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Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 1 Dor visceral e nefrolitíase SP 1.4 – UMA PEDRA NO CAMINHO. 1) CONCEITUAR A DOR VISCERAL E DIFERENCIÁ-LA DA SOMÁTICA; A maioria dos estudos científicos sobre a dor e seus mecanismos leva em consideração a análise da resposta de humanos e de animais frente a estímulos sensitivos na superfície do corpo. Contudo, a maior parte de nós vai experimentar predominantemente dores de origem profunda, incluindo estruturas somáticas (músculos, fáscias, ossos, etc.) e estruturas viscerais. As dores relacionadas às vísceras torácicas e abdominais nos acompanham desde a infância precoce, em situações com o cólicas intestinais e infecções. Continuam na idade adulta na dor do parto e em lesões estruturais de vísceras ocas (gastrite, úlcera gástrica, colelitíase, cálculos renais, apendicite, etc). Finalmente, costumam acompanhar várias doenças com uns na velhice, tais com o infarto do miocárdio, neoplasias abdominais, entre outras. Mesmo assim, ao analisarmos a quantidade de informações científicas sobre o mecanismo da dor visceral, nos surpreendemos com a quantidade de dúvidas que ainda existem, decorrentes, em grande parte, do número insuficiente de estudos a esse respeito. Um dos motivos que justificaria o número restrito de estudos sobre a dor visceral considera a dificuldade de estudá-la em seres humanos, tendo em vista a localização profunda em que se encontram. Os estudos em animais são baseados em respostas pseudoafetivas que apenas sugerem, mas não garantem que o estímulo aplicado seja de natureza dolorosa. Além disso, as pesquisas clínicas demonstram que nem todas as vísceras respondem à dor. Alguns locais, como os parênquimas pulmonar, hepático e renal, são praticamente insensíveis à dor, mesmo quando estímulos altamente lesivos são aplicados. As vísceras ocas, tais com o estômago, intestino, ureteres e bexiga, são, em condições normais, praticamente insensíveis ao corte e à queimadura, mas são dolorosos quando ocorrem distensão, isquemia ou inflamação. Isso significa que, quando se estudam as vísceras, existe uma diferença entre estímulos potencialmente lesivos (nociceptivos) e aqueles que produzem dor. Os estímulos capazes de produzir dor visceral - estímulos elétricos, distorção mecânica, isquemia e aplicação de substâncias irritantes (algogênicas) - diferem de forma significativa daqueles pesquisados na avaliação da dor superficial. A dor visceral tem algum as peculiaridades que a torna, ao mesmo tempo, complexa e única. Uma dessas características é a pouca capacidade que o ser humano tem em identificar com precisão a origem da dor visceral. A dor tem localização geralmente difusa nas proximidades do órgão afetado ou mesmo à distância. Sendo assim, um a dor de origem cardíaca pode se manifestar na região do membro superior esquerdo, uma dor pancreática pode manifestar-se com queixas álgicas no ombro esquerdo, um a dor relacionada à vesícula biliar pode referir-se à região do ombro direito ou interescapular à direita. Isso pode ser explicado pelo fato de que os estímulos viscerais penetram em diferentes segmentos da medula espinal, onde se juntam com fibras oriundas de estruturas somáticas. Por isso mesmo, a dor visceral provoca um fenômeno de sensibilização dessas estruturas som áticas superficiais, que resulta em hiperalgesia. Demonstra-se claramente, nesses pacientes, a ocorrência de maior sensibilidade à dor cutânea e, em especial, a existência de dor miofascial nos músculos do mesmo segmento espinal. As dores viscerais frequentemente são descritas como de intensidade variável, como em onda, com períodos de piora, seguidos de melhora. Devem corresponder aos períodos de contração do músculo liso. Os exemplos clássicos ocorrem nas cólicas intestinais e na dor do parto. Outro fenômeno característico das dores viscerais é a associação mais exuberante com fenômenos neurovegetativos, tais com o palidez, mal-estar, sudorese e aumento do peristaltismo. Dor visceral: é provocada por distensão de víscera oca, mal localizada, profunda, opressiva, constritiva. Frequentemente associa-se a sensações de náuseas, vômitos e sudorese. Muitas vezes há dores locais referidas, como em ombro ou mandíbula (relacionadas ao coração), em escápula (referente a vesícula biliar) e em dorso (referente ao pâncreas). 7 Exemplos: câncer de pâncreas, obstrução intestinal, metástase intraperitoneal, infarto agudo do miocárdio, colecistite, pancreatite, etc. A dor visceral, em algumas circunstâncias, é sentida no órgão em que se origina; é o que sucede na dor hepática devida à congestão do fígado, na dor retrosternal da angina de peito, nas dores de dentes ou de ouvidos. Esse tipo de dor é conhecido como dor esplâncnica. Em todos esses casos a dor tem um Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 2 caráter mais ou menos difuso e a localização não é muito precisa. Dor somática: sensação dolorosa rude, exacerbada ao movimento (dor "incidental"). É aliviada pelo repouso, é bem localizada e variável, conforme a lesão básica. Exemplos: dores ósseas, pós-operatórias, dores músculoesqueléticas, dores artríticas, etc. A dor somática profunda localiza-se bastante bem quando tem sua origem em tecidos situados próximo da superfície do corpo, por exemplo nos tendões ou aponeuroses superficiais, no periósteo de ossos imediatamente sob a pele, nas paredes das cavidades abdominal e torácica. Ao contrário, quando se origina em estruturas profundas, é mais difusa e pode ser referida a um ponto distante. Referências: • Dor - Princípios e Práticas; • Fisiopatogênse da dor - Arquivo de Neuropsiquiatria; Volume 23, Nº 3, setembro 1965. 2) DIFERENCIAR A DOR REFERIDA DA IRRADIADA; Dor irradiada: trata-se de um tipo de dor sentida à distância de sua origem, mas obrigatoriamente em estruturas inervadas pela raiz nervosa ou pelo nervo cuja estimulação nóxica é responsável pela dor. Ocorre, portanto, em virtude do comprometimento direto de um nervo ou de uma raiz nervosa espinal. Um exemplo clássico é a dor ciática provocada pela compressão de uma raiz nervosa por hérnia de disco lombar. Dor referida: A dor referida é condição em que a dor sentida não é localizada na região da lesão, mas em local adjacente ou distante. As dores referidas frequentemente decorrem de lesão em tecidos profundos, como músculos, articulações ou vísceras. Frequentemente, esse tipo de dor e a hiperalgesia associada são situadas pelo paciente nos músculos e nas regiões da pele do mesmo dermátomo do órgão lesado. A dor referida aumenta com a intensidade e duração da estimulação nociva da víscera ou estrutura profunda aberta. Geralmente restringe-se a um mesmo segmento espinal. Entretanto, em alguns casos, há expansão para segmentos vizinhos ou mais distantes. A dor referida, na maioria das vezes, pode ser acompanhada de desenvolvimento de maior sensibilidade na área atingida, que é a hiperalgesia referida. O neurofisiologista Theodore Ruch, em 1947, propôs um a teoria para explicar a dor referida, que ficou conhecida com o teoria das projeções convergentes. Ruch sugeriu que axônios dos nociceptores procedentes da região lesada (víscera) e da referida (pele) convergem no mesmo neurônio de segunda ordem (WDR) no corno posterior da medula espinal. Diversas evidências apoiam a ideia de que a dor referida depende da convergência de impulsos para a medula espinal; grande número de neurônios do corno posterior recebe impulsos de aferências viscerais e somáticas, o que suporta a teoria das projeções convergentes. Dados anatômicos e eletrofisiológicos demonstraram também que os neurônios de segunda ordem do corno posterior recebem aferências viscerais e somáticas, indicandohaver convergência víscero-somática. Assim, parece não ser frequente a ocorrência de neurônios de transmissão recebendo apenas aferências viscerais. Um dos exemplos mais utilizados para exemplificar a dor referida é o da dor de origem cardíaca, cujo local somático referido é geralmente um dos membros superiores. Referências: • Dor - Princípios e Práticas; 3) COMPREENDER A DOR VISCERAL ( NOCICEPTORES, FISIOPATOLOGIA, VIAS ASCENDENTES/DESCENDENTES, SNA, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS, TRATAMENTO); Etimologicamente, víscera é de origem latina, plural de viscus, visceris. Relaciona-se com "visco", "viscoso". Este termo decorre do fato de que as vísceras são revestidas internamente por uma mucosa que secreta líquido, conferindo-lhe um aspecto viscoso, além de serem recobertas por uma membrana na maioria dos casos serosas (pleural, pericárdica e peritoneal). As vísceras são órgãos internos do corpo, alojadas especialmente no interior do tórax e abdômen e estão relacionadas com diversas funções vitais importantes do corpo, tais como respiração, irrigação sanguínea, digestão, excreção, reprodução, entre outras. Enquanto na Antiguidade, estes órgãos foram erradamente tidos como pouco sensíveis à dor (até mesmo em decorrência dos métodos incorretos de testagem), hoje têm sido alvo de inúmeras pesquisas. Este fato se deve à grande frequência com que estas afecções acometem o ser humano e de sua