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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 1 Fisiologia da dor SP 1.1 - TÁ QUENTE.. . 1) DESCREVER OS RECEPTORES SENSITIVOS ENVOLVIDOS NA DOR; O termo receptor sensorial refere-se à estrutura neuronal ou epitelial capaz de transformar estímulos físicos ou químicos em atividade bioelétrica (transdução de sinais) para ser interpretada no sistema nervoso central. Pode ser um terminal axônico ou células epiteliais modificadas conectadas aos neurônios, como as células ciliadas da cóclea. Classificam-se os receptores usando como critério os estímulos mais adequados para ativá-los. Ex.: os nociceptores (do latim nocere = prejudicar) são receptores ativados por diversos estímulos mecânicos, térmicos ou químicos, mas em intensidade suficiente para causar lesões de tecidos e dor. Existem nociceptores dispersos nas camadas superficiais da pele, bem como em certos tecidos internos, como o periósteo, as paredes das artérias, as superfícies articulares e a foice e o tentório da abóbada craniana. Nociceptores: são terminações nervosas livres, não mielinizadas, que sinalizam que o tecido corporal está sendo lesado ou em risco de lesão. Sua via para o encéfalo é distinta da via dos mecanorreceptores, e sua ativação seletiva leva à experiência consciente de dor. Podem ser ativados por estimulação mecânica intensa, temperaturas extremas, falta de oxigênio e exposição a produtos químicos. O lactato liberado no metabolismo anaeróbico pode levar à dor muscular; picadas de insetos estimulam mastócitos que liberam histamina que ativa os nociceptores. A dor pode ser desencadeada por diversos tipos de estímulos que são classificados como estímulos dolorosos mecânicos, térmicos e químicos. Em geral, a dor rápida é desencadeada por tipos de estímulos mecânicos e térmicos, enquanto a dor crônica pode ser desencadeada pelos três tipos de estímulo. Algumas das substâncias que excitam o tipo químico de dor são: bradicinina, serotonina, histamina, íons potássio, ácidos, acetilcolina e enzimas proteolíticas. Além disso, as prostaglandinas e a substância P aumentam a sensibilidade das terminações nervosas, mas não excitam diretamente essas terminações. As substâncias químicas são, de modo especial, importantes para a estimulação do tipo de dor lenta e persistente que ocorre após lesão tecidual. A bradicinina é uma substância que parece induzir a dor de modo mais acentuado do que as outras substâncias. Os pesquisadores sugeriram que a bradicinina poderia ser a principal responsável pela indução da dor após dano tecidual. Além disso, a intensidade da dor se relaciona ao aumento local da concentração do íon potássio ou à elevação da concentração de enzimas proteolíticas, que atacam diretamente as terminações nervosas e estimulam a dor por fazer as membranas nervosas mais permeáveis aos íons. Os nociceptores são divididos funcionalmente em duas classes: receptores nociceptivos específicos e receptores polimodais. Os nociceptores específicos podem responder a estímulos térmicos ou mecânicos. Aqueles que respondem a estímulos térmicos são sensíveis a temperaturas extremas (>45°C ou <5°C), enquanto os mecânicos respondem à pressão intensa. As fibras nervosas que originam esses terminais são fibras Aδ, de pequeno calibre e finamente mielinizadas, com velocidade de condução nervosa de 5 a 30 m/s. Os nociceptores polimodais, no entanto, não são seletivos a um único tipo de estímulo e respondem a estímulos tanto mecânicos quanto químicos ou térmicos de intensidade nociva. Essa classe de nociceptores corresponde às terminações livres de fibras do tipo C, ou seja, de pequeno diâmetro, não mielinizadas e, por isso, mais lentas (<1 m/s). De qualquer forma, toda informação nociceptiva é conduzida por fibras relativamente lentas, se comparadas às fibras que conduzem informações proprioceptivas; porém, se comparadas entre si, pode- se dizer que existem fibras de condução de dor rápida (Aδ) e lenta (C). As fibras de condução rápida têm um campo receptivo menor, o que confere melhor localização espacial do estímulo. De modo geral, as fibras Aδ estão envolvidas com a informação inicial, breve e localizada, enquanto as fibras Cestão envolvidas com uma experiência nociceptiva difusa, retardada e prolongada. Outra classe de receptores costuma ser tratada à parte: os nociceptores silentes, presentes em vísceras e geralmente inativos. Contudo, em casos de inflamação, distensão da cápsula ou lesões químicas, o limiar de disparo desses receptores é reduzido. A maioria dos nociceptores é polimodal, ou seja, respondem a mais de um tipo de estímulo, mas existem aqueles que são unimodais - mecânicos, térmicos ou químicos. Estão presentes na maioria dos tecidos corporais, incluindo ossos, órgãos internos, vasos, coração. No encéfalo, estão ausentes, sendo encontrados somente nas meninges. Os nociceptores podem ficar mais sensíveis e causar hiperalgia em razão da liberação de substâncias que modulam sua excitabilidade, como a bradicinina, histamina, prostaglandinas e a substância P. A substância P é produzida pelos nociceptores e causa sensibilização dos mesmos ao redor da lesão. As informações são levadas à medula por fibras A delta ou C e estabelecem sinapses com neurônios da região da coluna posterior. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 2 Os nociceptores das vísceras entram na medula pelo mesmo caminho dos exteroceptores, e as duas formas de informação se misturam, dando origem ao fenômeno de dor referida, na qual a ativação de um nociceptor visceral dá origem a uma sensação cutânea. O exemplo mais comum é o do infarto do miocárdio, em que o nociceptor está no coração, mas a dor é localizada na parede torácica superior ou no braço esquerdo. Natureza não adaptativa dos receptores para dor. Ao contrário da maioria dos outros receptores do corpo, os receptores para dor se adaptam muito pouco e algumas vezes não se adaptam. De fato, em certas circunstâncias, a excitação das fibras dolorosas fica progressivamente maior, à medida que o estímulo persiste, em especial para a dor lenta persistente nauseante. Esse aumento da sensibilidade dos receptores para dor é chamado hiperalgesia. Pode-se compreender prontamente a importância dessa ausência de adaptação dos receptores para dor, pois isso possibilita que a pessoa fique ciente da presença de estímulo lesivo, enquanto a dor persistir. 2) ESTUDAR AS VIAS DA DOR; A anatomia da via da dor é constituída basicamente por fibras aferentes do tipo Aδ e C, pouco mielinizadas. Contudo, em uma escala decrescente das fibras tipo A consideradas espessas por abundância de axoplasma, esta é considerada a de calibre menor e, portanto, com velocidade mais rápida na condução do estímulo nervoso da dor, classificada como aguda. Outra fibra aferente classificada como condutora do estímulo da dor, agora, crônica, é a do tipo C, amielínica, com axoplasma quase inexistente, apresentando-se com estímulo nervoso doloroso de velocidade mais lenta. Ambas apresentam, em suas extremidades periféricas, receptores do tipo terminações nervosas livres, que captam da pele e das vísceras os estímulos nocivos térmicos, químicos e mecânicos, em uma tentativa de informar ao córtex sensitivo (área 3, 2, 1 de Brodman) a agressão acometida, para que se obtenha uma resposta compatível ao fato. Ao serem estimuladas, percorrem um trajeto com início nas terminações nervosas livres. Passam pelos gânglios espinais, adentram a medula espinal, ascendem ao tronco encefálico, à formação reticular, ao tálamo, às áreas límbicas e, finalmente, ao córtex sensitivo do cérebro. Os estímulos dolorosos transitam por duas vias distintas específicas para cada tipo de dor. A dor aguda utiliza a via espinotalâmica lateral e a crônica, a via espinorreticulotalâmica. Cadauma obedece a um trajeto, a localização no sistema nervoso central (SNC) e o número de fibras envolvidas, o que determina o tipo de dor. → Trato Espinotalâmico Lateral