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Antropologia, 
identidade e 
diversidade
E-book 2
César Niemietz
Neste E-book:
Introdução ��������������������������������������������������� 3
Sobre as técnicas e os métodos 
empregados pela Antropologia ������������4
A divisão sexual relativizada por 
Margaret Mead �������������������������������������������� 9
E� E� Evans-Pritchard e o estudo de 
um grupo nilota �����������������������������������������13
Os mortos e os vivos: a noção de 
“pessoa” para os Krahô���������������������������21
Analisando a sociedade capitalista 
por óculos antropológicos ��������������������30
Considerações finais�������������������������������37
Síntese �������������������������������������������������������� 40
2
E-book 
1
E-book 
2
INTRODUÇÃO 
Se na seção anterior delimitamos o horizonte que 
demarca algumas das principais preocupações 
teóricas que a Antropologia passou a ter com os 
desdobramentos de suas análises centradas na no-
ção de cultura, nesta unidade abordaremos alguns 
estudos importantes que ampliaram a perspectiva 
antropológica a respeito das construções sociais e 
culturais das identidades humanas.
3
SOBRE AS TÉCNICAS 
E OS MÉTODOS 
EMPREGADOS PELA 
ANTROPOLOGIA
Os tipos de estudos aos quais vamos nos referir 
nesta unidade se caracterizam como pesquisas sis-
temáticas a respeito de certas questões identitárias 
que envolvem grupos humanos. De saída, devemos 
ter em mente que a pesquisa em ciências sociais 
exige o cumprimento de algumas etapas, sendo que 
as principais são: o levantamento e a preparação da 
própria pesquisa; a coleta de informações; a filtra-
gem dessas informações; a transformação dessas 
informações em dados e a interpretação desses 
referidos dados. Todavia, são muitas as maneiras 
possíveis para se realizar esses procedimentos, o 
que indica uma bem recebida pluralidade de abor-
dagens realizadas pelos cientistas sociais.
Essa diversidade de abordagens resulta na ope-
racionalidade de métodos distintos de pesquisa, 
mas se relaciona também com uma reflexão inicial 
sobre os caminhos que se deseja trilhar ao longo da 
pesquisa. Segundo Maria Isaura Pereira de Queiroz:
4
A proposição das questões a serem estuda-
das, a coleta e a análise dos dados, depen-
derão em grande parte do grau de assimi-
lação crítica das teorias pelo pesquisador 
– entendendo-se por assimilação crítica a 
reflexão aprofundada do pesquisador sobre 
os conjuntos de abstrações que já encontra 
prontos ao iniciar o trabalho (QUEIROZ, 1999, 
p. 17).
Essa reflexão inicial sobre os objetivos e sobre a 
situação de partida do próprio pesquisador indica-
rá a delimitação daquilo que podemos denominar 
como metodologia de pesquisa. Em linhas gerais, 
podemos compreender um método como a própria 
forma de organização da pesquisa, ou como o modo 
de proceder que o pesquisador empregará em sua 
análise, de maneira a indicar o percurso lógico que 
desenvolverá para o estudo de seu objeto de inves-
tigação. As técnicas de pesquisa, por sua vez, são 
ferramentas utilizadas pelo pesquisador durante 
sua prática de investigação.
Como observamos na unidade anterior, enquanto 
ciência social, a Antropologia moderna passou a 
enfatizar a presença do antropólogo junto ao grupo 
que pretende estudar. Essa imersão sinalizou uma 
tentativa de compreender de maneira mais refinada 
os costumes, valores e padrões de interação entre 
as pessoas que compõem o grupo a ser estudado. 
Distanciou-se, assim, do método de pesquisa com-
parativo, operado pelos “antropólogos de gabine-
5
tes”, que consistia em comparar diferentes dados 
de segunda mão a respeito de culturas distantes 
(tal método foi particularmente difundido ao lon-
go do século 19, com os autores evolucionistas). A 
essa mudança de paradigma metodológico deu-se 
o nome de observação participante.
A introdução da observação participante à práti-
ca do antropólogo abriu novos horizontes para a 
disciplina, e a etnografia – registro exaustivo das 
observações feitas em campo – tornou-se cada 
vez mais detalhada. Desde então, os antropólogos 
passaram a se dedicar cada vez mais às sutilezas 
que envolvem as produções simbólicas dos grupos, 
tornando necessária a ampliação de seu repertório 
de técnicas. Dentre essas, podemos destacar algu-
mas das mais recorrentes:
a) Genealogia: técnica muito comum nos primór-
dios da Antropologia, que consiste em investigar a 
origem dos indivíduos pesquisados, de maneira a 
remontar as linhagens genealógicas. Esse tipo de 
estratégia contribui para a elucidação das relações 
de parentesco, e os diagramas de parentesco por sua 
vez, bem como das relações das diferentes matrizes 
genealógicas entre si, que em um grupo podem ser 
aliadas, rivais, cooperativas, amigáveis etc.
b) Análise documental: investigação a partir de 
registros feitos por viajantes, instituições como o 
Estado, ou mesmo pelos próprios grupos e pessoas 
que serão analisados. Nesse tipo de pesquisa, o 
antropólogo busca reconstruir certas linhas narra-
6
tivas sobre o grupo ou o evento por ele pesquisado, 
de modo a restabelecer um determinado discurso.
c) Entrevistas e depoimentos: a partir dessa técnica, 
há a possibilidade de se aproximar da perspectiva 
que as pessoas têm a respeito de si mesmas, bem 
como suas opiniões sobre eventos e situações que o 
pesquisador deseja investigar. Trata-se de material 
que pode ser estruturado, semiestruturado ou aber-
to. Esse tipo de técnica gera materiais bastante ricos 
em sentidos, caracterizado por certa pessoalização 
do discurso (ZALUAR, 1985), embora possa trazer 
limites no que concerne à padronização e à busca 
por regularidades.