difícil Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 3 interpretação. A dor visceral é mais comum do que dor somática e se origina de órgãos internos do tórax, abdômen e pelve, tais como: coração, grandes vasos e estruturas perivasculares (p. ex.: os gânglios linfáticos); estruturas das vias aéreas (faringe, traqueia, brônquios, pulmão, pleura); trato gastrintestinal (esôfago, estômago, intestino delgado, cólon e reto); estruturas abdominais (figado, vesícula biliar, vias biliares, pâncreas e baço); estruturas urológicas (rins, ureteres, bexiga e uretra); órgãos reprodutivos (útero, ovários, vagina, testículos, canais deferentes e próstata); omento e peritônio visceral. Realmente, o impacto das alterações dolorosas viscerais é enorme. A isquemia miocárdica, por exemplo, é a maior causa de morte em muitos países desenvolvidos, como os Estados Unidos. A litíase renal afeta pelo menos um quinto da população, geralmente na idade ativa. A Síndrome do Intestino Irritável (SII) acomete pelo menos 25% da população e corresponde a cerca de metade das consultas na clínica gastroenterológica. A dismenorreia afeta cerca de 50% das mulheres e em pelo menos 10% provoca prejuízos em dias de trabalho. Por isso mesmo, as alterações dolorosas viscerais merecem ser conhecidas em detalhes tanto pelos especialistas em dor como por todos os profissionais de saúde. Embora os sintomas de dor visceral sejam comuns, algumas vezes eles precedem causas fatais subjacentes como: infarto agudo do miocárdio, obstrução intestinal, pancreatite aguda ou peritonite. Uma pronta avaliação e um diagnóstico específico rápido é mandatório, porém, nem sempre é fácil. As dores viscerais podem ser de natureza orgânica ou disfuncional. Elas estão relacionadas à existência de lesões anatômicas, tais como neoplasias, litíases ou alterações vasculares. Por outro lado, as alterações funcionais se devem a uma perturbação no funcionamento do órgão e/ou sistema, no qual, na maioria das vezes, tem investigação anatômica normal. São exemplos de dores disfuncionais aquelas relacionadas, por exemplo, com a SII, dismenorreia, cistite intersticial, entre outras. As vísceras estão predominantemente vinculadas ao chamado sistema nervoso autônomo, nome dado em virtude de seu pouco controle voluntário. De modo geral, não tomamos consciência do funcionamento normal dessas estruturas viscerais em nosso dia-a-dia, exceto quando existem modificações, que podem ocorrer em decorrência de fome ou sensação de plenitude, bem como por doenças. A dor visceral tem cinco características importantes, que merecem destaque: 1. A dor não é evocada de todas as vísceras. Órgãos como fígado, rim, a maioria das vísceras sólidas e o parênquima pulmonar não são sensíveis à dor, enquanto membranas serosas de órgãos ocos são mais sensíveis A dor. Isto ocorre devido a propriedades funcionais de receptores periféricos dos nervos de certos órgãos viscerais e também pelo fato de que multas vísceras são inervadas por receptores que não evocam percepção consciente. 2. A Intensidade da dor não é ligada diretamente com o grau de injúria visceral: o corte do intestino, por exemplo, não causa dor, sendo um exemplo de lesão sem dor, enquanto a distensão da bexiga é dolorosa e é um exemplo de dor sem lesão. 3. A dor é difusa e pobremente localizada devido a poucos aferentes viscerais, quando comparada com vias somáticas. Particularmente, a ausência de vias sensoriais viscerais individualizadas e a extensiva divergência no sistema nervoso central (SNC) podem também levar a diagnósticos errôneos. 4. A dor geralmente é referida para outros locais devido à convergência viscerossomática em vias de dor central. Pode ser, inclusive, a queixa mais importante, e pode confundir a exata localização da doença. 5. A dor é frequentemente acompanhada de reflexos autonômicos e motores, como náusea, vômito e ten. são muscular lombar baixa, como ocorre na cólica renal. Estas alterações podem servir como sistema mantenedor e facilitador da transmissão dolorosa. A ocorrência de dor visceral depende da natureza dos estímulos provocados. Estímulos adequados que produzem dor visceral são: distensão ou estiramento, isquemia e processo inflamatório (de origem infecciosa ou química, por exemplo). Órgãos ocos como o intestino são relativamente sensíveis à distensão e inflamação e insensíveis ao corte e queimadura. Logo, a gravidade da dor nem sempre reflete a gravidade da condição causadora da dor. Uma dor abdominal intensa pode estar associada à presença de gases ou cólica em casos de gastroenterite, enquanto uma dor relativamente leve ou ausente pode estar associada a condições fatais como câncer de cólon ou apendicite precoce. Em condições patológicas, por outro lado, estímulos levemente dolorosos ou até mesmo inócuos, como a passagem de gases e material fecal, podem causar dor (hiperalgesia e alodínea) quando passam por tecidos Inflamados ou alterados (p. ex: SII). → Fisiopatologia da dor visceral O trajeto dos aferentes viscerais tem estreita proximidade com o sistema nervoso autônomo e, Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 4 devido à possibilidade de comunicação interneuronal, os sintomas relacionados dos nervos simpáticos e parassimpáticos são prevalentes. Todas as vísceras abdominais e torácicas têm Inervação aferente associada com nervos simpáticos e parassimpáticos, com exceção do pâncreas. O sistema nervoso autônomo é responsável pelo controle de reflexos cardiopulmonar, gastrointestinal e funções geniturinárias, transmitindo a Informação da víscera para o SNC. A maioria destas informações não 6 percebida no nível consciente (por exemplo: respostas a nutrientes intraluminais, estímulo de barorreceptores, insuflação pulmonar, motilidade gastrintestinal etc.). À esquerda, em azul, destacam-se as vias parassimpáticas, originadas de estruturas cranianas no tronce do encéfalo), bem como da porção sacral. À direita, em vermelho, são demonstradas as vias simpáticas, origina das na medula espinhal em suas porções cérvico-torácicas. Após a sua saída, frequentemente se agrupam em cadelas (plexos), que em geral se localizam na porção pré-vertebral. Os receptores dos neurônios aferentes viscerais primários são localizados na mucosa, músculo e serosa de órgãos ocos e respondem a estímulosquímicos locais e luminais e a estímulos mecânicos (distensão). São geralmente polimodais, respondendo às múltiplas modalidades de estímulos: mecânicos, térmicos e químicos. Sua ativação resulta em respostas a estímulos nocivos e reflete a sua Intensidade. Há duas classes de nociceptores viscerais: 1. Receptores de alto limiar a estímulos naturais: que respondem a estímulos principalmente mecânicos de alcance nocivo. Estes receptores inervam exclusivamente órgãos cuja dor é a única sensação consciente, por exemplo: ureter, rim, pulmão, vias aéreas, coração, velas, vesícula biliar, esôfago, intestino delgado, cólon, bexiga e útero. 2. Receptores de baixo limiar para estímulos naturais: também principalmente mecânicos, que codificam a intensidade do estímulo na magnitude de suas descargas, desde estímulos inócuos até os de alcance nocivos, porém, são relativamente escassos em determinados órgãos, como por exemplo: cólon, estomago, esôfago, bexiga e testículos. Os chamados nociceptores silenciosos estão presentes em larga escala nos órgãos viscerais e em condições normais são irresponsivos a estímulos, mas, geralmente se tomam ativados na presença de injúria tecidual: hipóxia ou inflamação, passando a transmitir estímulos de dor. A nocicepção é iniciada pela ativação de receptores viscerais e, se estes estímulos forem suficientemente fortes, são transmitidos para a coluna dorsal da medula espinhal, através das fibras AS (pobremente mielinizadas) e C (amielinizadas). Sensibilização periférica Na presença de um estímulo repetitivo, bem como na presença de um processo inflamatório, ocorre sensibilização de nociceptores. Estes podem reduzir seu limiar de ativação, ter um aumento de resposta a um dado estímulo ou ocorrer atividade espontânea'*. Esta sensibilização de nociceptores ocorre no tecido lesionado e resulta na liberação de diversos mediadores inflamatórios (histamina, prostaglandinas, serotonina, prótons, NGF e substância P). Alguns desses mediadores podem ativar diretamente os nociceptores e influenciar no limiar desses receptores, bem como ativar indiretamente a via de células inflamatórias. Em adição, um subgrupo de fibras que não são ativas sob condições normais, os nociceptores silenciosos, podem ser recrutados e ativados pelo processo inflamatório, passando a aumentar a aferência de transmissão da dor. Esta rede resulta em Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 5 um aumento de sinais de transmissão de dor para a medula espinhal, levando à hiperalgesia visceral. Transmissão e processamento central As vias aferentes viscerais são consideradas parte do sistema nervoso visceral e constituem 10% de toda a entrada aferente na medula espinhal. Estas vias aferentes viscerais são organizadas de forma difusa, tanto periférica, quanto centralmente. As fibras nervosas aferentes primárias que inervam as