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Números Primos em Inteiros Gaussianos

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Aldo Correia Saldanha
Caracterização dos Números que se Comportam como
Primos em Alguns Subconjuntos dos
Inteiros Gaussianos(Z[i])
Belo Horizonte - 31 de agosto de 2011
Aldo Correia Saldanha
Caracterização dos Números que se Comportam como
Primos em Alguns Subconjuntos dos
Inteiros Gaussianos(Z[i])
Monografia apresentada ao Insti-
tuto de Ciências Exatas da Universi-
dade Federal de Minas Gerais, como
parte das exigências do Curso de
Especialização em Matemática para
Professores - Ênfase : Matemática
do Ensino Básico.
Orientador : Ezequiel Rodrigues Barbosa
Belo Horizonte - 31 de agosto de 2011
iii
Folha de aprovação
iv
Dedicatória
Dedico este trabalho aos meus alunos.
Agradecimentos
Agradeço à Deus, ao meu orientador pela paciência e boa vontade, a companhia de
meus colegas de classe neste curso e a todos os meus professores.
Para refletir
...Trabalho digno, bondade, compreensão fraterna, serviço aos semelhantes, respeito à
Natureza e oração constituem os meios mais puros de assimilar os princípios superiores
da vida, porque damos e recebemos, no plano das idéias, segundo leis universais que não
conseguiremos iludir...
Nos Domínios da Mediunidade
Francisco Cândido Xavier / André Luiz
Capítulo XV
Sumário
1 Introdução 1
1.1 Histórico e Objetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2.1 Vida e Obra de Johann Friederich Carl Gauss . . . . . . . . . . 3
1.2.2 Os Inteiros Gaussianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2 Números Primos em p.Z[i] 17
2.1 Considerações Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2 Caracterização dos Primos em p.Z[i] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Referências Bibliográficas 23
v
vi
CAPÍTULO 1
Introdução
1.1 Histórico e Objetivo
O presente trabalho começa a ser gestado em fins de agosto do ano de 2009 em um
exercício proposto em sala de aula na disciplina Álgebra I. O exercício proposto era
determinar quais são os números que se comportam como números primos no conjunto
dos números pares. O problema foi resolvido e generalizado para qualquer conjunto de
múltiplos de números primos no conjunto dos números naturais.
N={0 , 1 , 2 , 3 , 4 , 5 , ....}
Dado k, primo em N, o conjunto dos múltiplos de k é o conjunto:
k.N={k.n | n ∈ N}
Um número p se comporta como número primo em k.N quando o número de divisores
de p em k.N, com quociente em k.N, é igual ao número de divisores de um número primo
em N, ou seja, possui somente dois divisores. Diremos que p é primo em k.N quando p
se comportar como um número primo em k.N.
Exemplos
k primos em k.N divisores do menor primo em k.N
2 8,12,20,... 2,4
3 18,27,45,... 3,6
5 50,75,125,... 5,10
Na verdade, podemos mostrar que:
1
2 Introdução
Teorema 1.1.1. Dado p primo em N e p.N={ p.n | n ∈ N}
então, t ∈ p.N é primo em p.N, se e somente se
t=p2.q
para algum q primo em N.
Demonstração.
(=⇒)
Dado t primo em p.N, temos que t possui somente dois divisores. Necessariamente,
um dos divisores de t é p, pois estamos trabalhando no conjunto dos múltiplos de p. O
outro divisor de t é da forma p.q, onde q é um primo em N, dessa forma:
t=(p).(p.q) .
Se, por absurdo, q não for primo em N, existem, pelo menos, dois números primos q1
e q2 pertencentes a N, tal que:
q=q1.q2
assim,
t=p.p.q1.q2 .
Temos dois casos a analisar:
Se q1=q2=q, teremos para divisores de t:
p , p.q e p.q2
e dessa forma, t possui três divisores, o que é um absurdo, pois, t é primo em p.N.
Se q1 6= q2, teremos para divisores de t:
p , p.q1 , p.q2 e p.q1.q2
e dessa forma t possui quatro divisores, o que é um absurdo, pois, t é primo em p.N.
(⇐=)
Reciprocamente, dado t=p2.q , com q primo em N. Temos que mostrar que t possui
somente dois divisores em p.N.
