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Prof. Dr. Adilson Camacho UNIDADE III Ciência Política Roteiro Unidade III 7 A política no âmbito internacional 7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização 7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder no “espaço interestatal” 7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas 8 O pensamento clássico sobre a política: o crivo da filosofia 8.1 Platão; 8.2 Aristóteles; 8.3 Maquiavel; 8.4 Hobbes; 8.5 Locke; 8.6 Montesquieu; 8.7 Rousseau 7. A política no âmbito internacional 7. A política no âmbito internacional Para Hannah Arendt, os preconceitos contra as políticas interna e externa vêm da concepção de a política ser, em seu interior, uma teia feita de velhacaria de interesses mesquinhos e de ideologia mais mesquinha ainda, ao passo que a política exterior oscila entre a propaganda vazia e a pura violência. Obs.: os preconceitos são muito mais antigos do que a invenção de instrumentos com os quais se pode destruir toda a vida orgânica da face da Terra. Os preconceitos contra a política interna são pelo menos tão antigos quanto a democracia de partidos (pouco mais de 100 anos), que alega representar o povo na história mais recente, sem que o povo tenha acreditado nisso alguma vez. 7. A política no âmbito internacional A política externa surgiu com a expansão imperialista, por volta da virada do século XIX-XX, quando o Estado nacional (não por incumbência da nação, mas sim por causa de interesses econômicos nacionais europeus) estendeu estruturas de dominação para todo o planeta (ARENDT, 2002, p. 27-28). A política externa como extensão do “impulso” político direto, de um projeto de europeizar o mundo com seus joint ventures de armadores, banqueiros e coroas, promovendo um mundo maior. 7. A política no âmbito internacional Considerando a noção de desenvolvimento corrente e majoritária, é que se adota o estilo eurocêntrico das mudanças sociais (crescimento, modernização e desenvolvimento), difundindo-o por formas e inovações às franjas ou periferias do sistema internacional, isto é, para o conjunto dos países subordinados às nações mais ricas. Muitas vezes, o desenvolvimento é um fim em si mesmo. 7. A política no âmbito internacional 7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização O colonialismo e o imperialismo são os principais instrumentos dessa difusão das experiências europeias e, mais tarde, também estadunidense. Tratamos dos aspectos mais destacados da “história do mundo determinado”: generalização do desenvolvimento único de matriz europeia (esta, a determinante), com ajuda do colonialismo e do imperialismo estudados. Esquema do ciclo geopolítico-gerencial da expansão capitalista: internacionalização (vocação do capital) => mundialização (projeto) => colonialismo, imperialismo e globalização do capital (processos comerciais e bélicos de expansão e conquista de territórios e recursos). Diferenças entre os âmbitos mundial e global. 7. A política no âmbito internacional Pergunta recorrente: o que é internacional? Geopolítica: ações e comportamentos dos agentes políticos pela manutenção e/ou expansão do território por eles ocupado, para tanto lançando mão de dispositivos e estratégias (geoestratégias). Os Estados-nação, Estados territoriais modernos, constituem a base jurídica, política e econômica das relações internacionais, sejam elas profícuas ou não. E, assim, estão também na base da economia mundial, ou melhor, entre os Estados com saldos mínimos para saldarem suas dívidas. Milton Santos convida à dialética, que segue no texto em destaque. 7. A política no âmbito internacional O capitalismo tem por vocação a internacionalização e esta, perseguindo seu projeto de mundialização, desdobra-se nas redes de lugares da globalização, como afirma Milton Santos (1988). A dimensão material do desenvolvimento capitalista ampara-se nas redes de transporte, dados, informações (e seu gerenciamento, a logística), cujas marcas principais são a concentração e a expressão territorial. Para entender tanto a gênese quanto a consolidação das formas capitalistas, é preciso considerar em nosso raciocínio uma série de instrumentos eficazes à propagação do sistema, a exemplo da restrição democrática à propriedade, em geral, e da terra em particular; isso, em razão da necessidade de liberar o trabalho de seus afazeres particulares para o assalariamento. 