um exército de mais de nove mil homens e finalmente conseguem derrotas Palmares, o maior quilombo que já existiu em todo o continente americano. Zumbi foi emboscado em 1695 e morto. Seu corpo foi esquartejado e partes do seu corpo foram distribuídas pelas províncias para servir de exemplo aos outros cativos. A resistência dos Palmares durou mais de 100 anos e se tornou icônica por tama- nho e duração. Apesar do protagonismo de Zumbi e dos Palmares, essa história é apenas um capítulo da resistência dos escravizados no Brasil 28UNIDADE I História e Cultura Africana SAIBA MAIS Mahommah Gardo Baquaqua foi um homem africano, sequestrado e escravizado por traficantes. Nativo de Zooggoo na África Central (atual municipalidade de Djougou, no Benim), um reino tributário do reino de Bergoo, trabalhou no Brasil como cativo, contudo conseguiu fugir para Nova York em 1847 garantindo sua liberdade. O navio, que chegou a Nova Iorque em junho, foi abordado por abolicionistas locais, que o incentivaram a fugir do navio. Após a fuga, no entanto, foi preso na cadeia local, e apenas a colaboração dos abolicionistas (que facilitaram a fuga da prisão) impediu que fosse restituído ao navio. Foi então enviado ao Haiti, onde passou a viver com o reverendo Judd, um missionário batista. Convertido e batizado, em 1848, Baquaqua retornou aos Estados Unidos devido à instabilidade política que o Haiti vivia então; estudou no New York Central College, em McGrawville, por quase três anos. Em 1854 foi para o Canadá e sua bibliografia foi publicada no mesmo ano por Samuel Downing Moore em Detroit. Não se sabe o que acontece com Baquaqua depois de 1857. Ele estava então na Ingla- terra e havia recorrido à Sociedade da Missão Livre Batista Americana para ser enviado como missionário à África. Em 2018, a biografia de Mahommah Baquaqua foi apresentada como enredo no carna- val virtual, pelo G.R.E.S.V. Recanto do Beija-flor. Sua biografia foi publicada pelo abolicionista estadunidense Samuel Moore em 1854, seu relato foi fundamental pois revelou detalhes das operações do tráfico negreiro da época. Fonte: MANZANO, Juan Francisco, A Autobiografia do poeta-escravo. São Paulo: Hedra, 2015. REFLITA “Oh! a repugnância e a imundície daquele lugar horrível (navio negreiro) nunca serão apagadas de minha memória. Não: enquanto a memória mantiver seu posto nesse cé- rebro distraído, lembrarei daquilo. Meu coração até hoje adoece ao pensar nisto.” Fonte: Baquaqua. Mohammah Gardon. Biografia. p. 272. 29UNIDADE I História e Cultura Africana CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa viagem chega ao fim. O espaço de experiência contemplado nos apresentou um negro no Brasil que fora trazido à revelia ao país. Não foi uma bela viagem, porém, humanizante. Conforme vimos, o negro no Brasil fora colocado sob um trabalho compulsório. Uma vez aqui, teve de resistir das mais diversas formas. Uns optaram pela estratégia da obediência e lealdade. Era a melhor forma, para alguns, de se apegarem às suas próprias vidas. Outros, boicotaram a produção, quebraram peças dos mecanismos do engenho ou queimaram as lavouras podendo garantir algum tempo de descanso. Ou isso ou continuar trabalhando dezesseis horas por dia cortando cana-de-açúcar. Alguns, em total desespero, ou tiravam as vidas de seus senhores ou até mesmo tiravam suas próprias vidas, pois para estes, a morte era a única saída de tal situação. E ainda tiveram aqueles que braviamente fugiram das fazendas e construíram vilas chamadas de concentrações quilombolas. Aprendemos que o africano no Brasil tem sua própria história e que essa história é a história do próprio Brasil. Ela nos construiu e continua nos construindo, sendo assim, não podemos deixar que ela seja esquecida, não apenas porque a escravidão é um crime contra a humanidade, mas porque a cultura africana está presente no nosso dia-a-dia e muitas vezes nem percebemos. 30UNIDADE I História e Cultura Africana LEITURA COMPLEMENTAR LARA, Silvia Hunold. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua. Revista História Brasileira, São Paulo, v. 8, n. 16, p. 269-284, 1988. 