Embriologicamente, é a mais recente via neoespinotalâmica. Iniciada por estímulos mecânicos ou térmicos, utiliza-se de axônios com velocidade de condução mais rápida, as fibras Aδ (12 a 30 m/s). E a via que produz a sensação da dor aguda, em pontada, lacerante e bem localizada. Seu impulso é transmitido da periferia do SNC ao córtex cerebral, através de três neurônios. Neurônio I: Do tipo pseudounipolar, cordonal (longo), seu prolongamento periférico segue das terminações nervosas livres aos nervos espinais, em suas raízes dorsais, chegando aos gânglios espinhais. Seu prolongamento central ganha a medula pela divisão lateral da raiz dorsal no sulco lateral posterior. Ganha a coluna posterior da medula, onde faz sinapse com o neurônio II. Neurônio II: Na coluna posterior da medula, ocupa a lâmina 1 de Rexed. Seu axônio cruza o plano mediano na comissura branca da medula, ganhando o funículo lateral oposto. Uma vez no funículo lateral, ascende como trato espinotalâmico lateral. Ao nível da ponte, esse trato une-se ao trato espinotalâmico anterior (pressão) e passa a ser denominado lemnisco espinal. Ascende ao tálamo no núcleo ventral posterolateral (VPL), onde fará sinapse com o neurônio III. Neurônio III: No tálamo, no núcleo posterolateral, essa dor torna-se consciente; forma as radiações talâmicas, ganha a cápsula interna (perna anterior) e a coroa radiada. Chega ao córtex sensitivo do cérebro, no giro pós-central, área 3, 2, 1 de Brodmam. A partir desse giro, aparecem as representações somatotópicas, representações em diferentes partes do corpo, capazes de identificar a área cortical comprometida. As fibras dolorosas Aδ do tipo rápido transmitem principalmente as dores mecânica e térmica agudas. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 3 Elas terminam, em sua maioria, na lâmina I (lâmina marginal) dos cornos dorsais e excitam os neurônios de segunda ordem do trato neoespinotalâmico. Esses neurônios de segunda ordem dão origem às fibras longas que cruzam imediatamente para o lado oposto da medula espinal pela comissura anterior e depois ascendem para o encéfalo nas colunas anterolaterais. Algumas fibras do trato neoespinotalâmico terminam nas áreas reticulares do tronco cerebral, mas a maioria segue até o tálamo sem interrupção, terminando no complexo ventrobasal com o trato da coluna dorsal– lemnisco medial para sensações táteis. Algumas fibras terminam também no grupo nuclear posterior do tálamo. Dessas áreas talâmicas, os sinais são transmitidos para outras áreas basais do encéfalo, bem como para o córtex somatossensorial. A dor pontual rápida pode ser localizada com muito mais precisão nas diferentes partes do corpo do que a dor crônica lenta. Entretanto, quando somente são estimulados os receptores para dor, sem a estimulação simultânea dos receptores táteis, mesmo a dor rápida pode ser mal localizada, em geral, dentro de 10 centímetros da área estimulada. Quando os receptores táteis que excitam o sistema da coluna dorsal–lemnisco medial são estimulados simultaneamente, a localização pode ser quase exata. Acredita-se que o glutamato seja a substância neurotransmissora secretada nas terminações nervosas para a dor do tipo Aδ da medula espinal. O glutamato é um dos transmissores excitatórios mais amplamente utilizados no sistema nervoso central, em geral com duração de ação de apenas alguns milissegundos. Via neoespinotalâmica - Trata-se da via "clássica" de dor e temperatura, constituída basicamente pelo trato espinotalâmico lateral, envolvendo uma cadeia de três neurônios. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais situados nas raízes dorsais. O prolongamento periférico de cada um destes neurônios liga-se aos receptores através dos nervos espinhais. O prolongamento central penetra na medula e termina na coluna posterior, onde faz sinapse com os neurônios II. b) Neurônios II - os axônios do neurônio II cruzam o plano mediano pela comissura branca, ganham o funículo lateral do lado oposto, inflectem-se cranialmente para constituir o trato espinotalâmico lateral. Ao nível da ponte, as fibras desse trato se unem com as do espinotalâmico anterior para constituir o lemnisco espinhal, que termina no tálamo fazendo sinapse com os neurônios III. c) Neurônios III - localizam-se no tálamo, no núcleo ventral posterolateral. Seus axônios formam radiações talâmicas que, pela cápsula interna e coroa radiada chegam à área somestésica do córtex cerebral situada no giro pós-central (áreas 3, 2 e 1 de Brodmann). Através dessa via, chegam ao córtex cerebral impulsos originados em receptores térmicos e dolorosos situados no tronco e nos membros do lado oposto. Há evidência de que a via neoespinotalâmica é responsável apenas pela sensação de dor aguda e bem localizada na superfície do corpo, correspondendo à chamada dor em pontada. → Trato Espinorreticulotalamico Embriologicamente, é a mais antiga via paleoespinotalâmica. Inicia-se por fatores químicos (produzidos pela própria lesão) e utiliza axônios de diâmetro reduzido e velocidade de condução lenta (0,5 a 2 m/s) às fibras C. Esta via produz dor crônica, mal localizada, difusa, contínua em queimação. Conduz o estímulo da periferia do SNC até o córtex cerebral, através de vários neurônios (no mínimo 4, podendo chegar a 16). Neurônio I: Inicia-se da mesma forma que o neurônio 1 da via espinotalâmica lateral e é um neurônio pseudo unipolar, cordonal (longo). Seu prolongamento periférico segue das terminações nervosas livres até o corpo celular nos gânglios espinais, onde ganha o prolongamento central, que adentra a medula espinal em sua coluna posterior. Ganha a coluna posterior da medula, onde faz sinapse com o neurônio II. Neurônio II: Ocupa a lâmina V de Rexed e cruza o lado oposto pela comissura branca ou não cruza. Seus axônios dirigem-se ao funículo lateral do mesmo lado ou do lado oposto e ascendem para constituir o trato espinorreticular. Na medula, junta-se ao trato espinotalâmico lateral. Vai à formação reticular de todo o tronco encefálico, onde faz sinapse com os neurônios III, IV e V em vários níveis da formação reticular. Neurônios III, IV, V, VI, (...): Na formação reticular, dão origem às fibras reticulotalâmicas, as quais terminam nos núcleos intralaminares do tálamo (lâmina medular interna do tálamo), neurônio VI, com grande campo receptivo. Os neurônios fazem sinapse a partir dessa área do tálamo, com neurônios que se dirigem para áreas límbicas e núcleos da base, neurônios VII, VIII, etc. Neste nível, o estímulo doloroso ganha respostas Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 4 automáticas e emocionais a estímulos nocivos, por entrar em contato com estruturas que fazem parte do sistema límbico (circuito de Papez). Projetam-se a amplas áreas do córtex cerebral sensorial, neurônio IX, podendo chegar até XII. A via paleoespinotalâmica é um sistema muito mais antigo e transmite dor sobretudo por fibras periféricas crônicas lentas do tipo C, apesar de transmitir alguns sinais das fibras do tipo Ad também. Nessa via, as fibras periféricas terminam na medula espinal quase inteiramente nas lâminas II e III dos cornos dorsais, que, em conjunto, são referidas como substância gelatinosa pelas fibras da raiz dorsal do tipo C mais laterais. Em seguida, a maior parte dos sinais passa por um ou mais neurônios de fibra curta, dentro dos cornos dorsais propriamente ditos, antes de entrar principalmente na lâmina V, também no corno dorsal. Aí, os últimos neurônios da série dão origem a axônios longos que se unem, em sua maioria, às fibras da via de dor rápida, passando primeiro pela comissura anterior para o lado oposto da medula e depois para cima, emdireção do encéfalo, pela via anterolateral. Pesquisas sugerem que os terminais de fibras para dor do tipo C que entram na medula espinal liberam tanto o neurotransmissor glutamato quanto a substância P. O glutamato atua instantaneamente e persiste apenas por alguns milissegundos. A substância P é liberada muito