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Aspectos Neuropsicológicos e a Psicopedagogia Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial CRISTIANE SILVEIRA CESAR DE OLIVEIRA Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria FRANCIANE HEIDEN RIOS AUTORIA Franciane Heiden Rios Olá. Meu nome é Franciane Heiden Rios. Sou formada em Pedagogia, Mestre em Educação, Especialista em Educação Especial e Inclusiva e Tecnologias Educacionais. Estou na Educação desde o início da minha vida profissional, cursei Magistério, ingressei como estagiária e da escola nunca mais sai. Esse espaço rico de aprendizagens humanas me oportunizou pensar sobre diferentes questões e perceber as pessoas em suas diferentes necessidades. Durante dez anos fui servidora concursada, professora, do Município de São José dos Pinhais. Também atuei como Educadora pela Prefeitura Municipal de Curitiba e, atualmente, sou supervisora do curso de Pedagogia da UNIVESP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo e diretora pedagógica da CuriosaIdade, instituição que atua em parceria com redes de ensino para desenvolvimento de boas práticas educativas tendo como subsídio a perspectiva do Desenho Universal para a Aprendizagem. Acredito no princípio básico da Inclusão e no respeito pela diversidade, portanto, escrever, palestrar, capacitar ou qualquer outra ação ou prática profissional relacionada a este tema são hoje meu foco de atuação. Desejo que tenhamos juntos um caminho rico de aprendizagens significativas, que o material aqui proposto em suas ideias, reflexões e discussões permitam a você um olhar sensível à diversidade no que tange aos distúrbios e transtornos de aprendizagens, contribuindo para espaços escolares inclusivos e respeitosos. ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova compe- tência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de se apresentar um novo conceito; NOTA: quando forem necessários obser- vações ou comple- mentações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamen- to do seu conheci- mento; REFLITA: se houver a neces- sidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou dis- cutido sobre; ACESSE: se for preciso aces- sar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso se fazer um resumo acumulativo das últi- mas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de au- toaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando o desen- volvimento de uma competência for concluído e questões forem explicadas; SUMÁRIO Fundamentos da Neuropsicologia ...................................................... 10 O Cérebro Humano ........................................................................................................................ 10 Comportamento Humano ......................................................................................................... 15 Aspectos Neuropsicológicos e Aprendizagem ............................. 19 Funções Neurais e Processamento de Informações ............................................ 19 Funções Cognitivas da Aprendizagem ...........................................................................22 Funções Conativas da Aprendizagem .............................................................................23 Funções Executivas da Aprendizagem ...........................................................................25 Os Aspectos Neuropsicológicos e as Dificuldades de Aprendizagem .............................................................................................28 Transtornos e Distúrbios.............................................................................................................28 Evidências Neuropsicológicas...............................................................................................29 Evidências Neurológicas na Intervenção Psicopedagógica .....36 Saberes da Neuropsicologia .................................................................................................. 36 Intervenção Psicopedagógica .............................................................................................. 38 7 UNIDADE 03 Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 8 INTRODUÇÃO Você sabia que na área da Educação é cada vez mais necessário ter conhecimento de outras áreas para qualificar processos e práticas educativas? Dentre esses conhecimentos estão aqueles relacionados aos aspectos neurológicos, do desenvolvimento e das funções cerebrais. Isso mesmo! Os conhecimentos relacionados ao cérebro são fundamentais para compreender os aspectos biológicos da aprendizagem, a começar pela visão neurológica e sua conexão com os aspectos psicológicos. Figura 1 - Cérebro e conhecimento Fonte: ©Pixabay. Aprender é um processo complexo e implica modificações comportamentais dos estudantes, inclusive no que se refere aos aspectos biológicos. Na escolarização, a postura, a prontidão e a maturação são pré- requisitos do desenvolvimento infantil para que conteúdos sejam aprendidos. Além desses, outros requisitos importantes para que avancem rumo a novos saberes são: a funcionalidade sensorial, perceptiva, atencional e de memória. Ocorrendo qualquer alteração da “normalidade”, surgirá uma lacuna que pode comprometer a aprendizagem, portanto, conhecer os fatores neuropsicológicos pode ser a diferença entre “sucesso” ou “fracasso” no ensino- aprendizagem, sendo uma questão indispensável para os profissionais da área. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3 – Aspectos Neuropsicológicos e a Psicopedagogia. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Identificar e compreender a fundamentação conceitual e as estruturas iniciais relacionadas à Neuropsicologia. 2. Relacionar a Neuropsicologia com a aprendizagem. 3. Discernir sobre as contribuições da Neuropsicologia para o tratamento dos transtornos/distúrbios de aprendizagem. 4. Identificar as evidências da Neuropsicologia para a intervenção psicopedagógica. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 10 Fundamentos da Neuropsicologia OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você será capaz de entender como funciona o cérebro e o comportamento humano e isso será fundamental para que você possa, posteriormente, fazer a relação entre o “funcionamento normal” e as anomalias que resultam em déficits em decorrência dos transtornos/distúrbios. As pessoas que tentarem compreender esses eventos sem o conhecimento mínimo sobre as estruturas primeiras poderão atuar de maneira equivocada em processos de intervenção junto aos estudantes. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante!. O Cérebro Humano A Neuropsicologia é a ciência que estuda a relação entre o cérebro e o comportamento humano. Entretanto, antes de avançarmos nesse estudo, é necessário conhecermos melhor as definições dos termos “cérebro” e “comportamento” de maneira isolada. E o nosso primeiro objeto de investigação será o cérebro humano. DEFINIÇÃO: O cérebro é um dos centros nervosos que constituem o encéfalo. Encontra-se na parte superior e anterior da cavidade craniana, sendo compreendido como o núcleo da inteligência e da aprendizagem. Ele é o responsável pelas emoções, raciocínio, aprendizagem, é a sede das sensaçõese movimentos voluntários e possui áreas responsáveis por funções específicas e globais. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 11 Figura 2 - Funções do cérebro humano Fonte: Adaptado de Freepik. Na anatomia regular, o cérebro é formado por dois hemisférios cerebrais, o esquerdo e o direito, conectados pelo corpo caloso, que se trata de uma estrutura espessa de feixes de fibras nervosas composto por aproximadamente 86 bilhões de neurônios, que em conexão formam as redes neurais, que são responsáveis pelas funções intelectuais. SAIBA MAIS: Quer saber mais sobre as células nervosas, suas características e funções? Acesse e leia a reportagem “GPS Cerebral” do site Ciência Hoje que conta um pouco das descobertas de John O’Keefe, May-Britt Moser e Edvard Moser, ganhadores do Nobel de Medicina no ano de 2014, clicando aqui. As conexões que as células nervosas estabelecem são chamadas de sinapses, que se tornam mais “fortes” e complexas à medida que as interações com o meio interno e externo acontecem e são reguladas pelos neurotransmissores, que são substâncias químicas que modulam a atividade celular. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem http://cienciahoje.org.br/acervo/gps-cerebral-3/ 12 Figura 3: Neurônio Fonte: @Pixabay. Além dos neurônios, temos outra célula nervosa essencial para a compreensão da aprendizagem, denominada por gliócito, referente à célula glial. Em relação aos gliócito, afirma-se que são: 10 a 15 vezes mais numerosas do que os neurônios, que podem modificarse com a chegada de novas informações ao sistema nervoso central e que de certo modo, portanto, também participam dos mecanismos celulares do aprendizado. (RIESGO, 2006, p. 22) Baseado nisso, desenvolve-se a seguinte questão: Qual a relação direta do cérebro, dos neurônios e dos gliócitos com o campo da aprendizagem? Essa relação pode ocorrer devido às sinapses, que só são possíveis utilizando toda a composição estrutural e conectiva das células nervosas. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 13 O corpo celular é responsável pelo estímulo elétrico ou impulso nervoso, que ocorre quando a membrana citoplasmática recebe estímulo externo. Nestes casos, os dendritos são os “coletores” das informações resultantes em estímulos e, quanto maior a quantidade, maior a coleta. Já o axônio é o canal de resposta, é a expressão da célula nervosa, sendo o “fio condutor para que o estímulo elétrico criado no corpo celular como resposta aos estímulos recebidos chegue ao destino ou órgão efetor”. Esse é o processo de neurotransmissão elétrica e está mais relacionado ao desenvolvimento motor. Na relação com a aprendizagem, a neurotransmissão química se destaca da seguinte maneira: A teoria molecular da aprendizagem se relaciona com modificações produzidas nos ácidos nucléicos do neurônio, que levam à formação de novas proteínas. Quando elas são transportadas para lugares específicos da membrana plasmática e incorporadas às suas estruturas lipídicas, a memória de curto prazo [reverberação] se transforma em memória de longo prazo [modificações estruturais]. (OHLWEILER, 2006, p. 52) Figura 4: Sinapses Fonte: @Pixabay. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 14 Portanto, na aprendizagem a questão está não somente na quantidade de células nervosas, mas nas sinapses que elas estabelecem. De forma que as células nervosas se relacionam por meio das várias conexões e redes neuronais que se formam desde a concepção embrionária. Nesse sentido, entendemos que a gestação é um período delicado para a formação cerebral, uma vez que é o momento do estabelecimento fisiológico do cérebro com o seu crescimento global e com a individualização de suas áreas e redes funcionais. Após o nascimento, os anos iniciais são de máxima importância, pois é justamente nessa etapa do desenvolvimento humano que se estabelecem a arquitetura básica e as funções do cérebro. Além disso, as experiências intrauterinas entre os seis e oito anos interferem significativamente nas etapas posteriores do desenvolvimento, repercutindo nos aspectos físico, mental, comportamental e cognitivo. É verdadeiro que crianças pouco ou não estimuladas durante a infância podem apresentar dificuldade de aprendizagem. Nesses casos ao encéfalo delas não foi dada a oportunidade de se desenvolver plenamente, alcançando toda a sua potencialidade. Essas crianças, para alcançar os objetivos de desenvolvimento e competência, precisarão de estímulos bem direcionados e de estratégias alternativas de aprendizagem para poderem ter chances de desenvolver as habilidades não desenvolvidas. (GUERRA, 2011) Outra questão fundamental a ser discutida é a plasticidade cerebral, diretamente relacionada às células glial. Comentando de maneira breve, a plasticidade cerebral se trata da capacidade regenerativa que o cérebro possui. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 15 DEFINIÇÃO: A plasticidade cerebral pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e função do sistema nervoso, que ocorre em qualquer fase da ontogenia, como função de interações com o meio ambiente interno e externo, ou ainda como resultantes de lesões que afetam o ambiente neural (MUSZKAT, 2005, p. 29). Dessa forma, a plasticidade cerebral é fundamental no processo de aprendizagem, pois além da funcionalidade do cérebro em suas complexidades, a aprendizagem consiste em modular, adaptar e conectar, ou seja, operar as ações de maneira “plástica” diante dos desafios do mundo: O cérebro não só é capaz de produzir novos neurônios, mas também de responder à estimulação do meio ambiente, com um aprendizado que tem a ver com modificações ligadas à experiência, ou seja, modificações que são a expressão da plasticidade. (ROTTA, 2006, p. 466467) Após compreendermos um pouco melhor a respeito da estrutura cerebral, podemos então avançar nos estudos que se referem ao comportamento humano. Comportamento Humano O comportamento na perspectiva da Teoria Comportamental é compreendido como a relação entre classes de estímulos e classes de respostas do indivíduo, que muda ao longo do tempo e que podem ser similares em forma e função em alguns momentos, mas nunca iguais. Na perspectiva teórica adotada, dois tipos de relações comportamentais são destaques: respondentes e operantes, sendo a segunda mais direta com os comportamentos complexos que desenvolvemos cotidianamente. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 16 O comportamento é entendido como evento natural e multideterminado em três níveis de variação e seleção: (a) filogenético, (b) ontogenético e (c) cultural. Desse ponto de vista, o comportamento não é tomado como produto de um agente iniciador e/ou de uma mente não física. (SKINNER, 1998 [1953]; 1999 [1974]) Figura 5 - Comportamento humano Fonte: Skinner (1998 [1953]; 1999 [1974]). Nessa relação, o comportamento é aprendido, ampliando o repertório de possibilidades e permitindo ao indivíduo alterar o seu entorno e suas relações. Essas alterações são tidas como potenciais de aprendizagem, podendo resultar em transformações sociais, culturais e tecnológicas. O comportamento operante é basicamente o que opera no meio e, por consequência, pode transformá-lo. É controlado principalmente pela consequência da resposta do organismo ao estímulo, no meio. Sua composição abarca três elementos significativos: 1) estímulo antecedente; 2) resposta e 3) consequência. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 17 Figura 6 - Comportamento operante Fonte: Elaborado pela autora (2019). IMPORTANTE: Uma nova consequência resulta em uma mudança de resposta. Assim como pode ocorrer a retirada de uma consequência, também ocorre a extinção de determinada resposta. Ao relacionar aprendizagem e comportamento, chegamos a um ponto fundamental no qual a perspectiva comportamental, estímulo, resposta e consequênciafazem parte da aprendizagem, caso sejam intencionais, como ocorre na escolarização. Assim, há necessidade de modelagem desse fluxo. DEFINIÇÃO: Modelagem do comportamento – atividade que consiste em manipular o ambiente por meio da apresentação de estímulos consequentes contingenciais às ocorrências de respostas com o objetivo de reforçar classes de respostas que sucessivamente se aproximam topograficamente da classe de respostas desejada (ZILIO, 2010, p. 31).. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 18 Esse processo pode ser longo, trabalhoso e variável de sujeito para sujeito, podendo ou não resultar em um novo comportamento operante. Portanto, ao conhecer essas estruturas iniciais do cérebro e do comportamento humano, podemos avançar para as relações entre elas. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste item, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o cérebro é um dos centros nervosos que constituem o encéfalo, sendo compreendido como o núcleo da inteligência e da aprendizagem. Além disso, ele é o responsável pelas emoções, raciocínio, aprendizagem, é a sede das sensações e movimentos voluntários, e tudo isso possível graças às suas áreas responsáveis por funções específicas e globais. Vimos também que as conexões que as células nervosas estabelecem são chamadas de sinapses, e se tornam mais “fortes” e complexas à medida que as interações com o meio interno e externo acontecem, reguladas pelos neurotransmissores. Na aprendizagem, a questão está não na quantidade de células nervosas, mas nas sinapses que elas estabelecem. Falamos também sobre o conceito de plasticidade cerebral, definido como uma mudança adaptativa na estrutura e função do sistema nervoso. Essa possibilidade de mudança é fundamental no processo de aprendizagem, pois além da funcionalidade do cérebro em suas complexidades, aprender é modular, adaptar e conectar, ou seja, operar de maneira “plástica” diante dos desafios do mundo. Por fim, vimos que o comportamento pode ser compreendido como a relação entre classes de estímulos e de respostas dos indivíduos que mudam ao longo do tempo e que podem ser similares em forma e função em alguns momentos, mas nunca iguais. Em suma, o comportamento segue a seguinte lógica: estímulo, resposta e consequência, que são basilares na aprendizagem. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 19 Aspectos Neuropsicológicos e Aprendizagem OBJETIVO: Ao término deste item, você será capaz de entender como funcionam as funções neurais e o processamento de informações. Falaremos sobre os sistemas cognitivo, conativo e executivo para compreender as ações relacionadas à aprendizagem, sejam elas isoladas ou articuladas. Isto será fundamental para transpor os conhecimentos teóricos do que vimos sobre as funcionalidades do cérebro e comportamento. E então? Motivado para desenvolver essa competência? Então vamos lá. Avante! Funções Neurais e Processamento de Informações Quando falamos da relação função neural e processamento de informação, efetivamente contemplamos a relação entre o cérebro e o comportamento. Na perspectiva de compreender essa relação complexa e multidisciplinar, vimos que conhecimentos básicos da Biologia, da Psicologia, da neurociência e de outras áreas são essenciais, afinal cada uma tem sua contribuição e relevância para as análises. VOCÊ SABIA? Há pouco mais de um século, estudos possibilitaram demonstrar que os hemisférios cerebrais não possuem a mesma função e que a organização do cérebro é semelhante em todos os indivíduos. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 20 Figura 7 - Hemisférios cerebrais Fonte: @Pixabay. No processo de aprender, as áreas do cérebro são interdependentes e inter-relacionadas: cada parte especializada contribui para o resultado final, ou seja, uma só parte não é funcional, pois a desordem também altera o resultado. Dessa forma, a essa característica denominamos de ‘sistema funcional’. A aprendizagem emerge de múltiplas funções, capacidades, faculdades e habilidades cognitivas interligadas, sejam de recepção, de integração, de planificação ou, por fim, de execução ou expressão. Essas funções compõem a Tríade Funcional da Aprendizagem Humana, representada na Figura 8: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 21 Figura 8 - Tríade funcional da aprendizagem humana Fonte: Elaborada pela autora (2019). Essa tríade representa a interatividade e a indissociabilidade da cognição, da conação e da execução, essenciais para que o processo de aprendizagem ocorra e se sustente. A este conceito, relacionam-se as seguintes evidências: Além de processar informação que espelha a sua consciência cognitiva, o ser humano sente-a, registra-a, internaliza-a e tem tendências preferenciais, emocionais, motivacionais e motoras por ela. É, portanto, possuidor de uma consciência conativa [...] e de uma consciência executiva, pois somos a única espécie que tem consciência que tem consciência. (FONSECA, 2014, online) Com base no exposto, podemos entender que é a relação que humaniza o processo de aprendizagem, uma vez que na relação entre as três funções emerge a discussão de que não é possível esgotar as teorias da aprendizagem no processamento de informação, pois, além disso, também há nesse processo a autopreservação. Em suma, a autopreservação está relacionada com o que impede, por exemplo, um sujeito de se jogar ao mar mesmo tendo processado a informação de aprender a nadar. Neste caso também se executa as habilidades em relação à sensibilidade, personalidade e sociabilidade, que são preceitos da conação. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 22 Funções Cognitivas da Aprendizagem A cognição, conforme vimos anteriormente, demanda a ativação integrada e coerente das ferramentas mentais como a atenção, memória, raciocínio, etc. Sendo assim, não podemos confundir a cognição com a aprendizagem ou com o conhecimento em si, uma vez que ela é o processo que permite conhecer e aprender. Essas funções mentais para a cognição operam segundo determinadas propriedades fundamentais de maneira colaborativa, interacionista e coesa, resultando em um sistema coeso: a cognição. Figura 9 - Propriedades fundamentais das funções mentais Fonte: Elaborado pela autora, com base em Fonseca (2014). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 23 De maneira simplificada, podemos dizer que a aprendizagem é uma mudança de comportamento decorrente da experiência prolongada, que sequencia operações e estágios mentais em outra tríade funcional de cognição. Para que o processo se efetive, é necessária a integração dinâmica, coerente e sistêmica das funções de input, integração, retenção, planificação e de output, como vimos anteriormente. Figura 10 - Tríade funcional da Cognição Fonte: Elaborada pela autora (2019). Funções Conativas da Aprendizagem As funções conativas estão relacionadas a aspectos de motivação, emoções, temperamento e personalidade e, em termos neurológicos, as funções estão relacionadas ao sistema límbico. Devido à importância do sistema límbico neste processo, convém conhecermos melhor a sua definição: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 24 DEFINIÇÃO: O Sistema Límbico é o córtex afetivo localizado na região subcortical, uma das mais profundas áreas cerebrais. Esse sistema está diretamente envolvido nas relações do organismo com a noção de tempo, seja imediato, de curto ou longo prazo. Nessa área também há estruturas importantes para a memória e a aprendizagem, como a amígdala e o hipocampo. A conação é o estado de preparação para determinadas tarefas, principalmente para aquelas relacionadas aos elementos de sobrevivência, como as ameaças, perigos, ansiedade etc. Nesse sentido, assume-se a função de autopreservação, de bem-estare de interação social. Na aprendizagem, os processos conativos são importantes, pois impactam diretamente as funções cognitivas e executivas. Como exemplo, podemos citar a situação em que um estudante com baixo desempenho é colocado em avaliação, caracterizando assim uma situação de estresse. A situação em questão pode ter como resultado novos esquemas mentais, que possivelmente prejudicariam ainda mais as possibilidades de aprendizagem, repercutindo no pouco empenho de modificação adaptativa. Ou seja, o seu pensamento seria: “Já sei que não consigo, não tenho porque me esforçar”. Evidentemente que as manifestações comportamentais podem ser diversas e, quase sempre, não óbvias. Isto é, existe a possibilidade de que o estudante não venha a falar claramente a afirmação do exemplo, porém, seus sinais serão traduzidos em comportamentos como: atrapalhar a aula, tornar-se agressivo, entre outras respostas ao processo de internalização do estímulo recebido. IMPORTANTE: A aprendizagem humana dificilmente decorre numa atmosfera de sofrimento emocional, de incompreensão penalizante ou debaixo de uma autor representação ou autoestima negativas, exatamente porque ela tem, e assume sempre, uma significação afetiva, isto é, conativa (FONSECA, 2014, online). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 25 A explicação da conação pode ser resumida no esquema a seguir, que, além de caracterizá-la, destaca a inseparabilidade e irredutibilidade das funções cognitivas, conativas e executivas. Figura 11 - Funções conativas da aprendizagem Fonte: Elaborada pela autora com base em Fonseca (2014). As funções conativas assumem, por essa natureza, um papel crucial no processo de aprendizagem, uma vez que abarcam elementos de afetividade, que são pontos cruciais para esse processo. No entanto, em uma interação constante entre afetivo, cognitivo e executivo, a aprendizagem se torna possível. Funções Executivas da Aprendizagem As funções executivas coordenam e integram a tríade neurofuncional da aprendizagem e seu centro de atividade está no córtex pré-frontal conectado com o córtex associativo posterior, no qual a “recepção” dos estímulos é possível em decorrência da estrutura perceptiva e do reconhecimento multissensorial de caráter visual, auditivo, tátil e cinestésico. Estes sensores, conectados ao córtex pré-psicomotor, resultam na planificação, no controle e na execução da motricidade. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 26 DEFINIÇÃO: As funções executivas compreendem a central de expressão do comportamento, operando funções de sobrevivência, adaptação e aprendizagem. O estudante é assumido como um ser executivo, ou seja, ao colocar em prática as possíveis funções executivas, ele aprende e seu sucesso ou fracasso escolar estão diretamente relacionadas com as condições de evocação dessas diversas competências, pois o processo de escolarização demanda operacionalização, supervisão, coordenação e controle dos processos cognitivos e conativos. De forma geral, é possível afirmar que as funções executivas “administram e regem” os mecanismos de aprendizagem, que podem ser compreendidos como funções transversais e atuam no controle e regulação do funcionamento mental. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste item, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter compreendido a importância da relação cérebro e comportamento para a aprendizagem, identificando os elementos complexos e multidisciplinares envolvidos nessa ação. Avançamos em direção à compreensão de que o aprender só é possível devido ao fato de que as áreas do cérebro são interdependentes e inter- relacionadas e que, apesar de cada parte ser especializada, sua ação contribui para o resultado final. Essa relação conjunta é denominada “sistema funcional” e reafirma que a aprendizagem emerge de múltiplas funções, capacidades, faculdades e habilidades cognitivas interligadas, sejam elas de recepção, de integração, de planificação ou de execução ou expressão. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 27 Além de processar informação que espelha a sua consciência cognitiva, o ser humano sente, registra, internaliza e tem tendências preferenciais, emocionais, motivacionais e motoras por ela. “Portanto, como possuidor de uma consciência conativa [...] e de uma consciência executiva, somos a única espécie que tem consciência que tem consciência” (FONSECA, 2014, online). Esses sistemas operam as funções mentais como propriedades fundamentais que se estabelecem de maneira colaborativa, interacionista e coesa, resultando em um sistema coeso chamado de cognição ou sistema cognitivo. É esse sistema que permite a integração coerente e sistêmica do input, integração, retenção, planificação e do output como constituição da aprendizagem. Vimos que as funções conativas estão relacionadas à motivação, às emoções, ao temperamento e à personalidade e que, em termos neurológicos, estão relacionadas ao sistema límbico, sendo assim relacionada ao estado de preparação no qual o estudante é assumido como um ser executivo e, ao colocar em prática as possíveis funções executivas, ele aprende. O seu sucesso ou fracasso escolar está diretamente relacionado às condições de evocar essas diversas competências. Por fim, cabe destaque para o fato de que o processo de escolarização demanda operacionalização, supervisão, coordenação e controle dos processos cognitivos e conativos. De forma geral, é possível dizer que as funções executivas “administram e regem” a aprendizagem, compreendidas como funções transversais e que atuam no controle e regulação do funcionamento mental. Sendo assim, trata-se de sistemas mobilizados nos processos de adaptação às novas situações e às situações de rotina, cujo déficit ou disfunção se repercute em graus diversos nas outras funções mentais. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 28 Os Aspectos Neuropsicológicos e as Dificuldades de Aprendizagem OBJETIVO: Ao término deste item, você será capaz de entender os aspectos neuropsicológicos dos transtornos/distúrbios relacionados à aprendizagem. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão, pois o processo de investigação necessário para a intervenção requer o conhecimento pleno desses conceitos e saberes. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Avante!. Transtornos e Distúrbios O modelo neuropsicológico se estabelece na relação entre as funções neurológicas com as funções sociais e comportamentais. Ao transpor a discussão para os transtornos e distúrbios, podemos afirmar que esses são decorrentes de uma disfunção cerebral específica, que pode ser causada por fatores genéticos ou ambientais, ocorridas em determinado momento do desenvolvimento do indivíduo e que acabaram por alterar o processo regular do neurodesenvolvimento, podendo resultar, consequentemente, em déficits nas funções executivas. ACESSE: Sabe quando você tenta entender aquilo que o professor está explicando e não consegue? Seus amigos estão entendendo, mas não faz sentido para você? Bom, se isso acontece com frequência quando você tenta ler, escrever, calcular ou organizar suas ideias, você pode ter um transtorno de aprendizagem. Saiba mais no vídeo “Todos aprendem”, de autoria do Instituto ABC, disponível aqui. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.youtube.com/watch?time_continue=144&v=8wO101Jk05g 29 A Neuropsicologia explora funções pontuais da mente, que são identificadas em áreas e circuitos do cérebro. No entanto, seu centro de análise está no reconhecimento de como as estruturas anátomo- funcionais do cérebro, e, em caso de distúrbio, repercutem em quadros clínicos. Dessa maneira, em termos efetivos, a Neuropsicologia permite responder à seguinte questão: quais as evidênciasdessas disfunções para a aprendizagem especificamente em cada um dos transtornos que vimos? Seguiremos em busca de elementos para essa resposta. Evidências Neuropsicológicas Em relação ao Transtorno do Espectro Autista – TEA, em nível cerebral, as pesquisas atuais apontam que as pessoas que se encontram no espectro apresentam falhas de comunicação entre os neurônios, o que dificulta o processamento de informações. Essa anomalia está principalmente relacionada ao corpo caloso, a estrutura que conecta um hemisfério cerebral ao outro, à amígdala e o cerebelo. ACESSE: Funcionamento do Cérebro – Minutos psíquicos. Saiba mais sobre sinapses e como elas funcionam, assista ao vídeo Funcionamento do Cérebro, produzido pelo canal ‘Momentos Psíquicos’ aqui. Essa informação é relevante, pois, sabendo que a amígdala é responsável pelo comportamento social e emocional e o cerebelo está envolvido diretamente nas atividades motoras, a criança com TEA, em diferentes níveis, terá prejuízos nessas habilidades e competências. Em relação aos neurotransmissores, evidências apontam para prejuízos na serotonina e no glutamato. Moraes (2014) aponta um mapeamento consistente dessa estrutura cerebral no TEA: Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.youtube.com/watch?v=bQvYZ0TkHjk 30 Quadro 1: Estruturas cerebrais e TEA ESTRUTURA ANOMALIA CONSEQUÊNCIA Hipocampo Maior volume do hipocampo direito Questões relacionadas à memória, armazenamento e formação em longo prazo, bem como, à localização espacial. Corpo Mamilar Hipoativação do hipotálamo Prejuízo de aprendizagem espacial. Córtex Entorrinal Alterações no volume e no desenvolvimento Prejuízo no processamento da informação advinda dos aspectos sensoriais e motores. Amígdala Tende a ser inicialmente maior, entretanto, não continua a crescer com o desenvolvimento da idade, como é com os não autistas. Foi encontrado também correlação entre o volume da amídala e a gravidade do quadro clínico. Questões relacionadas ao processamento de emoções e do medo. Giro do Cíngulo Hipoativação Por essa área estar ligada ao ativamento de memórias e à aprendizagem, repercute-se significativamente na conduta emocional e interação social. Células de Purkinje Menor concentração de células de Purkinje. Prejuízo ou déficits em funções ligadas à estabilização dos reflexos e dos movimentos. Córtex Pré- Frontal Padrão de maturação do córtex pré-frontal em crianças autistas é mais lento Prejuízos na capacidade de planejar, raciocinar e julgar. Interfere, também, no desenvolvimento da personalidade, nas emoções e na capacidade de avaliar e controlar as interações sociais. Fonte: Elaborado pela autora adaptado de Moraes (2014). Em relação aos neurotransmissores, as evidências indicam a excessiva liberação de serotonina, oxitocina e vasopressina, que Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 31 são fundamentais no reconhecimento social e também apresentam alterações de funcionamento. Transportando essas características para as funções executivas, o déficit está centrado na inibição de resposta, no planejamento, na flexibilidade cognitiva e na memória (GOLDEBERG et al., 2005). Já na relação ao Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade - TDA/H, estudos apontam uma hipoatividade frontal que incide em várias regiões do córtex e nas áreas relacionadas, indicando que as anomalias funcionais e estruturais estão espalhadas por toda a área, abarcando múltiplas estruturas neurais. Essas evidências apontam que as disfunções interferem nas redes neurais distribuídas que sustentam as funções executivas. Como consequência, observamos que crianças com TDA/H apresentam baixo desempenho na inibição de resposta, em planejamento de tarefas e atenção seletiva. ACESSE: TDA/H e o cérebro - Vídeo educativo que mostra de uma forma simples o que acontece no cérebro de uma criança com o transtorno de hiperatividade do déficit de atenção (TDAH). Muito conveniente para compreender a base da doença e os sintomas que estão associados a ela. O vídeo está disponível aqui. No Transtorno Desafiador de Oposição – TDO as evidências apontam que em um grupo de controle, crianças com TDO: “tiveram o dobro de probabilidade de gerar soluções agressivas aos problemas comparadas a controles” (COY et al., 2005, online). Ou seja, assim como no TDA/H, essas crianças apresentam dificuldades na regulação comportamental e nas condições inibidoras de motivação, porém, sendo uma condição específica do TOD, a menor sensibilidade às possibilidades de punição. Os déficits nas funções executivas no TDO ainda não estão totalmente esclarecidos, entretanto, já se afirma que: “os níveis de Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.youtube.com/watch?v=do2btp6tYTQ 32 andrógenos adrenais dos pacientes com TDO são mais altos que os dos controles normais ou de crianças com outros diagnósticos [...] e os índices medianos de cortisol também foram mais baixos [...]” (MATTOS et al., 2004, p. 274) nos hormônios que incidem nas neurotransmissões sinápticas. SAIBA MAIS: Saiba mais sobre o TDO, transtorno infantil caracterizado por comportamento desafiador e desobediente a figuras de autoridade. Os sintomas podem aparecer em qualquer momento da vida, porém é mais comum entre os 6 e 12 anos. A associação com TDAH é frequente (50% dos casos) e deve ser observada e investigada em todas estas crianças para que sejam tomadas as medidas necessárias, a fim de prevenir problemas de aprendizagem e baixo rendimento escolar. Para saber mais sobre o assunto, assista a um vídeo sobre o tema aqui. Atualmente, no que se refere aos Transtornos de Aprendizagem, as discussões também se centram nos distúrbios, nas neurotransmissões sinápticas, que impactam na forma como o estudante irá adquirir, armazenar e evocar as informações necessárias para aprender. Considerando as bases neurofuncionais e os processos psicológicos diretamente ligados à aprendizagem, as disfunções podem incidir nos seguintes processos: processamento perceptivo, processamento motor, atenção, memória, pensamento e linguagem. O processamento perceptivo condiz com a recepção e reconhecimento dos objetos e estímulos via sentidos. Alterações nas estruturas relacionadas aos processos sensórios-perceptivos implicariam, consequentemente, alterações ou déficits nessa “leitura” do mundo. • Percepção visual: relacionada à percepção de luz e ausência de luz pelo sistema visual. Está diretamente relacionada à percepção espacial. • Percepção auditiva: percepção de sons pelos ouvidos está intensamente relacionada com a percepção temporal. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem https://www.youtube.com/watch?v=a4P1IRGFTx4 33 • Percepção olfativa: percepção de odores pelo nariz. • Percepção gustativa: percepção de sabores pela língua. • Percepção tátil: percepção de objetos e sensações pela pele. É a percepção que permite reconhecer a presença ou ausência, forma, tamanho e temperatura. • Percepção temporal: percepção da duração e passagem do tempo. Não é exclusivamente relacionada a um órgão, mas é resultado da articulação da percepção de outros órgãos do sentido às potencialidades neurais. • Percepção espacial: percepção das distâncias entre os objetos. Assim, como a percepção temporal, é resultado da articulação da percepção de outros órgãos do sentido às potencialidades neurais. O processamento motor é considerado o produto dos processos de aprendizagem e se refere à execução de ações complexas aprendidas durante a vida. Figura 12 - Cinco sentidos Fonte: @Freepik. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 34 A atenção é o pré-requisito básico para a aprendizagem, pois ela resulta na disposição neural para a percepção dos estímulos. Já a memória pode ser definida como “o processo cognitivo que inclui, consolida e recupera toda a informaçãoque aprendemos” (RUSSO, 2018, online). O pensamento é a capacidade de compreender, formar conceitos e hipóteses e organizá-los. E a linguagem é a capacidade de recepção, interpretação e emissão de informações, ou seja, trata-se do caráter de expressão e compreensão. O principal ponto que emerge dos conhecimentos e reflexões aqui propostos se refere à maneira como os transtornos e distúrbios afetam estruturas neurais, seja em forma, seja em processamento. Essas evidências são comprovadas e registradas, ou seja, os transtornos não são uma escolha ou um desinteresse por parte daqueles que são acometidos. Sabendo disso, abrimos o seguinte questionamento: qual o limite da ação pedagógica? A resposta pode ser obtida ao se ter ciência de que qualquer intervenção pedagógica deve ser articulada e multidisciplinar, pois o déficit decorrente do processo de aprendizagem não implica, apenas, a condição ou proposição do ensino, mas também questões reguladas por outras áreas. Porém, essas evidências com base em laudos e diagnósticos não são fatais, e não devemos, enquanto mediadores, conceber a criança com transtorno ou distúrbio como incapaz em decorrência de sua condição. Cabe aos profissionais da área a ação pedagógica adequada para potencializar e ampliar as possibilidades de aprendizagem que a criança apresenta, em suas diferentes formas. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 35 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que transtornos e distúrbios são decorrentes de uma disfunção cerebral específica, que pode ser causada por fatores genéticos ou ambientais, ocorridos em determinado momento do desenvolvimento e que alteraram o processo regular do neurodesenvolvimento, resultando em déficits nas funções executivas. Além disso, aprendemos que a Neuropsicologia explora funções pontuais da mente identificadas em áreas e circuitos do cérebro, permitindo analisar como as anomalias estruturas anátomo-funcionais do cérebro repercutem em quadros clínicos. Após isso, avançamos para as evidências neuropsicológicas no Transtorno do Espectro Autista – TEA, do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade - TDA/H, do Transtorno Desafiador de Oposição – TOD e, por fim, dos Transtornos de Aprendizagem, em que vimos que as anomalias nas bases neurofuncionais e nos processos psicológicos diretamente ligados à aprendizagem podem incidir nos seguintes processos: processamento perceptivo, processamento motor, atenção, memória, pensamento e linguagem. Por fim, vimos que a questão fundamental da significância desses saberes é a de que transtornos e distúrbios afetam estruturas neurais, seja em forma ou em processamento. Essas evidências são comprovadas e registradas, uma vez que os transtornos não são uma “escolha ou desinteresse” por parte daqueles que são acometidos. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 36 Evidências Neurológicas na Intervenção Psicopedagógica OBJETIVO: Ao término deste capítulo, você será capaz de reconhecer os saberes na Neuropsicologia e a importância desses na intervenção psicopedagógica, percebendo as fronteiras de atuação no que se relaciona à aprendizagem e à intervenção. Isto será fundamental para o exercício de sua profissão. As pessoas que desconhecem essas relações e suas efetivas atribuições podem invadir campos específicos e prejudicar ao invés de potencializar a aprendizagem. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Vamos lá. Avante!. Saberes da Neuropsicologia Os conhecimentos da Neuropsicologia, todos esses que vimos anteriormente, nos permitiram conhecer a estrutura interna dos processos psicológicos e seus processos conectivos, possibilitando estabelecer e compreender algumas relações entre as funções psicológicas superiores e a aprendizagem. Figura 13 - Exemplo das funções psicológicas na relação com a aprendizagem Fonte: Elaborada pela autora (2019). Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 37 A Neuropsicologia tem como preocupação reunir amostras das funções mentais envolvidas na aprendizagem e sua intrínseca relação com a organização funcional do cérebro. A estrutura e o funcionamento diante de qualquer alteração podem resultar em uma disfunção ou em transtornos e distúrbios. A neuropsicologia é fonte de um conhecimento multidisciplinar que tem utilidade servindo como subsídio à Medicina, à Psicologia e aos aspectos gerais da docência, além de funções especializadas como no caso da Psicopedagogia. DEFINIÇÃO: Psicopedagogia é o campo de estudo que investiga a relação entre o desempenho e a aprendizagem formais, intencionais, sistematizadas e que, majoritariamente, condizem com o processo de escolarização. Através da psicopedagogia, há o avanço para as atitudes e comportamento dos estudantes diante do aprender. Ao fornecer subsídios teóricos, a Neuropsicologia permite que a Psicopedagogia atue no processo de ensino-aprendizagem, instrumentalizando os profissionais para proceder com avaliações globais desse processo, considerando as funções psicológicas e todo o mecanismo neural. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 38 Intervenção Psicopedagógica Podemos dividir a Psicopedagogia em três processos: prevenção, diagnóstico e intervenção. Apesar de serem processos específicos em determinadas ações, também se trata de um conjunto articulado de ações e percepções. De acordo com o Código de Ética da Psicopedagogia da Associação Brasileira de Psicopedagogia, reformulado pelo Conselho da ABPp, gestão 2011/2013 e aprovado em assembleia geral em 5/ de novembro de 2011, é papel do psicopedagogo trabalhar no âmbito educacional e clínico com foco no processo de aprendizagem e nas suas dificuldades, tendo como objetivos: • Promover a aprendizagem contribuindo para os processos de inclusão escolar e social. • Compreender e propor ações frente às dificuldades de aprendizagem. • Realizar pesquisas científicas no campo da Psicopedagogia. • Mediar conflitos relacionados aos processos de aprendizagem. Figura 14 - Três processos da Psicopedagogia Fonte: Elaborado pela autora (2019), com base em imagens recuperadas em Wikimedia Commons, Rede Humaniza SUS e Usabilidoido. Na área da aprendizagem, assim como afirma Weiss (1997), todo o diagnóstico é um processo de investigação e uma pesquisa dos Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 39 motivos do porquê que o estudante não consegue avançar nos objetivos esperados. A área é, portanto, centrada no campo psicoeducativo (COLL, 1989). Matteoda et al. (1993) e Perkins (1995) relatam que essas intervenções são de natureza diversificada e podem ser sistematizadas nas seguintes categorias: • Problemática e objeto de intervenção: centradas na qualificação do processo de aprendizagem ou na intervenção do problema de aprendizagem evidenciado. • Destinatários da intervenção: dirigirá aos sujeitos, individualmente ou em grupos, que pertençam ao local do contexto, escola, por exemplo. • Âmbitos de intervenção: contemplam desde o sistema educativo como um todo à sala de aula e consultório. São múltiplas e diversas. • Surgimento da demanda: a demanda de intervenção também é múltipla, podendo ser oriunda da família, da instituição ou de outros seguimentos relacionais. • Estratégias de intervenção: consistem em amplo espectro de técnicas e estratégias: “[...] entrevistas, coordenação de trabalhos interdisciplinares, grupos terapêuticos, técnicas de coleta de dados diagnósticos, estratégias terapêuticas, assessoramento e coordenação de projetos educativos institucionais e projetos pedagógicos inovadores, entre várias estratégias mais específicas” (Andrade, 2004, online). • Marcos conceituais: suas intervenções são efetivadas perante conhecimentosprocedentes de diversas áreas e desenvolvimento teórico. Essas categorias permitem analisar a ação psicopedagógica e articulada com eixos conceituais básicos da intervenção psicoeducativa e resultam em um continuum de práticas de intervenção. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 40 Quadro 2: Eixos conceituais básicos da intervenção psicoeducativa A NATUREZA DOS OBJETIVOS DE INTERVENÇÃO ESTRITAMENTE EDUCATIVO ESTRITAMENTE PSICOLÓGICO Modalidade de intervenção Intervenções enriquecedoras Intervenções corretivas ou preventivas ou terapêuticas Caráter das intervenções Direta e imediata Indireta ou mediatizada Lugar das intervenções Escolar Extraescolar Fonte: Elaborado pela autora, com base em Coll (1989). Portanto, ao psicopedagogo as palavras de ordem são: diversidade e heterogeneidade disciplinar. Dessa forma, apenas com uma vasta compreensão da complexidade humana e de seus processos é que é possível interpretar e intervir nos déficits da aprendizagem. RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que os conhecimentos da Neuropsicologia permitem conhecer a estrutura interna dos processos psicológicos e seus processos conectivos, possibilitando estabelecer e compreender algumas relações entre as funções psicológicas superiores e a aprendizagem. Você deve ter aprendido que, por ter sua preocupação em reunir amostras das funções mentais envolvidas na aprendizagem, na intrínseca relação com a organização funcional do cérebro, a Neuropsicologia contribui para que a Psicopedagogia atue no processo de ensino-aprendizagem, instrumentalizando os profissionais para proceder com avaliações globais desse processo, considerando as funções psicológicas e todo o mecanismo neural. Ao longo da unidade, também evidenciamos que, por ser dotado desses saberes, o psicopedagogo pode atuar no âmbito educacional e clínico com foco no processo de aprendizagem e em suas dificuldades. Por fim, reconhecemos que as palavras de ordem no processo de intervenção psicopedagógica são diversidade e heterogeneidade disciplinar, pois apenas com uma vasta compreensão da complexidade humana e de seus processos é que é possível interpretar e intervir nos déficits da aprendizagem. Transtornos e Distúrbios da Aprendizagem 41 REFERÊNCIAS ASSUMPÇÃO JR., F. B.; PIMENTEL, A. C. M. Autismo Infantil. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 22, n. 1, p. 37-39, 2000. BOSA, C. A. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 547-553, 2006. BRASIL. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro Autista (TEA)/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2013. BRUCATO, A.; ASTORI, M. G.; CIMAZ, R.; VILLA, P.; LI DESTRI, M.; CHIMINI L; VACARI, R.; MUSCARÀ, M.; MOTTA, M.; TINCANI, A.; NERI, F., MARTINELLI, S. 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