d) Histórias de vida e biografias: tentativa de re-
construção linear da vida de pessoas, grupos e ins-
tituições. Assim como as demais técnicas, possui 
certas limitações, uma vez que opta por uma re-
construção histórica parcial. Contemporaneamente, 
a técnica da prosopografia passou a se sobrepor 
à biografia, pois focaliza sobretudo as condições 
históricas e os vínculos sociais aos quais as pes-
soas estão ligadas, de modo a evitar aderir a uma 
construção ilusória e interessada a respeito das 
qualidades dos indivíduos estudados.
e) Estudo de caso (case study): estudo detalhado a 
respeito de um determinado evento. Pode-se tam-
bém analisar os desdobramentos de um determina-
do caso em continuidade, possibilitando o estudo 
sequencial de casos.
7
Deve-se ressaltar que, durante a pesquisa, raras são 
as situações em que o antropólogo utiliza apenas 
uma dessas técnicas, uma vez que a confrontação 
entre essas diferentes ferramentas analíticas contri-
bui para o controle da objetividade da análise. Assim, 
por exemplo, ao reconhecer que eventualmente 
existem limites nos depoimentos dos informantes 
(lapsos de memória ou distorções propositais), o 
pesquisador pode lançar mão de outra técnica, a 
exemplo da pesquisa documental, de modo a com-
parar os dois registros para se ter um certo controle 
sobre a informação. Tais reajustes são caracterís-
ticas do próprio método científico, que, segundo 
Oracy Nogueira, caracteriza-se por ser progressivo 
e autocorretivo:
Pelo recurso ao método científico, não ape-
nas novas adições estão sendo constan-
temente feitas ao repertório de cada uma 
das ciências, mas ainda conclusões de um 
menor grau de probabilidade estão constan-
temente sendo substituídas por conclusões 
de um grau de probabilidade mais elevado 
(NOGUEIRA, 1977, p. 77).
A seguir, estudaremos algumas importantes pesqui-
sas realizadas no âmbito da antropologia, de modo 
a verificar como o conhecimento do outro pode con-
tribuir para a compreensão dos limites de nossas 
percepções sobre identidades.
8
A DIVISÃO SEXUAL 
RELATIVIZADA POR 
MARGARET MEAD
Margaret Mead (1901–1978) tornou-se uma das 
principais antropólogas de seu tempo, responsável 
pela popularização da Antropologia fora dos circui-
tos acadêmicos. Inspirada pelos princípios de Franz 
Boas de que as diferenças entre os grupos humanos 
seriam condicionadas sobretudopor componentes 
culturais (e não biológicos, como afirmavam os evo-
lucionistas), Mead foi para a Papua Nova Guiné em 
1925, estudar as grupos que lá viviam, e, a partir de 
então, iniciou uma série de estudos a respeito de 
comunidades não ocidentais, resultantes de im-
portantes produções etnográficas que se tornaram 
bastante conhecidas, a exemplo de Coming of age 
in Samoa (1928), Growing up in New Guinea (1930) 
e Sexo e temperamento em três sociedades primi-
tivas (1935).
Sobre a obra Sexo e temperamento em três socie-
dades primitivas, pode-se afirmar que foi recebida 
sob polêmicas quando de sua publicação. Partindo 
da análise de três grupos que habitavam a região, 
Mead percebeu que os padrões comportamentais 
das pessoas variavam de maneira profunda no que 
concerne aos seus papéis em comparação com os 
costumes ocidentais – sobretudo estadunidenses, 
país de origem da antropóloga.
9
Figura 1: Imagem: Margaret Mead (cerca de 1928-1929) com crian-
ças das Ilhas Samoa. Fonte: https://npg.si.edu/
A obra de 1935 focaliza três grupos: os Arapesh, os 
Mundugumor e os Tchambuli. Para o primeiro gru-
po, a divisão sexual do trabalho era relativamente 
harmoniosa, uma vez que homens e mulheres co-
operavam de maneira cordial uns com os outros. 
Dessa forma, não se evidenciava uma separação 
entre os comportamentos dos dois sexos, uma vez 
que a atuação dos dois segmentos tinha como meta 
a criação dos filhos:
10
https://npg.si.edu/
A vida arapesh está organizada em torno 
desta trama central: como homens e mu-
lheres, fisiologicamente diferentes e dotados 
de potencialidades diversas, unem-se numa 
façanha comum, que é primordialmente ma-
ternal, nutritiva e orientada para fora do eu, 
em direção às necessidades da geração se-
guinte (MEAD, 1979, p. 41).
De outro lado, os Mundugumor se apresentavam 
como o oposto dos Arapesh. Tratava-se de um grupo 
com comportamentos considerados agressivos pela 
antropóloga, tanto em relação aos homens quanto 
também em relação às mulheres. Dessa forma, não 
se verificava a noção ocidental de que os homens 
estariam mais propensos à violência, uma vez que 
a agressividade dos comportamentos de homens e 
mulheres eram semelhantes.
A análise dos dois grupos investigados não indica 
necessariamente a ausência de diferenças, uma vez 
que, segundo Mead, os Arapesh acreditavam que a 
pintura a cores deve ser reservada aos homens, e 
os Mundugumor, por sua vez, defendiam que a pes-
ca era um tipo de tarefa que deveria ser realizada 
sobretudo por mulheres. No entanto, os comporta-
mentos de homens e mulheres não destoavam uns 
dos outros, de modo que não é possível verificar de-
sigualdades que favorecem um sexo em detrimento 
a outro em suas funções sociais desempenhadas.
Diferente é o caso dos Tchambuli, terceiro grupo 
estudado pela antropóloga, pois não apenas apre-
11
sentam características distintas em relação aos 
dois primeiros grupos, mas também designam com-
portamentos específicos para homens e mulheres. 