mais lentamente, com sua concentração aumentando em período de segundos ou mesmo minutos. De fato, foi sugerido que a sensação “dupla” de dor, sentida após agulhada, resulte parcialmente do fato do neurotransmissor glutamato gerar sensação de dor rápida, enquanto o neurotransmissor substância P gera sensação mais duradoura. A despeito de detalhes ainda não conhecidos, parece claro que o glutamato é o neurotransmissor mais envolvido na transmissão da dor rápida para o sistema nervoso central, e a substância P está relacionada à dor crônica lenta. A via paleoespinotalâmica crônica lenta termina, de modo difuso, no tronco cerebral, na grande área sombreada mostrada na figura. Somente entre um décimo e um quarto das fibras ascende até o tálamo. A maioria das fibras termina em uma entre três áreas: (1) nos núcleos reticulares do bulbo, da ponte e do mesencéfalo; (2) na área tectal do mesencéfalo profundamente até os colículos superior e inferior; ou (3) na região cinzenta periaquedutal, que circunda o aqueduto de Sylvius. Essas regiões basais do encéfalo parecem ser importantes para o tipo de sofrimento da dor, pois animais cujos cérebros foram seccionados acima do mesencéfalo, para bloquear os sinais de dor que chegam ao cérebro, ainda demonstram evidências inegáveis de sofrimento quando qualquer parte do corpo é traumatizada. De áreas do tronco cerebral, vários neurônios de fibras curtas transmitem sinais ascendentes da dor pelos núcleos intralaminar e ventrolateral do tálamo e em direção de certas regiões do hipotálamo e outras regiões basais do encéfalo. A localização da dor transmitida pela via paleoespinotalâmica é imprecisa. Por exemplo, a dor crônica lenta em geral só pode ser localizada em uma parte principal do corpo, como no braço ou na perna, mas não em ponto específico do braço ou da perna. Isso se deve à conectividade multissináptica difusa dessa via. Esse fenômeno explica porque os pacientes, em geral, têm sérias dificuldades em localizar a fonte de alguns tipos de dor crônica. Via paleoespinotalâmica - É constituída de uma cadeia de neurônios em número maior que os da via neoespinotalâmica. a) Neurônios I - localizam-se nos gânglios espinhais, e seus axônios penetram na medula do mesmo modo que os das vias de dor e temperatura, estudadas anteriormente. b) Neurônios II - situam-se na coluna posterior. Seus axônios dirigem-se ao funículo lateral do mesmo lado e do lado oposto, inflectem-se cranialmente para constituir o trato espino-reticular. Este sobe na medula junto ao trato espinotalâmico lateral e termina fazendo sinapse com os neurônios III em vários níveis da formação reticular. Muitas dessas fibras não são cruzadas. c) Neurônios III - localizam-se na formação reticular e dão origem às fibras retículotalâmicas que terminam nos núcleos do grupo medial do tálamo, em especial nos núcleos intralaminares (neurônios IV). Os núcleos intralaminares projetam-se para territórios muito amplos do córtex cerebral. É provável, entretanto, que essas projeções estejam mais relacionadas com a ativação cortical do que com a sensação de dor, uma vez que esta se torna consciente já em nível talâmico. Sabe-se que alguns neurônios III da via paleoespinotalâmica, situados na formação reticular, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 5 projetam também para a amígdala, o que parece contribuir para o componente afetivo da dor. Ao contrário da via neoespinotalâmica, a via paleoespinotalâmica não tem organização somatotópica. Assim, ela é responsável por um tipo de dor pouco localizada, dor profunda do tipo crônico, correspondendo à chamada dor em queimação, ao contrário da via neoespinotalâmica, que veicula dores localizadas do tipo dor em pontada. → Via da Dor Visceral Inicia-se nos víscera-receptores, terminações nervosas livres localizadas na parede das vísceras. São fibras viscerais aferentes, originadas dos nervos esplâncnicos. Utilizam-se dos gânglios simpáticos para chegar ao SNC. Ganham os nervos espinais pelo ramo comunicante branco e passam ao gânglio sensitivo, onde estão os neurônios I. Seguem o trajeto das fibras sensitivas da dor, isto é, trato espinotalâmico lateral e espinorreticulotalâmico. → Projeções ascendentes O tráfego da informação dolorosa é funcionalmente mediado de duas formas: dor rápida e dor lenta. Como já descrito, a dor rápida é inicialmente conduzida por fibras Aô, mais velozes e com melhor capacidade de localização espacial que as fibras do tipo C. A dor rápida é deflagrada durante a presença do estímulo nocivo, enquanto a dor lenta continua mesmo que o estímulo nocivo cesse. A velocidade de processamento da dor rápida também é decorrente do reduzido número de neurônios e sinapses até o córtex sensorial. O campo receptivo, a velocidade de condução e os alvos medulares e supramedulares corroboram no sentido de que o substrato anatômico que conduz a dor rápida está organizado de modo a preservar a sensibilidade discriminatória da dor. Os componentes anatômicos que conduzem a dor lenta constituem substrato para dimensão afetiva da dor. A informação dolorosa é conduzida da medula para as estruturas suprassegmentares pelo neurônio de segunda ordem através de cinco vias ascendentes: trato espinotalâmico, trato espinorreticular, trato espinomesencefálico, trato espino-hipotalâmico e, finalmente, trato cervicotalâmico. O trato espinotalâmico é considerado o maior feixe neuronal nociceptivo. Muitos anatomistas consideram-no como sendo constituído de dois tratos: neoespinotalâmico e paleoespinotalâmico. O trato neoespinotalâmico é formado por axônios de neurônios nociceptivos específicos. Essas fibras cruzam para o lado oposto e ascendem na substância branca anterolateral, terminando principalmente no núcleo lateral posteroventral (VPL) do tálamo. Neurônios de terceira ordem ou terceiro neurônio deixam o VPL e projetam- se para os córtex somestésicos primário (Sl) e secundário (S2). As fibras desse trato são as principais responsáveis pela condução da dor rápida. Assim, ele parece ser o trato de maior relevância funcional na conscientização da dor. No tálamo, ocorre a percepção inicial da informação dolorosa, porém essa percepção é vaga e imprecisa, e, somente quando a informação chega ao córtex cerebral, ela pode ser definida quanto à localização precisa, à discriminação do tipo de sensação (agulhada, queimação, pressão, etc.) e à intensidade. Ao longo do trato paleoespinotalâmico, trafegam informações de dor lenta. Axônios de neurônios dinâmicos de amplo espectro cruzam para o lado oposto e em sua maioria) e também ascendem pela substância branca anterolateral, terminando principalmente nos núcleos da linha média e intralaminares do tálamo. Esses núcleos talâmicos têm grande campo receptivo e seus axônios projetam-se para diversas áreas do córtex cerebral envolvidas com emoção, integração sensorial, personalidade e movimento. As fibras constituintes do trato espinorreticular são provenientes das lâminas VII e VIII, ascendem, em especial, contralateralmente e terminam nos núcleos medianos da formação reticular (FR) do tronco encefálico. Esse trato parece influenciar o sistema de ativação reticular ascendente (SARA), com projeções difusas para diversas áreas cerebrais criando um estado fisiológico e psicológico de alerta no indivíduo. Projeções ascendentes da FR alcançam, inclusive, núcleos da linha média e intralaminares do tálamo. Esse trato parece influenciar tanto reações afetivo- motivacionais quanto reflexos neurológicos defensivos e adaptativos, sejameles somáticos ou vegetativos. O trato espinomesencefálico tem origem nas lâminas I e V do corno posterior e projeta-se para o calículo superior e a substância cinzenta periaquedutal. O calículo superior está envolvido no direcionamento dos olhos e da cabeça para o estímulo nocivo, e a substância cinzenta periaquedutal participa de mecanismos de controle da dor. O trato espinoparabraquial, parte integrante dessa via, alcança os núcleos parabraquiais, os quais se projetam para a amígdala, núcleo central do sistema límbico, contribuindo para o aspecto afetivo da dor. Do ponto de vista clínico, a projeção de parte dos neurônios dessa via pelo quadrante anterolateral explica por que a dor persiste ou reaparece após procedimentos Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 6 cirúrgicos (utilizados no passado ou em casos extremos), como a cordotomia anterolateral. Além das três principais vias de ascensão da informação dolorosa descritas, o trato espino- hipotalâmico é formado por axônios de neurônios das lâminas I, IV e VIII. Ele se projeta diretamente para centros hipotalâmicos de controle vegetativo que ativam respostas neuroendócrinas e cardiovasculares. O trato cervicotalâmico origina-se de neurônios localizados no núcleo cervical lateral. Essas fibras cruzam a linha média, ascendem pelo lemnisco medial e alcançam núcleos mesencefálicos e talâmicos (ventroposterior lateral e posteromedial). Ainda como parte desse sistema, axônios que conduzem informação dolorosa originária das lâminas III e N projetam-se através da coluna dorsal e terminam nos núcleos cuneiforme e grácil. 