De fato, os únicos divisores de t são p e p.q, pois:
t
p=p.q ∈ p.N ,
t
p.q=p ∈ p.N
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 3
No final do ano de 2010, por sugestão do orientador deste trabalho, ficou definido que
o objetivo deste trabalho é determinar quais os números que se comportam como números
primos no conjunto dos múltiplos de números primos em Z[i](INTEIROS GAUSSIANOS):
Z[i]={a+bi | a,b ∈ Z ; i2 = −1}
Dado p, primo em Z[i], o conjunto dos múltiplos de p é o conjunto:
p.Z[i]={p.w | w ∈ Z[i] }
O principal resultado deste trabalho é :
Teorema 1.1.2. Dado p primo em Z[ i] e p.Z[ i]={ p.z | z ∈ Z[ i] }
então, t ∈ p.Z[ i] é primo em p.Z[ i], se e somente se
t=p2.w
para algum número primo w em Z[ i].
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos
O conjunto onde trabalharemos, conhecido como Conjunto dos Inteiros Gaussia-
nos, tem esse nome porque foi feita uma homenagem a um grande matemático de nome
Johann Friederich Carl Gauss.
1.2.1 Vida e Obra de Johann Friederich Carl Gauss
Johann Friederich Carl Gauss (1777-1855) nasceu em Brunswick, Alemanha e foi um dos
maiores matemáticos de todos os tempos, legando-nos uma imponente obra. De família
humilde mas com o incentivo de sua mãe obteve brilhantismo em sua carreira. Estu-
dando em sua cidade natal, certo dia quando o professor mandou que os alunos somassem
os números de 1 a 100, imediatamente Gauss achou a resposta - 5050 - aparentemente
sem cálculos. Supõe-se que já aí houvesse descoberto a fórmula de uma soma de uma
progressão aritmética.
Aos dezessete anos Gauss se estabeleceu a meta de corrigir o que seus predecessores
haviam feito em Aritmética. Aos vinte e um anos como fruto deste projeto ele produziu a
sua obra prima, o livro Disquisitiones Arithmeticae que contém grandes contribuições
à Aritmética e à Álgebra e que foi publicada em 1801, três anos após a sua conclusão.
4 Introdução
Dados a, b, m inteiros, sendo m não nulo, a e b são ditos congruentes módulo m se os
restos da divisão de a e b por m forem iguais. Quando a e b são congruentes módulo m,
escreveremos:
a ≡ b mod p .
No livro Disquisitiones Arithmeticae, Gauss introduz e estuda as congruências e
as equações do tipo
xn ≡ a mod p ,
isto é, as equações xn = a em Zp . Um problema natural neste contexto é saber para
quais valores de a ∈ Z, a equação acima possui solução. Este é um problema difícil e até
hoje sem solução. Em busca da solução, Gauss se restringiu ao caso n=2 e elaborou tabelas
para compreender o problema. Gauss não conseguiu resolver o problema mas descobriu e
demonstrou uma propriedade maravilhosa, detectada anteriormente por Euler, o Teorema
da Reciprocidade Quadrática, cujo o enunciado segue.
Teorema 1.2.1 (Teorema da Reciprocidade Quadrática). Se p e q são números
primos positivos distintos, então as congruências
x2 ≡ q mod p e x2 ≡ p mod q,
são ambas resolúveis ou ambas não resolúveis exceto quando p ≡ 3 mod 4,e neste caso
uma e somente uma das congruências admite solução.
Para resolver o problema da reciprocidade quadrática, Gauss introduziu num trabalho
publicado em 1825 os números da forma a+bi com a e b inteiros. Estes números, chamados
de inteiros gaussianos, possuem propriedades semelhantes às dos números inteiros.
Outra famosa contribuição de Gauss é o chamado Teorema Fundamental da Álgebra,
que estabelece que toda equação algébrica com coeficientes reais (ou complexos) admite
pelo menos uma raiz complexa. Este é o outro teorema que fascinou Gauss dando-lhe ao
longo da vida quatro provas distintas.
Outras áreas onde Gauss deixou contribuições relevantes foram, Estatística (distribui-
ção normal de Gauss), Geometria (geometria das superfícies e geometrias não euclideanas)
e Física (magnetismo). Mas de todo este universo, Gauss nunca escondeu a sua preferência
sintetizada na seguinte frase:
"A matemática é a rainha das ciências e a aritmética é a rainha da matemática"
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 5
1.2.2 Os Inteiros Gaussianos
O conjunto dos inteiros Gaussianos possui uma estrutura algébrica conhecida pelo nome
de Anel. Nas próximas linhas definiremos o que seja um Anel e apresentaremos alguns
elementos importantes de um Anel.A teoria dos Anéis é um dos principais assuntos do vasto campo da Álgebra Abstrata.