vísceras se projetam para o SNC por três vias: a) o nervo vago e seus ramos; b) dentro e ao longo de vias eferentes simpáticas (cadeias simpáticas e ramos esplâncnicos, inclusive ramos torácicos e lombares maior, menor e mínimo) e; c) no nervo pélvico, com eferentes parassimpáticos, e seus ramos. A passagem por meio dos gânglios periféricos ocorre por meio do contato sináptico, por exemplo: nervos do plexo celíaco, mesentérico superior e hipogástrico. O trato gastrintestinal e os gânglios periféricos formam grandes plexos neuronais que controlam as funções autonômicas. No entanto, sua função na sensação dolorosa não é totalmente conhecida. Os corpos celulares de aferentes primários que vão em direção ao SNC se localizam principalmente no gânglio nodoso (vagal) e nos gânglios das raízes dorsais T2-L2 e S1-S5 (associados aos eferentes simpáticos e nervo pélvico). Pode haver função dos aferentes vagais na nocicepção. Alguns, mas não todos os aferentes espinhais estão associados à nocicepção. Ao entrar na coluna dorsal da medula espinhal, os aferentes viscerais terminam nas lâminas de Rexed I, II, V e X na medula espinhal. Aferentes viscerais constituem 10% de toda entrada aferente na medula espinhal. Este é um número relativamente pequeno, considerando a grande superfície de área de alguns órgãos, Estudos anatômicos e eletrofisiológicos demonstram haver uma convergência viscerossomática no corno dorsal da medula espinhal, no qual fibras aferentes somáticas e viscerais terminam no mesmo nível (embora fibras sensoriais sejam anatomicamente distintas nos tecidos periféricos e em centros supraespinhais). Os aferentes viscerais frequentemente ativam o mesmo neurônio espinhal, como aquele ativado por estímulos nocivos somáticos. Consequentemente, a dor é conscientemente percebida erradamente como originada de tecidos somáticos, fenômeno conhecido como dor referida. Em algumas situações, as dores de origem nas estruturas somáticas podem predominar no quadro de dores viscerais, tais como a dor irradiada para o dorso na pancreatite e a dor irradiada para a escápula direita na colecistite aguda. Há também a ocorrência de convergência viscero- visceral nos neurônios de segunda ordem. Esta tipicamente provoca alodínea (dor decorrente de estímulos que usualmente não provocam dor) e hiperalgesia (aumento da dor por estímulos que usualmente provocam dor) em estruturas viscerais que são distantes da víscera que provocou primariamente a dor por exemplo: hiperalgesia de cólon retossigmoide em pacientes com pancreatite crônica). A partir da medula espinhal, a entrada nociceptiva até o cérebro é transmitida por várias vias. A maioria dos aferentes ascende pelo trato espinotalâmico até o tálamo. Outras vias conhecidas são: o trato espino- hipo-talâmico, o trato espinorreticular, o trato espinosolitário, o trato espinoparatraqueal entre outros. Por sua vez, o tálamo projeta para ínsula, hipotálamo, amigdala e áreas corticais altas (córtex pré-frontal e cingular). A insula integra a atividade motora e sensorial visceral com a entrada do sistema límbico. Este é um fator importante na percepção da dor de órgãos como o intestino. O córtex pré-frontal e cingular anterior mediam vários componentes cognitivos, emocionais e afetivos na experiencia de dor. A coluna dorsal tem também a função de mediar a dor do cólon para o SNC. Finalmente uma parte de aferentes ascende pelo trato espinomesencefálico, que se refere a uma rede neuronal complexa, incluindo a substancia cinzenta periaquedutal, o núcleo rostroventral da medula e o tegmento pontino dorsolateral. Esta rede compreende a base estrutural de controle de dor descendente e modula o processo de dor no nível espinhal através de inibição descendente ou de vias facilitadoras Sensibilização central Um aumento na entrada do estímulo nocivo na medula espinhal pode resultar em um aumento na capacidade de resposta na transmissão neuronal central da dor. Este fenômeno é conhecido como sensibilização central da dor e se refere a um aumento na eficácia sináptica em neurônios sensoriais no SNC, devido a um intenso estímulo nocivo periférico, ocasionado em casos como aqueles relacionados ao grande dano tecidual ou a alterações neuropáticas. Vários mecanismos têm sido associados a este fenômeno e um dos mais importantes é a ativação do receptor NMDA (N-metil-D-aspartato), revelando um envolvimento chave do glutamato neste processo. A sensibilização central tem sido estudada extensivamente em dores somáticas e se manifesta tipicamente como alodínea e hiperalgesia, sendo que este último também ocorre em pacientes com dores Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 6 viscerais. A hiperalgesia visceral é vista como um aumento da sensibilidade à dor em um órgão interno (por exemplo: inflamação de vido ao fenômeno de sensibilização periférica e central).A manutenção do estado de hiperexcitabilidade central generalizada, com a ativação de determinados receptores, é crucial em dor crônica visceral e hiperalgesia. As evidências experimentais têm demonstrado o papel central do receptor NMDA nesta situação. Ao contrário do sistema somático, onde a somação de estímulos repetidos, bem como a presença de estímulos prolongados, como ocorrida durante uma inflamação, são necessários para ativar os receptores NMDA, parece que o receptor neste caso pode ser ativado por estímulos viscerais de baixa intensidade e curta duração. Uma especial forma de hiperalgesia, que está frequentemente presente em síndromes dolorosas viscerais é a chamada hiperalgesia viscero-visceral, que reflete um aumento na percepção de dor de dois diferentes órgãos internos, dividindo pelo menos parte de suas projeções sensoriais centrais, provavelmente devido ao fenômeno de sensibilização central de neurônios convergentes víscero-viscerais. Deve ser enfatizado que, em dor crônica visceral, com hiperalgesia víscero-visceral, o tratamento da condição de uma víscera pode efetivamente aliviar os sintomas da outra víscera (por exemplo, o tratamento hormonal de dismenorreia pode diminuir sintomas de SII) Há evidências de que alterações neuroplásticas no SNC sio diferentes e de fato mais prevalentes em processos de dor visceral quando comparadas com a dor somática. Outro mecanismo relacionado à geração do fenômeno de sensibilização central são as mudanças ocorridas nas células da glia. Estas células do SNC e periférico que, até há pouco pareciam ter funções estáticas na homeostase do sistema nervoso, têm sido demonstradas como tendo a capacidade de sofrer mudancas anatômicas e funcionais, que em última análise, culminariam com o desenvolvimento de geração de uma dor persistente. Dodds et al., em 2016, demonstraram que as células gliais da medula espinhal contribuem para a geração de uma inflamação neurogênica e uma facilitação da transmissão do impulso sináptico, parecendo estar envolvidas com a maior predisposição do sexo feminino em desenvolver quadros dolorosos. Diversos fatores genéticos podem também contribuir no aparecimento e manutenção de quadros dolorosos somáticos e viscerais. Concomitantemente, alguns mecanismos epigenéticos, tais como a metilação do DNA, alterações nas histonas e micro RNAs, parecem contribuir na gênese das alterações dolorosas. Modulação da dor Entende-se por modulação ou supressão da dor a todos os mecanismos que geram uma diminuição na transmissão dos impulsos dolorosos, funcionando como uma espécie de "sistema filtro", que bloquearia parcial ou totalmente a passagem (e consequentemente, a percepção) do fenômeno doloroso. Existem vários mecanismos do sistema de modulação da dor. A modulação descendente da dor pode resultar em um aumento (facilitação), ou uma diminuição (inibição) na transmissão espinhal. O balanço entre inibição e facilitação define a qualidade de força da transmissão do sinal da dor. Na transição de dor aguda para crônica, e em alguns casos de dores neuropáticas, têm sido demonstradas alterações, nas quais os estímulos passam da inibição para a facilitação. Isto envolve estruturas do tronco cerebral e pode levar à geração e manutenção de sensibilização central e hiperalgesia. No nível cortical, o córtex do cíngulo anterior é a fonte mais importante de modulação descendente, projetando do mesencéfalo para a amígdala e substância periaquedutal. A substância periaquedutal controla a transmissão nociceptiva por meio de conexões através de neurônios na medula ventromedial rostral e tegmento pontino dorsolateral. Estas duas regiões projetam através do funículo dorsolateral da medula espinhal e seletivamente atingem a lâmina do corno dorsal que realiza a transmissão de estímulos nociceptivos. Este circuito pode seletivamente modular a transmissão nociceptiva por seus nociceptores aferentes primários anatomicamente próximos na coluna dorsal da medula espinhal. A estimulação destes locais inibe a resposta de neurônios espinais aos estímulos nocivos. Na parte inferior do tronco cerebral, o locus coeruleus (noradrenérgico), o núcleo da rafe (serotoninérgico) e a medula ventral rostromedial recebem estímulos da amígdala e substância periaquedutal e projetam para o corno dorsal da medula espinhal, onde