4 O processamento da informação nociceptiva em diferentes níveis do SNC pode gerar respostas motoras, vegetativas ou comportamentais. Respostas motoras, como reflexos de retirada, extensão cruzada e ajustes posturais de proteção, minimizam a exposição ao agente agressor. Ajustes vegetativos, como aumento da frequência cardíaca e respiratória, vasoconstrição ou vasodilatação e secreção hormonal [hormônio adrenocorticotrófico (ACTH)], preparam o organismo para respostas complexas e de longa duração. Memória dolorosa, aspectos afetivos e conscientes da nocicepção embasam respostas comportamentais, como esquiva. Assim, o processamento da informação nociceptiva gera respostas adaptativas em diferentes níveis de complexidade 3) CLASSIFICAR OS TIPOS DE DOR; A dor é classificada em dois tipos principais: dor rápida e dor lenta. A dor rápida é sentida, dentro de 0,1 segundo, após a aplicação de estímulo doloroso, enquanto a dor lenta começa somente após 1 segundo ou mais, aumentando lentamente durante vários segundos e, algumas vezes, durante minutos. As vias de condução para esses dois tipos de dor são diferentes e que cada uma delas tem qualidades específicas. A dor rápida também é descrita por meio de vários nomes alternativos, como dor pontual, dor em agulhada, dor aguda e dor elétrica. Esse tipo de dor é sentido quando a agulha é introduzida na pele, quando a pele é cortada por faca, ou quando a pele é agudamente queimada. Ela também é sentida quando a pele é submetida a choque elétrico. A dor pontual rápida não é sentida nos tecidos mais profundos do corpo. A dor lenta também tem vários nomes, como dor em queimação, dor persistente, dor pulsátil, dor nauseante e dor crônica. Esse tipo de dor geralmente está associado à destruição tecidual. A dor lenta pode levar ao sofrimento prolongado e quase insuportável e pode ocorrer na pele e em quase todos os órgãos ou tecidos profundos. A dor aguda relaciona-se diretamente a um dano tecidual efetivo ou, pelo menos, a um risco eminente de dano. A dor crônica, porém, além de um dano tecidual contínuo, pode ser deflagrada por sensibilização de neurônios das vias nociceptivas, disfunção dos sistemas endógenos de controle da dor ou por fatores ambientais (condicionamento operante). A dor crônica nociceptiva é resultado da estimulação dos nociceptores por longo período, como ocorre nos casos de tumores que comprimem os receptores sensoriais. A recepção e a transmissão central da informação nociceptiva ocorre de forma adequada - a dor é prolongada porque o estímulo é contínuo. A dor crônica neuropática decorre de atividade neural patológica (diferente da dor crônica nociceptiva) em diferentes níveis do sistema nervoso: periférico, SNC ou sistema nervoso autônomo. Uma lesão em nervo periférico pode modificar a excitabilidade da membrana, gerando potenciais de ação espontâneos, pós-descarga prolongada ou despolarização em resposta a estímulos mecânicos não nociceptivos (dor no coto ou sinal de Tinel). Dano à bainha de mielina pode prejudicar o isolamento entre os neurônios e a excitação de um neurônio qualquer pode induzir a despolarização de um neurônio nociceptivo e excitação cruzada). No SNC, a neuroplasticidade pode desencadear uma relação desproporcional entre a estimulação sensorial periférica (nociceptiva ou não) e a sensação dolorosa (sensibilização central). Uma amputação, por exemplo, obriga uma reorganização das estações de processamento sensorial, inclusive na representação cortical do membro. Assim, se um polegar for amputado, o crescimento da arborização dendrítica dos neurônios que carreiam informação proprioceptiva do indicador pode alcançar áreas de representação cortical nociceptiva desse membro, gerando dor constante no dedo fantasma. Essas alterações plásticas ocorrem não apenas no, córtex cerebral, mas em todos os níveis de processamento sensorial. E interessante notar que uma dor intensa e persistente por mais de 24 horas pode levar a alterações plásticas no sistema nervoso que se assemelham à sensibilização central. O substrato neuroquímico dessas modificações está relacionado ao aumento do fluxo de cálcio decorrente da estimulação glutamatérgica em receptores ionotrópicos do tipo AMPA e NMDA, assim como sistemas de segundos mensageiros liberados por Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 7 receptores metabotrópicos glutamatérgicos e de neuropeptídeos (substância P). Após uma cascata neuroquímica que culmina na ativação de genes, o resultado final pode ser a geração de novos receptores, canais iônicos ou enzimas intracelulares que funcionalmente facilitam o processo de despolarização em alguns pontos do processamento da informação nociceptiva. Assim, está instituída a sensibilização central. A dor pode ser classificada de acordo com sua origem como nociceptiva (somática ou visceral) ou neuropática. → Dor visceral: A dor visceral é profunda e dolorosa, mal localizada e, frequentemente relacionada a um ponto cutâneo. O mecanismo da dor referida não está totalmente esclarecido, mas pode ser relacionado a ponto de convergência de impulso sensorial cutâneo e visceral em células do trato espinotalâmico na medula espinhal. → Dor neuropática: A dor neuropática ou neurogênica é produzida pelo dano ao tecido nervoso. Caracteriza- se pela aparição de hiperalgesia, dor espontânea, parestesia e alodinia mecânica e por frio. Decorre de lesões das vias sensitivas dos sistemas nervosos central (SNC) e periférico (SNP), que podem ser ocasionadas por irritação das fibras C ou deaferentação (dor fantasma- injúria do plexo braquial ou lombossacral). → Dor mista: Entre todas, é o tipo de dor mais comum. É ocasionada por componentes nociceptivos e neuropáticos. A dor ainda pode ser classificada quanto ao padrão em contínua ou episódica (breakthrough). → Dor episódica (breakthrough): caracterizada por episódios intermitentes de dor moderada a intensa, de início súbito e de curta duração em doentes com dor crônica já controlada. É muito frequente em pacientes com câncer, e pode ser somática, visceral, neuropática ou mista. Há três tipos de dor episódica: • Dor incidental: estárelacionada com atividades específicas, como tossir, levantar ou caminhar. É a mais comum e pode ser previsível ou imprevisível (p.ex., doentes com metástases ósseas em que o ato de se movimentar precipita a dor); • Dor espontânea: ocorre de maneira imprevisível e não está temporalmente associada com qualquer atividade ou evento (p.ex., espasmos ou contraturas musculares); • Dor episódica associada ao horário de intervalo da medicação (end-ofdose failure): surge quase no final do intervalo da dose usual de um esquema analgésico regular, pouco antes da tomada da medicação. Pode ser indicativo de que a dosagem do analgésico ou o intervalo entre as doses é insuficiente. Em relação à intensidade, a dor pode ser classificada como leve, moderada ou intensa. 