A origem da Álgebra remonta aos babilônios e o seu desenvolvimento percorreu um longo
caminho. Um momento importante para a Álgebra ocorreu na primeira metade do século
19 com os trabalhos do irlandês Hamilton e de seus contemporâneos ingleses. Hamilton
introduziu o formalismo dos números complexos que é até hoje usado e posteriormente
definiu formalmente os quaternios dando mais um passo decisivo para o desenvolvimento
da Álgebra Abstrata. Importante para o desenvolvimento da teoria foi o estudo dos
Anéis de inteiros algébricos iniciado por Gauss e desenvolvido por Kummer, Dedekind,
Kronecker, Dirichlet e Hilbert no final do século 19. Finalmente, a noção abstrata de Anel
foi introduzida na segunda década do século 20.
Anéis
Sejam A um conjunto e ( + ) e ( . ) duas operações em A, chamadas de adição e multipli-
cação. A terna (A , + , . ) será chamada Anel Comutativo com Unidade1 se as operações
gozarem das seguintes propriedades:
• A1 - A Adiçao é Associativa
Quaisquer que sejam a, b, c ∈ A, tem-se: (a+b)+c=a+(b+c)
• A2 - A Adição é Comutativa
Quaisquer que sejam a, b ∈ A, tem-se: a+b=b+a
• A3 - Existência do Elemento Neutro para a Adição
Existe α ∈ A tal que, para todo x ∈ A, tem-se: α+x=x
• A4 - Existência do Elemento Simétrico para a Adição
Para todo a ∈ A, existe a, ∈ A tal que: a+a,=α
• M1 - A Multiplicação é Associativa
Quaisquer que sejam a, b, c ∈ A, tem-se: (a.b).c=a.(b.c)
1existem Anéis onde a ( . ) não é comutativa e, também, não possuem unidade. Nesse trabalho, todo
Anel será um Anel Comutativo com Unidade.
6 Introdução
• M2 - A Multiplicação é Comutativa
Quaisquer que sejam a, b ∈ A, tem-se: a.b=b.a
• M3 - Existência do Elemento Neutro para a Multiplicação
Existe e ∈ A tal que, para todo x ∈ A, tem-se: e.x=x
• AM - A Multiplicação é Distributiva com Relação à Adição
Quaisquer que sejam a, b, c ∈ A, tem-se: a.(b+c)=a.b+a.c
Usaremos o símbolo 0 para denotar o elemento neutro da adição e o símbolo 1 para
denotar o elemento neutro da multiplicação.
Usaremos o símbolo (-1) para denotar o simétrico de 1.
O simétrico de um elemento a ∈ A, A um Anel, é único. De fato, se b e b‘ são dois
simétricos de a, então:
b=0+b=(b‘+a)+b=b‘+(a+b)=b‘+0=b‘
Usaremos o símbolo (-a) para denotar o simétrico de a. Note que o simétrico de -a é a.
Um elemento a ∈ A será dito invertível, se existir um elemento b ∈ A tal que a.b=1. Um
tal elemento b será chamado de inverso de a. Note que o inverso de um elemento a, se
existir, é único. De fato, se b e b‘ são inversos de a, temos que:
b=b.1=b.(a.b‘)=(b.a).b‘=(a.b).b‘=1.b‘=b‘
Usaremos o notação (a-b) para representar a+(-b). Esta operação será chamada de
subtração.
Um Anel A será chamado de domínio de integridade ou simplismente domínio se for
verificada a seguinte propriedade:
• M4 - Integridade
Dados a, b ∈ A, se a6=0 e b6=0, então a.b6=0.
A propriedade acima é equivalente à seguinte propriedade:
• M4‘
Dados a, b ∈ A, se a.b=0, então a=0 ou b=0.
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 7
Proposição 1.2.1
Seja A um anel, dado a ∈ A, então a.0=a
Demonstração. Como 0=0+0 e vale AM(distributividade), temos:
a.0=a.(0+0)=a.0+a.0
Seja t o simétrico de a.0, assim:
0=a.0+t=(a.0+a.0)+t=a.0+(a.0+t)=a.0+0=a.0
Proposição 1.2.2
Seja A um anel, dado a ∈ A, então -a=(-1).a
Demonstração.
(-1).a+a=(-1).a+1.a=((-1)+1).a=0.a=a.0=0
logo -a=(-1).a (o simétrico é único)
Proposição 1.2.3 (lei do cancelamento)
Seja A um domínio de integridade. Dados a, x, y ∈ A, com a 6= 0.
Se a.x=a.y, então x=y
Demonstração.