7. A política no âmbito internacional A partir de nossa discussão sobre o plano supranacional, assinale a alternativa correta: a) A globalização é fato inédito na história. b) Internacionalização é idêntica à globalização. c) Mundialização é a realização efetiva da internacionalização do capitalismo. d) As redes técnicas globais são ineficientes à expansão do capital. e) O capitalismo globalizado coincide com o segundo pós-guerra (século XX). Interatividade A partir de nossa discussão sobre o plano supranacional, assinale a alternativa correta: a) A globalização é fato inédito na história. b) Internacionalização é idêntica à globalização. c) Mundialização é a realização efetiva da internacionalização do capitalismo. d) As redes técnicas globais são ineficientes à expansão do capital. e) O capitalismo globalizado coincide com o segundo pós-guerra (século XX). Resposta 7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder por interesses, “espaço interestatal” As novas geopolíticas, não por coincidência surgidas na “era da globalização” e enfraquecimento (relativo) dos Estados nacionais, normalmente não são feitas “para o Estado” e tampouco o veem como o único ator na política mundial. Novos atores ou sujeitos são levados em consideração, desde as civilizações ou grandes culturas até as ONGs, passando pelas empresas multi ou transnacionais, pelas organizações internacionais (ONU, OMC, FMI etc.) e pelos “blocos” ou mercados regionais (União Europeia, Nafta, Mercosul etc.) (VESENTINI, 2012:12). E novos campos de luta pelo pluralismo são agora vistos como importantes para a compreensão das relações de poder no espaço mundial (VESENTINI, 2012:12). 7. A política no âmbito internacional Não deve escapar à vista que os blocos regionais mais representativos de hoje (mapa seguinte), os blocos econômicos, já haviam sido alvo de atenção do grande estrategista Haushofer, que tinha por missão reconhecer estabelecer as racionalidades geográficas e políticas continentais (recursos, perfis e alcances de governos e estados). Encontramos tais considerações em Vesentini (2012:22). Os arranjos entre Estados nacionais e corporações foram feitos, de modo a criar reservas de mercado e concentração de poder; são os blocos políticos e econômicos. Sua configuração, como podemos ver no mapa seguinte. 7. A política no âmbito internacional 7. A política no âmbito internacional Vesentini aponta os megablocos ou mercados regionais como sendo evocações, as “mais populares, a respeito da disputa pelo poder no mundo pós- guerra fria é a dos megablocos ou ‘blocos regionais’” (2012:36). A noção de fundo é a das transformações dos Estados nacionais, principalmente no que concerne à sua relativização política no cenário global: Essa interpretação consiste basicamente na ideia de que são os megablocos, e não mais os Estados nacionais, que dominam o cenário mundial ou as relações de poder no espaço planetário. Normalmente se divide o mundo em três “blocos regionais” preponderantes: o americano (liderado pelos Estados Unidos), o europeu, que incluiria a África (comandado pela Alemanha) e o asiático ou “oriental”, que incluiria a Oceania (capitaneado pelo Japão e/ou pela China) (VESENTINI, 2012:36-7). Também se especula a respeito de um “bloco” liderado pela Rússia (Comunidade dos Estados Independentes) e de um potencial ou hipotético “bloco islâmico” (2012:36-7). Fim da bipolaridade e retorno da multipolaridade(VESENTINI, 2012:37). 7. A política no âmbito internacional Vesentini explica que tal “interpretação” está baseada no “sucesso da integração europeia”, com reprodução parcial em várias regiões, como Nafta, Mercosul, Apec e as tentativas de se criar a Alca etc. Apesar de termos fatos novos que atenuam (ou mudam, pelo menos) o ritmo da integração da União Europeia – e o maior deles é o BREXIT – é preciso reconhecer a importância política e econômica dessas entidades. Importância nem sempre medida em termos de produto financeiro das transações. E não apenas pela saída dos britânicos a importância política ou geopolítica é sempre duvidosa, nem sempre parceiros comerciais fecham questão em frentes diplomáticas nas relações nacionais e internacionais; o que seria fundamental para se tornarem agentes ou sujeitos coletivos de ações políticas, de fato, em bloco (2012:38-9). 7. A política no âmbito internacional E continua Vesentini: os avanços no processo de globalização relativizam esses mercados pretensamente fechados. Existe, sem dúvida, uma globalização com regionalização (que lhe é complementar e não oposta), ou seja, a expansão da interdependência econômica não se dá por igual em todas as partes do globo, e sim por degraus ou etapas, primeiramente – e de forma mais acelerada – entre associados em algum mercado regional, em especial se forem economias desenvolvidas. Esses mercados regionais são na realidade a forma pela qual a globalização avança e não uma nova divisão do mundo ou um fechamento dos continentes em “blocos” alternativos (2012:38-9). 