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Geopolítica dos recursos naturais Apresentação Você já se perguntou como se estruturam as estratégias de exploração, gestão e comercialização dos recursos naturais entre os países do mundo? A dinâmica desse processo não depende apenas do detentor dos recursos, mas de todo um jogo político, econômico, social e cultural, dos interesses das grandes potências mundiais e corporações transnacionais. Há séculos, a busca pela ampliação de território e por recursos impulsionou a navegação marítima, incorporando outras regiões globais além da Europa no quadro mundial. O mundo passou por tantas mudanças históricas, acordos, tratados, guerras, e a disputa por fontes naturais perpassou muitos momentos como esses, sendo inclusive o cerne de algumas situações. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai entender as relações entre a geopolítica e os recursos naturais, compreendendo a relevância desses itens para a soberania dos países que os detêm, as disputas e articulações estabelecidas na busca pelo seu domínio, as estratégias de controle e preservação adotadas pelas nações, bem como a centralidade desse debate na configuração global atual. Bons estudos! Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar as tendências e perspectivas da geopolítica contemporânea.• Explicar a função estratégica dos recursos naturais e as disputas que os cercam.• Comparar as ações das grandes potências mundiais frente ao controle dos recursos escassos.• Desafio Durante muito tempo, o Brasil foi conduzido por uma exploração maciça de seus recursos naturais sem um plano de recuperação ou legislação ambiental mais rígida. Primeiro foi a madeira que deu nome ao país, o pau-brasil; depois vieram outros ciclos de exploração: o ouro, a cana-de- açúcar, o algodão, o café; hoje a soja e o alumínio. Atualmente corre-se o risco de perder bens fundamentais, como o solo e a água, diante de atuais acordos com o capital estrangeiro, da fragilização das leis ambientais e da utilização indiscriminada de agrotóxicos. Ratzel, ao formular suas ideias sobre o Estado-nação e o território, alertou sobre a relevante integração entre a gestão política e os recursos naturais, já que o Estado está organicamente ligado ao território pelo princípio da própria vida, pois o povo depende do solo para se alimentar, ou ainda deste e demais recursos para produzir seus produtos, gerar divisas e estabelecer negócios com outros países (CASTRO, 2005; COSTA, 1992). Por isso é importante ter amplo conhecimento dos recursos naturais brasileiros e sua dinâmica no âmbito da geopolítica, compreendendo como os países ao longo dos anos têm utilizado seus recursos e quais medidas protetivas ou tecnológicas as nações têm adotado na sua exploração, utilização e comercialização. Acompanhe a seguinte situação: Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/0666a621-9312-44f0-9049-b8de160c315d/12a2fd55-ef0e-4ae2-aaa4-99d65a23e636.jpg Descreva as diferenças que podem ser observadas pelos estudantes e exemplos de atividades didáticas que poderiam ser exploradas com base no tema em questão. Infográfico Você sabia que os recursos naturais têm diferentes tipos de classificações e subdivisões? Essa forma de organização é importante para que as nações possam estudar e compreender as características dos elementos disponíveis em seu território. Destarte, poderão explorar melhor esses recursos e compreender como extraí-los, manipulá-los, transformá-los, comercializá-los no mercado global, mas também estabelecendo maneiras de economizá-los (quando não renováveis e escassos), reutilizá-los e preservá-los. Neste Infográfico, compreenda as principais classificações dos recursos naturais e os tipos de uso, os países mais concentradores e, assim, entenda a função estratégica dos recursos naturais para os países na atual fase do mundo globalizante. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/4401b89a-c711-4894-a153-63159faf4bfa/f3c7c60d-973f-4cff-971c-eb39a7e480cf.jpg Conteúdo do livro Os recursos naturais são apontados por muitos autores relevantes da geografia internacional e nacional, como Ratzel, Raffestin, Costa, entre outros, como elementos estratégicos fundamentais para construir um Estado-nação forte e autônomo. Em sua maior parte, os recursos são escassos e, diante da impossibilidade de seguir o modo de produção das sociedades atuais, na ausência de um recurso importante, há confrontos, guerras e sanções entre os países. Por isso é importante compreender como os recursos se constituíram enquanto ferramentas fundamentais para a produção humana, bem como as ações dos países no sentido de preservação e disputa. No capítulo Geopolítica dos recursos naturais, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, conheça um referencial teórico sobre geopolítica e recursos naturais. O intuito é que você seja capaz de compreender e diferenciar as estratégias adotadas por diferentes países nas etapas de exploração, produção e comercialização de suas riquezas naturais. Boa leitura. GEOGRAFIA POLÍTICA OBETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar as tendências e perspectivas da geopolítica contemporânea. > Explicar a função estratégica dos recursos naturais e as disputas que os cercam. > Comparar as ações das grandes potências mundiais frente ao controle dos recursos escassos. Introdução Neste capítulo, você verá noções gerais sobre as atuais perspectivas da geopo- lítica, e poderá articular essas informações com o uso estratégico de recursos naturais de diferentes países do mundo. Você identificará quais são as funções dos recursos naturais e a postura adotada pelas nações diante do controle por esses itens; assim, será capaz de diferenciar suas estratégias de apropriação, exploração e preservação mundial. As relações geopolíticas perpassam diferentes dimensões das estratégias internas e externas de um país. Isso explica por que as decisões e os delineamentos de projetos consistem em resultados de um conjunto de características políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais. Neste aspecto, o propósito deste capítulo é apresentar ideias gerais sobre os recursos naturais e a geopolítica. Geopolítica dos recursos naturais Larissa Araújo Coutinho de Paula A geopolítica contemporânea e sua relação com os recursos naturais Para pensarmos a geopolítica contemporânea dos recursos naturais, é ine- vitável recorrer ao pensamento de clássicos, como as teorias de Ratzel, por exemplo. Quando consideramos o conteúdo de qualquer obra, devemos ter em mente que o material foi elaborado a partir de determinados