Contudo, para a surpresa da antropóloga, os padrões 
culturais compartilhados entre eles diferiam nova-
mente daqueles comumente atribuídos ao modelo 
ocidental. Entre os Tchambuli, homens mostravam 
atributos de sensibilidade intensa, dedicando-se 
aos cuidados da casa e das crianças, enquanto as 
mulheres dedicavam-se à caça, pesca e ao comércio, 
detendo grande poder sobre os homens do grupo. 
Desse modo, Mead passou a colocar em questão o 
senso comum ocidental de que de maneira universal 
os homens seriam os provedores e guerreiros, reser-
vando às mulheres os papéis de mães e cuidadoras 
do espaço doméstico.
12
E. E. EVANS-
PRITCHARD E O 
ESTUDO DE UM 
GRUPO NILOTA
Edward Evan Evans-Pritchard (1902–1973) foi um 
antropólogo britânico que desenvolveu importantes 
estudos sobre grupos em continente africano. Entre 
suas obras mais famosas estão Bruxaria, oráculos e 
magia entre os Azande (1937) e Os Nuer: uma des-
crição do modo de subsistência e das instituições 
políticas de um povo nilota (1940). É sobre esta úl-
tima obra que falaremos para compreender como 
as formas de percepção das identidades também 
estão sujeitas a rearranjos sofisticados no que diz 
respeito à organização política e social do mundo.
13
Figura 2: Figura 1: E.E. Evans-Pritchard junto ao povo Nuer durante 
a década de 1930. Fonte: https://www.babelio.com/auteur/Edward-
Evans-Pritchard/169230. Acesso em: 27 jun. 2019.
A obra de Evans-Pritchard teve como interesse inicial 
a realização de uma análise das formas de sub-
sistência e das instituições políticas de um grupo 
localizado no Sudão, às margens do rio Nilo, deno-
minado Nuer, composto então por aproximadamente 
duzentas mil pessoas. O antropólogo chegou à co-
14
munidade em 1930 e prosseguiu com seus estudos 
ao longo dessa década. Esse clássico estudo de 
Pritchard exerceu fascínio e influência sobre a ge-
ração posterior de antropólogos, pois levou a sério 
a noção de compreender um determinado grupo em 
seus próprios termos culturais e sociais, esforçando-
-se para deixar de lado os valores europeus e esta-
dunidenses que ainda definiam a visão de mundo 
da maioria dos antropólogos.
No que concerne à forma como os Nuer se veem, 
deve-se levar em consideração, em primeiro lugar, a 
importância que a ecologia local exerce sobre suas 
identidades. Desse modo, a forma como eles se 
percebem enquanto grupo, suas noções de tempo 
e de espaço, bem como a forma como os outros 
grupos são vistos por eles, possuem estreitas re-
lações com os ciclos de colheitas e de secas, com 
a pecuária e outros componentes que resultam em 
influências importantes para se compreender quem 
é uma pessoa Nuer.
A reflexão sobre como diversos elementos influen-
ciam na definição de uma identidade pode ser desta-
cada de uma passagem retirada da obra de Pritchard 
em que o autor aponta como o gado contribui para 
a definição da identidade Nuer:
15
A atitude do Nuer e seu relacionamento com 
povos vizinhos são influenciados pelo amor 
ao gado e pelo desejo de adquiri-lo. Eles 
nutrem profundo desprezo por povos com 
pouco ou nenhum gado, como os Anuak, en-
quanto que as guerras contra as tribos Dinka 
tem objetivado tomar o gado e o controle dos 
pastos (PRITCHARD, 1978, p. 23).
Na passagem acima, podemos notar que as formas 
de reconhecimento do valor do outro pelos Nuer 
são influenciadas pelo gado, uma vez que grupos 
vizinhos, a exemplo dos Anuak e os Dinka, são vis-
tos com desprezo ou como motivos de disputas em 
função de suas relações de pastoreio. Todavia, o 
gado não se restringe apenas aos outros, mas tam-
bém às próprias relações entre os Nuer. Prossegue 
o antropólogo:
A malha de relações de parentesco que liga 
os membros das comunidades locais é cau-
sada pela eficácia de regras exogâmicas, fre-
quentemente colocadas em função do gado. 
A união do matrimônio é realizada através 
do pagamento em gado e todas as fases do 
ritual são marcadas pela transferência ou 
sacrifício do mesmo. O status legal dos côn-
juges e dos filhos é determinado por direi-
tos e obrigações sobre o gado (PRITCHARD, 
1978, p. 25).
16
A importância da análise de Pritchard se tornou no-
tável, uma vez que, mesmo muitas décadas depois 
de seu estudo, a estrutura básica de relações entre 
os Nuer se manteve relativamente estável, passando 
pelo teste da história, tal como afirma a antropólo-
ga Beatriz Perrone-Moisés a respeito da organiza-
ção contemporânea dos Nuer, em texto intitulado 
Conflitos recentes, estruturas persistentes: notícias 
do Sudão (2001). No artigo, Perrone-Moisés avalia 
as transformações ocorridas no final do século 20 
entre os Nuer e seus vizinhos.
Em primeiro lugar, um aumento demográfico sig-
nificativo: os Nuer sudaneses, quando da pesquisa 
de atualização da antropóloga, correspondiam en-
tão a cerca de 740 mil, com população também na 
Etiópia, e os Dinka – vizinhos contra quem os Nuer 
guerreavam – ampliaram sua população para cerca 
de um milhão e trezentas mil pessoas. Em segundo 
lugar,uma mudança drástica, decorrente da inser-
ção de armas de fogo no território por estrangeiros 
provenientes do continente Europeu e dos Estados 
Unidos da América:
17
O fato é que todos os jovens dinka e nuer 
passaram a carregar cotidianamente armas 
pesadas, e as mortes se multiplicaram em 
proporções assustadoras. Ao longo dos anos 
90, toda a faixa de fronteira Dinka/Nuer ficou 
vazia: as aldeias tinham sido dizimadas ou 
sua população tinha sido raptada e os even-
tuais sobreviventes haviam fugido. Não há 
como calcular quantas vítimas essa guerra 
civil no Sudão meridional fez (PERRONE-
MOISÉS, 2001, p. 130).