7. A política no âmbito internacional No que diz respeito ao que vimos sobre os blocos econômicos, assinale a alternativa correta: a) Os blocos que nos interessam nesta disciplina são exclusivamente políticos. b) Os blocos econômicos são resultado de esforços no sentido de se tornarem sujeitos políticos plenos. c) Em ciência política, o foco no estudo da formação de blocos regionais como uniões aduaneiras é o de aliança bélica. d) Os blocos são novidade absoluta no cenário histórico. e) Os blocos políticos e econômicos podem ser formados por regiões contíguas ou não. Interatividade No que diz respeito ao que vimos sobre os blocos econômicos, assinale a alternativa correta: a) Os blocos que nos interessam nesta disciplina são exclusivamente políticos. b) Os blocos econômicos são resultado de esforços no sentido de se tornarem sujeitos políticos plenos. c) Em ciência política, o foco no estudo da formação de blocos regionais como uniões aduaneiras é o de aliança bélica. d) Os blocos são novidade absoluta no cenário histórico. e) Os blocos políticos e econômicos podem ser formados por regiões contíguas ou não. Resposta 7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas A Comissão sobre Governança Global da ONU define governança como “a soma das várias maneiras de indivíduos e instituições, público e privado, administrarem seus assuntos comuns. É um processo contínuo por meio do qual conflito ou interesses diversos podem ser acomodados e a ação cooperativa tem lugar (Ronize Aline Matos de Abreu, 2001:2). No nível global, governança era vista primeiramente como sendo apenas as relações intergovernamentais, mas hoje já pode ser entendida como envolvendo organizações não governamentais, movimentos de cidadãos, corporações multinacionais e o mercado de capitais global” (Ronize Aline Matos de Abreu, 2001:2). Vícios de origem... Casos, como o da Enron... 7. A política no âmbito internacional Também é geral a abordagem sobre as atribuições dos agentes estatais e não estatais nas relações internacionais sob a globalização do capital: O fenômeno da globalização, entendido como um processo não exclusivamente econômico, mas também que envolve aspectos sociais, culturais, políticos e pessoais; recolocou, de maneira dramática, as relações entre sociedade e Estado. Trouxe como consequência uma mudança no papel do Estado nacional (não sua extinção, mas certamente uma reconfiguração) e suas relações no cenário internacional. Impulsionou, portanto, a discussão sobre os novos meios e padrões, de articulação entre indivíduos, organizações, empresas e o próprio Estado, deixando clara a importância da governança em todos os níveis (GONÇALVES, 2012:4). 7. A política no âmbito internacional Ngaire Woods (apud ABREU, 2001, p. 6-7) apresenta três princípios fundamentais à boa governança de organizações internacionais, seguindo os princípios: Da participação (a participação nos processos daria às pessoas o senso de propriedade ou autoria de um projeto...). Da responsabilidade (clareza sobre para quem ou em prol de que a instituição está tomando e implementado decisões, prestando contas ou respondendo; accountability). Da justiça, que tem dois aspectos: procedimental e substantivo, sendo a justiça procedimental uma noção legalista, enquanto a justiça substantiva refere-se a quão equitativo são os resultados de uma instituição, a quão igualitária é a distribuição de poder, influência e recursos nas organizações. 7. A política no âmbito internacional Retomando o foco na dimensão política, temos que feita a distinção entre governabilidade e governança, fica claro que “governança não é o mesmo que governo” [...] “governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder de polícia que garante a implementação das políticas devidamente instituídas, enquanto governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, do poder de polícia contra resistências”. Vale notar ainda que a governança é um conceito suficientemente amplo para conter dentro de si a dimensão governamental; abrange instituições governamentais, mecanismos informais, de caráter não governamental, com vistas ao atendimento das demandas (GONÇALVES, 2012:5). 7. A política no âmbito internacional Damos um salto para o campo internacional, cuja dinâmica é a da globalização, caberiam algumas palavras sobre o papel do Estado na governança: A globalização, como um fenômeno multidimensional que envolve a mudança na organização da atividade humana e no deslocamento do poder de uma orientação local e nacional no sentido de padrões globais, com uma crescente interconexão na esfera global com a diminuição dos poderes soberanos nacionais, a partir da emergência de organizações supranacionais, e com a presença crescente das organizações não governamentais internacionais e empresas multinacionais, o balanço do poder e o conceito de poder político alterou-se de forma significativa. 