contextos temporais e espaciais vividos pelos(as) autores(as). Ratzel criou suas teorias em um momento de extrema fragilidade social e territorial alemã, propondo a reflexão sobre a função do Estado diante de tal situação, por isso muitas vezes sua obra é associada a fins imperialistas (COSTA, 1992). O geógrafo Wanderley Messias da Costa explica que, em sua visão orgânica do território, a partir de conceitos da biogeografia, Ratzel pensa o Estado como um organismo vivo, e, nesta analogia, de acordo com as leis da natureza, há fases e processos indispensáveis à vida: nascer, avançar, recuar, estabelecer relações, proteger, declinar. O autor chegou a essa analogia a partir das articulações entre o solo e o povo — o primeiro é permanente, enquanto o segundo, que incorpora o Estado, é transitório (COSTA, 1992). Os Estados tendem a articular internamente e externamente o seu espaço de domínio, de acordo com seus interesses e com possíveis ameaças de invasões inimigas, de modo a valorizarem nós e redes que configuram sua geopolítica. O termo geopolítica foi utilizado pela primeira vez pelo cientista sueco Rudolf Kjéllen,em meados da década de 1900. Para ele, a geopolítica consistia em um ramo autônomo da ciência política. De acordo com Costa (1992), a ge- opolítica é, antes de tudo, um subproduto técnico e pragmático da geografia política, permitindo a aplicação de seus pressupostos em situações concretas, avaliando o jogo das forças estatais projetadas no espaço. O geógrafo estadunidense David Harvey já havia nos alertado para o fato de que a riqueza e o bem-estar de alguns países aumentam às custas de outros (HARVEY, 2004). As assimetrias e condições socioeconômicas díspares não resultam apenas das condições geográficas, da dotação de recursos naturais ou das vantagens de localização, mas são produzidas e reforçadas pelas relações assimétricas de poder nas relações de troca. A geógrafa Iná Elias de Castro argumenta que, para Ratzel, a geografia política tinha como base a atividade de demonstrar que o Estado só se completa para a realidade humana sobre o solo de um país. Por isso a ideia de um organismo que necessita manter relações diretas com o solo. A obra do autor permite a compreensão de que o sentido geográfico sempre esteve Geopolítica dos recursos naturais2 presente na história de acumulação do capital sob expressões como “instinto espacial” e “vocação colonial”, “sentido inato de poder” (CASTRO, 2005). Como ressalta Castro (2005), o projeto intelectual de Ratzel ia além da construção de uma disciplina científica, mas ele pretendia elaborar um pro- jeto de Estado para a sociedade. É claro que devemos considerar o contexto expansionista europeu no qual o autor alemão estava envolvido. Por isso, a geografia serviu, a princípio, para consolidar as ideias do mercantilismo na Europa, sendo uma ciência política e bélica desde a sua origem. A geopolítica vinculava-se, então, à expressão e ao modo de controle dos conflitos sociais dos Estados sobre seus territórios. A geógrafa Bertha Becker destaca que, ao término da Guerra Fria, bem como com a queda do muro de Berlim, o mundo passa a viver uma nova fase da política mundial, na qual o espaço não era mais dividido em blocos mundiais e suas áreas de influência; ao contrário, vemos diferenciações espaciais das mais distintas ordens: política, econômica, cultural, religiosa, ideológica, entre outras (BECKER, 2000). Castro (2005) ressalta que, atualmente, os conflitos e interesses localizados regionalmente compõem a nova agenda de regiões que se beneficiam das diferenças de níveis tecnológicos e tentam combater a isonomia intrínseca do Estado nacional. Como exemplos, a autora menciona o caso de regiões ricas de alguns países europeus: Emília Romana (Itália), Catalunha e País Basco (Espanha) e Flandres (Bélgica). Há, nesses casos, a luta contra ações compensatórias que prejudicam o território dessas área e, ainda, em alguns deles, reivindicações pelo separatismo e a criação de novos Estados. A abordagem da autora supracitada dialoga com as observações de Becker (2000, p. 297): A globalização, conduzida pelos grandes bancos e corporações transnacionais, retira do Estado o controle sobre o conjunto do processo produtivo e afeta a integridade do território nacional e a autonomia do Estado, afetado igualmente por nacionalismos separatistas e movimentos sociais apoiados na afirmação da identidade e na tradição do lugar. Nesses casos, os regionalismos locais pressionam os Estados nacionais mais antigos e podem enfraquecê-los, como ocorreu com movimentos sepa- ratistas do Québec ou da Escócia. O próprio Estado-nação pode organizar seu território com o intuito de tirar vantagens da competitividade imposta pela globalização, criando assim zonas econômicas e culturais — são exemplos a região em torno de Hong Kong, o Norte da Itália, o vale do Silício, na Califórnia, e a região em torno de Barcelona e o País Basco, na Espanha (CASTRO, 2005). Geopolítica dos recursos naturais 3 É interessante pensar em como as estratégias globais têm se redesenhado em função da crise ambiental. Becker (2000) destacou que a produção em larga escala gerou conflitos ecológicos e sociais por todo o mundo. A ten- dência de valorização do Estado-nação fortemente arraigada na geografia passa, então, a ser tensionada. Na visão da autora, não devemos pensar no Estado como unidade única de poder; é uma instância privilegiada, porém não é a única a executar a negociação de forças, tanto é que os conflitos não se concentram apenas entre os Estados, como antigamente, mas também internamente. Como a própria autora nos adverte, O Estado não é uma forma acabada, está sempre em processo. O crescimento do Estado-nação depende, além de condições econômicas, da incorporação de novos espaços, sendo tarefa do Estado a proteção de seus espaços, por meio da política territorial. Na atual perspectiva, o espaço global tem uma racionalidade cuja interferência de grupos de diferentes segmentos se faz presente — tecnoestrutura estatal, interesses de grandes empresas, agências e instituições multilaterais —; tem-se, então, sobre o espaço, um efeito simultâneo de globalização e fragmentação dos lugares (CASTRO, 2005). A produção se tornou cada vez mais globalizada, com diferentes etapas do processo produtivo espalhadas por diferentes cantos do mundo, e a in- formação e a tecnologia são hoje características permanentes da mediação do ser humano na natureza. Há, ainda, um novo zoneamento do espaço mundial; como explicou Becker (2000), o avanço tecnológico aprofundou a distinção entre áreas desindus- trializadas, áreas