Como a.x=a.y, temos:
0=(a.x)+(-a.x)=(a.y)+(-a.x)=(a.y)+((-1).(a.x))=(a.y)+(((-1).a).x)=
=(a.y)+((a.(-1)).x)=(a.y)+(a.((-1).x))=a.(y+((-1).x))=a.(y+(-x))=a.(y-x)
Como a 6= 0, segue pela propriedade M4‘ que y-x=0, logo :
x=0+x=(y-x)+x=(y+(-x))+x=y+((-x)+x)=y+0=y
Dois elementos a e b de um Anel A são ditos associados se existir um elemento inver-
tível u de A tal que a=u.b .
8 Introdução
Sejam a e b elementos de um Anel. Se existir um elemento c de A tal que b=a.c,
diremos que a divide b. Nesse caso diremos também que a é um divisor de b, ou que b é
um múltiplo de a, ou ainda que b é divisível por a, e será simbolizada por a|b .
Um elemento não nulo e não invertível de um Anel é dito irredutível se os seus únicos
divisores são os elementos invertíveis do Anel e seus próprios associados.
Um domínio de integridade A será chamado de Domínio de Fatoração Única(DFU),
se todo elemento não nulo e não invertível de A se fatora como produto de um número
finito de elementos irredutíveis. Por exemplo, o conjunto Z é um Domínio de Fatoração
Única(DFU).
Um subconjunto I de um Anel A, será chamado de ideal de A se possuir as seguintes
propriedades:
• I 6= ∅;
• Se a, b ∈ I, então a+b ∈ I;
• Se a ∈ A e b ∈ I, então a.b ∈ I.
Seja a ∈ A. Definimos I(a)={n.a | n ∈ A}.
Proposição 1.2.4
Seja A um Anel e I(a)={n.a | n ∈ A}, então, I(a) é um ideal de A.
Demonstração.
De fato,
0 ∈ I(a), pois, 0 = 0.a , assim, I(a) 6= ∅.
Dados b, c pertencentes a I(a), existem n1, n2 pertencentes a A talque:
b= n1.a , c= n2.a
assim,
b + c = n1.a + n2.a = (n1 + n2).a
logo, b + c ∈ I(a).
Dado d ∈ A,
d.b = d.(n1.a) = (d.n1).a ,
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 9
logo, d.b ∈ I(a)
Nesse caso, diremos que I(a) é gerado por a ou que a é um gerador do ideal I(a).
Um ideal I de A que é da forma I(a) será chamado de ideal principal.
Um domínio de integridade A tal que todo ideal é principal é chamado de domínio
principal.
Sejam a, b ∈ A. Definimos I(a,b)={n.a + m.b | n,m ∈ A}.
Proposição 1.2.5
Seja A um Anel e I(a,b)={n.a + m.b | n,m ∈ A}, então, I(a,b) é um ideal de A.
Demonstração.
De fato,
0 ∈ I(a,b), pois, 0 = 0 + 0 = 0.a + 0.b , assim, I(a,b) 6= ∅.
Dados c, d pertencentes a I(a,b), existem n1, n2, n3, n4 pertencentes a A talque:
c= n1.a+n2.b , d= n3.a+n4.b
assim,
c + d = n1.a + n2.b + n3.a+n4.b = (n1 + n3).a + ( n2 + n4).b
logo, c + d ∈ I(a,b).
Dado e ∈ A,
e.c = e.(n1.a + n2.b) = e. (n1.a) + e.(n2.b) = (e.n1).a + (e.n2).b
logo, e.c ∈ I(a,b)
10 Introdução
Para demonstrarmos uma das próximas proposições, precisaremos da seguinte propo-
sição:
Proposição 1.2.6
Sejam A um anel e I um ideal de A.
I=A, se e somente se, I contém um elemento invertivel de A.
Demonstração.
(=⇒) Trivial, pois 1 ∈ I
(⇐=)
Por hipótese, existe t ∈ A invertível, tal que t ∈ I. Seja t‘ o inverso de t.
Mostraremos, agora, que I = A.
(I ⊂ A) Por definição.
(A ⊂ I)
Dado c ∈ A
c = 1.c = (t.t‘).c = t.(t‘.c) ,
assim, c ∈ I
Um elemento a não nulo e não invertível de um Anel A é dito primo, se toda vez que
a divide o produto de dois elementos de A, ele divide um dos fatores. Vê-se facilmente
que se a é primo, então todo associado de a é primo.
Demonstraremos mais duas proposições:
Proposição 1.2.7
Seja A um domínio de integridade.
Se p ∈ A é um elemento primo, então p é irredutível
Demonstração.
Dado p ∈ A, p elemento primo.