4) ELUCIDAR O ARCO REFLEXO SIMPLES; No decorrer da evolução. apareceram receptores muito complexos para os estímulos mais variados. O dispositivo neuromuscular do tentáculo da anêmona do mar permite respostas apenas locais, no caso, relacionadas com deslocamento de partículas de alimento em direção à boca do animal. Em outras partes do corpo dos celenterados, existe uma rede de fibras nervosas, formadas sobretudo por ramificações dos neurônios da superfície, permitindo difusão dos impulsos nervosos em várias direções. Este tipo de sistema nervoso difuso foi substituído nos platelmintos e anelídeos por um sistema nervoso mais avançado, no qual os elementos nervosos tendem a se agrupar em um sistema nervoso central (centralização do sistema nervoso). Nos anelídeos, como a minhoca, o sistema nervoso é segmentado, sendo formado por um par de gânglios cerebroídes e uma série de gânglios unidos por uma corda ventral, correspondendo aos segmentos do animal. O estudo do arranjo dos neurônios em um destes segmentos mostra dispositivos nervosos bem mais complexos do que os já estudados nos celenterados. No epitélio da superficie do animal, há neurônios gue, por meio de seu axônio, estão ligados a outros neurônios cujos corpos encontram-se em um gânglio do sistema nervoso central. Estes, por sua vez, possuem um axônio que faz conexão com os músculos. Os neurônios situados na superfície são especializados em receber os estímulos e conduzir os impulsos ao sistema nervoso central. Por isto são denominados neurônios sensitivos ou neurônios aferentes. Os neurônios situados no gânglio e especializados na condução do impulso do sistema nervoso central até o efetuador, no caso, o músculo, denominam-se neurônios motores ou eferentes. Os termos aferente e eferente que aparecem pela primeira vez serão largamente usados e devem, pois, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 8 ser conceituados. São aferentes os neurônios, fibras ou feixes de fibras que trazem impulsos a uma determinada área do sistema nervoso, e eferentes os que levam impulsos desta área. Portanto, aferente se refere ao que entra, e eferente ao que sai de uma determinada área do sistema nervoso. Assim, neurônios, cujos corpos estão no cérebro e terminam no cerebelo, são eferentes do cérebro e aferentes ao cerebelo. Deve-se, pois, sempre especificar o órgão ou a área do sistema nervoso em relação à qual os temos são empregados. Quando isto não é feito, entende-se que os termos foram empregados em relação ao sistema nervoso central, como nos dois neurônios da minhoca acima descritos. A conexão do neurônio sensitivo com o neurônio motor, no exemplo acima, se faz através de uma sinapse localizada no gânglio. Temos, assim, em um segmento de minhoca, os elementos básicos de um arco reflexo simples, ou seja, um neurônio aferente com seu receptor, um centro, no caso o gânglio. onde ocorre a sinapse, e um neurônio eferente que se liga ao efetuador, no caso os músculos. Tal dispositivo permite à minhoca contrair a musculatura do segmento por estímulo no próprio segmento, o que pode ser útil para evitar determinados estímulos nocivos. Este arco reflexo é intrassegmentar, visto que a conexão entre o neurônio aferente e o eferente envolve apenas um segmento. Devemos considerar, entretanto, que a minhoca é um animal segmentado e que, às vezes, para que ela possa evitar um estímulo nocivo aplicado em um segmento, pode ser necessário que a resposta se faça em outros segmentos. Existe, pois, no sistema nervoso deste animal, um terceiro tipo de neurônio, denominado neurônio de associação (ou internuncial), que faz a associação de um segmento com outro. Assim, o estimulo aplicado em um segmento dá origem a um impulso. que é conduzido pelo neurônio sensitivo ao centro (gânglio). O axônio deste neurônio faz sinapse com o neurônio de associação, também localizado no gânglio cujo axônio, passando pela corda ventral do animal, estabelece sinapse com o neurônio motor do segmento vizinho. Deste modo, o estímulo se inicia em um segmento e a resposta se faz em outro. Temos um arco reflexo intersegmentar pois envolve mais de um segmento e é um pouco mais complicado que o anterior, uma vez que envolve duas sinapses e três neurônios, sensitivo, motor e de associação. A corda ventral de um anelídeo é percorrida por grande número de axônios de neurônios de associação que ligam segmentos do animal, por vezes distantes. O conhecimento das conexões dos neurônios no sistema nervoso da minhoca nos permite entender algumas das conexões da medula espinhal dos vertebrados, inclusive do homem. Também aí vamos encontrar arcos reflexos simples, semelhantes aos que vimos na minhoca. Temos um exemplo no reflexo patelar, frequentemente testado pelos neurologistas. Quando o neurologista bate com seu martelo no joelho de um paciente, a perna se projeta para frente. O martelo produz estiramento do tendão que acaba por estimular receptores no músculo quadriceps, dando origem a impulsos nervosos que seguem pelo neurônio sensitivo. O prolongamento central destes neurônios penetra na medula e termina fazendo sinapse com neurônios motores aí situados. O impulso sai pelo axônio do neurônio motor e volta ao membro inferior, onde estimula as fibras do músculo quadriceps, fazendo com que a perna se projete para frente. Na medula espinhal dos vertebrados existe uma segmentação, embora não tão nítida como na corda ventral dos anelídeos. Esta segmentação é evidenciada pela conexão dos vários pares de nervos espinhais. Existem reflexos na medula dos vertebrados nos quais a parte aferente do arco reflexo se liga à parte eferente no mesmo segmento ou em segmentos adjacentes.' Estes reflexos são considerados intrassegmentares, sendo um exemplo o reflexo patelar. Entretanto, grande número de reflexos medulares são intersegmentares, ou seja, o impulso aferente chega à medula em um segmento e a resposta eferente se origina em segmentos às vezes muito distantes, localizados acima ou abaixo. Na composição destes arcos reflexos há neurônios de associação que, na minhoca, associam níveis diferentes dentro do sistema nervoso. Um exemplo clássico de reflexo intersegmentar é o chamado "reflexo de coçar" do cão. Em um cão Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 9 previamente submetido a uma secção da medula cervical para se eliminar a interferência do encéfalo, estimula-se a pele da parte dorsal do tórax puxando-se ligeiramente um pelo. Observa-se que a pata posterior do mesmo lado inicia uma série de movimentos rítmicos semelhantes aos que o animal executa quando coça, por exemplo, o local onde é picado por uma pulga. Sabe-se que este arco reflexo envolve os seguintes elementos: a) neurônios sensitivos ligando a pele ao segmento correspondente da parte torácica da medula espinhal; b) neurônios de associação com um longo axônio descendente ligando esta parte da medula espinhal aos segmentos que dão origem aos nervospara a pata posterior; c) neurônios motores para os músculos da pata posterior. Tipicamente, o reflexo flexor de retirada ocorre quando um estímulo sensorial, com frequência nociceptivo (doloroso), atinge uma das extremidades (o pé, por exemplo). Se o estímulo for forte e potencialmente lesivo (como uma tachinha no chão), todos os músculos flexores do membro inferior podem ser acionados, e não só o pé, mas também a perna e a coxa se afastam bruscamente da fonte de estímulo. Neste caso, o reflexo flexor tem uma nítida função protetora. Se o estímulo for mais fraco, apenas tátil, só o pé pode ser fletido discretamente. O reflexo, neste caso, serve como um "amaciador" dos contatos entre os dedos e os objetos. É mais ou menos o que ocorre quando tateamos o solo com os olhos fechados: cada toque produz sucessivas flexões que suavizam o contato com os obstáculos. 