a transmissão da entrada pode ser fechada. Embora muitas dessas informações venham de estudos de dores somáticas, alguns confirmam que as estimulações desses locais podem ter efeitos analgésicos na modulação da entrada visceral. Finalmente, a organização central do circuito da dor pode diferir em doenças somáticas e viscerais, tal como a ínsula, que parece exercer a maior função na Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 7 dor visceral, onde conexões entre a ínsula e outras estruturas do sistema límbico são prevalentes. → Quadro clínico A dor visceral tem uma evolução temporal e em seu estágio inicial pode ser insidioso e difícil de identificar. A dor é vaga, difusa, além de pobremente definida. Independentemente do órgão específico de origem, é usualmente percebida na linha mediana no nível inferior do esterno ou abdômen superior. Se a origem da dor é do coração, esôfago, estômago, duodeno, vesícula biliar ou pâncreas, a dor visceral na fase inicial pode ser percebida em geral no mesmo local. A dor visceral pode ser minimizada e negligenciada quando não é claramente descrita ou então quando descrita como sendo vaga, com sensação de desconforto, mal- estar ou opressão. Com frequência, é tipicamente associada com fenômenos autonômicos como: palidez, sudorese, náusea, vômito, alteração da pressão arterial e da frequência cardíaca, distúrbios gastrointestinais (por exemplo: diarreia) e alterações na temperatura corporal. Fortes reações emocionais estão comumente presentes, tais como: ansiedade, angústia e algumas vezes até mesmo sensação iminente de morte. Algumas enfermidades viscerais podem se manifestar principalmente através de reações vegetativas e emocionais, com mínima dor e desconforto. Um exemplo típico é o infarto do miocárdio sem dor, que pode se apresentar com sensação de plenitude gástrica, peso, pressão, compressão ou dispneia. Estes sintomas podem levar a um incorreto diagnóstico de doenças gastrointestinais, principalmente quando acompanhados de náuseas e vômitos. Sendo assim, a dor visceral deve ser sempre suspeitada, quando sensações vagas de mal-estar na linha média são relatados pelos pacientes, especialmente se forem idosos. Apresentação clínica da dor visceral a) Dor visceral verdadeira: dor usualmente vaga, difusa e de localização imprecisa. Ocorre devido à baixa densidade de inervação sensorial visceral e à extensiva divergência de entrada dos estímulos com o sistema nervoso autônomo. Tem uma evolução temporal e pode ser difícil de identificar no estágio Inicial. Algumas vezes apresenta-se somente como uma vaga sensação de desconforto, mal-estar ou opressão. Pode estar associada com marcados fenômenos autonômicos e com fortes reações emocionais, conforme descrito anteriormente. Um exemplo típico é a dor do infarto agudo do miocárdio. Não tem correlação direta entre a intensidade da dor e a extensão da injúria. A correlação entre dor visceral e emoções negativas pode aumentar a ocorrência de dor relacionada à memória de dor sensibilização central. b) Dor referida e hiperalgesia (convergência vis- cerossomática): a dor visceral pode se apresentar numa localização somática. Ocorre devido à convergência da Inervação dos órgãos viscerais e áreas somáticas no mesmo neurônio sensorial espinhal. Esta dor se apresenta tipicamente como somática profunda, mais localizada e não acompanhada de francas reaçõessimpáticas e emocionais. Pode estar associada com hiperalgesia e é usualmente limitada aos músculos, mas pode se estender superficialmente para o tecido subcutânco e pele. A hiperalgesia referida de órgãos internos resulta provavelmente de um processo de sensibilização central, envolvendo neurônios da convergência viscerossomática (facilitação da convergência). Pode persistir até mesmo após o estímulo primário ter cessado. Hiperalgesia referida é com frequência acompanhada por alterações tróficas, tipicamente um espessamento do tecido subcutâneo e algum grau de atrofia muscular local Estes eventos são presumidamente decorrentes da alivação de reflexos viscerossomaticos. c) Hiperalgesia visceral: definida como um aumento da sensibilidade de um órgão interno, de tal modo que até mesmo um estímulo não patológico ou normal pode produzir dor desse órgão. Isto é comumente associado com dor visceral e acredita-se ser decorrente de sensibilização periférica e central exemplo dor após a ingestão de comida ou líquido em um esôfago ou estômago quando a mucosa esta inflamada ou dor na bexiga devido à distensão de um grau normal durante um processo inflamatório do trato urinário baixo. d) Hiperalgesia viscero-visceral: é o aumento da dor devido a interação sensorial entre dois diferentes órgãos internos que dividem pelo menos parte de seus circuitos aferentes consiste de uns aumento de ambos sintomas diretos e referidos de toda a víscera envolvida, produzindo um quadro clínico complexo. Por exemplo: pacientes com doença cardíaca coronariana associada a cálculo biliar podem experimentar crises mais frequentes de angina e cólica biliar em comparação com pacientes com uma condição única. Isso ocorre devido à sobreposição parcial de vias aferentes em T5 do coração e da vesícula biliar: Hiperalgesia víscero-visceral é provavelmente produzida por processo de sensibilização, envolvendo neurônios em convergência víscero-visceral no SNC. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 8 A dor crônica visceral também pode ser considerada como orgânica ou funcional dependendo se o fator etiológico da patologia específica pode ser identificado. A dor funcional visceral se refere à dor sem evidência de anormalidades anatômicas, inflamatórias, metabólicas ou neoplásicas. O exemplo mais prevalente de dor funcional visceral é a SII. Tipos específicos de dor Coração. A estimulação mecânica do coração é indolor. O principal evento desencadeador de dor cardíaca certamente é a isquemia, como a vista na angina e no infarto. E descrita como sensação de constrição ou aperto na região retroesternal, mas pode se irradiar para o pescoço, mandíbula e membro superior esquerdo. Muitos pacientes, no entanto, podem apresentar isquemia sem dor. Isso ocorre, em especial, em neuropatias, como o diabete, ou quando a área afetada tem pouca inervação, em especial na região subendocárdica. O coração apresenta dupla inervação, tanto pelo vago (gânglio nodoso), com o pelas fibras aferentes simpáticas, que têm seus corpos vertebrais nas três ou quatro raízes dorsais, e daí penetram na medula tanto na região cervical como na torácica alta. Pulmão. O parênquima pulmonar e a pleura visceral são praticamente insensíveis a dor. Por causa disso, muitos problemas, como contusões traumáticas e neoplasias, podem passar despercebidos, aparecendo dor apenas quando atingem a pleura parietal ou os brônquios. É possível, no entanto, que, em situações de dispneia, com o em situações de exercícios extenuantes ou no edema agudo, algumas fibras aferentes do pulmão possam gerar sensação de pressão torácica. Outras sensações, com o a pressão relacionada à hiperinsuflação, são mais provavelmente decorrentes de estimulação da parede torácica. Vias aéreas. Processos irritativos nas vias aéreas são descritos com o sensação de desconforto e queimação. Os aferentes têm inervação tanto vagal (gânglios nodoso e jugular) como simpática. O papel das fibras simpáticas é menor, sendo relacionadas à cadeia simpática torácica, que se dirigem à medula espinal nos níveis torácicos superiores. Esôfago. O esôfago pode manifestar dor ou desconforto frente a situações diversas, como ingestão de alimentos quentes ou frios, processos inflamatórios e distensão mecânica. Na prática clínica, em situações como a esofagite de refluxo, se localiza na região retroesternal; por essa razão, frequentemente se confunde com a dor de origem cardíaca. A presenta poucos aferentes vagais, com fibras aferentes simpáticas se dirigindo para múltiplos níveis, predominantemente na região torácica. Estômago. Em condições normais, o estômago é praticam ente insensível ao corte e aos estímulos elétricos. O principal estímulo doloroso ocorre quando há distensão mecânica, que é descrito pelos pacientes em situações como a insuflação de ar durante procedimento de endoscopia. No entanto, em situações em que existe reação inflamatória, como na gastrite e úlcera, existe resposta dolorosa à pressão local, com o na ingestão de alimentos. A dor localiza- se classicamente na região epigástrica, mas pode se irradiar à região torácica e até mesmo dorsal. Recebe inervação predominantemente simpática, com aferentes trafegando para a região torácica por meio da cadeia simpática torácica e gânglio celíaco. Intestino. Os intestinos delgado e grosso não respondem a estímulos táteis ou nocivos, tais como corte ou coagulação de suas paredes, porém respondem a distensão mecânica, estiramento e aumento do peristaltismo. No primeiro caso, ocorre sensação de plenitude e desconforto, enquanto, no último caso, há dor tipo cólica, comum em processos como as enterocolites. Outros mecanismos de dor incluem a isquemia e a presença de substâncias inflamatórias. As fibras vagais parecem ter mais relação com