de difusão da indústria e da agroindústria convencionais e áreas que devem ser ambientalmente preservadas. A intervenção de agentes econômicos e financeiros nos territórios nacionais afeta diretamente a gestão política dos países. Há uma dualidade entre a ideia da proteção de recursos naturais, com o uso reduzido de matérias-primas e de energia, e a natureza transmutada em capital, passível de utilização atual ou futura por meio de tecnologias que a transformam em fonte de informação (codificação da vida) para a ciência e a tecnologia (BECKER, 2000). Se aplicarmos a geopolítica para pensarmos as estratégias territoriais dos Estados em termos de uso e controle de seus recursos naturais, vemos que essa ramificação de nossa ciência pode contribuir positivamente para a compreensão e a solução de problemas de diversas escalas — local, regional, nacional, mundial — e de diferentes ordens — energia, recursos naturais, biodiversidade (RODRIGUES, 2015). Geopolítica dos recursos naturais4 Kjellén havia concebido a geopolítica como uma ferramenta para o estudo do Estado enquanto um organismo geográfico. Ele a subdividiu em três tópicos (RODRIGUES, 2015): � topopolítica (área que se ocupa das questões naturais, como a altitude, relação continental, rotas comerciais, hidrologias e recursos naturais); � morfopolítica (relaciona-se restritamente com dimensão física, tama- nho, forma e localização); � fisiopolítica (concentra-se no planejamento e na exploração dos re- cursos naturais presentes no território). Ao compreendermos a importância dos recursos naturais para os países, podemos ter maior clareza sobre as configurações históricas e atuais de poder sobre a natureza no quadro mundial, incluindo as motivações das disputas que envolvem esse recurso. Os recursos naturais como função estratégica para o Estado: acordos e confrontos O geógrafo francês Claude Raffestin explicou que uma matéria (ou substância) é como um dado puro resultante de forças que agiram sobre a terra ao longo de anos sem a intervenção humana. Qualquer matéria dependerá da relação que a sociedade tem com ela. O trabalho humano sobre a matéria atribui propriedades a ela (RAFFESTIN, 1993). Essa valorização ou indiferença em relação à matéria sofre alterações de acordo com as dinâmicas espaciais e temporais. O autor supracitado nos ilustra essa situação com o exemplo do carvão, que por muito tempo era uma matéria qualquer, até se tornar um combustívelem várias regiões europeias medievais, e hoje é uma matéria-prima da indústria química. Por meio do avanço do trabalho humano, podem surgir novas descobertas sobre as pro- priedades do carvão. Todos os recursos estão sujeitos a isso (RAFFESTIN, 1993). Um recurso surge não somente pela técnica empregada sobre ele, mas pela política, como nos adverte Raffestin (1993, p. 225): “Toda relação com a matéria é uma relação de poder que se inscreve no campo político por intermédio do modo de produção.” Logo, os recursos são produtos de uma relação, a partir de uma mediação externa (humana) que lhe dotará de propriedades. Às vezes, as matérias deixam de ser recursos porque perdem suas proprie- Geopolítica dos recursos naturais 5 dades, tornando-se inoperantes, sem utilização para o trabalho humano; um exemplo é o sílex, uma espécie de sedimentar silicatada muito usada por hominídeos durante os períodos do Paleolítico e Mesolítico/Epipaliolítico para a fabricação de armas e utensílios de corte. A técnica empregada sobre a matéria pode ser simétrica (relações não destrutivas) ou dissimétrica (relações destrutivas), e o tipo dessa relação pode implicar a preservação ou escassez de matérias no futuro. Diante da ausência de uma matéria, buscamos formas de substituí-la, em razão da sobrevivência, como a substituição de cerdas vegetais ou de animais por cerdas de fibras sintéticas. Esta é uma substituição desejável, e não imposta, decorrente do uso exaustivo de um recurso (RAFFESTIN, 1993). Dentre os recursos renováveis, os mais imprescindíveis são o solo, a água, a energia solar e a eólica. No que se refere à terra (solo), este é o maior bem renovável de uma nação, pois sobre ela cada sociedade delimitará seu territó- rio, a base material e simbólica da vida (CASTRO, 2005). Além disso, é da terra que vem a alimentação de um povo, condição essencial para a sobrevivência. Em relação à água, Raffestin (1993) já apontava a importância de seu uso consciente, qualitativa e quantitativamente. A água é alvo de confrontos das mais diversas escalas, desde relações continentais até a disputa entre municípios pela propriedade de uma bacia hidrográfica, por exemplo. Já os recursos não renováveis são constituídos pelas matérias que são apropriadas e transformadas por meio de técnica. Geralmente, encontram- -se armazenados no solo ou subsolo, sendo acúmulo da história da natureza (dimensão geológica) sobre o planeta Terra. Temos como exemplos o carvão, o petróleo, o gás natural e o ferro. Vale mencionar que os países de indus- trialização precoce, que hoje, em sua maioria, lideram a economia mundial, desperdiçaram grandes reservas de seus recursos não renováveis. Atualmente, são dependentes de países periféricos, pois “[…] quando a exploração do- méstica não é suficiente para cobrir o consumo, volta-se para o exterior, com o fim de completá-la” (RAFFESTIN, 1993, p. 235). No que tange à mobilização de recursos, Raffestin (1993) explana que existem três principais perspectivas: � o exploracionismo (exploração intensa sem a preocupação com o nível de esgotamento); � o preservacionismo (que apesar de coincidir com uma tendência eco- lógica, pode advir de razões puramente econômicas); � o conservadorismo (exploração mediada pela otimização entre presente e futuro, considerando a gestão a longo prazo). Geopolítica dos recursos naturais6 Por estarem intrinsecamente ligados a um território, os recursos naturais são foco de disputas entre os países do mundo. Os confrontos envolvem diferentes ideologias e perspectivas. Um país de poder no cenário mundial, que detenha em demasia um determinado recurso, se dedicará a controlar o mercado global para dominar seu preço e negociações. Pode agir de forma direta ou indireta, por meio de companhias multinacionais ou agrupamentos regionais, concentrando e organizando suas estratégias de domínio. Mesmo aqueles países que recuperaram suas matérias-primas após muito tempo de colonização, por meio da independência e da nacionalização de seus recursos, precisam se articular para fazer frente a essas questões (RAFFESTIN, 1993). Há um jogo assimétrico de relações entre os países. Isso é um fato que