5) ABORDAR O SISTEMA DE MODULAÇÃO DA DOR; A percepção da dor decorre da interação entre mecanismos pró-nociceptivos e antinociceptivos. Esses mecanismos parecem estar presentes em todas as estações de processamento da informação dolorosa, da periferia ao córtex. Estímulos nocivos, fenômenos inflamatórios ou compressões neurais atuam como mecanismos pró-nociceptivos. Na medula, os neurônios nociceptivos de segunda ordem, além de receberem projeções dos neurônios nociceptivos provenientes da periferia, também recebem projeções de interneurônios inibitórios, que, por sua vez, são ativados por fibras aferentes Aβ que conduzem estímulos táteis. Assim, uma estimulação sensorial pode inibir, ao menos parcialmente, a informação nociceptiva. Esse mecanismo foi descrito na década de 1960, por Melzack e Wall, e ficou conhecido como a ''Teoria do portal de controle da dor'' (ou Teoria da comporta). Acredita-se que este seja um dos mecanismos de atuação dos aparelhos de estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS). Projeções descendentes supramedulares também são capazes de modular a informação nociceptiva que alcança os neurônios de segunda ordem na medula. Vale destacar que ''modular'' pode significar inibir ou facilitar. São clássicos os exemplos de soldados ou atletas que, sob o estresse momentâneo, não percebem que estão gravemente feridos. De maneira inversa, medo, ansiedade e depressão podem exacerbar a dor, evidenciando o papel da atividade cortical na sua modulação. Uma das projeções descendentes tem origem nos neurônios do locus ceruleus, cujos axônios alcançam o corno posterior da medula e ali liberam norepinefrina. A norepinefrina inibe a liberação de substância P pelos neurônios aferentes primários antes de eles fazerem sinapse com os neurônios de segunda ordem (inibição pré-sináptica). Outra projeção descendente tem origem na substância cinzenta periaquedutal (PAG). A estimulação elétrica dessa região produz inibição seletiva da dor, sem prejuízo das demais modalidades sensoriais. Entretanto, poucos neurônios da PAG projetam-se diretamente à medula. De fato, a PAG faz conexões excitatórias com o núcleo magno da rafe, do qual partem projeções serotoninérgicas que inibem, diretamente ou por meio de interneurônios, secretores de opioides, os neurônios de segunda ordem das lâminas I, II e V. Opioides, como morfina e codeína, são analgésicos eficientes e de relevância clínica. A microinjeção de derivados do ópio na PAG produz analgesia intensa. Esse efeito analgésico desaparece quando é realizada a transecção bilateral do funículo lateral dorsal, local por onde passam as projeções antinociceptivas previamente citadas. Assim, parece que parte do efeito analgésico dos opioides se dá a partir da ativação das vias descendentes inibitórias do tronco encefálico. Receptores específicos para opioides estão localizados em muitas regiões do SNC e sistema nervoso periférico, não apenas ligadas diretamente ao controle da dor, mas também em outras funções fisiológicas e comportamentais. Alta concentração desses receptores é encontrada na PAG, no núcleo magno da rafe e no corno dorsal da medula. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 10 As três principais classes de opioides endógenos são: encefalinas (leucina e metionina-encefalina), dinorfinas e betaendorfinas. Esses opioides são sintetizados a partir de três genes diferentes: o da pró- encefalina, o da pró-dinorfina e o da pró- opiomelanocortina. Encefalinas e dinorfinas são encontradas principalmente na PAG, na rafe e nas lâminas I e II do corno posterior da medula. O pró- opiomelanocortina (POMC) é um polipeptídeo precursor expresso especialmente na hipófise, o qual dá origem à betaendorfina e ao ACTH, ambos liberados na corrente sanguínea em situações de estresse. O corno dorsal da medula possui alta concentração de neurônios secretores de opioides endógenos, e a administração de morfina, por exemplo, mimetiza esse efeito. Receptores opioides podem ser encontrados nos terminais axonais dos neurônios de primeira ordem, onde, via proteína G, inativam canais de cálcio, diminuindo a liberação dos neurotransmissores (glutamato/substância P - inibição pré-sináptica). Nos dendritos dos neurônios de segunda ordem, receptores opioides, via proteína G, abrem canais de potássio, com consequente hiperpolarização (inibição pós-sináptica). Dessa forma, fica inibida a transmissão da informação nociceptiva entre os neurônios de primeira e segunda ordens. 6) CLASSIFICAR OS GRAUS DE QUEIMADURA; Queimaduras (Etiologia) Térmicas Elétricas Químicas Classificação Quanto à Profundidade A classificação pela profundidade das camadas acometidas é uma das formas mais clinicamente usadas para classificar uma queimadura, relacionando- se com a morbidade do paciente. As queimaduras costumavam ser classificadas de primeiro a quarto grau, sendo a última a de acometimento mais profundo. Para que a denominação refletisse melhor o dano, foi substituída por uma nova terminologia: superficial, parcial superficial, parcial profunda e espessura total. Por motivos didáticos, este manual abordará as duas classificações, ressaltando que a primeira ainda é a mais utilizada na prática médica e presente em documentos oficiais dos órgãos de saúde pública. As queimaduras de primeiro grau são superficiais, atingindo a epiderme. A pele apresenta um aspecto seco, hiperemiado e é dolorosa. Não é necessária abordagem terapêutica específica, visto o caráter autolimitado e pouco grave. Porém, deve-se considerar a hidratação da pele com substâncias umectantes/hidratantes e, em casos de exposição prolongada, a hidratação oral, especialmente em Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 11 idosos e crianças. Substâncias analgésicas podem aliviar o ardor desconfortável. As queimaduras de segundo grau atingem, em graus variáveis, a derme. São denominadas também queimaduras de espessura parcial. A depender da profundidade acometida na derme, podem ser parcial (ou segundo grau) superficial e parcial (ou segundo grau) profunda. No primeiro caso, não há acometimento dos folículos capilares e das glândulas sudoríparas e a pele está dolorosa, úmida e avermelhada, além de conter bolhas. Na segunda situação, há acometimento mais profundo, mas não total da derme, alcançando glândulas sudoríparas e folículos pilosos, com uma pele menos úmida e mais dolorosa. As queimaduras de terceiro grau são também designadas de espessura total. Nelas, ocorre destruição tanto da epiderme quanto da derme e, algumas vezes, do tecido subcutâneo adjacente. A pele tem aspectos como coloração variável, de pálida a avermelhada ou preta, inelástica, ressecada e endurecida ao toque. A depender do dano aos nervos periféricos locais, pode apresentar diminuição ou abolição da sensibilidade. Nas queimaduras de quartograu, a lesão danifica todas as camadas teciduais e atinge fáscia, músculos e até o osso, em determinados casos. Diversas referências consideram a classificação até o terceiro grau. 7) ENTENDER A CONDUTA INICIAL PARA CADA GRAU DE QUEIMADURA; Inicialmente é necessário averiguar se a substância que provocou a queimadura não se encontra mais sobre a pessoa, protegendo-se e iniciando a interrupção do processo de queimadura. É necessário lembrar-se de que substâncias químicas podem agredir a equipe de atendimento, devendo-se sempre estar atento a qualquer possibilidade de queimadura química e adotando as medidas de proteção necessárias. Deve-se fazer o resfriamento da área queimada, podendo ser esta uma medida útil se realizada até quinze minutos após o acidente. O resfriamento pode ser alcançado por meio do uso de compressas embebidas em soro fisiológico a 0.9% ou água a temperatura ambiente, com duração de alguns minutos. Esse cuidado bloqueará a onda de calor que continua agindo no tecido queimado por alguns minutos, porém, só tem valor quando aplicado imediatamente após o acidente. A água não precisa estar gelada, pois pode provocar hipotermia, na temperatura ambiente já se encontra bem abaixo da temperatura do tecido queimado. Imediatamente após