Embora se trate de uma tragédia potencializada pela 
adoção de um componente externo – a arma de 
fogo –, há que se levar em consideração a perma-
nência do conflito como motivado sobretudo pelas 
desavenças que remontam àquelas identificadas 
por Pritchard, a saber: o rapto de mulheres e o rou-
bo de gado. Entretanto, para se compreender o que 
significa isso para os Nuer, é necessário o estudo 
das particularidades culturais e sociais desse grupo.
As observações feitas por Perrone-Moisés, ao evi-
denciar como as estruturas sociais perduram, são 
importantes para percebermos a importância que 
as pesquisas realizadas no âmbito da antropologia 
possuem para a compreensão e para a tradução 
dos dilemas com que as populações não-europeias 
têm que lidar.
18
SAIBA MAIS:
F o n t e : h t t p s : / / p e r i o d i s t a s - e s . c o m /
abrazo-la-serpiente-mito-la-esperanza-65185
F o n t e : h t t p s : / / w w w . r 7 a . c l / a r t i c l e /
el-boton-de-nacar-de-patricio-guzman/
Os dois filmes tratam de questões relacionadas à 
identidade indígena na América Latina e seus con-
tatos com povos europeus. O abraço da serpente 
(2017), de Ciro Guerra, traz uma série de reflexões 
sobre alteridade a partir da história de um viajante 
europeu que vai para a floresta amazônica a pretex-
to de investigar a fauna local. No caminho, trava con-
tato com o indígena Karamakate, que aceita condu-
zi-lo durante a viagem.
Já O botão de pérola (2015), dirigido por Patri-
cio Guzmán, trata da relação entre o extermínio 
indígena na região da Patagônia e a relação da 
ditadura chilena com os presos políticos, mui-
tos dos quais foram lançados ao mar ainda vivos. 
 
 
 
19
https://periodistas-es.com/abrazo-la-serpiente-mito-la-esperanza-65185
https://periodistas-es.com/abrazo-la-serpiente-mito-la-esperanza-65185
El botón de nácar (O botão de pérola). 2016. 1h 22min. 
Dirigido por Patricio Guzmán. Produzido por Ataca-
ma Productions, Valdivia Film, Mediapro.
El abrazo de la serpente (O Abraço da Serpente). 2015. 
2h 5min. Dirigido por Ciro Guerra. Produzido por Bu-
ffalo Films, Buffalo Producciones, Caracol Televisión.
20
OS MORTOS E OS 
VIVOS: A NOÇÃO DE 
“PESSOA” PARA OS 
KRAHÔ
Para as pessoas que habitam as sociedades urbanas 
e industrializadas, é comum que se entendam como 
indivíduos autônomos e vivos. Embora pareça óbvio, 
em um primeiro momento, compreender nossa iden-
tidade social como a de alguém que está vivo, em 
oposição às pessoas que não estão, é algo que de-
marca nossa experiência social, embora de maneira 
secundária, pois dificilmente se pensa nisso a todo 
o momento. Entretanto, alguns estudos indicam que 
essa oposição vivo/morto não é um dado universal, 
ou seja, algo compartilhado de maneira idêntica por 
todas as pessoas em diferentes contextos culturais.
A separação entre vivos e mortos é algo que está 
presente em muitas sociedades, uma vez que a com-
preensão da finitude de nossa experiência humana 
é uma questão que engendra ansiedades de diver-
sas ordens. Mas como esse tema é tratado por gru-
pos que possuem padrões culturais diferentes dos 
nossos? Antes de começarmos, vale refletir acerca 
dessa proposição em termos antropológicos. Desse 
modo, pode-se afirmar que a construção de nossa 
identidade requer pontos de referência.
21
Em termos de construção de identidades pessoais e 
coletivas, os estudos de Manuela Carneiro da Cunha 
a respeito dos índios Krahô apresentam interes-
santes resultados. A autora procurou identificar o 
valor que a noção de pessoa possui para esse grupo 
indígena, tomando como ponto de partida a própria 
dissolução da personalidade social, ou seja, a morte.
Localizados na região entre Tocantins e Goiás, no 
momento em que a antropóloga realizou o seu es-
tudo de campo, o grupo indígena contava com cerca 
de 600 integrantes.
Figura 3: Imagem 2: Krahô recebe de volta machadinha que se en-
contrava no Museu Paulista. Fonte: Foto de Alfredo Rizzuti, 1986. 
Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krah%C3%B4
Podcast 1 
22
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krah%C3%B4
https://famonline.instructure.com/files/86485/download?download_frd=1
O estudo de Manuela Carneiro da Cunha, intitulado 
Os mortos e os outros: uma análise do sistema fu-
nerário e da noção de pessoa entre os índios Krahô 
(1978), traz uma série de dados colhidos pela an-
tropóloga junto aos índios Krahô. Segundo a autora, 
para os Krahô, a oposição entre vivos e mortos é um 
elemento primário para a organização das identi-
dades. Isso se deve ao fato de que, para os Krahô, 
os mortos são vistos como a alteridade máxima, 
ou seja, o avesso total da experiência dos vivos. 