nós, como latino-americanos(as), conhecemos bem. Raffestin (1993) apontou com segurança a relação de dominação dos Estados Unidos sobre a América Latina. Por muito tempo, a América Latina esteve dependente dos EUA até mesmo para a aquisição de cereais, item essencial na alimentação de muitos países latinos. Essa situação reflete diretamente sobre a soberania alimentar de uma nação. A soberania alimentar de países pobres, envolvidos em guerras, ou cuja elite dominante escolhe depender de importações, é efetivamente colocada em risco. Alguns, estrategicamente, se especializam em determinados pro- dutos, com os quais geram divisas, podendo, assim, adquirir alimentos ou demais recursos. Segundo Becker (2000), o desenvolvimento sustentável, perspectiva criada a partir da relação sociedade-natureza na geopolítica contemporânea, tem como preceitos o conteúdo do Relatório Brutland (documento datado de 1987 que previa o planejamento de um futuro comum entre os países), cujo objetivo consiste em ajustar o sistema capitalista em termos de conciliação com a lógica cultural do movimento ambientalista. Todavia, não é possível se referir a essas relações sem considerar os instrumentos de pressão usados no sentido Norte-Sul, além de imposições sobre o uso dos territórios nacionais. Becker (2000) esclarece que há, no cerne dos conflitos, o quadro da desi- gual distribuição de dois itens imprescindíveis para a produção capitalista: a natureza (recursos naturais) e a tecnologia (técnica, ciência, conhecimento). Há uma questão tecno(ecológica) que perpassa os valores atribuídos à natureza. As fontes de recursos renováveis indicam um estoque de vida e bem-estar, porém, sob a inserção tecnológica, esses elementos adquirem o valor de capital. Logo, a apropriação de territórios ambientais é uma estratégia como reserva de capital futuro. Geopolítica dos recursos naturais 7 Há, de fato, uma preocupação legítima com os recursos naturais do pla- neta. A sociedade se deu conta de que não tem mantido um controle sobre o equilíbrio da exploração da natureza, dotando-se da consciência de que é necessário preservá-la. Um marco regulatório foi a Conferência de Estocolmo, em 1972 (primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente). A perspectiva ecológica, neste aspecto, se configura ainda como uma utopia ao assumirmos “[…] que os Estados mudam de natureza, mas não se extinguem, e que as relações assimétricas permanecem, é lícito reconhecer que não há um presente comum e, dificilmente, haverá um futuro comum” (BECKER, 2000, p. 294). Mas Becker (2000) frisa que há um aspecto não menos relevante: a ideologia ecológica. A ecologia é hoje um dos itens da agenda de interesses dominantes, e a coerção de países centrais da economia global sobre os países periféricos se dá sob diversas formas: pela mídia, pela absurda redução de crédito, por propostas de conversão de dívidas por natureza, pela formação de áreas para a exploração da biotecnologia e pela retirada de porções de territórios nacionais do circuito produtivo. Assim, o desenvolvimento sustentável não prevê a harmonia entre eco- nomia e natureza, mas coloca-se como um mecanismo de regulação do uso do território e como instrumento político que configura uma versão contem- porânea para seu ordenamento. Há um novo paradigma para a qualidade de um produto, com base no rastreamento de seu ciclo de vida e no quanto ele permite sua reutilização como matéria-prima para novas linhas de produções ao seu término. Isso nos coloca diante de uma nova lógica global de consumo — o consumo sustentável (BECKER, 2000). A nova face das relações globais, conduzida não somente pelo Estado- -nação, mas por bancos e corporações transnacionais, altera o controle deste último sobre o processoprodutivo e sua unicidade territorial, social e ambiental. O uso progressivo de ferramentas tecnológicas modifica o valor político e econômico de determinados territórios, seja a partir do uso de novas fontes de recursos ou da elaboração de modernas técnicas de produção. Diante disso, cada país definirá sua estratégia para a exploração e a preservação de seus recursos — alguns fazem acordos, harmoniosos ou coercitivos, outros apelam para confrontos bélicos. Geopolítica dos recursos naturais8 Entre a preservação e a exploração: as estratégias geopolíticas para os recursos naturais Em relação aos recursos não renováveis, como o cobre e o alumínio, metais não ferrosos, Raffestin (1993) já havia descrito características de uma “guerra” econômica. Muitas empresas, sobretudo as de capital estadunidense, se in- ternacionalizaram, reconfigurando a divisão internacional do trabalho (DIT) e dotando as elites dos países produtores com infraestrutura. No entanto, ainda controlam a tecnologia empregada, mantendo o controle da produção, sobre- tudo quando ocorre a integração de multinacionais, formando oligopsônios. Se observarmos com atenção a ação das mineradoras, perceberemos que há um longo período elas mantêm o domínio sobre a produção mundial, porém sem possuir minas em seus territórios. Essa estratégia possui inúmeras vantagens aos países possuidores de tecnologia: diminui os riscos financeiros, garante uma renda de nível satisfatório, diversifica com recursos mínimos (RAFFESTIN, 1993) e evita a poluição e crimes ambientais em seus territórios — haja vista o desastre da barragem de Mariana (MG), em 2015, envolvendo a empresa Samarco, ou, mais recentemente, o rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, também no território mineiro. Esse ciclo de dependência dificilmente é rompido, pois trata-se de uma estratégia histórica usada pelas grandes potências mundiais para manterem os países produtores e periféricos sob o seu domínio. Conforme explana Raffestin (1993, p. 265): Se contestamos as relações de poder dissimétricas, é porque elas contribuem para manter o subdesenvolvimento, do qual são vítimas numerosos países. Em nossa opinião, se o desenvolvimento depende de planos muito precisos, depende sobretudo da eliminação progressiva das relações dissimétricas impostas pelos atores que dispõem dos meios financeiros e das tecnologias aos atores que só dispõem das matérias-primas, artigo menos apreciado que o dinheiro e a infor- mação no processo. As relações cada vez mais assimétricas permitem que condições imperialis- tas continuem a orquestrar inclusões e exclusões e vantagens e desvantagens aos países do mundo. Impérios, de acordo com Harvey (2004), podem ser concebidos, implantados e administrados de distintas formas. Harvey (2004) explica que até a ocorrência da II Guerra Mundial, a ideia de um império britânico