Suponha que ∃ a ∈ A tal que a | p.
Temos de provar que:
• a é irredutível
ou
• a é um associado de p
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 11
De fato, como a | p,
∃ b ∈ A tal que p=a.b, logo p | a.b
como p é primo, segue que:
p | a ou p | b
Suponhamos inicialmente que p | a. Como por hipótese a | p, temos:
∃ u, v ∈ A tal que : p = a.u e a = p.v
logo, p = p.v︸︷︷︸
a
.u , assim:
p.1 = p = p.v.u .
Como p é primo, temos p 6= 0.
Levando em consideração a proposição 1.2.3, temos:
1 = v.u
logo u é invertível e assim:
a é um associado de p.
Suponhamos agora, p | b .
Da igualdade p = a.b, segue que b | p ,
assim, de forma análoga ao caso anterior : ∃ u‘ ∈ A invertível, tal que p = b.u‘ = u‘.b
Seja t ∈ A o inverso de u‘, assim:
t.p=t.(u‘.b)=(t.u‘).b=1.b=b .
Como
• t 6= 0 (t é invertível)
• p 6= 0 (p é primo)
temos, pela propriedade M4 que b 6= 0 , assim, aplicando a proposição 1.2.3 em:
u‘.b = p = a.b
temos:
u‘ = a e a é invertível.
12 Introdução
Proposição 1.2.8
Seja A um domínio principal.
Se p ∈ A é um elemento irredutível, então p é primo
Demonstração.
Sejap um elemento irredutível de A.
Suponha que p | a.b e que p † a, vamos provar que p | b.
Com efeito, sendo A principal, existe c ∈ A tal que I(a,p)=I(c), logo c | a e c | p.
Como os únicos divisores de p são os elementos invertíveis de A e os associados de p,
segue que c é associado de p ou c é invertível. Note que c não é associado de p pois se
fosse, teríamos p | c e como c | a, seguiria então que p | a, o
que é uma contradição.
Temos portanto que c é invertível e consequentemente, devido a proposição 1.2.6,
I(a,p) = I(c) = A.
Segue daí que existem elementos m e n em A tais que
1 = n.a + m.p .
Multiplicando por b ambos os lados da igualdade acima, temos que
1.b = (n.a + m.p).b 7−→ b = n.a.b + m.p.b
e como p | a.b, segue que p | b; como queríamos demonstrar.
Como Z é um domínio principal, concluímos que um elemento de Z é primo se e
somente se é irredutível.
Anel dos Inteiros Gaussianos
Definiremos, a seguir, as operações de adição e multiplicaçao em Z[i].
Dados z,w ∈ Z[i], z=a+bi e w=c+di:
z+w=(a+c)+(b+d)i
z.w=(ac-bd)+(ad+bc)i
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 13
Proposição 1.2.9
O conjunto Z[ i], com as operações definidas acima, é um Anel.
Demonstração.
Dados, a = a1 + a2i , b = b1 + b2i , c = c1 + c2i pertencentes à Z[i], temos:
• A1 - A Adiçao é Associativa
(a + b) + c = ((a1+a2i) + (b1+b2i))+ (c1+c2i) =
((a1+b1)+(a2+b2)i)+(c1+c2i)=((a1+b1)+c1)+((a2+b2)+c2)i =
(a1+(b1+c1))+(a2+(b2+c2))i=
=(a1+a2i)+((b1+c1)+(b2+c2)i) = (a1+a2i)+((b1+b2i)+(c1+c2i)) = a + (b + c)
• A2 - A Adiçao é Comutativa
a+b = (a1+a2i) + (b1+b2i) = (a1+b1)+(a2+b2)i=
=(b1+a1)+(b2+a2)i=(b1+b2i) + (a1+a2i) =b+a
• A3 - Existência do Elemento Neutro para a Adição
Seja α=0+0i ∈ Z[i]
α+a = (0+0i)+(a1+a2i) = (0+a1)+(0+a2)i = a1+a2i = a