mecanismos reflexos, enquanto a dor tem com o aferência principal as fibras simpáticas carreadas por meio dos nervos esplâncnicos. Nas regiões mais distais, em especial no reto, a sensibilidade aumenta, sendo maior ainda na região do ânus. Pâncreas. O pâncreas apresenta grande aferência dolorosa, gerando dor intensa em situações com o neoplasias, pancreatite ou obstrução de seus dutos. A aferência vagal parece ter pouco papel na transmissão da dor, sendo que as fibras simpáticas são certamente o principal meio de transmissão desses estímulos. Na prática clínica, as neoplasias de pâncreas respondem muito bem a bloqueios e neurólise (alcoolização) do gânglio celíaco. Fígado. Conforme citado anteriormente, o parênquima hepático é praticam ente insensível ao corte ou à destruição por processos neoplásicos. Tal fato se confirma na clínica, quando, mesmo na presença de múltiplas metástases, a ocorrência de dor hepática é quase nula. No entanto, quando existe distensão significativa em grandes tumores, nos Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 9 abscessos ou nas hepatites, existe dor, provavelmente mediada pela distensão da cápsula ou pela com pressão de vias biliares. Vias biliares. A vesícula biliar e suas vias de drenagem demonstram muita sensibilidade à dor, em especial às situações de distensão mecânica ou espasmos. As dores costumam ser referidas com o em ondas (cólicas), localizadas no hipocôndrio direito, podendo irradiar para todo o abdome superior, dorso e ombro direito. Rins. A secção cirúrgica do rim não dispara dor em indivíduos sob anestesia local. No entanto, a distensão decorrente de obstrução de suas vias é extremamente dolorosa. As fibras aferentes são tanto vagais como simpáticas, essas últimas relacionadas aos nervos esplâncnicos, se dirigindo ao plexo celíaco e daí para penetrar nos níveis da transição toracolombar. Ureteres. A pesar de que, à primeira vista, a cólicanefrética se deva à presença de um cálculo trafegando sobre a parede dos ureteres, alguns trabalhos experimentais demonstram que o evento causador dessa dor se deve à dilatação proximal das vias urinárias. A dor da cólica renal localiza-se geralmente na região lombar, porém comumente se irradia à fossa ilíaca, indo até a bolsa escrotal ou os grandes lábios. Bexiga. A bexiga é sensível aos aumentos de volume em seu interior. Em volumes crescentes, passam de um a sensação de pressão à dor. Caso exista infecção, a dor aumenta e mesmo pequenos volumes podem gerar sintomas, localizados na região do hipogástrio. Útero/ovários. O útero é inervado tanto pelo parassimpático como pelo simpático, trafegando pelos nervos hipogástricos. O útero é particularmente sensível à existência de contraturas repetidas, como por ocasião do parto, apesar de que, na fase de expulsão, outros locais também produzem dor, decorrente da distensão da vagina e compressão de estruturas da parede abdominal. Podem, no entanto, gerar dor em outras situações, tais como durante a menstruação, processos inflamatórios e na endometriose. Os ovários podem manifestar dor leve durante a ovulação, mas clinicamente a maior causa de dor ocorre durante os processos inflamatórios e as neoplasias volumosas. Testículo/órgãos reprodutores masculinos. O testículo e o epidídimo são ricamente inervados, com presença de fibras polimodais, com resposta a estímulos mecânicos, térmicos e químicos. Por essa razão, manifestam dor acentuada frente a traumas, processos inflamatórios ou neoplásicos. → Tratamento A relativa escassez de conhecimento da nocicepção visceral, em comparação com as síndromes nociceptivas somáticas, leva a um maior desafio no tratamento das síndromes nociceptivas viscerais. O melhor entendimento dos diferentes processos envolvendo a nocicepção visceral e mecanismos analgésicos levam a um tratamento mais efetivo de dor visceral. Considerando os diversos mecanismos e a complexidade de estratégias de tratamento, a intervenção terapêutica deve ser baseada na doença específica, bem como nos mecanismos de dor subjacentes. A distinção entre disfunção visceral orgânica ou funcional é importante na decisão da opção do tratamento, embora seja um desafio, pois elas podem coexistir. A educação e informação do paciente é muito importante no manuseio de qualquer síndrome dolorosa. O paciente deve ser informado sobre todos os resultados das investigações e o provável diagnóstico. Isto ajudará a diminuir a ansiedade, que pode ter um efeito significativo na dor. Prover informações aos pacientes os empodera com o conhecimento e os ajudam a realizar escolhas para o manuseio da dor dentro de expectativas realistas. O tratamento da dor visceral deve ocorrer de forma paralela, direcionado para a doença subjacente, quando identificada e para alívio de sintomas. A enfermidade subjacente pode compreender um grande número de condições em muitos órgãos e seu diagnóstico definitivo e tratamento frequentemente requerem consultas especializadas (por exemplo com o cardiologista para dor torácica e com o gastroenterologista para dor pancreática) e procedimentos, desde angioplastia para isquemia cardíaca, cirurgia para condições como aderências intestinais, litotripsia para cálculos renais e ablação laparoscópica de focos de endometriose. É importante o reconhecimento de uma causa potencial de risco de vida. Na prática, há muitos casos onde uma causa exata para a dor não é identificada ou ainda quando, apesar de ser realizado um ótimo tratamento, a dor ainda persiste. Investigações prolongadas e infrutíferas devem cessar antes que ocorra dor relacionada aos procedimentos ou que os problemas psicológicos se tornem intransponíveis. Quanto mais prolongado e repetitiva a aferência visceral no SNC, maior o risco de longo tempo de Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 10 sensibilização e suas consequências como hiperalgesia referida e alterações tróficas. O tratamento sintomático da dor visceral depende principalmente de farmacoterapia: não somente analgésicos clássicos, mas também com medicações que, mesmo não sendo analgésicos, reduzem a dor em circunstâncias específicas, diminuindo o estímulo nociceptivo. Por exemplo os nitratos, que reduzem a dor anginosa por promover vasodilatação arterial coronariana; antagonistas do receptor histamina no estômago ou inibidor da bomba de prótons, que aliviam a dor de úlceras e gastrites, pela redução da acidez gástrica, e antiespasmódicos, que aliviam a dor de vísceras ocas por interromper a contração reflexa da víscera. A escada analgésica foi desenvolvida pela organização mundial da saúde para o manuseio de dor em câncer e seu uso tem sido estendido também para o tratamento de dor visceral crônica. Os analgésicos simples como o paracetamol, assim como anti-inflamatórios não hormonais (AINH), têm função limitada na dor visceral. O paracetamol, um fraco inibidor da cicloxigenase-2 e um seletivo inibidor da cicloxigenase-3, é usado para dor, mas pouco se conhece sobre sua resposta à dor visceral, desde que muitos estudos não têm focado neste tipo de dor. Os AINHs são efetivos na redução da dor no câncer. Muitos estudos têm demonstrado que eles são tão efetivos quanto opioides no tratamento da cólica biliar, com menos efeitos adversos. Um dos mecanismos do AINH em cólica renal ou biliar pode envolver o bloqueio da acetilcolina. O diclofenaco também bloqueia a acetilcolina Induzida pela contração da musculatura lisa. É provável que opioides por curto período de tempo representem uma opção custo-efetiva para pacientes com dor visceral orgânica (por exemplo: pancreatite crônica), embora sua função para o manuseio de desordens funcionais viscerais permaneça incerta. Além disso, a dor contínua pode induzir a sensibilização central e a alteração na modulação da dor, o que torna o opioide menos efetivo. Finalmente, fenômenos tais como: a tolerância, a adição, a hiperalgia induzida por opioide, as alterações Intestinais como dismotilidade e constipação, e outros efeitos adversos, podem limitar seu uso. Laxativos devem ser prescritos concomitantemente aos opioides fortes", porém deve-se observar que laxantes osmóticos como magnésio e lactulona podem ocasionar distensão e dor visceral, assim como os procinéticos. Os antidiarreicos como a loperamida, um análogo opioide agonista, reduz a peristalse intestinal e secreção, sendo utilizado em quadros selecionados de diarreia, porém, não alivia a dor nem a distensão abdominal. Os analgésicos convencionais, como o paracetamol, anti-inflamatórios e opioides têm resposta limitada em dores funcionais. Os antiespasmódicos podem ter uma função importante no manuseio da dor visceral devido à presença de espasmos excessivos da musculatura lisa, por exemplo na dor associada da cólica renal, da dismenorreia e em casos de SII. Com o objetivo de otimizar o manuseio de dor crônica visceral, o maior foco precisa ser o manuseio do processo de sensibilização central e as alterações psicológicas e não somente melhorar a nocicepção periférica. Os analgésicos adjuvantes exercem a função principal no manuseio de dor visceral crônica e, em particular, devem ser iniciados quando sinais de sensibilização central (hiperalgesia