era dominante para a maioria das pessoas; no entanto, após a guerra, a Grã-Bretanha cedeu seu poder global aos Estados Unidos, o Geopolítica dos recursos naturais 9 que também foi reforçado graças ao processo de descolonização e indepen- dência de muitos países. Os Estados Unidos elevaram sua liderança mundial, ao passo que a Inglaterra e a França diminuíam a sua influência global. É inquestionável o poderio bélico e militar dos Estados Unidos: armas, soldados, agentes secretos, forças especiais. As guerras travadas pelo país são exemplos concretos de seu imperialismo. Nos anos 1960, já havia análises que apontavam o domínio estadunidense sobre a América Latina e o Sudeste Asiático. Na guerra contra o Iraque, os EUA contaram com o apoio de países como a Austrália e a Espanha, mas também sofreram oposição da França e da Alemanha, além de, obviamente, Rússia e China (HARVEY, 2004). A interferência estadunidense na economia e na gestão política de um país pode ser mais bem observada a partir de sua relação com a América Latina. Sob o discurso de levar democracia, estabilidade e crescimento a esse conjunto de nações, os EUA têm, ao longo de décadas, incentivado golpes de Estado sorrateiramente, como fez com Salvador Allende, no Chile, e tentou fazer com Hugo Chávez, na Venezuela. Não se trata de teorias de conspiração; vários documentos oficiais de suas agências de inteligência já foram expostos, e sabemos bem o que ocorreu com os denunciadores, tidos como ativistas por alguns e detratores pelos EUA. Quantos às guerras, que são intervenções diretas, vemos hoje que o principal alvo é um conjunto de países do Oriente Médio. Uma estratégia pouco imaginada, exposta por Harvey (2004), é a de simula- ção de conflitos externos visando a construção de uma solidariedade interna. Os EUA viviam uma recessão iniciada em 2001, que apenas se agravou no decorrer dos anos, com altos índices de desemprego, escândalos corporativos, corrupção, dívidas externas, desigualdade social, negligência sobre as ações ambientais, condições que desmoralizavam a capacidade política e econômica da grande potência. Assim, o confronto com o Iraque seguramente mudaria o foco sobre o país. Outro ponto destacado pelo autor diz respeito à dinâmica interna dos EUA, que é um país extremamente multicultural, porém de forte incentivo ao individualismo e à competição, o que torna a sua democracia instável e difícil de ser controlada. A guerra contra o Iraque é frequentemente associada pelos opositores como uma tentativa de apropriação sobre o petróleo do país. Alguns países, inclusive os que se opuseram à guerra, tinham concessões de exploração autorizadas naquelas regiões, como França, Rússia e China, acirrando ainda mais as disputas. Harvey (2004) explica que o controle sobre o Oriente Médio envolvendo estratégias de relações geopolíticas com países como Irã, Síria e Arábia Saudita é uma tática relevante no capitalismo global, uma vez que, Geopolítica dos recursos naturais10 desde a década de 1950, os EUA têm efetuado ações encobertas e declaradas nesta região, comprovadamente a maior área de reservas de petróleo no mundo. Desde a década de 1980 tem ocorrido uma exploração muito intensa de petróleo no mundo, de modo que a extração avança mais do que as desco- bertas de novas reservas. Aliás, muitos reservatórios estarão esgotados em um curto período de tempo. Isso coloca o Oriente Médio como fornecedor destacado de petróleo a longo prazo. Portanto, garantir o acesso ao petróleo é essencial não somente para a segurança estadunidense, mas para todos os países (HARVEY, 2004). A Europa e o Japão, bem como as partes leste e sudeste da Ásia (incluindo, hoje, a China — o que é crucial), dependem de modo vital do petróleo do Golfo, e são essas configurações regionais de poder político-econômico que repre- sentam em nossos dias um desafio à hegemonia global dos Estados Unidos sobre produção e finanças. Que melhor forma de os Estados Unidos evitarem essa competição e garantirem sua posição hegemônica do que controlar o preço, as condições e a distribuição do recurso econômico decisivo de que dependem esses competidores? (HARVEY, 2004). Ainda no plano mundial, outro país que passou por problemas na explo- ração e comercialização de seus recursos naturais é a Rússia. Nos últimos anos, o país tem sofrido sanções dos EUA e da União Europeia, o que o forçou a desenvolver outras estratégias para a sua geopolítica do petróleo (ENG- DAHL, 2017). Engdahl (2017) explica que a Rússia realizou uma venda de sua petro- leira estatal, até então a maior do mundo, para uma empresa de mineração, porém, conservando 60% de controle sobre ela e estabelecendo parcerias com a CEFC Energy, grande empresa chinesa. Esse fato tende a reconfigurar a comercialização mundial do petróleo e estabelecer novas geometrias de poder sobre esse recurso ainda tão disputado pelas nações. Butts (2015) traz reflexões interessantes sobre a geopolítica das grandes nações e a relação com os recursos naturais. De acordo com o autor, existe o que ele cunhou como a geopolítica daescassez dos recursos. Independen- temente do nível e da colocação de um país na economia mundial, toda e qualquer nação poderá sofrer com os graves efeitos da escassez de recursos, desde os mais básicos, como água e solo, até os mais complexos, mas que também são imprescindíveis para a sobrevivência da sociedade moderna. Com o iminente aumento da população global, se não houver medidas de conservação, desenvolvimento de produtos alternativos e ações para mi- Geopolítica dos recursos naturais 11 tigação das mudanças climáticas, poderemos, em breve, vivenciar novos confrontos e guerras mundiais. É necessário pensar nos recursos naturais estratégicos da América La- tina. Nosso continente, ao longo de décadas, tem buscado um intercâmbio comercial, regulação tarifária e uma política de agenda comum que nos fortaleça e que também favoreça a nossa inserção política e econômica no mundo globalizado (RODRIGUES, 2015). A questão da geopolítica dos recursos minerais na América do Sul constitui um fator de longa data, tanto no período da colonização, como no pós-independência, acalentando debates e disputas político-econômicas até a atualidade. Historicamente, em raríssimas ocasiões, a exploração desses recursos naturais por potências estrangeiras beneficiou as populações locais de onde os recursos eram extraídos. Foi assim durante os mais de três séculos em que a região foi colonizada por portugueses e espanhóis, que inundaram a Europa com o ouro e a prata extraídos de suas colônias americanas (RODRIGUES, 2015). Tendo em vista a