7. A política no âmbito internacional Assim, estaríamos assistindo à mudança do governo para a governança global. “Estes processos limitaram a competência, mandato e autoridade dos Estados nacionais – o declínio do governo – enquanto outras instituições, como organizações internacionais e supranacionais, ONGIs e empresas multinacionais preencheram este vácuo de poder – a emergência da governança Global” [...] (GONÇALVES, 2012:4). 7. A política no âmbito internacional O cientista político francês Dominique Moïsi (2009), autor de “A Geopolítica das Emoções”, sentencia que “O Ocidente perde peso relativo, a Ásia renasce, os emergentes ganham novo peso. A política está em franca transformação”. É um mundo multipolar e pluricultural. Moïsi tece ao longo de seu livro os elos que lhe permitiram entrever as emoções como motivações, claras ou não, residuais ou presentes, cita casos e apresenta exemplos nos quais os sentimentos profundos, em várias escalas: como indivíduo e povos respondem diante de demandas complexas. 7. A política no âmbito internacional Os estudantes de assuntos internacionais descartavam tacitamente a importância das emoções. A política global era o campo reservado a uma casta especial de profissionais, aristocratas europeus, em sua maioria, que viam a política mundial como um jogo de xadrez. Estados e governos deveriam agir racionalmente. As emoções deviam ser mantidas a distância, pois introduziam irracionalidade adicional ao mundo, que já estava em um estado natural de desordem. Portanto, as emoções eram contidas e organizadas por acordos internacionais destinados a fornecer estrutura a um mundo ingovernável. Assim, o Tratado de Westphalia em 1648 terminou com a Guerra dos Trinta Anos e estabeleceu uma comunidade europeia que deteria paixões, como fervor religioso (MOÏSI, 2009:3-4). 7. A política no âmbito internacional Assinale a alternativa correta sobre relações internacionais e ciências políticas: a) Os blocos regionais são sempre contíguos, adjacentes. b) Governança e governabilidade são práticas idênticas. c) Blocos regionais ou territoriais são realidades ou movimentos que negam a cooperação político-econômica, voltados apenas à competição. d) Governança acontece em vários níveis e escalas, desde o local até o plano internacional, bem como em âmbitos públicos e privados, colocando-os em comunicação. e) As visões de economia internacional finalmente reconhecem o fim do Estado nacional. Interatividade Assinale a alternativa correta sobre relações internacionais e ciências políticas: a) Os blocos regionais são sempre contíguos, adjacentes. b) Governança e governabilidade são práticas idênticas. c) Blocos regionais ou territoriais são realidades ou movimentos que negam a cooperação político-econômica, voltados apenas à competição. d) Governança acontece em vários níveis e escalas, desde o local até o plano internacional, bem como em âmbitos públicos e privados, colocando-os em comunicação. e) As visões de economia internacional finalmente reconhecem o fim do Estado nacional. Resposta Para Bobbio, clássico é um autor intérprete de seu tempo. Um dos ensinamentos mais preciosos de Norberto Bobbio (1909-2004) no campo da teoria política é saber ouvir as lições dos clássicos. Essas lições permitem estudar os temas recorrentes que se colocam em relação aos grandes problemas, igualmente recorrentes, da reflexão política. O estudo desses temas, que atravessam toda a história do pensamento político, tem como função, segundo Bobbio, “individuar certas categorias que permitem fixar em conceitos gerais os fenômenos que passam a fazer parte do universo político”. A primeira função, portanto, é a de determinar os conceitos políticos fundamentais, enquanto a segunda consiste em estabelecer entre as diversas teorias políticas, de diferentes épocas, as possíveis afinidades e diferenças (Perrone Moisés, s/d). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder. O crivo da filosofia no raciocínio precedente Platão e o nascimento da reflexão sobre a política Platão não separa os problemas da política e do conhecimento, não separa a discussões sobre verdade daquelas sobre justiça – isso só ocorrerá na filosofia posteriormente. As questões remetem-se umas às outras e essa é uma das características centrais da dialética platônica. Apresentação de D. Marcondes ao texto de A. Badiou (2014). A grande conquista da humanidade é tornar-se progressivamente mais humana e, digamos assim, é o principal foco do pensamento clássico, principalmente o de Platão. No momento em que Platão escreve, a política era entrelaçada ao cultivo das virtudes, da justiça e da ética, que a tornava o caminho do bem. Em que momento nos perdemos? Em que momento nós a perdemos? 