• A4 - Existência do Elemento Simétrico para a Adição
Seja a‘=(-a1)+(-a2)i ∈ Z[i]
a+a‘=(a1+a2i)+((-a1)+(-a2)i)= (a1+(-a1))+(a2+(-a2))i=0+0i=0
• M1 - A Multiplicação é Associativa
(a.b).c=((a1 + a2i).(b1 + b2i)).(c1 + c2i)=
=((a1.b1 - a2.b2) + (a1.b2 + a2.b1)i).(c1 + c2i)=
=((a1.b1 - a2.b2).c1 - (a1.b2 + a2.b1).c2) + ((a1.b1 - a2.b2).c2 + (a1.b2 + a2.b1).c1)i=
=(a1.b1.c1 - a2.b2.c1 - a1.b2.c2 - a2.b1.c2) + (a1.b1.c2 - a2.b2.c2 + a1.b2.c1 + a2.b1.c1)i=
= *
a.(b.c)=(a1 + a2i).((b1 + b2i).(c1 + c2i))=
=(a1 + a2i).((b1.c1 - b2.c2) + (b1.c2 + b2.c1)i)=
=(a1.(b1.c1 - b2.c2) - a2.(b1.c2 + b2.c1)) + (a1.(b1.c2 + b2.c1) + a2.(b1.c1 - b2.c2))i=
14 Introdução
=(a1.b1.c1 - a1.b2.c2 - a2.b1.c2 - a2.b2.c1) + (a1.b1.c2 + a1.b2.c1 + a2.b1.c1 - a2.b2.c2)i=
= **
* = **
• M2 - A Multiplicação é Comutativa
a.b=(a1 + a2i).(b1 + b2i)=(a1.b1 - a2.b2) + (a1.b2 + a2.b1)i=
=(b1.a1 - b2.a2) + (b1.a2 + b2.a1)i=(b1 + b2i).(a1 + a2i)=b.a
• M3 - Existência do Elemento Neutro para a Multiplicação
Seja e=1 + 0i ∈ Z[i]
e.a=(1 + 0i).(a1 + a2i)=(1.a1 - 0.a2) + (1.a2 + 0.a1)i=a1 + a2i=a
• AM - A Multiplicação é Distributiva com Relação à Adição
a.(b + c)=(a1 + a2i).((b1 + b2i) + (c1 + c2i))=
=(a1 + a2i).((b1 + c1) + (b2 + c2)i)=
=(a1(b1 + c1) - a2(b2 + c2)) + (a1(b2 + c2) + a2(b1 + c1))i = *
a.b + a.c=(a1 + a2i).(b1 + b2i) + (a1 + a2i).(c1 + c2i)=
=((a1.b1 - a2.b2) + (a1.b2 + a2.b1)i) + (a1.c1 - a2.c2) + ((a1.c2 + a2.c1)i)=
=(a1(b1 + c1) - a2(b2 + c2)) + (a1(b2 + c2) + a2(b1 + c1))i = **
* = **
Além de Anel, Z[i] é um domínio de fatoração única e um domínio principal. Dado
z=a+bi em Z[i] , considere a seguinte função:
N:Z[i]−→Z+
z=a+bi 7−→a2+b2
Essa funçao é chamada de função norma e possui a seguinte propriedade:
N(z.w)=N(z).N(w)
Isso decorre dos fatos:
N(z)=a2+b2=z.z e z.w=z.w
onde z é o conjugado de z, isto é;
1.2 Conjunto dos Inteiros Gaussianos 15
z=a-bi
assim,
N(z.w)=(z.w).(z.w)=z.w.z.w=(z.z).(w.w)=N(z).N(w).
O próximo resultado caracterizará os elementos invertíveis em Z[i].
Proposição 1.2.10
Seja α ∈ Z[i]. As seguintes afirmações são equivalentes:
1. α é ivertível em Z[i];
2. N(α)=1;
3. α∈ {-1,1,-i,i}.
Demonstração.
(1)=⇒(2): Sendo α invertível, existe β∈Z[i] tal que
α.β=1.
Consequentemente,
N(α).N(β)=N(α.β)=N(1)=1.
Como N(α) ∈ Z +, segue das igualdades acima que N(α)=1.
(2)=⇒(3): Suponhamos N(α)=1. Pondo α=x+yi, temos que
x2+y2=1,
cujas soluções em Z× Z são:
• x=0,y=1
• x=0,y=-1
• x=1,y=0
• x=-1,y=0.
Portanto α∈{1,-1,i,-i}.
(3)=⇒(1): É claro que todo elemento de { 1,-1,i,-i} é invertível em Z[i].
16 Introdução
Proposição 1.2.11
Seja α ∈ Z[i]. Se N(α) é primo em Z, então α é primo em Z[i].
Demonstração.
Suponha que α 6= 0 não seja primo em Z[i].
Temos então que α=α1.α2 com α1 e α2 não nulos e não invertíveis, logo
N(α)=N(α1).N(α2)
com N(α)>1 e N(α)>1 (veja proposiçao 1.2.10 ). Portanto N(α) não é primo em Z.
Seguem alguns exemplos de números primos em Z[i].