localização e a extensão territorial do Brasil, nosso país poderia exercer um papel importante nesta construção coletiva e continental; todavia, é necessário romper com a concepção limitadora de uma geopolítica apenas guiada por um Estado autoritário e opressor (RODRIGUES, 2015). No sentido de nosso patrimônio ambiental, temos um longo caminho a ser trilhado na consolidação de uma soberania, no uso e na proteção de nossos recursos naturais e hidroenergéticos, na preservação de nossa biodiversidade e recursos biogenéticos (RODRIGUES, 2015). Bernardo Rodrigues, doutor em Economia Política Internacional, alerta que apesar de a América Latina possuir vastas extensões ricas em recursos naturais, não pode ter sua soberania garantida enquanto não dispuser de inovação científica e tecnológica para a extração, o uso, as transformação e o consumo desses recursos. É preciso romper a dependência tecnológica de nosso continente (RODRIGUES, 2015). O autor supracitado traz considerações relevantes sobre alguns recursos energéticos que a América Latina possui, pensando em possíveis estratégias para sua exploração. Com a descoberta do pré-sal no Brasil, do óleo ultra- pesado na bacia do Orenoco na Venezuela e as possibilidades de exploração do gás de xisto na Patagônia argentina, a América do Sul tende a exercer uma função relevante no âmbito internacional de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural) em um futuro próximo. Há um grande interesse de potências mundiais sobre esses recursos, e os países latino-americanos devem reunir esforços para que essas explorações gerem desenvolvimento endógeno, e não apenas exploração externa. Geopolítica dos recursos naturais12 A América Latina possui grandes quantidades de nióbio, lítio, cobre, prata, estanho, ferro, zinco e alumínio (bauxita). Especificamente, no que tange ao lítio e ao nióbio, sob os quais se concentrou a análise do autor, as reservas dos dois recursos na América Latina correspondem a mais de 90% das reservas mundiais. Trata-se de recursos que possuem um caráter energético capaz de proporcionar usos diferenciados em termos tecnológico e científico. O lítio é uma espécie de metal e suas utilidades são das mais diversas, desde a metalurgia, a fabricação de cerâmicas e lentes de telescópios, a produção de pilhas e baterias elétricas (celulares e notebooks) até a me- dicina, mais precisamente na indústria farmacêutica, que usa os seus sais para a produção de remédios no tratamento da depressão e do transtorno bipolar. Além disso, há a tendência de que o lítio seja inserido em uma nova tecnologia de baterias recarregáveis para veículos elétricos, a hybrid electric vehicle (HEV) (RODRIGUES, 2015). As maiores reservas de lítio encontram-se em regiões salares, os chamados desertos de sal. Logo, países como Bolívia (Salar de Uyuni), Chile (Salar de Atacama) e Argentina (Salar del Hombre Muerto) formam o triângulo do lítio, a maior reserva mundial do recurso. Na Bolívia, o governo, em parceria com várias instituições mundiais, tem desenvolvido pesquisas científicas sobre o lítio (RODRIGUES, 2015). De acordo com Rodrigues (2015, p. 74): A disputa global pelo lítio, devido ao crescimento sustentado e abrupto de sua demanda como consequência da inovação tecnológica na produção de baterias recarregáveis, modificará o eixo da geopolítica energética mundial colocando a América do Sul no centro do debate, criando possíveis novas tensões geopolíticas na região andina do subcontinente. O nióbio é um metal através do qual é produzido o ferro-nióbio, que pode ser usado na produção de veículos mais leves e que consumam menos energia e combustível, além de ser um dos metais mais resistentes à corrosão e a temperaturas extremas. No Brasil, temos a maior taxa de produção, por meio da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), e a maior reserva de nióbio, com mais de 90% do total mundial. Há décadas este mineral não é mais comercializado em sua forma bruta. O ferro-nióbio, por sua vez, obtido por meio de processamento, ainda é comercializado (RODRIGUES, 2015). Na Figura 1, você pode ver a distribuição de minérios e outros recursos naturais no Brasil. Geopolítica dos recursos naturais 13 Figura 1. Recursos minerais no Brasil. Fonte: Comissão... (2013, documento on-line). Dentre as curiosidades sobre o nióbio compartilhadas por Rodrigues (2015), uma diz respeito à alimentação; há alguns anos, a Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu um novo tipo de açúcar, que não engorda, nem provoca cáries, desenvolvido a partir do nióbio. Nos documentos secretos vazados pelo WikiLeaks (orga- nização transacional sem fins lucrativos sediada na Suécia, que publica em sua página on-line, postagens de fontes anônimas, documentos oficiais e confidenciais de governos ou empresas), em 2010, o Departamento de Estado dos EUA havia incluído as minas brasileiras de nióbio na sua lista de recursos estratégicos. No ano seguinte, 2011, um grupo de empresas asiáticas (japone- Geopolítica dos recursos naturais14 sas, coreanas e chinesas) adquiriu 30% do capital da CBMM por 4 bilhões de dólares. Trata-se de empresas superespecializadas que utilizam este recurso. A água é, sem dúvidas, um dos recursos mais ricos para o mundo e é abun- dantemente encontrada no Brasil. A geopolítica da água orienta as políticas do Estado no que tange à gestão, à preservação e à solução de conflitos envolvendo os recursos hídricos. Em razão da intensidade de consumo da água e sua futura escassez, por ser um item indispensável à vida, a água tornou- -se uma questão de segurança e defesa os Estados. Ademais, há grandes corporações interessadas na privatização desse recurso (RODRIGUES, 2015). Rodrigues (2015) explica que há em curso duas visões conflitivas sobre a disputa hídrica mundial. Uma delas pretende mercantilizar a água, tornando-a uma commodity. A outra defende a água como um direito humano inalienável, ao qual associam-se movimentos sociais, ativistas e intelectuais em uma articulação global. Um exemplo de conflito que merece ser mencionado refere-se ao evento conhecido como Guerra da Água, na Bolívia, uma tentativa de privatização de recursos hídricos no município de Cochabamba — o que felizmente não ocorreu, graças às manifestações populares, embasadas na própria Constituição Plurinacional da Bolívia. Pesquisas científicas indicamque 99% da água potável do planeta en- contra-se em aquíferos de água doce. São sistemas hídricos dinâmicos que dependem de chuvas para sua reposição, sendo, portanto, em sua maior parte, renováveis. Na América do Sul existem três grandes aquíferos: as bacias