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder A boa política está sempre em questão na construção dos diálogos platônicos. Para tanto, Platão persegue seu nascimento juntamente com as grandes aglomerações e coletividades, as cidades, sal, saúde (equilibrada e harmônica) e a divisão do trabalho requerida ao seu funcionamento. Se Platão nos fala de uma política em ambiente social saudável, o que supõe boa formação de todos, tal noção de vida política somente atinge o bem comum e a justiça se for compartilhada; que é a própria ideia de diálogo, muito além de simples conversa. E assim, preparamos terreno para as contribuições aristotélicas. A primeira função, portanto, é a de determinar os conceitos políticos fundamentais, enquanto a segunda consiste em estabelecer entre as diversas teorias políticas, de diferentes épocas, as possíveis afinidades e diferenças (Perrone Moisés, s/d). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Aristóteles, as constituições e a dinâmica da Polis Aristóteles aplica o termo “política” a um assunto único – a ciência da felicidade humana – subdividido em duas partes: a primeira é a ética e a segunda é a política propriamente dita. A felicidade humana consistiria em uma certa maneira de viver, e a vida de um homem é o resultado do meio em que ele existe, das leis, dos costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele pertence. Na zoologia de Aristóteles, o homem é classificado como um “animal social por natureza” (“Política”), que desenvolve as potencialidades socialmente, organizando-se adequadamente para seu bem-estar. “A República”, Mário da Gama Kury (1985:8). Aristóteles é conhecido por ser o primeiro grande sistematizador, organizador do conhecimento, estabeleceu grandes classificações cuja influência se faz sentir até nossos dias. 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder A meta da “política” é descobrir primeiro a maneira de viver que leva à felicidade humana (estudo do caráter ou ethos) e depois a forma de governo e as instituições sociais capazes de assegurar aquela maneira de viver (estudo da constituição da cidade-estado), também objeto da “Política”. Esta, portanto, é uma sequência da “Ética”. Aliás, já na geração anterior a Aristóteles, Platão, seu mestre, havia abrangido as duas partes do assunto em um só diálogo (“A República”, Mário da Gama Kury, 1985:8). Segundo Aristóteles, a “Política” pertence ao grupo das ciências práticas, (conhecimento como um meio para a ação), em contraposição às ciências teóricas (a metafísica e a teologia, por exemplo, cujo conhecimento é um fim em si mesmo). As ciências práticas se subdividem em dois grupos: as ciências poiéticas (ou seja, produtivas) e as ciências no sentido mais estrito conhecimento como finalidade, com as artes) (Mário da Gama Kury, 1985:8-9). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Para ele, a política é ativa, está nas ações. Requer exame das práticas e de suas intenções: A “política” é a ciência da felicidade de todos; ela é prática porque estuda a felicidade (assunto da Ética), além da maneira de obtê-la (assunto da Política); é prática, pois leva à demonstração de que a felicidade não se dá como resultado de ações, mas na maneira de agir (KURY, 1985:9). Precisamos de razão e virtude! Há, então, a sabedoria prática: envolve tudo quanto o ser humano delibera e age, requer experiência e por isso não se admite sabedoria na juventude, já a sabedoria filosófica não trata da ação, mas do estudo; são complementares. Sabedorias política e prática correspondem à mesma disposição da alma, embora sejam diferentes no que diz respeito aos contextos: a política relaciona-se à ação na pólis, na cidade (que reúne e coage as pessoas a conviverem) e a prática com o indivíduo e ele mesmo (sua própria experiência). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Maquiavel, a política e o Estado moderno Maquiavel não diz em parte alguma que os súditos sejam logrados. Descreve o nascimento de uma vida em comum, que ignora as barreiras do amor-próprio. Falando aos Médici, prova-lhes que o poder não existesem apelo à liberdade. Nessa reviravolta, talvez seja o príncipe o logrado. Se Maquiavel foi republicano, foi por ter encontrado um princípio de comunhão. Colocando o conflito e a luta na origem do poder social, não quis dizer que fosse impossível o acordo; quis salientar a condição de um poder que não seja mistificante, e que e a participação numa situação em comum (Maurice Merleau-Ponty, 1991:242). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder A razão de não se compreender Maquiavel e que ele une o sentimento mais agudo da contingência ou do irracional no mundo ao gosto da consciência ou da liberdade no homem. Toma a história por suas desordens, opressões, fatos inesperados e reviravoltas, não vê nada que a predestine a uma consonância final (Maurice Merleau-Ponty, 1991:245-8). Maquiavel muda a tradição platônico-aristotélica (do dever ser), com o Estado como objeto de interesse: não o Estado imaginado, mas o Estado real (o que é), capaz de impor a ordem. Maquiavel rejeita a tradição idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás, seguindo a trilha de historiadores, como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio. Privilegia a realidade concreta: 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Ver e examinar a realidade tal como ela é e não como se gostaria que fosse. Pergunta-se: como fazer reinar a ordem, como instaurar um Estado estável? Como pode ser resolvido o inevitável ciclo de estabilidade e caos? (SADEK, 1989:17). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social Hobbes é o teórico de um sistema político no qual o poder e a autoridade são ilimitados, vivendo em meio a inúmeros conflitos e insegurança em todos os níveis; pleiteava, portanto, um ambiente com direitos consolidados por um soberano forte. Todavia, “todos possuem a mesma aptidão de aceitar o que se conforma aos termos do pacto, ou de rejeitar o que o contradiz” (CLAVAL, 1979, p. 130). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social Segundo Paul Calval são concepções que “não têm a complexidade das pirâmides de regras e o prestígio das sociedades de ordens: comportam apenas dois estágios, o da autoridade e o da massa que lhe está submissa”. E reitera: “A versão hobbesiana do contrato social prolonga, portanto, no mundo racional, a visão tradicional da hierarquia política e a liberta daquilo que vinha limitar o exercício da vontade do príncipe: ela o libera do magistério moral que a Igreja e a religião exerciam até então” (CLAVAL, 1979, p. 131). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Podemos iniciar o tópico com um punhado de questões-roteiro sobre o trabalho de Thomas Hobbes: Qual é o lugar que Hobbes ocupa na história das ideias políticas? Qual é a qualidade da guerra no estado de natureza? Quais são as condições geradoras do Estado hobbesiano? De quem é a competência da propriedade e por quê? Por que há inutilidade da propriedade privada sob o julgo do estado hobbesiano? Que tipo de problemas com a propriedade privada e com a liberdade!? De onde vem o sustento do Estado? (RIBEIRO, 1989:75). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Locke, a comunidade política e o direito à propriedade Para Locke e Montesquieu, os poderes ou a divisão dos poderes representa a pedra de toque para a discussão do modo como determinada nação se governará. Locke, ao propor o liberalismo democrático e representativo, fundamenta-o sobre a educação, signo da mudança, e o trabalho, que a viabiliza, juntamente com a propriedade. Se para Hobbes a propriedade é danosa e fonte de insegurança, para Locke é anterior ao contrato, portadora das possibilidades individuais de progresso social do indivíduo. O poder partiria dos cidadãos, remontaria até o soberano, para descer de novo até eles: o príncipe não está mais acima de tudo, ele é a emanação do conjunto, pensa por ele, age por ele e leva em conta seus problemas, suas dificuldades e as soluciona quando a iniciativa individual não o pode fazer (CLAVAL, 1979, p. 133). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Individualismo possessivo e propriedade privada: garantias de lucro pessoal e liberalismo “Mello” (1989). Sua vida e o contexto de John Locke o levam a posturas baseadas na liberdade, aliás, seu nome está ligado ao próprio liberalismo político e seus desdobramentos econômicos. Diferente de Hobbes, associado ao ideário liberal, cuja coerência expressa-se em sua atuação multidisciplinar: política, educação, filosofia, matemática, medicina... Em todas as frentes o nexo era a liberdade de atuação... A noção de tábula rasa do conhecimento humano é quase um discurso/uma justificativa da socialização, de que estamos em permanente processo de elaboração e [progresso], pois as formas são sociais inspiradas nos direitos naturais; crítica à doutrina das ideias inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes. 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Montesquieu e a distribuição social dos poderes J. A. Guilhon Albuquerque (apud Weffort) inicia sua minibiografia mencionando os aspectos paradoxais de Montesquieu, cujos vínculos com a monarquia são determinantes de seu contexto de criação, invenção e descobertas (1989:113). É preciso salientar que mesmo sendo de origem aristocrática, Montesquieu não é ideólogo da nobreza, o que faz é aproveitar suas vivências e experiências nas estruturas nobiliárquicas e aplicar ao desenvolvimento das relações políticas: os poderes centralizados da monarquia são, na sua obra, desmembrados para moderá-lo, amparando sua reflexão na constatação pragmática do êxito das monarquias ou Estados monárquicos, muitos deles com centenas de anos. 