Entretanto, não são apenas diferentes, uma vez que 
viveriam em uma espécie de antissociedade, hostil 
à sociedade dos vivos, uma vez que roubam seus 
membros. Diz Cunha que “os mortos configuram-
-se assim duplamente como ‘outros’ enquanto es-
trangeiros, isto é, bárbaros, e enquanto inimigos” 
(CUNHA, 1978, p. 3).
A morte requer rituais e cerimônias específicas, sen-
do que cada grupo social estabelece o seu próprio 
meio de lidar com esse momento. A antropóloga, 
dessa forma, distancia-se de uma visão redutora que 
identifica o significado social da morte. Em outras 
palavras, se a morte biológica é um processo natural, 
a morte social não é. Nas palavras de Cunha:
23
Não existe [...] um modo de se pensar os 
mortos que de tão natural seria de cer-
ta foram ‘universal’. Na realidade, vivos e 
mortos podem ou não serem concebidos 
como antônimos, par de opostos em uma 
classificação, ou melhor, não é na realidade 
tanto a existência da oposição que interessa 
– provavelmente sempre se poderá, em certo 
contexto, opor vivos e mortos – mas antes 
a precedência desta classificação sobre as 
outras. Se por exemplo a linhagem onde ela 
exista for um operador classificatório mais 
importante do que a distinção vivo-morto, 
esta esmaecerá e passará a um segundo 
plano (CUNHA, 1978, p. 3).
Adentrando as representações coletivas dos Krahô, a 
autora inicia uma busca sobre os sentidos existentes 
nas questões básicas de orientação da própria iden-
tidade dos integrantes do grupo, uma vez que a com-
preensão da morte indica uma certa orientação a 
respeito da própria experiência de vida. Desse modo, 
Cunha (1978) compreende que os ritos funerários 
são permeados por um conjunto de mitos muito 
particulares e diferentes dos nossos. Enquanto o 
sentido que atribuímos à morte está muito arraigado 
às descobertas científicas – e que, de algum modo, 
fazem parte dos mitos em que acreditamos –, para 
os Krahô a origem da morte está relacionada a duas 
forças antagônicas: a origem da morte, como de to-
dos os males que afligem a humanidade, remonta a 
24
Pëdleré, Lua, que forma com seu amigo formal, Pëd, 
o Sol, o par de demiurgos, cujas andanças são lon-
gamente contadas em um ciclo de episódios míticos. 
Trata-se do próprio sentido que orienta a morte e, 
desse modo, também a vida. A análise desse grupo 
indígena ainda traz outras elucidações que podem 
contribuir para compreendermos como a noção de 
pessoa varia de acordo com os contextos culturais 
em que são apresentadas.
Conforme Julio Cézar Mellati constatou em seu es-
tudo também sobre os índios Krahô, o sistema de 
atribuição dos nomes segue regras que para nós 
talvez sejam pouco compreensíveis em um primeiro 
momento.Segundo Mellati:
O indivíduo do sexo masculino recebe nome 
daqueles parentes consanguíneos a que apli-
ca o termo keti, o qual engloba, entre outras 
categorias de parentesco, o irmão da mãe, o 
pai da mãe, o pai do pai e seus primos para-
lelos. Já o indivíduo do sexo feminino recebe 
o nome pessoal das parentas consanguíneas 
a que aplica o termo de parentesco tïi, que 
abrange, entre outras categorias de paren-
tesco, as de irmã do pai, filha da irmã do 
pai, mãe do pai, mãe da mãe e suas primas 
paralelas (MELLATI, 1968, p. 4).
25
Conforme o trecho anterior, os nomes destinados 
aos Krahô estão relacionados de maneira ampla 
com a totalidade do grupo, uma vez que o processo 
de nomeação traz consigo uma complexa rede de 
afirmações interrelacionais. A criação do nome e, 
por conseguinte, das identidades dentre os Krahô 
possibilita uma série de obrigações formais entre as 
diferentes pessoas do grupo, mesmo entre aquelas 
que, de outro modo, não se relacionam – ou entre as 
formas de amizade e as estruturas sociais.
Distingue-se, desse modo, os chamados amigos 
formais (ikhuanare), que são evitados de maneira 
respeitosa (não se pronuncia os seus nomes, não 
se tem relações sexuais, evita-se caminhar pe-
los mesmos lugares), dos amigos não formais, ou 
companheiros.
A propósito da chamada amizade formal, pode-se 
compreendê-la como um “complexo que abrange 
ao mesmo tempo uma estrita relação de evitação 
(com os amigos formais) e uma relação prazenteira 
(com certos parentes seus)” (CUNHA, 1978, p. 83). 
A quebra dessas regras de distanciamento formal 
encerra igualmente a própria relação entre esse nível 
de interação. Cunha narra brevemente o caso de 
uma mulher que, sem saber que sua interlocutora 
era uma amiga formal, fez certos gracejos com ela. 
Posteriormente, descobriu que se tratava de uma 
amiga formal, embora já fosse tarde demais, uma 
vez que a amizade foi desfeita. Em outro texto, ainda 
sobre os Krahô, Cunha afirma que:
26
A amizade formal, em seu duplo aspecto de 
evitação e de relações prazenteira, é uma 
modalidade de um processo de construção 
da pessoa. Vimos que o amigo formal é con-
ceitualmente o estranho, o outro, e enquanto 
tal, ele pode ser o mediador, o restaurador 
da integridade física e da posição social 
(CUNHA, 1978, p.37).
De outro lado estariam os chamados ikhuionõ, con-
siderados companheiros com os quais se compar-
tilha as liberdades que não se tem com os amigos 
formais, incluindo-se a troca de mulheres nos rituais 
de encerramento das estações chuvosas e estações 
secas (CUNHA, 1978, p.88).
Tem-se, a partir dessa complexa trama, funções 
sociais atribuídas a cada uma das pessoas: aos 
amigos formais atribui-se o papel de outros e aos 
companheiros (ikhuionõ) o papel de semelhante.