31UNIDADE I História e Cultura Africana MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul – Séculos XVI e XVII. Autor(a): Luiz Felipe de Alencastro. Editora: Companhia das Letras Sinopse: O padre Antônio Vieira escrevia: “Angola... de cujo triste sangue, negras e infelizes almas se nutrem, anima, sustenta, ser- ve e conserva o Brasil”. Em O trato dos viventes, o historiador Luiz Felipe de Alencastro mostra que a colonização portuguesa, ba- seada no escravismo, deu lugar a um espaço econômico e social bipolar, englobando uma zona de produção escravista situada no litoral da América do Sul e uma zona de reprodução de escravos centrada em Angola. FILME/VÍDEO Título: Amistad Diretor: Steven Spielberg Ano: 1997 Sinopse: Costa de Cuba, 1839. Dezenas de escravos negros se libertam das correntes e assumem o comando do navio negreiro La Amistad. Eles sonham retornar para a África, mas desconhecem navegação e se veem obrigados a confiar em dois tripulantes so- breviventes, que os enganam e fazem com que, após dois meses, sejam capturados por um navio americano, quando desordenada- mente navegavam até a costa de Connecticut. Os africanos são inicialmente julgados pelo assassinato da tripulação, mas o caso toma vulto e o presidente americano Martin Van Buren (Nigel Haw- thorn), que sonha ser reeleito, tenta a condenação dos escravos, pois agradaria aos estados do Sul e também fortaleceria os laços com a Espanha, pois a jovem Rainha Isabella II (Anna Paquin) alega quetanto os escravos quanto o navio são seus e devem ser devolvidos. Mas os abolicionistas vencem, e, no entanto, o governo apela e a causa chega a Suprema Corte Americana. Este quadro faz o ex-presidente John Quincy Adams (Anthony Hopkins), um abolicionista não assumido, sair da sua aposentadoria voluntária, para defender os africanos. 32UNIDADE I História e Cultura Africana WEB Apresentação do link: Canal Revisão. Tráfico Negreiro. Apresentação de Pirula. Tópicos abordados: Os africanos na formação do Brasil, para além da escravidão; História do tráfico de pessoas escravizadas na África, e da África para a América; O predomínio português e brasileiro no mercado atlântico de escravos; O processo de escravização da perspectiva de um africano (Mahommah Gardo Baquaqua); As experiências e as estraté- gias para a conquista da liberdade. Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=TjcQTVLQDF0 Apresentação do link: Canal Nerdologia. A Origem da Escravidão no Brasil. Apre- sentação e Roteiro de Felipe Figueiredo. Tópicos abordados: A origem da escravidão nas sociedades agricultoras; As primeiras sociedades escravagistas na antiguidade; A escravi- dão como prática durante a Idade Média; A escravidão árabe e europeia; A escravidão no continente africano; A escravidão moderna no Oceano Atlântico e seu caráter econômico e racial; A escravidão do Atlântico como fenômeno novo e incomparável aos demais tipos de escravidão. Link do site: https://www.youtube.com/watch?v=qXBmkswwRfw 33 Plano de Estudo: ● Os agentes da abolição da escravidão no Brasil; ● O maior legado da escravidão: o racismo. Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender o processo de abolição no Brasil e evidenciar o movimento abolicionista para destacar que foram os negros que lideraram esse processo e não uma princesa branca ou grupos brancos como se está no imaginário popular; ● Contextualizar o racismo no Brasil como um fenômeno que surge com a escravidão e não acaba com o fim da mesma, pois vários mecanismos de desprezo a população negra no Brasil ocorrem durante a nossa história pós fim da escravatura; ● Compreender os dois tipos de preconceitos categorizados por Oracy Nogueira, o de marca e o de origem para que o aluno possa compreender que o racismo se apresenta de diversas formas em diversos locais do mundo; ● Estabelecer a importância de entendermos que o Brasil é um país racista e que esse racismo é camuflado, escondido e que se torna evidente em momentos de conflito de forma cruel. UNIDADE II O Negro no Brasil: Abolição e Seu Legado Professor Esp. Cleber Henrique Sanitá Kojo Professor Esp. Paulino Augusto Peres 34UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado INTRODUÇÃO Olá, caros alunos. Tudo bem? Vamos dar continuação a nossa viagem histórica. Preparado? Vale ressaltar que no módulo anterior iniciamos nossa viagem ao passado para compreendermos como foi a escravidão e a forma de resistência em