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Montesquieu é tomado como precursor em várias frentes do pensamento moderno: pai da sociologia; inspirador do determinismo; estruturador dos três Poderes do Estado de direito. Seu legado mais referido é o de ser precursor das ideias de regimes políticos, da conceituação de leis (regularidades e fundamentos do “estado de sociedade” x contratualistas), propondo governos em mútuo controle. Propõe a moderação do poder governamental. A perspectiva montesquiana (de Montesquieu) é considerada por J. A. Guilhon Albuquerque (1989:113-4) em condições de ser mais realista do que aquela da burguesia, imbuída da missão de sujeito histórico da mudança; tendo, portanto, a sua análise muito comprometida com seu próprio projeto. 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Rousseau e as bases do Estado democrático Rousseau modifica o mito do contrato social ao introduzir a ideia da perversidade engendrada pela sociedade. Destaca a necessidade de um novo contrato para um mundo melhor. Será o fruto de uma ação coletiva ou de um movimento de entusiasmo? Inocência? A Revolução Francesa inaugura uma série de revoluções que levam aos estados totalitários que Hegel justifica pela ideia de um mundo em construção. A violência até encontra justificativa na grandeza do trabalho a ser feito. Jean Jaques Rousseau propõe uma forma de ver, pensar e fazer, inovadora, em seu tempo, isto é, sua concepção de vida social, do plano teórico, das ideias (as abstrações que são materializadas socialmente), bem como de intervir; intervenções necessárias ao desenvolvimento do potencial humano no âmbito social. 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Seu trabalho torna-se público, o que ocorre com a premiação da Academia de Dijon, que propôs como tema: “O restabelecimento das ciênciase das artes teria contribuído para aprimorar os costumes?” Rousseau indica que não em seu texto, marcando posição distinta em sua época. Desse modo, vai além da dúvida no que diz respeito ao conhecimento científico, chegando quase ao ceticismo. “Se nossas ciências são inúteis no objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem” (Discurso sobre a origem e a desigualdade dos homens). Antes pois de defender o processo de difusão das luzes” (NASCIMENTO, 1989:189). Pergunta-se sobre que tipo de saber direciona a vida dos seres humanos. Acusa a banalização da produção intelectual. Reconhece certo papel às artes e às ciências, embora participem da corrupção (NASCIMENTO, 1989:190). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Rousseau acredita que ciência e arte devem cumprir papéis emblemáticos, exemplificadores da virtude, não mais prescritivos. Os temas mais candentes da filosofia política clássica, tais como a passagem do estado de natureza ao estado civil, o contrato social, a liberdade civil, o exercício da soberania, a distinção entre o governo e o soberano, o problema da escravidão, o surgimento da propriedade, serão tratados por Rousseau de maneira exaustiva; de um lado, retomando as reflexões dos autores da tradicional escola do direito natural, como Grotius, Pufendorf e Hobbes e, de outro, não poupando críticas pontuais a nenhum deles, o que o colocará, no século XVIII, em lugar de destaque entre os que inovaram a forma de se pensar a política, principalmente ao propor o exercício da soberania pelo povo, como condição primeira para a sua libertação (NASCIMENTO, 1989:194). 8. O pensamento clássico sobre a política e as organizações do poder Assinale a alternativa correta quanto aos clássicos da política. a) Rousseau é a favor de um estado forte, o Leviatã. b) Montesquieu adapta seus conhecimentos sobre o Estado monárquico ao propor a divisão de poderes, moderando o centralismo. c) Platão e Aristóteles têm pensamento político idêntico. d) Locke é contra a propriedade privada, posto que não encontre meios de minimizar os problemas dela advindos. e) Hobbes insiste nas vantagens da liberdade plena, posto que essa corrobore a vida democrática. Interatividade Assinale a alternativa correta quanto aos clássicos da política. a) Rousseau é a favor de um estado forte, o Leviatã. b) Montesquieu adapta seus conhecimentos sobre o Estado monárquico ao propor a divisão de poderes, moderando o centralismo. c) Platão e Aristóteles têm pensamento político idêntico. d) Locke é contra a propriedade privada, posto que não encontre meios de minimizar os problemas dela advindos. e) Hobbes insiste nas vantagens da liberdade plena, posto que essa corrobore a vida democrática. Resposta ATÉ A PRÓXIMA!
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