e alodínea) estão presentes. Os antidepressivos como os tricíclicos, inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina, bem como os Inibidores seletivos da recaptação da serotonina, também são utilizados no tratamento da dor visceral crônica, especialmente em desordens funcionais. Antidepressivos tricíclicos demonstram ter propriedades analgésicas e neuromodulatórias, sendo importante iniciar em baixas doses e aumentá-la, titulando a lentamenteem semanas. A avaliação da literatura de antidepressivos em síndromes dolorosas viscerais orgânicas são insuficientes para realizar qualquer conclusão. Finalmente, deve ser notado que há diferenças grandes em propriedades de receptores e mecanismos analgésicos entre as diferentes classes de antidepressivos: tricíclicos, inibidores seletivos da receptação da serotonina e inibidores da receptação da serotonina e noradrenalina. Além do mais uma abordagem individual é necessária. As medicações para dores neuropáticas podem ter sua utilidade, uma vez que sua fisiopatologia divide algumas características com a dor visceral, incluindo contribuições da sensibilização periférica e central, alteração da inibição descendente e alvos moleculares similares". Tanto a gabapentina como a pregabalina, têm demonstrado, em estudos experimentais, a capacidade de reduzir a dor em casos de pancreatite crônica e SII. Em estudo randomizado e controlado, a pregabalina adjuvante resultou em maior efetividade no alívio da dor em três semanas e melhora da saúde geral em paciente com pancreatite crônica, em comparação ao Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 11 placebo. Os autores concluíram que a pregabalina deve ser considerada como um passo a mais em pacientes cujos sintomas são refratários à terapia estândar. Há muitos outros agentes farmacológicos que têm sido usados para tratamento de dor visceral. Nitratos são úteis para a isquemia cardíaca e anti-histamínicos têm função na dor epigástrica. O octreotide reduz a hiperalgesia visceral e é uma escolha lógica à morfina em obstrução intestinal maligna. Tem sido sugerido que o manuseio da dor visceral deve seguir a mesma abordagem geral que aquela utilizada para outras síndromes dolorosas, portanto, a abordagem fisioterápica pode ser utilizada para dor visceral. Exercícios e movimentos são importantes componentes no manuseio de dor crônica, mas não há evidências que suportem a superioridade de exercícios específicos sobre exercícios gerais. Podem haver alterações musculares e subcutâneas subsequentes à patologia da dor visceral, onde a fisioterapia poderia ter uma função específica (por exemplo: hiperalgesia do assoalho pélvico secundário à síndrome da bexiga dolorosa. As atuais evidências de acupuntura em síndromes dolorosas viscerais são limitadas, mas como é um procedimento de baixo risco, pode ser útil no manuseio de pacientes com maiores dificuldades no controle da dor. As intervenções invasivas, tais como: bloqueio do sistema nervoso simpático (plexo celíaco, lombar, hipogástrico, esplâncnico e gânglio ímpar) têm importante valor no diagnóstico e tratamento da dor visceral. Lesões seletivas de vias de dor viscerais (DREZ, cordotomia e mielotomias) têm indicação apenas em casos bastantes selecionados. A estimulação elétrica transcraniana, uma técnica não invasiva usada para tratamento de dor crônica de várias origens, tem sido pesquisada quanto a sua efetividade nas dores viscerais. O modelo biopsicossocial de dor descreve uma complexa interação entre dor, comportamento, cognição, emoção e contexto social. A intervenção psicológica tem uma função importante no manuseio de dor visceral. O efeito da dor visceral se estende para relação com a família, amigos, vida social, trabalho e estudo. Técnicas cognitivas comportamentais são destinadas a melhorar o impacto da dor, mas a experiência de dor pode também usualmente melhoraria Os tratamentos interdisciplinares resultam em alívio significativo da dor e do sofrimento, sendo de fundamental importância a educação cognitivo comportamental, enfatizando os métodos ativos de enfrentamento. Referências: • Tratado de dor - SBED. 4) ESTUDAR A NEFROLITÍASE (FISIOPATOLOGIA, QUADRO CLÍNICO, MÉTODOS DIAGNÓSTICOS); O encontro de um cálculo renal deve ser interpretado como um distúrbio permanente, no qual o paciente estará sempre suscetível à formação de novos cálculos... A taxa de recorrência é de 10% no primeiro ano, 35% nos cinco anos subsequentes e 50- 60% em dez anos. Ou seja, a nefrolitíase é uma doença crônica que, portanto, deve ser devidamente controlada. A doença litiásica é mais comuns em homens e tem seu pico de incidência entre 20-40 anos, manifestando-se, principalmente, através da síndrome de "cólica nefrética". Os principais fatores de risco são: (1) história pessoal de nefrolitíase; (2) história familiar de nefrolitíase; (3) baixa ingesta hídrica; (4) urina ácida (como acontece na vigência de resistência à insulina, obesidade, diabetes mellitus tipo 2, diarreia crônica); (5) história de gota; (6) hipertensão arterial sistêmica; (7) cirurgia bariátrica; (8) uso prolongado de certos medicamentos (ex.: indinavir em adultos e ceftriaxona em crianças); e (9) infecção urinária crônica ou recorrente. Os cálculos urinários podem ser classificados quanto a sua localização e composição: Quanto à localização podem ser classificados em caliciais, piélicos, coraliformes (que podem ser subdivididos em parciais ou completos), ureterais (dependendo de sua localização no ureter: proximais, mediais e distais), vesicais e uretrais. Quanto à composição, a urolitíase pode ser classificada em cálculos de: • Oxalato de cálcio puro; • Oxalato de cálcio e fosfato; • Fosfato de cálcio puro; • Estruvita (formado de fosfato amoniaco magnesiano); • Ácido úrico; • Cistina. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 12 É interessante de se observar que além da diferença de composição, esses cálculos apresentam diferença também quanto à sua frequência, radiotransparência e variação de PH. A variação do PH pode ser favorável para desenvolvimento de determinados tipos de cálculos e usado no tratamento da urolitíase. Os cálculos compostos por sais de cálcio representam 70-80% dos casos. Em sua maioria, são de oxalato de cálcio (40-70% de todos os cálculos renais). Em metade dos casos, o cálculo é puro; no restante, está misturado a outros sais, geralmente fosfato de cálcio. Existem dois tipos de cristais de oxalato de cálcio: o monoidratado (wewelita) e o di-hidratado (wedelita). Eles diferem quanto a sua morfologia e algumas propriedades físicas. O outro sal de cálcio é o fosfato de cálcio, um composto mineral denominado apatita, encontrado com mais frequência misturado ao oxalato de cálcio. O cálculo de fosfato de cálcio puro é incomum, sendo responsável por apenas 6% dos cálculos renais. O tipo mais comum de fosfato de cálcio encontrado nos cálculos renais é a hidroxiapatita ou Ca5 (PO4)3OH, e o menos comum é a brushita ou CaHPO4.H2O. O segundo tipo mais frequente de cálculo renal é o de estruvita, ou fosfato de amônio magnesiano (fosfato triplo) correspondendo a 10-20% do total. Este cálculo é chamado de "cálculo infeccioso", pois só se desenvolve na presença de bactérias produtoras de urease na urina. Em terceiro lugar está o cálculo de ácido úrico, representando 5-10% dos casos e, finalmente, o cálculo de cistina, responsável por 2-3% dos casos. Os cálculos urinários podem aparecer na urina e serem vistos a olho nu. Cada tipo possui características próprias de forma, cor e consistência, porém, apenas uma análise físico-química é capaz de confirmar sua verdadeira natureza. A sedimentoscopia (EAS) pode mostrar os micrólitos (ou cristais), que apresentam importantes diferenças morfológicas na microscopia óptica e de luz polarizada (birrefringência). Tipos muito raros de cálculo são os de xantina (em indivíduos com deficiência da xantina oxidase) e os de di-hidroxiadenina (nos portadores de deficiência de adenina fosforribosiltransferase). → Fisiopatologia Na urina, existem vários elementos químicos que, ao se combinarem, podem produzir sais insolúveis, levandoà formação de cristais (micrólitos). Os cálculos renais se originam do crescimento e agregação desses cristais! Condições que favorecem a supersaturação da urina, como hiperexcreção de solutos, volume urinário reduzido, alterações do pH e deficiência dos inibidores da cristalização favorecem a formação de cálculos. Alterações anatômicas facilitam a formação de cálculos ao produzirem estase urinária, por exemplo: duplicidade pielocalicial, rim esponjoso medular, rim em ferradura, ureterocele, etc. O primeiro pré-requisito para a formação de cristais urinários é a supersaturação. Dizemos que a urina está supersaturada de algum sal (por exemplo, oxalato de cálcio), quando o produto da concentração de seus componentes individuais (neste caso, cálcio x oxalato) está acima de um determinado valor – o "produto de solubilidade". Este produto sofre influência do pH urinário... Uma urina com pH > 7,0 (alcalino) favorece a supersaturação do fosfato de cálcio (apatita) e do fosfato de amônio magnesiano (estruvita), enquanto um pH