do Amazonas, a bacia do Maranhão e o Aquífero Guarani. Este último se estende por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A América Latina possui, assim, a maior reserva mundial de água doce. Por isso se faz urgente uma estratégia latina para a descontaminação, a preservação e a segurança estatal de suas fontes de água, pois já existem discursos de internacionalização desse nosso recurso tão precioso, sob a justificativa de bem coletivo da humanidade (RODRIGUES, 2015). Nas palavras de Rodrigues (2015, p. 81), “As grandes potências começam a posicionar-se no tabuleiro geopolítico global de tal forma que a água, os minerais e a energia, cada vez mais, passam a ser vistos como uma questão de segurança estratégica”. A América Latina precisa organizar uma estratégia continental para prote- ger seus recursos, necessita “integrar para não entregar”, estabelecer pautas em comum, unir investimentos em termos de pesquisa e aprimoramento tecnológico, além de fortalecer seu corpo e instrumentos militares. Tudo isso deve incorporar um projeto de médio a longo prazo; do contrário, seguiremos perecendo às lógicas do capital internacional e sem condições de utilizarmos Geopolítica dos recursos naturais 15 nossos recursos para a geração de divisas de nossos países e a amenização dos problemas sociais que nos afligem. Há, na internet, uma página interativa que traz o mapeamento de conflitos mundiais sobre a água ao longo da história. Busque por “Water Conflict Chronology Map” para acessar. Referências BECKER, B. K. A geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sus- tentável. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CÔRREA, R. L. (org.). Geografia: conceitos e temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 271–307. BUTTS, K. H. Geopolitics of resource scarcity. Penn State Journal of Law and International Affairs, State College, v. 3, n. 2, p. 1–9, Feb. 2015. Disponível em: https://elibrary.law. psu.edu/jlia/vol3/iss2/3/. Acesso em: 17 fev. 2021. CASTRO, I. E. Geografia e política: território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2005. 299 p. COMISSÃO de Minas e Energia discute prazo para concessão de lavras. Câmara dos Deputados, Brasília, 8 out. 2013. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade- -legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cme/noticias/comissao-de-minas-e- -energia-discute-prazo-para-concessao-de-lavras. Acesso em: 17 fev. 2021. COSTA, W. M. Geografia política e geopolítica: discursos sobre o território e o poder. São Paulo: Hucitec; Edusp, 1992. 374 p. (Geografia, Teoria e Realidade, 17). ENGDAHL, F. W. A interessante nova geopolítica russa do petróleo. Notícia Final, [S. l.], set. 2017. Disponível em: https://www.noticiafinal.com.br/2017/09/a-interessante- -nova-geopolitica-russa.html#. Acesso em: 17 fev. 2021. HARVEY, D. O novo imperialismo. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2003. 201 p. RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. 269 p. (Série Temas, 29). RODRIGUES, B. S. Geopolítica dos recursos naturais estratégicos na América do Sul. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, Araraquara, v. 45, p. 63–87, jan./jun. 2015. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/article/view/6248. Acesso em: 17 fev. 2021. Leituras recomendadas FREITAS, J. M. C. A escola geopolítica brasileira: Golbery do Couto e Silva, Carlos de Meira Mattos e Therezinha de Castro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2004. 135 p. (Coleção General Benício, 405). MATTOS, C. M. A geopolítica e as projeções do poder. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. 147 p. (Coleção Documentos Brasileiros, 178). Geopolítica dos recursos naturais16 MELLO, L. I. A. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo: Hucitec; Edusp, 1999. 228 p. (Geografia, Teoria e Realidade, 45). VIANA, A. R.; BARROS, P. S.; CALIXTRE, A. B. (org.). Governança global e integração da América do Sul. Brasília: Ipea, 2011. 314 p. WATER Conflict Chronology. The World’s Water – Information on the World’s Freshwater Resources – Pacific Institute, Oakland, 2018. Disponível em: http://www.worldwater. org/conflict/map/. Acesso em: 17 fev. 2021. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Geopolítica dos recursos naturais 17 Dica do professor Os biomas são verdadeiras riquezas, mas infelizmente têm sido intensamente explorados ao longo do tempo sem um plano efetivo de proteção e recuperação. Ao todo, o Brasil tem seis biomas, que integram características de solo, vegetação, relevo, clima e fauna em porções delimitadas regionalmente pelo território nacional. Nesta Dica do Professor, aprenda sobre os recursos naturais dos biomas brasileiros. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/2332f2339423ca82f4874c76e67ee43f Exercícios 1) O mundo atual é resultado de significativas alterações empreendidas ao longo de séculos em termos econômicos, políticos, culturais, sociais e ambientais. Esses fenômenos produziram diferentes tipos de relação entre as nações e também sobre nossa forma de interpretá-las. Destarte, assinale a alternativa que melhor descreve a atual tendência geopolítica do mundo global. A) Um mundo cuja emergência da potência mundial China tem provocado articulações políticas intensas com os EUA. B) Um quadro político bipolar, marcado pelo predomínio dos EUA e de potências europeias, como Alemanha, França e Inglaterra. C) Um mundo que, apesar da ampla disputa entre as nações, prevalece sob o controle hegemônico de um único país, os EUA. D) Um quadro político bipolar com o predomínio dos EUA e da China, no qual ambos os países disputam o controle global. E) Um cenário político múltiplo, com destaque de potências como os EUA, alguns países Europeus, China e potências árabes. 2) Rudolf Kjellén é considerado o precursor da geopolítica por muitos pesquisadores de relações internacionais e geografia. A proposta do autor sueco para consolidar estratégias para os estados era subdividida em: A) localização, vegetação e cultura. B) topopolítica, morfopolítica e fisiopolítica. C) regionalismos, redes e globalização. D) topopolítica, cultura e geomorfologia. E) geomorfologia, circulação e fisiopolítica. 