Para além do caráter – aos nossos olhos, possivel-
mente exótico – dessas representações, importa 
compreender que a noção de pessoa considerada 
como possuidora de autonomia e liberdade não é 
algo universalmente constatável. Fundamentada 
em seus estudos, a autora afirma que:
27
Embora cada cultura tenda a perceber sua 
noção de pessoa como sendo por assim di-
zer natural, cada uma elabora no entanto 
representações específicas sobre o ser hu-
mano enquanto indivíduo inserido no grupo 
(CUNHA, 1978, p. 89).
SAIBA MAIS: 
Conheça a Enciclopédia dos povos indígenas do 
Brasil: http://pib.socioambiental.org/
Imagem 3: Página inicial do site Povos indígenas 
no Brasil. Fonte: http://pib.socioambiental.org/. 
(Acesso em 12 jun. 2019).
O Instituto SocioAmbiental, organização sem 
fins lucrativos que conta com a participação de 
diversos antropólogos e lideranças indígenas ao 
redor do Brasil, desenvolveu uma importante pla-
taforma com dados e informações diversas so-
bre os vários povos que permanecem resistindo 
na luta pelos direitos de populações originárias. 
28
http://pib.socioambiental.org/
http://pib.socioambiental.org/
 
Contando com vasta gama de documentos 
produzidos desde a década de 1970 pelo Cen-
tro Ecumênico de Documentação e Informação 
(CEDI), é possível encontrar informações deta-
lhadas sobre povos como os Araweté, Cinta Lar-
ga, Tikuna, Pataxó, Kalapalo, Bororo, Ashaninka, 
além de muitos outros.
Podcast 2 
29
https://famonline.instructure.com/files/86486/download?download_frd=1
ANALISANDO 
A SOCIEDADE 
CAPITALISTA 
POR ÓCULOS 
ANTROPOLÓGICOS
Até aqui notamos o predomínio das análises antro-
pológicas voltadas aos grupos não ocidentais, que, 
via de regra, organizam-se às margens das socie-
dades capitalistas, embora não estejam totalmente 
apartadas destas. Embora a Antropologia tenha se 
consagrado como uma disciplina que procura in-
vestigar o outro, em suas formas de organizações 
específicas, diversos antropólogos voltaram suas 
análises para suas próprias sociedades, ou seja, 
para as sociedades urbanas e industrializadas. De 
fato, consagrou-se, ao longo do tempo, a vertente 
denominada Antropologia urbana, que busca com-
preender a produção das identidades nas grandes 
cidades.
A propósito dos fundamentos das sociedades ca-
pitalistas, o antropólogo Marshall Sahlins (1930–) 
desenvolveu uma série de reflexões profundas sobre 
as dinâmicas de produção de comportamentos e de 
disposições referentes às identidades formuladas 
nessas sociedades, em estudo intitulado La pensée 
bourgeoise: a sociedade ocidental enquanto cultura.
30
Distanciando-se das representações comuns a 
respeito das motivações econômicas presentes 
nas sociedades capitalistas – ou burguesas, como 
prefere o autor –, a análise de Sahlins focaliza a 
dimensão cultural. Diz o autor que a própria noção 
de produção material de bens corresponde a uma 
intencionalidade cultural. Dessa forma, as pessoas, 
nas sociedades burguesas, tenderiam a pensar seus 
hábitos e valores como o único modo de existência 
possível. Ou seja, Sahlins inverte o senso comum a 
respeito da lógica estritamente utilitarista. Segundo 
ele, o mecanismo de oferta, demanda e preço que 
caracteriza as sociedades capitalistas é proveniente 
de um código simbólico de objetos próprio de uma 
cultura particular que é a nossa:
Essa visão da produção como a substancia-
lização de uma lógica cultural deveria impe-
dir-nos de falar ingenuamente da geração 
de demanda pela oferta, como se o produto 
social fosse a conspiração de uns poucos 
“tomadores de decisão”, capazes de impor 
uma ideologia da moda através dos enganos 
da publicidade (SAHLINS, 2003, p. 232).
Em outras palavras, o que Sahlins procura enfati-
zar é a relação necessária entre os símbolos que 
estão presentes em nossa cultura e nosso próprio 
pensamento. Dessa forma, deixa-se de se inter-
pretar nossas ações como relacionadas apenas às 
necessidades materiais, o que significa dizer que o 
31
cultural não está subordinado ao econômico, sendo 
que este sim é subsidiário dos padrões produzidos 
por nossa cultura:
A explicação positivista de certas práticas 
culturais como efeitos necessários de al-
guma circunstância material, seja para uma 
técnica específica de produção, seja para um 
grau de produtividade ou diversidade produ-
tiva, ou para uma insuficiência de proteínas 
ou escassez de adubo — qualquer proposta 
científica desse tipo seria falsa (SAHLINS, 
2003, p.232).
A essas observações, o antropólogo procura inserir a 
importância dos símbolos sobre a própria relação de 
trocas existentes no capitalismo. Abaixo podemos 
observar uma pequena amostra da imagem sobre 
a qual Sahlins trabalha em seu texto, extraída da 
obra de Stephen Baker, que procurava orientar os 
publicitários estadunidenses na década de 1960:
32
Figura 4: O sexo dos objetos na publicidade. Orientação para publi-
citários em Visual Persuasion, de Stephen Baker (1961), citado por 
Marshall Sahlins em La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental 
enquanto cultura, Sahlins Fonte: Marshall Sahlins (2003, p.250), tra-
dução de Sérgio Tadeu de Niemayer Lamarão.