urinário < 5,0 (ácido) reduz a solubilidade do ácido úrico e da cistina. A solubilidade do oxalato de cálcio não é afetada pelo pH urinário. O processo de formação dos cristais chama-se nucleação, e pode ser de dois tipos: • Homogênea; • Heterogênea. Nucleação homogênea (ou primária): quando o cristal é "puro" (por exemplo: apenas cálcio e oxalato). Este tipo de nucleação exige concentrações urinárias muito elevadas dos elementos envolvidos, bem acima de seu "produto de solubilidade"... Na realidade, para que ocorra nucleação homogênea é preciso que as Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 13 concentrações iônicas estejam acima de outro valor – o "produto de formação de cristais". Nucleação heterogênea (também chamada de epitaxial ou secundária): quando o cristal é formado sobre a superfície de outro cristal de composição diferente. Este último serve como "nicho" para a aposição dos novos complexos... Temos como exemplo, os cristais de oxalato de cálcio que se formam sobre cristais de fosfato de cálcio (apatita) ou ácido úrico. A nucleação heterogênea pode ocorrer com concentrações levemente acima do "produto de solubilidade". Eventualmente, a nucleação heterogênea pode ter como "nicho" elementos orgânicos, como debris celulares. Formado o cristal, dois processos adicionais sobrevêm: crescimento e agregação. Alguns cristais se formam aderidos à superfície do epitélio urinário, geralmente nas papilas renais. Uma matriz proteica contida nos cálculos pode servir como "âncora" para fixação a essas estruturas. A adesão mecânica garante tempo suficiente para o crescimento e agregação – daí ser tão frequente encontrarmos os cálculos "nascendo" na intimidade dos cálices renais, antes de migrar para a pelve. → Inibidores fisiológicos O principal inibidor fisiológico da formação de cálculos urinários é a água. Uma urina diluída reduz a concentração de todos os seus elementos químicos, diminuindo a chance de nucleação (cristalização). A concentração iônica torna-se inferior ao "produto de formação de cristais" e, às vezes, ao "produto de solubilidade". A diluição urinária aumenta também o fluxo de urina, facilitando a eliminação dos cristais recém-formados. Ou seja, o aumento da ingesta hídrica inibe todas as fases de formação de um cálculo renal (nucleação, crescimento e agregação). O citrato e o magnésio são importantes inibidores da nucleação do oxalato de cálcio, pois o magnésio se liga ao oxalato (formando oxalato de magnésio), e o citrato se liga ao cálcio (formando citrato de cálcio), ambos substâncias bastante solúveis. O pirofosfato é outro inibidor fisiológico do crescimento e agregação dos cristais de cálcio. → Quadro clínico Os principais sintomas clínicos da urolitíase são: cólica renal, hematúria e sintomas urinários irritativos. A dor decorrente de cálculo urinário é típica e geralmente decorre da migração do cálculo com obstrução parcial ou completa do ureter. Após obstrução ureteral, ocorre ureterohidronefrose a montante com subsequente distenção da pelve e cápsula renal, as quais estimulam o sistema nervoso central através dos nervos esplâncnicos e do plexo celíaco, causando o sintoma de dor. As características da dor renal devido à obstrução ureteral são: • dor em cólica; • início súbito; • localizada na região lombar do mesmo lado da obstrução; • irradiação para testículos, uretra ou lábios vaginais, na mulher; • forte intensidade; • sem posição que possa diminuir a dor; • geralmente é necessária medicação endovenosa para alívio da dor; • acompanhada de náuseas e vômitos; • acompanhada de sintomas urinários A hematúria que frequentemente está associada ao cálculo urinário pode ser macroscópica ou microscópica. Essa última detectada através do exame de urina, realizado quando houver dúvida de diagnóstico. A hematúria algumas vezes pode estar ausente, principalmente na ocorrência de obstrução completa que não permite a passagem de sangue e coágulos. Sintomas urinários frequentes como disúria, polaciúria e urgência miccional podem estar associados à cólica renal. Geralmente esses sintomas estão presentes quando o cálculo estiver localizado no ureter distal devido a irritação vesical, na associação com infecção urinária, presença de cálculo intravesical e durante sua eliminação. → Diagnóstico Durante episódio agudo de cólica nefrética os exames necessários para o diagnóstico são: • Exame de urina (sedimento urinário); • Avaliação radiológica - Rx simples de abdome e/ou Ultrasom, Tomografia helicoidal de abdome e pelve sem contraste, com cortes finos de 5 mm (a tomografia é especialmente útil em suspeita de cálculo ureteral); • Urocultura deve ser solicitada na dependência de: − Sintomas de ITU (diagnóstico diferencial com pielonefrite ou associação da litíase com ITU); − Leucocitúria muito importante; − Bactérias presentes no exame de urina simples; − Nitrito positivo; − Características do cálculo (ex: coraliforme, obstrutivo, etc.). *Evitar solicitação de Urografia Excretora ou outros exames que utilizem contraste radiológico na fase aguda. Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 14 Radiografia simples de abdome: não é feita de rotina, e diagnostica apenas cálculos radiopacos (ex.: NÃO detecta os cálculos de ácido úrico). Apesar de tradicionalmente ter sido considerada capaz de evidenciar até 90% dos cálculos renais, estudos mais recentes revelam uma sensibilidade = 62% e uma especificidade = 67%. Ultrassonografia renal: é menos sensível para a visualização de cálculos urinários do que a TC helicoidal sem contraste, porém, passa a ser o método de escolha na ausência desta última, bem como nas gestantes. Em mãos experientes, pode ter uma acurácia semelhante à da urografia excretora, identificando cálculos em 64% dos casos e hidronefrose em mais 21% (sensibilidade total = 85%). A sensibilidade é maior para cálculos da pelve ou cálices renais (que ainda não migraram para o ureter). Cálculos mais distais no trato urinário podem não ser identificados, ainda que se possa constatar a presença da hidronefrose (dilatação pieloureteral) em consequência à obstrução. A grande desvantagem é que o exame depende muito do examinador. TC helicoidal não contrastada: é considerada o melhor exame para o diagnóstico da nefrolitíase ("padrão-ouro"). Estudos recentes apontam uma sensibilidade = 98% e especificidade = 100%. Tem a vantagem de ser realizada sem contraste iodado e de forma mais rápida do que a urografia excretora, identificando diversos tipos de cálculo, inclusive os de ácido úrico (que são radiotransparentes no RX simples). Pode ainda diagnosticar outras causas de dor em flanco,como torção ou cisto de ovário, apendicite, etc. As grandes desvantagens do método são a incapacidade de medir a função renal e a exposição à radiação ionizante, o que se torna um problema em pacientes com história de nefrolitíase recorrente e, obviamente, nas gestantes. Em caso de pacientes com história de eliminação de cálculos ou de procedimentos prévios para retirada ou fragmentação de cálculo, estão indicados exames para investigação metabólica e radiológica para fins tanto diagnósticos quanto de acompanhamento. Os exames devem ser realizados preferencialmente fora do período de dor aguda. A investigação metabólica está indicada principalmente em situações de recorrência elevada, antecedentes de intervenções urológicas para tratamento de litíase, em pacientes calculosos com história familiar significativa, em crianças, em caso de rim único, em pacientes com infecção urinária associada (não vigente), podendo no entanto ser realizada em qualquer paciente com finalidade de prevenir recorrência. Os exames laboratoriais indicados são: • Exame de Urina (sedimento urinário); • Urocultura quando indicada; • Dosagens séricas de cálcio (preferencialmente ionizado), ácido úrico, fósforo e creatinina; • Dosagens urinárias de cálcio, sódio, ácido úrico, oxalato, citrato e creatinina em 2 amostras de urina de 24h coletadas em dias não consecutivos e preferencialmente em dias úteis; • pH urinário (2 a micção matutina) após jejum de 12 h (medido em pHmetro); • Pesquisa qualitativa de cistina urinária (quantitativa se necessário) *Exames específicos se alterações nos exames anteriores: PTH sérico, densitometria óssea (especialmente nos casos de hipercalciúria devido à possibilidade de osteopenia associada 3), prova de acidificação com cloreto de amônia (dependendo do resultado do pH urinário e gasometria venosa), Mg, K e Cloro séricos e ou/urinários (principalmente em suspeita de tubulopatias associadas), Hidroxiprolina e/ou NTelopeptídeo (marcadores de reabsorção óssea), Fosfatase alcalina. → Tratamento Crise aguda: • Hidratação; • Antiemético se necessário; • Antiespasmódicos, anti-inflamatórios não hormonais, morfina e seus derivados . Medidas gerais: • Aumento da ingestão hídrica 6 (30 mL/kg peso corpóreo); • Estímulo à atividade física. Orientação dietética: • Adequação da dieta de acordo com o distúrbio metabólico; • Ingestões de cálcio e oxalato devem ser balanceadas (evitar restrição importante de cálcio); • Adequar ingestões de sal e proteína animal; • Estimular o consumo de alimento ricos em potássio