3) Biomas são áreas do território que apresentam certa homogeneidade em termos de geologia, pedologia, clima, flora e fauna. São riquezas de valor inestimável para um país, já que oferecem ao seu povo recursos naturais indispensáveis à vida, como a água. Desse modo, identifique a alternativa que apresenta a informação correta sobre as características dos biomas brasileiros. A) O pantanal, considerado um dos patrimônios mundiais, localizado no sul do Brasil, é o menor bioma do país. B) A caatinga, predominante no semiárido nordestino, tem uma paisagem marcada por savanas. C) O pampa, bioma composto de pradarias e cerradões, ocupa cerca de metade do estado do Rio Grande do Sul. D) A Mata Atlântica é um bioma importante devido ao seu potencial hídrico e concentra-se apenas na região Sudeste. E) O cerrado, bioma que perpassa diferentes regiões do país, é conhecido pela ausência de recursos hídricos. 4) Considerando a política imperialista dos EUA, o geógrafo David Harvey levanta algumas hipóteses no que tange às motivações e característicasque impeliram a potência a entrar em confronto bélico com o Iraque. Assinale a alternativa que corresponde às ideias do autor. A) Preocupação em manter um acordo comercial sobre as reservas de petróleo dos países árabes, dominando o controle global desse recurso. B) O multiculturalismo estadunidense é algo positivo e uma grande virtude do país, pois propicia a elaboração de políticas mais plurais. C) Surgimento de um intenso confronto bélico com países árabes, como Irã, Síria e Arábia Saudita. D) Conjunto de problemas internos de cunho político, econômico e social somado ao interesse em ampliar suas reservas de petróleo. E) A estabilidade da política e economia estadunidense provoca o sentimento de ameaça às demais nações. 5) A América Latina, apesar de ser considerada por muitos um "celeiro mundial", fornecedor de matérias-primas e produtor agrícola de commodities, tem um importante reservatório mundial de recursos naturais que poderia ser mais bem aproveitado para o desenvolvimento endógeno. Logo, o melhor aproveitamento desses recursos, pensando num projeto continental, se estruturaria com base em quais ações? A) Construção coletiva de um plano para coadunar interesses, estratégias de exploração dos recursos naturais, investimento em educação e pesquisa tecnológica e melhor preparo de suas forças armadas. B) Investimento nas forças armadas para fins de segurança e proteção dos recursos naturais, propostas mais atrativas para o investimento do setor privado internacional e venda de territórios estratégicos, como as reservas de lítio. C) Maior aproximação com as novas potências mundiais, como China e países de destaque da economia árabe, visando a obter mais investimentos com empreendimentos que explorem esses recursos. D) Construção coletiva de um plano para coadunar interesses, maior flexibilidade da legislação ambiental para explorar capital estrangeiro nos territórios dos biomas e investir em tecnologia. E) Criar instituições parceiras de pesquisa e tecnologia e buscar relações mais estreitas com os EUA, de modo a implantar indústrias e centros de pesquisa para elaborar energia sustentável e tecnológica. Na prática Os recursos naturais são alvos de disputa nos mais diversos âmbitos e em diferentes escalas. Um recurso natural encontrado ou produzido no Brasil pode ser pivô de confrontos e estratégias econômicas entre diversos países. Dependendo do arranjo das forças de poderes e dos interesses envolvidos, se o Estado detentor dos recursos não tiver uma estratégia efetiva para proteger a natureza e seu povo nem estabelecer comercializações justas, o povo pode sofrer drasticamente. Como geógrafo e professor de geografia, você deve observar tais situações e esmiuçá-las, procurando contextualizá-las para compreender as discussões do plano teórico. Como docente, é necessário dominar o conteúdo, mas saber integrá-lo à realidade e aplicá-lo na prática. Como bacharel em geografia, você terá oportunidades de trabalhar em ONGs, repartições públicas e movimentos sociais, devendo mediar conflitos, avaliar o impacto ambiental, enfim, ocasiões em que deverá aplicar esse conhecimento. Na Prática, veja como a relação entre os recursos naturais e a globalização reverbera nas escalas mais próximas de nossa realidade, expondo disputas e jogos de interesse da geopolítica atual que se refletem nas realidades locais. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/ad8bfae7-87ad-483e-8fe5-ce3181901bc2/0fa27367-2e6d-4050-9896-0e0c8fcc51cb.jpg Saiba + Para ampliar seu conhecimento no assunto, veja a seguir as sugestões do professor: A Lei da Água Este documentário explica as mudanças no Código Florestal e os impactos sobre a água, o solo, as florestas e a produção de alimentos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Desmatamento atual da Amazônia Neste link, você encontra uma reportagem atual sobre o desmatamento na Amazônia. Nos últimos anos tem sido intensa a destruição desse bioma em prol da exploração de madeira, tráfico de fauna e flora, bem como a retirada de vegetação para o cultivo de soja e atividade pecuária. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Especial Mineração de Bauxita — como é feita a extração e qual é a importância dessa atividade para o Brasil Este texto apresenta uma breve explicação sobre um dos minerais mais explorados na América Latina, sobretudo no Brasil: a bauxita. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/jgq_SXU1qzc https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/01/18/desmatamento-na-amazonia-em-2020-e-o-maior-dos-ultimos-10-anos.ghtml https://revistaaluminio.com.br/especial-mineracao-de-bauxita-como-e-feita-a-extracao-e-qual-a-importancia-da-atividade-para-o-brasil/ Floresta Amazônica Você tem curiosidade de conhecer a Amazônia? Navegar por seus rios, ver o topo de suas árvores? Então clique neste link e aprecie essa riqueza nacional. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Gestão sustentável dos recursos naturais Clique para conhecer este material que reúne uma série de artigos que exploram a questão da gestão participativa de recursos naturais. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Home — nosso planeta, nossa casa Este filme explora de maneira didática a formação da Terra, a diversidade da natureza e os impactos da ação humana sobre os recursos naturais. Acesse para saber mais. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Novo amor — birthplace A música e o videoclipe a seguir apresentam de modo sensível e impactante a questão da poluição marinha e seus efeitos sobre a sociedade. https://artsandculture.google.com/streetview/amazon-rainforest-trail/SAHO2n24Dg7C5w?sv_lng=-60.67623708057738&sv_lat=-2.945070753140977&sv_h=306&sv_p=10&sv_pid=YETFM_LVtG9vvRH_NAOI-A&sv_z=1.0000000000000002 https://static.scielo.org/scielobooks/bxj5n/pdf/lira-9788578792824.pdf https://www.youtube.com/embed/4vg_dl_f2rI Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/embed/MGslEcmVurg