o resfriamento da queimadura, o paciente deve ser coberto com um lençol seco, para evitar hipotermia e para alívio da dor. Atenção deve ser dada a queimaduras por soda cáustica, onde não devemos colocar líquidos em pequena quantidade. É necessário lavarmos muito, preferencialmente com água corrente. Uma vez realizado o atendimento inicial, que prevê a identificação da substância que causou a queimadura e a tentativa de resfriamento da lesão, inicia-se a Avaliação Primária. Avaliação primária O roteiro inicial para avaliação deve ser baseado nos princípios do “Advanced Trauma Life Support” (ATLS) do Colégio Americano de Cirurgiões, que estabeleceu como norma de conduta a metodologia mnemônica do ABCDE, que também é utilizada pelo Curso Nacional de Normatização ao Atendimento ao Queimado (CNNAQ) da Sociedade Brasileira de Queimaduras. Os principais pontos da avaliação primária são: SITUAÇÃO VERMELHA – ATENDIMENTO IMEDIATO A) “Airway”: preservação da via aérea com controle da coluna cervical B) “Breathing”: boa ventilação C) “Circulation”: boa perfusão D) “Disability”: exame neurológico E) “Exposition”: exposição do paciente (com controle ambiental) A (airway) É de importância fundamental que a permeabilidade das vias aéreas seja garantida desde o primeiro atendimento, especialmente se o acidente ocorreu em local fechado, se houve envolvimento da face e/ou exposição prolongada à fumaça e seus componentes. A lesão de coluna vertebral deve ser presumida e a imobilização (com colar cervical) deve ser mantida até que radiografias sejam obtidas e as fraturas excluídas. B (breathing) Realize a ausculta do tórax verificando a qualidade e a profundidade da respiração. Observe a possibilidade de lesão por inalação avaliando a necessidade de intubação endotraqueal. Isso é particularmente importante nas queimaduras circunferenciais de 3° grau, em tórax, que podem prejudicar a ventilação, impedindo a expansão da caixa torácica, por isso devem ser rigorosamente monitoradas. C (circulation) Avalie a coloração da pele, a sensibilidade, a pulsação e o tempo de enchimento capilar, tanto em membros superiores como inferiores. Os possíveis acessos vasculares por ordem de preferência no paciente gravemente queimado são: veia periférica fora de área Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 12 queimada, veia periférica em área queimada, punção profunda e por último a dissecção venosa. Essa sequência deve ser rigorosamente obedecida. Instale acesso venoso preferencialmente periférico, com jelco de grosso calibre, em área não queimada. Entretanto, se as únicas veias disponíveis estiverem na área queimada, não hesite em usá-las. A prioridade, nesta etapa, é estabelecer um bom acesso venoso para iniciar um correto plano de hidratação. D (disability) Cheque o nível de consciência através do AVDI = (A) Alerta? (V) Resposta a estímulo verbal? (D) Resposta somente a estímulo doloroso? (I) Sem resposta = Inconsciência. Geralmente, o paciente queimado está lúcido e orientado. Avalie se houve traumatismo craniano concomitante e utilize a Escala de Coma de Glasgow para a avaliação. A desorientação pode estar relacionada à hipóxia, ao uso de substâncias psicoativas ou mesmo alterações neurológicas preexistentes. A analgesia só deve ser aplicada após a avaliação neurológica para não se correr o risco de aplicar um narcótico em paciente com comprometimento neurológico. E (exposition) Expor o paciente e remover, além das roupas, anéis, relógios e outras joias dos membros atingidos para prevenir a isquemia. A queimadura é a lesão mais facilmente visível, mas é extremamente importante a realização de um exame físico detalhado da cabeça aos pés, procurando a existência de lesões associadas. Após o exame físico, mantenha a cabeceira da maca elevada para reduzir o edema nas queimaduras de face e conservar o paciente aquecido. Avaliação secundária A avaliação secundária destina-se a aprofundar a anamnese e o exame físico do paciente, fornecendo subsídios para a reclassificação e o tratamento adequado às situações encontradas. Além disso, fornece elementos que podem ajudar o planejamento de ações preventivas, educativas e pós-eventos, junto ao paciente, familiares e comunidade. Com esses dados, igualmente pode-se realizar estudos epidemiológicos mais detalhados. *Reposição volêmica, analgesia e sedação. Tratamento local As lesões, de acordo com Leonardi (2012), devem ser inicialmente higienizadas com solução degermante ou sabonete neutro com muita espuma e os tecidos desvitalizados removidos. Muita controvérsia tem sido originada na presença de bolhas. Os estudos demonstraram que o conteúdo é composto por um líquido com alta concentração de mediadores inflamatórios, o que pode ser prejudicial ao leito da ferida. Portanto, recomenda-se a aspiração do líquido com uma agulha de calibre fino, deixando o teto dela sobre o leito da ferida, de forma a protegê-lo. As lesões de 1° grau necessitam apenas ser higienizadas e protegidas contra a contaminação e o ressecamento do meio ambiente. O que se recomenda é proporcionar um ambiente limpo e úmido, de forma a acelerar a epitelização. Isso pode ser conseguido com curativos sintéticos protetores. As queimaduras de 2° grau superficiais também devem ser mantidas limpas e protegidas enquanto a reepitelização ocorre. Após a higienização da ferida, pode-se utilizar uma gaze não aderente impregnada com parafina, petrolato ou óleo mineral, caracterizando um curativo primário em contato com o leito da ferida, quando as flictenas estão íntegras e esvaziadas. Caso tenha ocorrido a ruptura delas, a derme permanecerá exposta e perderá o isolamento proporcionado pela epiderme. Nesse caso, deve ser usado um produto que contenha um agente bacteriostático ou bactericida até o curativo permanente após 48 horas. Em nosso meio, os agentes disponíveis mais utilizados são a Sulfadiazina de prata creme ou pomada de hialuronidase. Após as primeiras 48 horas, nas queimaduras de 2º grau superficial e profunda, ocorre o retorno da permeabilidade capilar ao normal e a lesão deixa de ser exsudativa. Nesse momento, a lesão deve ser novamente higienizada com solução degermante e então aplicado novo curativo. Caso a flictena mantenha-se íntegra, mantêm-se também os curativos não aderentes trocados duas vezes por semana; caso a flictenas esteja rota, com exposição da derme, pode optar-se por curativos biológicos e semibiológicosque não necessitam de trocas, permitindo assim a migração de queratinócitos a partir da membrana basal dos anexos dérmicos e uma reepitelização mais rápida da ferida, com menos trocas de curativos, menos dor e menor custo. Por outro lado, as queimaduras de 2° grau profundas e as de 3° grau, além de levarem muito tempo para cicatrizar, podem aumentar a susceptibilidade à Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 13 infecção e ao desenvolvimento de cicatrização patológica hipertrófica ou queloide. Portanto, tem indicação para excisão do tecido queimado cirurgicamente e sua cobertura com enxerto de pele autólogo ou uso de matrizes de regeneração dérmica após as 48 horas. De qualquer modo, enquanto a cirurgia não ocorre, deve-se cobrir a área atingida, com o objetivo de prevenir a infecção ou reduzir a densidade bacteriana in situ, ou seja, no local. O elemento bacteriostático mais utilizado é a prata e está disponível em vários produtos. A disposição em creme, apesar de economicamente vantajosa, tem como desvantagem a necessidade de troca diária, associada com irritação celular e toxidade. Para os grandes queimados, as unidades especializadas dispõem normalmente de camas e duchas especiais, denominadas balneoterapia, que permitem a colocação do paciente em qualquer posição facilitando que seja lavado com soluções aquecidas assim como para a realização dos curativos e desbridamentos. 