e frutas cítricas. Tratamento medicamentoso - A utilização de drogas para tratamento dos distúrbios metabólicos visando a prevenção da recorrência dos cálculos depende do distúrbio metabólico evidenciado. Os mais utilizados e as principais indicações são: • Tiazídicos - em casos de Hipercalciúria Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 15 • Inibidor da XantinaOxidase (Allopurinol) - Hiperuricosúria • Citrato de Potássio - em casos de Hipocitratúria, Hiperuricosúria, Acidose Tubular Renal, podendo também ser utilizado em casos de Hipercalciúria. Está contraindicado em caso de infecção urinária associada. • Drogas específicas - alfamercaptopropionilglicina em casos de Cistinúria, vitamina B6 em casos de Hiperoxalúria primária, etc. Obs: devem ser utilizadas as menores dose possíveis necessárias para o controle das alterações metabólicas, com o mínimo de efeitos colaterais. Referências: • Módulo de nefrologia – Medcurso; • Diretriz Litíase Urinária – AMB/SBN. 5) COMPREENDER O TRATAMENTO PARA NEFROLITÍASE (HIPER-HIDRATAÇÃO, ANTIESPASMÓDICO - MECANISMO DE AÇÃO E EFEITOS ADVERSOS ). Alguns fármacos são desenvolvidos pela sua capacidade de aliviar a dor ou o desconforto abdominal por meio de ações antiespasmódicas. Os antiespasmódicos atuam sobretudo por meio de atividade anticolinérgica. Os medicamentos de uso comum nessa classe incluem a diciclomina e a hiosciamina. Esses fármacos inibem os receptores colinérgicos muscarínicos no plexo entérico e no músculo liso. A eficácia dos antiespasmódicos para alívio dos sintomas abdominais nunca foi demonstrada de modo convincente. Quando administrados em baixas doses, exercem efeitos autônomos mínimos. Todavia, em doses mais altas, exibem efeitos anticolinérgicos adicionais significativos, como boca seca, distúrbios visuais, retenção urinária e constipação. Por essas razões, os antiespasmódicos raramente são utilizados. Parassimpaticolíticos Parassimpaticolíticos são antagonistas competitivos nos receptores muscarínicos. Por isso, fármacos desta classe também são chamados de antimuscarínicos ou anticolinérgicos e atuam diminuindo a atividade fisiológica parassimpática (causando por exemplo boca seca, visão borrada, constipação intestinal, retenção urinária). Seus representantes são atropina (hiosciamina), escopolamina (hioscina), homatropina, tropicamida, ciclopentolato, pirenzepina, ipratrópio, metantelina, propantelina, diciclomina, difemanila, benztropina, triexifenidil e biperideno. Há diferenças no perfil de efeito dos anticolinérgicos relacionadas à afinidade heterogênea pelos receptores. Atropina é o protótipo do grupo e tem amplo uso para reversão de efeitos muscarínicos de parassimpaticomiméticos diretos e indiretos. Diminui motilidade e secreção gastrointestinais, incluindo salivação, relaxa musculatura brônquica e reduz secreção de vias respiratórias. Causa midríase e paralisia da acomodação ocular (cicloplegia). Diminui a secreção cloridropéptica. Produz taquicardia, embora efeito bradicardizante leve e inicial possa ocorrer em doses médias (0,4 a 0,6 mg) ou com administração intramuscular ou subcutânea, por conta da ação antagonista sobre o receptor M1 ganglionar; isto é, o desestímulo simpático acaba sendo maior que o parassimpático neste caso de incipiente “bloqueio ganglionar”. Com doses intravenosas mais altas (1 mg), tem pronta biodisponibilidade e aumenta a frequência cardíaca pelo bloqueio de receptores M2 cardíacos. Essa é a dose de atropina indicada no infarto agudo do miocárdio com hiperatividade vagal (bradicardia e hipotensão). Flush (eritema cutâneo difuso súbito) atropínico pode eventualmente ocorrer, causado pela vasodilatação cutânea reflexa compensatória da diminuição da sudorese, a fim de permitir a dissipação do calor. A atropina tem apresentações injetáveis de 0,25 mg/mℓ e 0,5 mg/mℓ. Atropina e escopolamina são em geral empregadas como antiespasmódicos em quadros de cólica intestinal, renal ou uterina. Porém, o efeito sobre a musculatura lisa de ureteres, bexiga, útero e vesícula biliar tende a ser muito discreto e só obtido mediante altas doses. Escopolamina tem efeito cardíaco quase nulo, sendo comum seu uso para cólicas intestinais associadas a náuseas, pois apresenta também efeito antiemético decorrente de bloqueio de receptores muscarínicos no tronco encefálico. Está disponível para uso oral em drágeas (10 mg), em associação com analgésicos como dipirona ou paracetamol em algumas apresentações, e solução oral de (10 mg/mℓ). A solução para infusão intravenosa, intramuscular ou subcutânea é de 10 mg/mℓ. O intervalo entre doses é comum para todas as formulações (6/6 h) e deriva da meia-vida de aproximadamente 5 h do fármaco. Homatropina também é oralmente empregada como antiespasmódico em associação com dimeticona, agente inerte com pretenso efeito diminuidor da flatulência. Colírios de atropina (concentração de 0,5% ou 1%), ciclopentolato (a 1%, ou seja, 10 mg/mℓ) e tropicamida (a 1%) são empregados para dilatação da pupila para fundoscopia, exames de refração e para prevenir aderências da íris ao cristalino nas irites, iridociclites, coroidites eceratites. Todos os medicamentos com efeitos parassimpaticolíticos são Ana Beatriz Figuerêdo Almeida - Medicina 2023.1 Página | 16 contraindicados em pacientes com glaucoma, especialmente de ângulo fechado, pois podem aumentar rapidamente a pressão intraocular. O colírio de atropina tem sido utilizado, em caráter ainda exploratório, para provocar xerostomia em pacientes que não podem deglutir a saliva, como portadores de neoplasia de esôfago avançada e doenças neurológicas com disfagia extrema, embora sem evidência de eficácia. Biperideno e triexifenidil são antiparkinsonianos com efeito predominante sobre o tremor, mas têm sido cada vez menos prescritos em face dos efeitos antimuscarínicos periféricos e por indícios de que, como outros anticolinérgicos de uso sistêmico, aumentem a chance de demência e provoquem estado confusional agudo em parcela significativa de usuários. Pelo mesmo motivo, questiona-se a segurança a longo prazo de antimuscarínicos utilizados, com grande eficácia, para incontinência urinária, como a oxibutinina. Pacientes com taquiarritmias cardíacas também não devem consumir medicamentos anticolinérgicos sob risco de descompensação da arritmia. Antimuscarínicos podem diminuir a força de contração vesical e, portanto, associar-se a aumento do volume residual pós-miccional e retenção urinária. Os antiespasmódicos são um grupo de substâncias que previnem ou interrompem a contração dolorosa e involuntária dos músculos do intestino, abdômen e sistema reprodutor. Essa contração, conhecida também como espasmos, é a “culpada” pela sensação de cólica, seja ela gastrointestinal, das vias biliares e menstrual. Os antiespasmódicos, dependendo do seu mecanismo de ação, são classificados em três principais grupos: • Agentes relaxantes diretos do músculo liso (mebeverina, agentes derivados de papaverina); • Anticolinérgicos (butilhioscina, hioscina, hiosciamina, levocina, dicicloverina, butilescopolamina); • Agentes bloqueadores dos canais de cálcio (bromuro de pinaverio, bromuro de otilonio, alverina, fenoverina, rociverina y pirenzepina). Para entender o que é antiespasmódico também é preciso saber para que ele serve. E dependendo do grupo ao qual pertence, esse medicamento pode ser indicado para diferentes problemas. Relaxantes diretos do músculo liso Esse tipo de antiespasmódico atua no músculo liso do sistema digestivo, reduzindo o tônus e o peristaltismo, aliviando os espasmos intestinais. Os únicos efeitos colaterais dessa classe de medicamentos são a dor de cabeça e tontura, no entanto, ocorrem em raros casos. Antiespasmódicos anticolinérgicos Essa classe de antiespasmódico serve para atenua os espasmos na barriga ou contrações do intestino, reduzindo a dor abdominal. Entre seus efeitos colaterais estão dor de cabeça, tontura, visão turva e erupção cutânea. Bloqueadores de canais de cálcio Esse tipo de antiespasmódico possui a função de impedir que o cálcio entre nas células musculares lisas intestinais. Sem o cálcio, o intestino fica mais relaxado. As reações adversas desse medicamento podem incluir náusea, erupção cutânea e diarreia. Os anticolinérgicos ou antagonistas dos receptores colinérgicos se subdividem em anti-nicotínicos e anti- muscarínicos. Hiper-hidratação Utilizada como profilaxia da nefrolitíase a ingesta de 2,5 a 3 litros por dia para produção de no mínimo 2 litros de urina/dia; O uso de hiper-hidratação e diuréticos como terapia para auxiliar na eliminação de cálculos (fase agudização do quadro) permanece controverso. Alguns urologistas acreditam que a hidratação pode aumentar a velocidade de passagem de um cálculo pelo trato urinário, enquanto outros ressaltam que a hiper-hidratação causa aumento na pressão hidrostática renal, exacerbando a dor. A hidratação está claramente indicada em pacientes com evidência clínica ou laboratorial de desidratação ou insuficiência renal. Referências: • Farmacologia básica e clínica - Katzung; • Farmacologia clínica e terapêutica – Fuchs e Wannmacher.
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