nosso país. A partir de agora damos prosseguimento a nossa viagem, partindo do suspiro de liberdade que nasce da abolição da escravatura no nosso país. Em uma de nossas paradas nessa viagem, perceberemos que a abolição da escra- vidão no Brasil não teve grande participação de movimentos brancos. Então entenderemos que abolicionismo em si foi liderado por negros. Perceberemos ainda que a princesa Isabel, abolicionista, era apenas uma personagem na abolição e os principais protagonistas foram os negros em si. Daremos prosseguimento a nossa jornada através de uma comparação realizada pelo sociólogo Oracy Nogueira sobre o preconceito nos Estados Unidos e Brasil. Sendo assim, conheceremos a diferença entre preconceito de origem e no Brasil e preconceito de marca. Espero que você compreenda o racismo como legado da escravidão negra no Brasil durante mais de 300 anos. Espero que esteja entusiasmado com e apreensivo com nossa viagem. Entusias- mado para que se encante nesse processo de ensino-aprendizagem e apreensivo para compreender a origem do racismo em nosso país. Vamos lá? 35UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado 1. OS AGENTES DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL Em nosso país ainda vemos a data da abolição da escravidão de forma bem superficial e não nos aprofundamos para compreender a Lei Áurea como o resultado de um longo processo histórico repleto de transformações e continuidades, tão pouco comrpende- mos seus agentes históricos e resumimos tudo à assinatura da Princisa Isabel. A Lei Áurea, Lei Imperial nº 3.353 foi apresentada à Câmara Geral no dia 08 de maio de 1888. Após aprovada foi encaminhada ao Senado no dia 13 de maio onde foi aprovada e no mesmo dia assinada pela filha do Imperador, D. Pedro II, que estava fora do país e, por isso, sua filha, como regente, assinava em seu lugar. (FIGUEIREDO: 2019). Mas esse é o ato final da escravidão legal em nosso país, todo o processo anterior deve ser resgatado para melhor compreensão de todo o processo. Algumas sociedades re- ligiosas no Brasil já criticavam a escravidão, como os jesuítas desde o século XVII, porém, o clamor jesuítico era direcionado aos indígenas. Inclusive, o apelo contra a escravização dos indígenas favoreceu o aumento da quantidade de cativos africanos. Apesar do Papa Paulo III condenar explicitamente a escravidãode indígenas em 1537 em sua bula Sublimes Deus: [...] definimos e declaramos pela presente Encíclica [...] os ditos índios e to- dos os outros povos que venham a ser descobertos pelos cristãos, não de- vem em absoluto ser privados de sua liberdade ou da posse de suas proprie- dades, ainda que sejam alheios à fé de Jesus Cristo; e que eles devem livre e legitimamente gozar de sua liberdade e da posse de sua propriedade; e não devem de modo algum ser escravizados; e se o contrário vier a acontecer, tais atos devem ser considerados nulos e sem efeito. (Paulo III: 2020). 36UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado A decisão do Papa foi tomada depois de anos de discussão a respeito da humani- dade dos indígenas, onde papas teólogos dedicavam páginas para defender que a popu- lação nativa da América tinha ou não alma e, portanto, se poderia ou não ser considerada humana. Apesar da decisão do Papa Paulo III, Portugal só proibiu a prática em 1757 por meio do ministro de Estado, iluminista, Marquês de Pombal e em 1761, Pombal também proibiu a escravidão negra, mas apenas na metrópole, Portugal, sendo ainda pratica em suas colônias, com exceção de Índia e Ilhas Madeira. Todo o sustento econômico de Portu- gal dependia diretamente de sua maior colônia, o Brasil, que existia graças a mão de obra escrava o que dificultava decretar o fim da escravidão por aqui. (FIGUEIREDO: 2019). O Brasil foi o país que mais atrasou a abolição da escravidão nas Américas. Em 1822 foi apresentada a proposta de abolição da escravatura que foi rejeitada por D. Pedro I, que, por inúmeras divergências com a Assembleia Constituinte, isto é, os deputados responsáveis por fazer a primeira Constituição do Brasil, mandou até mesmo encerrar a Assembleia, prender ou exilar deputados e após, selecionar a dedo os que fariam a Constituição a seu gosto, e que claro, não deixou entrar na Carta Magna, a abolição