Como podemos observar na imagem anterior, re-
cortada de uma imagem mais extensacontida no 
referido texto de Marshall Sahlins, a própria ins-
trução dada aos publicitários está de acordo com 
formas culturais que predominam em determinados 
períodos históricos de nossa sociedade. A imagem 
original datava de 1961, o que evidentemente deve 
33
ser levado em consideração, uma vez que os padrões 
de gêneros estão em constante modificação nas 
sociedades contemporâneas.
Essas relações propriamente culturais também exer-
cem poder sobre a formatação dos nossos gos-
tos. Desse modo, podemos dizer que, sim, para a 
Antropologia, gosto é algo que se discute. Entretanto, 
essa discussão se torna mais profunda quando res-
paldada por estudos rigorosos, a exemplo da pesqui-
sa clássica realizada pelo sociólogo e antropólogo 
francês Pierre Bourdieu.
Em A Distinção: crítica social do julgamento, publi-
cado em 1979, Pierre Bourdieu parte do problema de 
se compreender como os gostos e os julgamentos 
são produzidos. Assim, mobilizando extenso mate-
rial proveniente de pesquisas qualitativas e quanti-
tativas, Bourdieu procura desvelar os mecanismos 
sociais que definem nossas preferências estéticas 
e éticas.
Ao iniciar sua pesquisa sobre o assunto, Bourdieu 
partiu do ponto zero em relação às nossas percep-
ções estéticas. Antes de mais nada, o autor procura 
se distanciar da noção de senso comum segun-
do a qual a arte e a estética estão relacionadas a 
instâncias superiores e sublimes – cristalizada na 
expressão “arte pela arte”. Ou seja, propõe que o 
reconhecimento oferecido por nossa sociedade a 
respeito do que é e do que não é uma obra de arte 
deve ser colocado sob análise crítica:
34
A ciência do gosto e do consumo cultural 
começa por uma transgressão que nada tem 
de estético: de fato, ela deve abolir a fronteira 
sagrada que transforma a cultura legítima 
em um universo separado para descobrir 
as relações inteligíveis que unem ‘escolhas’, 
aparentemente incomensuráveis, tais como 
as preferências em matéria de música e de 
cardápio, de pintura e de esporte, de litera-
tura e penteado (BOURDIEU, 2006, p. 14).
A obra de Bourdieu tornou-se um clássico imedia-
to junto às ciências sociais, pois trouxe dados que 
comprovavam como os gostos estão relacionados 
a certas posições que as pessoas ocupam nas so-
ciedades em que vivem. Embora não seja necessa-
riamente uma regra, tem-se a tendência de que as 
pessoas que vivem nas frações dominadas com-
partilham de certos gostos relacionados a vestuá-
rio, comida e arte, enquanto as frações dominantes 
desenvolvem gostos particulares que lhes conferem 
atributos distintivos.
Em linhas gerais, de acordo com o sociólogo e antro-
pólogo, os indivíduos na sociedade francesa da dé-
cada de 1970 orientavam seus padrões de consumo 
conforme as disposições – ou, como prefere o autor, 
o habitus – que foram engendradas socialmente. 
Essas disposições, por sua vez, podem ser com-
preendidas como matrizes geradoras de padrões de 
gostos, de maneira tal que acabam por definir um 
35
certo espaço ordenado de acordo com as classes 
sociais das quais fazem parte.
A grande inovação da análise empreendida por 
Bourdieu se deve ao fato de que ele conseguiu 
demonstrar, diferentemente de Marshall Sahlins, 
através de dados, essas tendências de gosto re-
lacionadas com as classes sociais. Nesse senti-
do, as identidades individuais estariam sujeitas às 
características especificas do espaço e do tempo 
em que as pessoas se situam. Dito de outra forma, 
os gostos passam por transformações – o que as 
classes dominadas consomem nos dias atuais é 
diferente do que consumiam na década de 1970 –, 
porém a distinção entre as classes através de seus 
gostos permanece como um marcador de desigual-
dades sociais.
Por fim, cabe ressaltar que os gostos trazem consigo 
símbolos culturais que tornam possível identificar a 
quais classes as pessoas tendem a pertencer. Esses 
símbolos, por sua vez, são reproduzidos por institui-
ções como a família e a escola, uma vez que atuam 
como agentes capazes de definir o que é considera-
do legítimo para cada grupo e para cada indivíduo.
36
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Ao longo das páginas anteriores, fizemos um per-
curso que procurou indicar algumas importantes 
análises que os antropólogos fizeram desde que 
passaram a compreender a cultura como elemento 
fundamental dos grupos humanos. Evidentemente, 
muitos outros textos igualmente importantes foram 
deixados de lado, mas espera-se que a apresenta-
ção dessas questões fomente o interesse do leitor 
pela produção antropológica contemporânea. Para 
isso, recomenda-se a busca por fontes reconhecidas 
pela comunidade de antropólogos, bem como suas 
revistas de divulgação científica.
Além disso, o objetivo desta unidade também foi 
o de apresentar para o leitor como a identidade é 
formada de acordo com condicionantes que ini-
cialmente estão situados externamente aos indiví-
duos. Escolhemos as pesquisas de Margaret Mead, 
E. E. Evans Pritchard, Manuela Carneiro da Cunha, 
Marshall Sahlins e Pierre Bourdieu pois elas indicam 
que questões, mesmo categorias muito naturaliza-
das por nós, estão sujeitas a processos de elabora-
ções e reelaborações culturais: a divisão sexual do 
trabalho, o reconhecimento de nós e dos outros, as 
noções de vida e morte, nossos padrões de consumo 
nas sociedades capitalistas e nossos gostos.
37
De maneira mais abrangente, observamos que a 
identidade, enquanto noção de pessoa, é algo sus-
cetível a diversas comparações entre culturas dife-
rentes. Dessa forma, podemos afirmar que, a des-
peito da base biológica que os indivíduos carregam 
consigo e que são nitidamente diferentes, a cultura 
molda os comportamentos e as percepções que tais 
indivíduos têm sobre si mesmos e sobre os outros.