• O número inteiro 2 não é primo em Z[i]. De fato, sendo N(1+i)=2=N(1-i), temos
pela proposição 1.2.11 que 1+i e 1-i são primos em Z[i]. Portanto a decomposição
de 2 em fatores primos em Z[i] é dada por
2=(1+i).(1-i)
• O número inteiro 5 não é primo em Z[i] e uma sua decomposição em fatores primos
é dada por
5=(1+2i).(1-2i) .
CAPÍTULO 2
Números Primos em p.Z[i ]
2.1 Considerações Preliminares
Dado um elemento α ∈ Z[i] , chamaremos de divisores triviais de α, o 1 e o próprio α
e chamaremos de unidade os elementos invertíveis. Dado p ∈ N, p primo, temos que:
D(p)={1 , p}
onde D(p) é o conjunto de divisores de p. Isto é, os números primos em N só possuem
os divisores triviais, ou, em outras palavras, tem apenas dois divisores. Um elemento não
primo de N, tem um número de divisores maior que dois.
Por outro lado, em Z acontece um pouco diferente. Dado p ∈ Z, p primo, temos que:
D(p)={-p , -1 , 1 , p}
Além dos divisores triviais, o conjunto dos divisores de p inclui os associados dos divisores
triviais de p. Como as unidades em Z são -1 e 1, temos que:
D(p) em Z
* 1 p
-1 (-1).(1)=-1 (-1).(p)=-p
1 (1).(1)=1 (1).(p)=p
Na prineira coluna da tabela acima estão as unidades de Z.
Levando em consideração o objetivo dessa monografia, naturalmente nos perguntamos
como seria o conjunto de divisores de um número primo em Z[i]. Dado p ∈ Z[i], p primo
em Z[i], temos que:
17
18 Números Primos em p.Z[i]
D(p)={-pi , -p , -1 , -i , i , 1 , p , pi }
Usando uma tabela semelhante a tabela acima, podemos visualizar os divisores da seguinte
maneira:
D(p) em Z[i]
* 1 p
-1 (-1).(1)=-1 (-1).(p)=-p
1 (1).(1)=1 (1).(p)=p
i (i).(1)=i (i).(p)=pi
-i (-i).(1)=-i (-i).(p)=-pi
Na primeira coluna na tabela acima estão as unidades de Z[i].
Concluimos que, dado p primo:
• p ∈ N =⇒ p possui dois divisores;
• p ∈ Z =⇒ p possui quatro divisores;
• p ∈ Z[i] =⇒ p possui oito divisores.
Podemos, agora, enunciar um novo teorema:
Teorema 2.1.1. Dado p primo em Z e p.Z={ p.n | n ∈ Z}
então, t ∈ p.Z é primo em p.Z, se e somente se
t=p2.w
para algum w primo em Z.
Demonstração.
(=⇒)
Dado t primo em p.Z, temos que t possui somente quatro divisores. Necessariamente,
um dos divisores de t é p, pois estamos trabalhando no conjunto dos múltiplos de p. Os
outros divisores de t são os associados de p, p.w e os associados de p.w, onde w é um
primo em Z. Dessa forma temos:
t=(p).(p.w)=p2.w
Se, por absurdo, w não for primo em Z, existem, pelo menos, dois primos, w1 e w2, em
Z, tal que:
2.1 Considerações Preliminares 19
w=w1.w2 ,
isto por que Z é um domínio de fatoração única.
assim,
t=p.p.w1.w2 .
Temos dois casos a analisar:
Se w1=w2=w, teremos:
D(t) em p.Z
* p p.w p.w2
-1 (-1).(p)=-p (-1).(p.w)=-p.w (-1).( p.w2)=- p.w2
1 (1).(p)=1 (1).(p.w)=p.w (1).(p.w2)=p.w2
e dessa forma t possui seis divisores, o que é um absurdo, pois t é primo em p.Z.
Se w1 6= w2, teremos:
D(t) em p.Z
* p p.w1 p.w2 p.w1.w2
-1 (-1).(p)=-p (-1).(p.w1)=-p.w1 (-1).(p.w2)=-p.w2 (-1).(p.w1)=-p.w1.w2
1 (1).(p)=p (1).(p.w1)=p.w1 (1).(p.w2)=p.w2 (1).(p.w1)=p.w1.w2
e dessa forma t possui oito divisores, o que é um absurdo, pelo mesmo motivo do caso
anterior.
(⇐=)
Reciprocamente, dado t=p2.w , com w primo em Z. Temos que mostrar que t possui
somente quatro divisores em p.Z.