da escravidão, que não era do interesse do grupo mais poderoso do país, os cafeicultores. Apesar de não ter sido incluída na Constituição outorgada por D. Pedro I em 1824 a abolição não deixou de ser pauta em nenhum momento do Império, pois o assunto era discutido internacionalmente, inclusive o Chile já havia libertado seus cativos em 1823 e a pressão inglesa ia forçando a queda da escravidão nos países da América. (FIGUEIREDO: 2019). As ideias iluministas que alcançaram o Brasil se adaptaram à nossa realidade, e muitos pensadores e políticos passaram a atacar a escravatura afirmando que seria contrá- ria aos princípios iluministas de direitos naturais,liberdade e igualdade. José Bonifácio, que foi tutor de D. Pedro II, era um iluminista e abolicionista convicto. Apesar de suas investidas e proximidade com o imperador, prevaleceu os interesses das oligarquias cafeeiras que mantiveram a escravidão por quase todo o século XIX e fazendo do Brasil o último nas américas a aboli-la. Com o retorno de D. Pedro I à Portugal para se tornar D. Pedro VI de Portugal e Algarves (1831), se inicia no Brasil o conturbado Período Regencial (1831-1840). Neste período a pressão inglesa sobre o Brasil a favor da abolição passa por uma forte escalada, principalmente em 1845 quando os ingleses criaram a Lei Bill Alberdeen que concedia direitos à Marinha Real Inglesa de identificar e capturar navios que transportavam escravi- 37UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado zados. Após essa medida inglesa, navios britânicos inundaram o Atlântico o que provocou uma queda drástica no mercado escravocrata. O Brasil, pressionado, criou algumas leis para driblar a exigência da abolição da escravatura. Em 1850, o país criou a Lei Eusébio de Queirós (Lei nº 581/1850) estabelecendo medidas para repressão do tráfico de africanos ao Brasil. Medida pouco efetiva, pois não haviam fiscais para verificar se o tráfico continuava ou não existindo. Em 1871 o Brasil aprova a Lei do Ventre Livre (Lei nº 2.040/1871) que estabelecia que os filhos de mulheres escravizadas nasceriam livres, o que teve poucos efeitos práticos, uma vez que a criança deveria continuar com a mãe e, portanto, após idade hábil, a criança, que dentro da lei estava livre, trabalhava como escravizada. Outra Lei deste período foi a Lei do Sexagenário (Lei nº 3.270/1885) que concedia liberdade aos escravizados que alcançassem 60 anos, o que raramente acontecia. Essas leis foram ape- lidadas de “Leis para inglês ver” uma vez que tentavam distrair os britânicos e se esquivar de sua pressão a favor da abolição. Uma vez que o Reino Unido proibiu e combateu o tráfico de escravizados no Atlân- tico, o comércio interno de cativos foi fortalecido. Ainda nesse contexto ocorre a Guerra do Paraguai, onde negros alforriados e escravizados participaram das fileiras brasileiras. Os escravizados queriam sua alforria e os já alforriados temiam voltar a serem escravizados. A soma do tráfico interno e fim da Guerra do Paraguai vai fortalecer o movimento abolicio- nista. (FIGUEIREDO: 2019). O movimento abolicionista foi essencial para exercer pressão e exigir o fim da escravidão no Brasil. (ALONSO: 2015). O Império não podia virar as costas para as oligar- quias cafeeiras, uma vez que representavam a maior parcela da movimentação econômica do país. Os cafeicultores, além de apoiarem a escravidão também mantinham controle sobre os políticos através do voto censitário (era necessário provar uma renda mínima para ter direito ao voto). O movimento abolicionista sabia da força econômica das oligarquias e de sua representatividade política, então direcionava suas críticas ao governo imperial. (FIGUEIREDO: 2019). Vários personagens da história brasileira fizeram parte do movimento abolicionista, como a compositora e maestrina Chiquinha Gonzaga, o poeta Castro Alves e o diplomata Joaquim Nabuco. Também houveram diversos abolicionistas negros. Luiz Gama, José do Patrocínio e André Rebouças talvez tenham sido os abolicio- nistas negros mais populares. Luiz Gama era filho de uma negra livre e pai branco. Nasceu livre, mas foi escravizado dos 10 anos de idade até os seus 17. Saindo da escravidão se alfabetizou e se tornou advogado, defendendo outros negros gratuitamente. José do