8) DESCREVER OS RISCOS DA AUTOMEDICAÇÃO E AS CONSEQUÊNCIAS DO USO ABUSIVO DE ANALGÉSICOS E ANTI-INFLAMATÓRIOS. A automedicação é uma prática bastante comum não apenas no Brasil, mas também em outros países. Caracteriza-se na utilização de medicamentos sem prescrição, orientação ou acompanhamento médico ou dentista, podendo assim ocasionar danos muito graves a saúde. Uma pesquisa da Datafolha®, realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) em 2020, mostrou que a automedicação é realizada por 77% dos brasileiros. Quase 11 metade dessa população se automedica pelo menos uma vez ao mês e 25% o fazem todo dia ou pelo menos uma vez na semana. A automedicação é um problema multicausal, estimulada pela facilidade de adquirir medicamentos, propagandas de marketing que impulsionam as pessoas a comprarem medicamentos sem necessidade, por indicações de amigos e familiares, pelo fácil acesso através de compras na internet, porém, essa prática traz consequências desagradáveis, causadas pelo uso irregular de medicamentos. Vale salientar que o uso irracional de medicamentos poderá gerar efeitos adversos, desde mascaramento de doenças evolutivas, intoxicação e até a morte. Como por exemplo os anti-inflamatórios não esteroidais (AINES), que provocam problemas no trato gastrointestinais e possuem alta nefrotoxidade. Segundo um estudo de 2016, os analgésicos e antitérmicos são os mais utilizados na prática da automedicação com 35%, seguidos dos anti- inflamatórios com 20% e dos antibióticos com 13%. Os relaxantes musculares com 8% e antialérgicos com 4% vem a seguir. Os antiespasmódicos, antigripais, gastroprotetores, antiparasitários, metilfenidato e suplementos vitamínicos aparecem somando 17%. Entre os efeitos nocivos advindos da automedicação estão o diagnóstico incorreto, reações adversas, mascaramento de doenças na fase inicial, indução a resistência bacteriana, reações de hipersensibilidade, intoxicações, sangramentos digestivos, dosagem inadequada ou excessiva, risco de dependência, enfermidades iatrogênicas e em casos extremos óbitos. Medicamentos de uso coletivo (familiar) como descongestionantes nasais e colírios podem causar contaminação cruzada. O uso incorreto de medicamentos pode trazer dependências, como por exemplo, tomar AINEs toda vez que sentir alguma dor. Com o passar do tempo poderá causar dependência ao princípio ativo do medicamento. Isso implica em resistência ao efeito do medicamento e cada vez doses mais altas precisaram ser administradas para que se alcance o alívio da dor. Efeitos decorrentes do uso indiscriminado de AINES: → Gastrintestinais: os efeitos colaterais podem variar desde leve dispepsia até hemorragia maciça causada por úlcera gástrica perfurada, como resultado de inibição da produção de prostaciclina. Vale notar que os efeitos colaterais gastrintestinais não se resumem apenas ao estômago. As prostaciclinas têm vários efeitos gástricos protetores; elas reduzem a quantidade de ácido estomacal produzido e mantêm uma camada de mucosa protetora, aumentando a produção de mucosa e melhorando o fluxo sanguíneo local. A irritação gástrica também pode ser causada por irritação direta dos próprios medicamentos. Embora os inibidores de COX-2 sejam mais específicos para a enzima COX-2, alguns ainda retêm certa inibição de COX-1, causando risco de sangramento gastrintestinal, embora menos que AINEs não-específicos. → Renais: Sob condições fisiológicas normais, a prostaciclina e o óxido nítrico levam ao relaxamento do músculo liso no endotélio vascular e, portanto, à vasodilatação. As prostaciclinas desempenham papel essencial na regulação do tônus arterial aferente e eferente no glomérulo, conhecido por desempenhar um papel vital na preservação da função renal em estados hipovolêmicos. A inibição de produção de prostaciclinas pode levar a uma taxa menor de filtração glomerular, retenção de sal e água, e lesão renal aguda. Esses mecanismos são particularmente importantes em pacientes com hipovolemia e insuficiência cardíaca Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 14 crônica que sejam sensíveis a mudanças na pressão de perfusão renal. → Respiratórios: Até 10% dos pacientes com asma têm doença exacerbada pelos AINEs. Um mecanismo de ação proposto é que a inibição do metabolismo do ácido araquidônico pela COX leve ao aumento na produção de leucotrienos. Os leucotrienos têm ações broncoconstritoras diretas. → Cardiovasculares: Inibidores específicos de COX-2 ou ‘coxibes’ foram introduzidos no mercado para evitar os efeitos colaterais comuns e graves sobre o trato gastrintestinal alto pela inibição da COX-1 por AINEs não-específicos. Contudo, as preocupações acerca de sua segurança cardiovascular limitaram seu uso disseminado. Há um aumento dependente da dose no risco de eventos trombóticos, tanto cardíacos quanto cerebrais. O rofecoxibe e o valdecoxibe foram retirados do mercado devido ao aumento do número de eventos cardiovasculares associados especificamente a essas 2 drogas. O risco é mais alto em pacientes com doença cardiovascular pré-existente, e, portanto, o uso de inibidores de COX-2 é contraindicado para pacientes com insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica, e doença vascular periférica e cerebrovascular. → Hematológicos: Em plaquetas, a COX metaboliza o ácido araquidônico em tromboxano A2, o que leva à maior adesividade de plaquetas e vasoconstrição. Em contraste, no músculo liso vascular, forma-se a prostaciclina, que causa vasodilatação e reduz agregação de plaquetas. A hemostasia resulta do equilíbrio delicado entre esses sistemas. Assim, os AINEs levam à redução da função e adesividade das plaquetas, e a um maior tempo de sangramento. A aspirina merece menção especial, pois inibe irreversivelmente a COX de plaquetas. Como resultado, as plaquetas se tornam ineficientes durante todo o seu ciclo de vida de 10 dias. → Cicatrização Óssea: Há um risco teórico de que os AINEs, em particular os inibidores de COX-2, causem redução da taxa de cicatrização óssea e aumento da incidência de não-consolidação de fraturas. Após uma fratura, há maior produção de prostaglandinas como parte da resposta inflamatória, o que aumenta o fluxo sanguíneo local. Acredita-se que o bloqueio desse mecanismo seja prejudicial à cicatrização dos ossos; contudo,atualmente, não há provas científicas de alta qualidade para confirmar isso. Exemplos de AINES e seus efeitos tóxicos: → Ibuprofeno: por ter uma ação rápida e potente contra os casos de dor, os medicamentos com esse princípio ativo (vendidos no Brasil com nomes comerciais como Advil®, Actiprofen®, Artril®, Benotrim®, Danilon®, Doretrim®, Ibufran®, Ibuprofeno®, Motrim®, Paratrim®, Stopen®) costumam ser largamente utilizados por pessoas que sofrem de enxaqueca e que se automedicam. Entre as reações adversas causadas pelo uso excessivo do medicamento estão os seguintes quadros: − Hepatite induzida; − Falência renal aguda; − Nefrite intersticial (lesão nos rins); − Sangramento gastrointestinal; − Elevação da pressão arterial; − Aborto espontâneo. → Ácido acetilsalicílico: presente em medicamentos muito populares (como Aspirina® e AAS®), também oferece riscos à saúde, se usado com grande intensidade. Entre eles: − Comprometimento das funções renais; − Dificuldade de coagulação sanguínea; − Hemorragias internas; − Formação de trombos. → Paracetamol: no Brasil, o remédio mais conhecido dessa linha é o Tylenol®. Esse também é um analgésico e antipirético. O risco do uso abusivo inclui principalmente o surgimento de lesão hepática, que pode levar ao completo comprometimento do fígado. → Dipirona: no Brasil, esse talvez seja o analgésico e antitérmico mais utilizado, mas recentemente entrou para a lista de medicamentos perigosos. Nos Estados Unidos, Japão e Austrália, além de vários países da União Europeia, o medicamento está proibido. Estudos comprovaram que a substância está envolvida no desenvolvimento de um quadro chamado agranulocitose, uma doença potencialmente fatal, caracterizada pela ausência de leucócitos granulosos, que são as principais barreiras de defesa do organismo contra infecções.