No próximo módulo, refletiremos sobre como surgem 
as identidades nacionais e como são construídos 
os afastamentos e as aproximações entre comu-
nidades ocidentais e não ocidentais, segundo uma 
perspectiva antropológica e histórica.
SAIBA MAIS:
Ailton Krenak e a luta pelos direitos indígenas no 
Brasil
Escritor e professor da Universidade Federal de 
Juiz de Fora, Ailton Krenak se tornou uma das 
principais lideranças na luta pelos direitos indí-
genas no Brasil. Abaixo estão os links para dois 
vídeos que apresentam um pouco a perspectiva 
que ele possui a respeito da identidade dos ín-
dios no Brasil contemporâneo, marcado por dis-
putas políticas de reconhecimento da origem ét-
nica dos povos originários. O primeiro vídeo, de 
1987, mostra o discurso de Krenak na Câmara 
dos deputados, durante o contexto de redemo-
cratização do país. O segundo, mais recente, traz 
38
algumas ideias compartilhadas por Krenak para 
a compreensão da relação entre identidade, sus-
tentabilidade e consumo, através da perspectiva 
indígena.
Discuso histórico no Plenário da Câmara dos 
Deputados, em 04 de setembro de 1987:
https://www.youtube.com/
watch?v=kWMHiwdbM_Q (Acesso em 08 jun. 
2019).
Entrevista com Ailton Krenak para o canal 
20ideias, realizada em 2012:
https://www.youtube.com/
watch?v=f48HAu0bNPc (Acesso em 08 jun. 
2019)
39
https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q
https://www.youtube.com/watch?v=kWMHiwdbM_Q
https://www.youtube.com/watch?v=f48HAu0bNPc
https://www.youtube.com/watch?v=f48HAu0bNPc
b) Pierre Bourdieu e a construção 
social dos gostos.
a) Marshall Sahlins e o simbolismo 
presente nas sociedades burguesas;
Analisando a sociedade capitalista 
por óculos antropológicos:
5
a) Estudo de Manuela Carneiro da 
Cunha. Os mortos e a construção 
dos Outros (a alteridade extrema) 
para os índios Krahô.
Os mortos e os vivos - a noção de 
pessoa para os Krahô:
4
a) Organização dos Nuer segundo a 
ecologia local. Importância do gado 
para a construção das identidades 
internas e externas. Disputas com 
os Dinkas.
E. E. Evans-Pritchard e o estudo de 
um grupo nilota:
3
a) Sexo e temperamento em três 
sociedades primitivas. Diferentes 
padrões de comportamento sexual 
entre os Arapesh, Mundugumor e os 
Tchambuli. A Divisãosexual não é 
natural, mas sim cultural.
A divisão sexual relativizada por 
Margaret Mead:
2
c) Genealogia; análise documental; 
entrevistas e depoimentos; histórias 
de vida e biografias; estudos de 
caso.
b) Observação participante: 
etnografia;
a) Diferença entre método e 
técnica;
Sobre as técnicas e os métodos 
empregados pela antropologia:
1
A ANTROPOLOGIA E OS ESTUDOS
CLÁSSICOS SOBRE IDENTIDADE
Referências
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julgamento. Porto Alegre: Zouk/Edusp, 2001.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Os mortos e os 
outros: uma análise do sistema funerário e da no-
ção de pessoa entre os índios Krahô. São Paulo: 
Hucitec, 1978.
CASTRO, Celso. Textos básicos de antropologia. Cem 
anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-Strauss e 
outros. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. 
CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: his-
tória, direitos e cidadania. São Paulo: Companhia 
das Letras, 2013.
FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de 
Janeiro: Zahar, 2000.
INSTITUTO SOCIO-AMBIENTAL. Entrevista 
com Eduardo Viveiros de Castro (2005) . 
Disponível em: https://pib.socioambiental.org/
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mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf. Acesso em: 12 
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https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/No_Brasil_todo_mundo_%C3%A9_%C3%ADndio.pdf
MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. São Paulo: 
Ed. Perspectiva,1979.
MELLATI, Julio Cezar. Nominadores e genitores: um 
aspecto do dualismo craô (1968). Disponível em: 
http://www.juliomelatti.pro.br/artigos/a-nomina-
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NOGUEIRA, Oracy. Pesquisa social: introdução às 
suas técnicas. São Paulo: Ed. Nacional/EDUSP, 1968.
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Conflitos recentes, es-
truturas persistentes: notícias do Sudão. São Paulo: 
Revista De Antropologia, v. 44(2), pp. 127-146, 2001.
PRITCHARD, Evans. Os Nuer: uma descrição do modo 
de subsistência e das instituições políticas de um 
povo nilota. São Paulo: Perspectiva, 1978.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Reflexões sobre a 
pesquisa sociológica. São Paulo: Centro de Estudos 
Rurais e Urbanos, 1992.
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de 
Janeiro: Zahar, 2003.
ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organi-
zações populares e o significado da pobreza. São 
Paulo: Brasiliense, 1985.
http://www.juliomelatti.pro.br/artigos/a-nominadores.pdf
http://www.juliomelatti.pro.br/artigos/a-nominadores.pdf
	Introdução 
	Sobre as técnicas e os métodos empregados pela Antropologia
	A divisão sexual relativizada por Margaret Mead
	E. E. Evans-Pritchard e o estudo de um grupo nilota
	Os mortos e os vivos: a noção de “pessoa” para os Krahô
	Analisando a sociedade capitalista por óculos antropológicos
	Considerações finais
	Síntese
	bt_foward 15: 
	Página 1: 
	bt_foward 18: 
	bt_foward 17: 
	Página 41: 
	Página 42:

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