Pa- 38UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado trocínio, por sua vez, foi filho de um clérigo branco com uma negra escravizada. Patrocínio cresceu livre, com o pai e tornou-se farmacêutico. André Rebouças, era engenheiro que hoje é homenageado com o nome de locais em diversas cidades brasileiras. (FIGUEIRE- DO: 2019). Os três militavam contra a abolição através de panfletos e sátiras ao governo imperial e a escravidãi e ajudaram a criar jornais abolicionistas para convencer a população a abamdonar a ideia de manter a escravidão no Brasil. O processo para libertação dos escravos durou quase todo o século XIX e foi al- cançado com bastante pressão popular e insistência de diversos movimentos a favor da abolição. Nos Estados Unidos, diferente do Brasil, houve uma dicotomia entre Norte e Sul, onde o Norte, povoado por pequenos agricultores e de clima mais frio, o que dificultava grandes plantações, abriu mão do uso de escravizados e utilizava mão-de-obra livre. Já o Sul, de clima quente e propício a grandes latifúndios, optou pelo uso de mão-de-obra escravizada. Apesar de também ter existido no Norte dos EUA, a abolição foi logo aboli- da nesses estados. Os estados do Sul, semelhantemente ao Brasil resistiram à pressão inglesa contra a abolição e retardou esse processo de libertação dos escravizados. As consequências da demora dos estados do Sul são perceptíveis ainda hoje no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos estados do Norte e Sul, entre as regiões livres e cativas, mesmo após mais de um século que a escrvidão foi oficialmente abolida em todo o território nacional estadunidense em 1865. FIGURA 1: USA - ESCRAVIDÃO E DESENVOLVIMENTO HUMANO 39UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado Fonte: FIGUEIREDO: 2019. Adaptado. No primeiro mapa vemos onde era e não era legal a escravidão nos Estados Uni- dos em 1861, sendo a cor mais clara a dos estados livres e a escura dos escravistas. No segundo mapa dos Estados Unidos, quanto mais clara a cor do mapa menor o IDH. Ou seja, os estados com menor IDH são os mesmos que mantiveram a escravidão por mais tempo. (FIGUEIREDO: 2019). O exemplo estadunidense é apenas um entre as sociedades escravocratas, pois nos países latinoamericanos esse padrão se repete. A pobreza e desigualdade nesses países é, entre outros fatores, uma das consequencias diretas da escravidão que promoveu a desigualdade social e racial, dificultou a mobilidade social e tirou oporunidades da popu- lação. Entre esses países, está o Brasil, última nação das Américas a libertar seus cativos. Isso explica muito sobre nossa pobreza e desigualdade. 40UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado 2. O MAIOR LEGADO DA ESCRAVIDÃO: O RACISMO “Não é de bom tom puxar o assunto da cor”, pois, afinal de contas, “em casa de enforcado não se fala em corda”. Oracy Nogueira. A desigualdade social é um fenômeno mundial na sociedade contemporânea e é reflexo da má distribuição de renda. Não é novidade para ninguém que o Brasil é um país onde muitos têm muito pouco e poucos têm muito. Hoje estamos entre os dez países entre os mais desiguais do mundo. Metade da população é negra, mas mesmo assim, o negro tem cinco vezes mais chances de ser analfabeto que um branco. Oracy Nogueira (1998), em sua obra “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem” analisa o racismo através de um olhar sociológico e se orienta no sentido de desvendar o estado das relações entre os componentes brancos e negros da população brasileira. O autor faz uma análise sobre o racismo no Brasil e nos Estados Unidos da América a partir de análises sociológicas e antropológicas e utiliza como método os tipos ideias de Weber. Ele apresenta em seus estudos que Estados Unidos e Brasil representam dois tipos de situações raciais, o de origem e o de marca. Analisando as obras brasileiras sobre o assunto, percebe-se que muitos tentaram negar ou subestimar o preconceito racial existente no nosso país. Até mesmo hoje em dia é possível ver essa ideia. Nas redes sociais existe uma enxurrada de argumentos racistas, 41UNIDADE II O Negro no Brasil : Abolição e Seu Legado mas, também é possível ver a negação do racismo em livros como
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