De fato, os únicos fatores de t em p.Z são p e p.w, pois:
t=p2.w=(p).(p.w)e os divisores de t são dados na tabela abaixo:
D(t) em p.Z
* p p.w
-1 (-1).(p)=-p (-1).(w)=-p.w
1 (1).(p)=p (1).(p)=p.w
isto é, t tem somente quatro divisores.
20 Números Primos em p.Z[i]
2.2 Caracterização dos Primos em p.Z[i]
Na seção anterior, descobrimos quantos divisores tem os números primos em Z[i]. Agora,
caracterizaremos os números primos em p.Z[i], isto é, caracterizaremos os números que
possuem oito divisores em p.Z[i].
Teorema 2.2.1. Dado p primo em Z[ i] e p.Z[ i]={ p.z | z ∈ Z[ i] }
então, t ∈ p.Z[ i] é primo em p.Z[ i], se e somente se
t=p2.w
para algum número primo w em Z[ i].
Demonstração.
(=⇒)
Dado t primo em p.Z[i], temos que t possui somente oito divisores. Necessariamente,
um dos divisores de t é p, pois estamos trabalhando no conjunto dos múltiplos de p. Os
outros divisores de t são os associados de p, p.w e os associados de p.w, onde w é um
primo em Z[i]. Dessa forma temos:
t=(p).(p.w)=p2.w
Se, por absurdo, w não for primo em Z[i], existem, pelo menos, dois primos, w1 e w2, em
Z[i], tal que:
w=w1.w2 ,
isto por que Z[i] é um domínio de fatoração única.
assim,
t=p.p.w1.w2 .
Temos dois casos a analisar:
Se w1=w2=w, teremos:
D(t) em p.Z[i]
* p p.w p.w2
-1 (-1).(p)=-p (-1).(p.w)=-p.w (-1).( p.w2)=- p.w2
1 (1).(p)=1 (1).(p.w)=p.w (1).(p.w2)=p.w2
i (i).(p)=p.i (i).(p.w)=p.w.i (i).(p.w2)=p.w2.i
-i (-i).(p)=-p.i (-i).(p)=-p.w.i (-i).(p.w2)=-p.w2.i
2.2 Caracterização dos Primos em p.Z[i] 21
e dessa forma t possui doze divisores, o que é um absurdo, pois t é primo em p.Z[i].
Se w1 6= w2, teremos:
D(t) em p.Z[i]
* p p.w1 p.w2 p.w1.w2
-1 (-1).(p)=-p (-1).(p.w1)=-p.w1 (-1).(p.w2)=-p.w2 (-1).(p.w1.w2)=-p.w1.w2
1 (1).(p)=p (1).(p.w1)=p.w1 (1).(p.w2)=p.w2 (1).(p.w1.w2)=p.w1.w2
i (i).(p)=p.i (i).(p.w1)=p.w1.i (i).(p.w2)=p.w2.i (i).(p.w1.w2)=p.w1.w2.i
-i (-i).(p)=-p.i (-i).(p.w1)=-p.w1.i (-i).(p.w2)=-p.w2.i (-i).(p.w1.w2)=-p.w1.w2.i
e dessa forma t possui dezesseis divisores, o que é um absurdo, pelo mesmo motivo do
caso anterior.
(⇐=)
Reciprocamente, dado t=p2.w , com w primo em Z[i]. Temos que mostrar que t possui
somente oito divisores em p.Z[i].
De fato, os únicos fatores de t em p.Z[i] são p e p.w, pois:
t=p2.w=(p).(p.w)
e os divisores de t são dados na tabela abaixo:
D(t) em p.Z[i]
* p p.w
-1 (-1).(p)=-p (-1).(w)=-p.w
1 (1).(p)=p (1).(p)=p.w
i (i).(p)=p.i (i).(p.w)=p.w.i
-i (-i).(p)=-p.i (-i).(p)=-p.w.i
isto é, t tem somente oito divisores.
22 Números Primos em p.Z[i]
Referências Bibliográficas
[1] A. Hefez - Curso de Álgebra, Volume 1 , Coleção Matemática Universitária , Segunda
Ediçao , Instituto de Matemática Pura e Aplicada, CNPQ , (1993).
[2] C. B. Boyer - História da Matemática, Edgard Blucher, Segunda Reimpressão (1974).
[3] R. G. Stein - Exploring the Gaussian Integers, The Two-Year College Mathematics
Journal, Vol 7, Number 4 (Dec.,1976), 4-10
[4] I. N. Herstein - Topics in Modern Algebra, Ginn, Waltham, MA, (1964).
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